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História Igual Que Ayer - Ela é a minha filha?


Escrita por: jaimencanto

Notas do Autor


O capítulo tão aguardado por vocês! Espero que gostem! ♥

Capítulo 5 - Ela é a minha filha?


Fanfic / Fanfiction Igual Que Ayer - Ela é a minha filha?

 

Alguna vez - Matisse

 

 

- Como assim ele não é seu pai?

 Eu estava abismado, assustado e confuso. Eu tinha certeza que Guilhermo era seu pai, pelo fato dele ser muito próximo à ela e provavelmente ser o marido de Lety. Mas, se ela não era filha dele, de quem era? Será que Letícia teve outro caso antes de Gulhermo e depois de mim? Será que ela foi capaz de se envolver com duas pessoas depois de me abandonar? Pensar nisso era doloroso demais, e minha cabeça estava prestes a explodir.

- Ele não é, oras.

- E quem é seu pai? - Perguntei afobado.

- Não o conheci ainda. Minha mãe não gosta de falar muito dele. - Suspirou desanimada. - Na verdade, ela não diz quase nada. Apenas que um dia talvez eu o conheça, se ele quiser.

Como Letícia foi capaz de fazer isso? Será que a situação era pior do que eu pensava e ela não sabia quem era o pai de Júlia? Afinal, só algo assim justificaria ela esconder da garota quem era o seu pai. Eu não a reconhecia mais. Não parecia a mesma Letícia de antes. A Letícia que conheço jamais esconderia de sua filha quem é o seu pai.

- Eu queria conhecê-lo logo. Mas... Minha mãe não gosta de falar sobre isso.

- Como ela não fala? Ela também não sabe quem é?

- É claro que sabe! - Ela achou graça. - Mas não quer me contar.

Minhas duvidas apenas aumentavam. Letícia seria capaz de ter se envolvido com tantos homens assim enquanto eu passei seis anos da minha vida sofrendo por ela? Foi então que durante essas dúvidas, me veio uma provável resposta. Uma resposta impossível, inacreditável, mas que poderia fazer sentido. Mas, se eu estivesse certo, seria a pior coisa que Letícia poderia ter feito comigo. Pior do que me abandonar sem nenhuma explicação.

- Quantos anos você tem? - Perguntei já com as mãos suando.

- Tenho seis.

Droga. Droga. Droga.

- E qual o seu nome completo?

- Oras, Júlia Padilha. - Ela me olhou como se eu fosse louco.

- Não tem... Um nome a mais?

Ela abaixou a cabeça parecendo envergonhada.

- Eu não gosto muito...

Meu Deus! O que eu vou fazer se ela me disser que tem um "Mendiola" no seu nome?

- Minha mãe teve a idéia de colocar um nome muito estranho. Eu não gosto que as pessoas saibam por medo de zombarem.

- Qual nome? 

Ela suspirou.

- Eu me chamo Júlia porque minha avó, mãe da minha mãe, se chama Julieta...

Isso eu já imaginava.

- Só que minha mãe colocou um segundo nome porque diz que é uma homenagem à minha bisavó.

Meu coração estava prestes a sair para fora do meu peito.

- Eu nem a conheci, e acho que minha mãe também não. Mas ela diz que eu deveria me orgulhar do meu nome porque é muito bonito.

- E qual é o seu nome, Júlia?

         Ela ergueu a cabeça para me olhar.

- Júlia Helena.

 

 

                                                                          •••

 

 

 

Fernando deitou-se cansado à cama, com o suor escorrendo por seu corpo e a respiração ofegante. Olhou para o lado e Letícia estava da mesma maneira, enquanto encarava o teto.

- Eu não acredito que fizemos isso. - Ela disse.

- Você concordou...

- Eu sei. Mas não deveria. Você me manipulou.

Fernando riu.

- Eu não fiz nada.

- É claro que fez! Com aquela história de "já somos noivos, se isso acontecer só estaremos antecipando as coisas. A ordem dos fatores..."

- Tá bom. Já entendi. - Ele riu e se aproximou. - Lety, não é só porque fizemos sem que você já está grávida.

- Mas e se eu tiver?

- Conseguimos o que queríamos, não é? Nossa Helena! - Ele sorriu divertido e ela o olhou.

- Eu não te disse uma coisa.

- O que?

- Não estou no meu período fértil.

- Ótimo! Assim podemos treinar mais.

- Você não tem jeito. - Lety riu e Fernando se debruçou sobre ela para beijá-la.

 

 

 

                                                                          •••

 

 

Não. Não pode ser. Isso não pode ser verdade. Letícia não seria capaz de fazer isso comigo. Minha cabeça estava prestes a explodir e eu não sabia o que pensar. Por mais que eu não acreditasse, tudo se encaixava. Sua idade, ela não conhecer o seu pai, o seu nome... Letícia foi mesmo capaz de esconder uma filha de mim por todos aqueles anos?

- Eu preciso ir. - Júlia pulou do banco. - Já estamos indo embora. Tchau, Fernando!

Não tive coragem de respondê-la, apenas a observei correr para a direção do parque, e não pude evitar pensar que se ela fosse realmente minha filha, eu havia perdido grande parte da sua infância. Eu precisava esfriar a cabeça, e precisava desabafar com alguém, antes que eu explodisse.

 

 

                                                                          •••

 

 

               Alguém bateu à porta do quarto e eu corri para atendê-la. Era Isabela. Ela me olhava apreensiva e a única coisa que consegui fazer foi dar espaço para que ela entrasse.

- O que foi que aconteceu? Quando você me ligou estava tão eufórico e nervoso. – Ela disse adentrando o quarto.

- Desculpe, eu não quis atrapalhar o seu trabalho.

- Não, não atrapalhou. Mas, me diz. O que aconteceu?

               Eu não sabia como dizer. Não sabia como falar com ela sobre a teoria de Julia ser minha filha. Parecia loucura demais dizer isso em voz alta.

- Fernando! – Ela me olhou tensa. – Você está me deixando preocupada!

- Desculpe. É que... Eu estou nervoso ainda. E confuso. Muito confuso. – Respondi andando de um lado para o outro. – Isabela, o que você acha da Julia?

- Como assim? A filha da Letícia?

- Sim.

- Eu acho ela... Uma ótima garota.

- Não. Eu digo... Fisicamente.

- Não sei. Ela me lembra muito a Lety.

- Acha que ela se parece com Guilhermo?

- Não tive tempo para reparar isso. Mas, não sei... Acho que não muito. Se parece mais com a Lety.

- E se eu disser que Guilhermo não é o pai dela?!

- O QUE?

               Suspirei com as mãos tremulas.

- C... Como assim não é filha dele? Ela é filha de quem então?

- É o que eu quero saber!

- Você acha que Letícia teve... Outro relacionamento?

- Foi o que pensei, até conversar com Julia hoje a tarde.

- Espera. Você foi lá?

- Não. Ela estava na praça por acaso. Mas, isso não vem ao caso. A questão é que, ela também não conhece o pai dela. Letícia a privou de conhecer o pai por todos esses anos.

- Mas isso é... Horrível!

- Sim, horrível. – Uma pontada em meu peito surgiu quando pensei na possibilidade de que esse pai desconhecido era eu.

- Então, você acha que ela teve outro? Sabe de quem ela pode ser filha?

- Tenho uma teoria.

- Quem?

               Fiquei em silencio, até que ela arregalou os olhos.

- Não! – Exclamou colocando as mãos à boca. – Mas, espera! Quantos anos ela tem?

- Seis. – Falei com a voz embargada. – Exatamente seis anos.

- Meu Deus, Fernando! Vocês... Vocês fizeram...

- Eu não sei! Faz muitos anos! Já não lembro mais o que fizemos. Mas, Isabela... Quais as chances de tamanha coincidência?

               Ela sentou-se à cama, perplexa.

- E sabe do que mais? Ela tem o nome da minha avó. Helena. Eu sempre disse à Lety que quando tivéssemos uma filha eu gostaria de chamá-la de Helena em homenagem à minha avó. Por que Letícia colocaria o nome dela na filha de outro cara?

- Fernando, eu... Não sei o que dizer.

- E nem eu.        

               Dizer tudo aquilo à Isabela me deixou ainda mais nervoso e pior do que eu estava. Estava a ponto de enlouquecer para descobrir a verdade. Mas, o que seria pior? Descobrir que Letícia escondeu uma filha de mim por tantos anos, ou descobrir que ela teve outro relacionamento depois de mim, provando mais uma vez que não se importava comigo ou com o que tivemos? Eu não sabia qual seria mais doloroso.

- Eu preciso ir até lá... – Segui para a porta.

- Fernando, espera! – Isabela se apressou e parou em frente à porta. – Não pode ir lá desse jeito. Você precisa se acalmar.

- Eu não vou me acalmar enquanto não souber a verdade, Isabela!

- Mas, Fernando...

- E eu vou descobrir agora.

               Abri a porta mesmo com Isabela segurando-a, e saí disparado, em busca da verdade: Julia era ou não minha filha?

 

 

                                                                                         •••

 


Parece que lo hiciste otra vez. Dejaste nuestro amor para después
No quiero mas escusas, ya lo se.
Te vas a ir y no te detendré, estoy acostumbrado a ya no hacerte falta.

 

 

LETY

 

 

               Eu estava ajudando os funcionários com as mesas. O jantar seria servido em algumas horas, e eu costumava ajudá-los com a arrumação do restaurante. Parecia um dia como qualquer um, como todos os dias desde que comecei a trabalhar ali. Ao menos, até Fernando entrar enlouquecido no restaurante vindo em minha direção. Quando o avistei e vi que estava nervoso, com os olhos vermelhos assim como todo o seu rosto, dei um passo atrás temendo o que ele faria. Eu sabia que Fernando jamais seria capaz de fazer algo desse tipo, mas ele estava visivelmente muito nervoso, e eu nem mesmo sabia o motivo.

- Precisamos conversar. – Ele disse com a voz tremula.

- Fernando, calma. – Falei gesticulando. – O que aconteceu?

- Preciso falar com você.

               Os funcionários nos olhavam curiosos, e Guilhermo se aproximou.

- O que está acontecendo? – Ele perguntou olhando para Fernando.

- Lety e eu precisamos conversar. Urgente!

- Fernando, espera. O que está acontecendo? – Perguntei.

- Precisa se acalmar, Fernando. – Guilhermo disse.

- Não quero me acalmar! – Respondeu aumentando a voz, parecendo ainda mais nervoso. – Eu quero saber a verdade, Letícia. E você sabe que eu sei muito bem quando mente, então, por favor, pelo menos uma vez na sua vida tenha compaixão por mim e me responda a verdade.

- Mas que verdade?

- Julia é a minha filha?

               Aquela pergunta me pegou desprevenida. Abri a boca perplexa e senti todo o meu corpo tremer. Por pouco não conseguia continuar de pé, olhando-o sem fala. Minha garganta começou a queimar e meus olhos encheram-se de água.

- Pelo amor de Deus, Letícia. Me responda! – Insistiu, com a voz embargada.

               Guilhermo nos olhava, também sem saber o que dizer.

- ELA É, OU NÃO É? – Ele gritou, já com os olhos cheios de lágrimas.

- Vocês precisam conversar. – Guilhermo me olhou e eu suspirei, tentando prender a enorme vontade de chorar. – Vão para o escritório.

               Balancei a cabeça concordando e me virei, adentrando o restaurante. Fernando me seguiu e passamos por um corredor, parando à porta do escritório. Fiz sinal para que Fernando entrasse e ele me encarou com desgosto. Jamais pensei o quanto seria doloroso ele me olhar daquela maneira. Entramos no escritório e eu fechei a porta, suspirando logo depois. Fernando escorou-se à mesa e passou a mão no rosto.

- Só quero que me responda isso, Letícia, por favor. – Ele me olhou já com as lágrimas rolando em seu rosto. – Julia é ou não minha filha?

               Eu não conseguia dizer. Não tinha forças para dizer.

- ME RESPONDA, LETÍCIA!

- Fernando, não grite! Abaixe o tom! – Falei olhando para a porta. – Guilhermo não merece toda essa falta de respeito!

- Que se dane o Guilhermo! – Respondeu ainda alterado. – Eu quero que me responda logo, droga!

- Como você chegou à essa conclusão? Por que pensa que ela é sua filha? – Perguntei com a garganta em chamas.

- Isso não importa! Eu sei que Guilhermo não é pai dela, e a não ser que tenha se envolvido com mais homens do que imagino...

- Não me falte com respeito! – Falei irritada. – Não irei admitir isso.

- Então me diz logo a verdade! – Ele descruzou os braços, e dessa vez não parecia uma simples pergunta e sim uma suplica. – A idade dela coincide, então, por favor, Letícia, não minta para mim. Não me faça de bobo como já fez uma vez.

               Senti o meu coração se cortar e já não pude mais segurar as lágrimas.

- Ela é a minha filha? – Perguntou em voz baixa.

               Abracei ao meu próprio corpo e o olhei, balançando a cabeça afirmamente. Fernando fechou os olhos e chorou ainda mais, virando-se de costas para mim logo depois.

- Como você pôde fazer isso comigo, Letícia? – Ele perguntou ainda de costas, dando um soco à mesa em sua frente.

- Não foi totalmente minha culpa! – Falei meio às lagrimas.

- Ah não? – Ele virou-se para mim. – Então de quem foi? Dela? Não pode, não é? Já que ela nem sabe quem é o pai dela! Ela conversou comigo sem saber que EU ERA O PAI DELA!

- NÃO GRITE! – Repeti.

- DE QUEM É A CULPA ENTÃO?

- EU NÃO SEI! – Gritei de volta. – Mas você não pode chegar aqui me julgando!

- EU TENHO TODO O DIREITO DE ESTAR ASSIM, LETÍCIA! VOCÊ ME ESCONDEU UMA FILHA! POR SEIS ANOS! SEIS MALDITOS ANOS!

- E EU FARIA DE NOVO SE PRECISASSE?

- POR QUÊ? – Ele deu um passo à frente e eu me afastei.

- Não interessa por que! Conseguimos viver muito bem sem você!

- Eu não acredito que você foi capaz de fazer isso comigo, Letícia. – Ele soluçou. – O que eu fiz para você me tratar assim?

- Você sabe muito bem o que fez. – Respondi com desgosto. – E nunca precisamos da sua ajuda para nada.

- Você me decepcionou!

- Eu? – Sorri irônica. – Você não imagina o quanto eu já me decepcionei, Fernando.

- E por quê? Por que está dizendo isso se tudo o que eu fiz durante um ano e meio da minha vida foi dedicar tudo à você?

- Nem tudo... – Respondi magoada.

               A porta se abriu, e Julia colocou a cabeça pela frecha, nos olhando. Limpei as lágrimas rapidamente e Fernando virou-se de costas, provavelmente fazendo o mesmo.

- Mamãe...

- Oi, meu amor. – Forcei um sorriso.

– Vocês estão brigando?

- É claro que não.

- Você está brava porque conversei com Fernando hoje e disse que Guilhermo não é meu pai?

               Ele virou-se para ela, e eu suspirei.

- Não, meu amor. Não é por isso. Por que... Você não nos espera lá fora? Nós já vamos sair.

- Está bem.

               Me aproximei da porta para me certificar de que ela não iria ficar ouvindo pela porta.

- Mamãe, eu gosto dele. – Ela sussurrou quando me aproximei. – Não grite com ele.

               Senti o meu coração se partir ainda mais e segurei a vontade de continuar chorando. Apenas balancei a cabeça concordando e acariciei seus cabelos. Julia se afastou e eu voltei a fechar a porta, me virando para Fernando.

- Nunca mais deixo ela voltar à praça com aquela babá. – Comentei encarando o chão.

- Eu ainda estou esperando uma resposta. – Fernando encarou suas próprias mãos. – Quero saber o que deu em você para fazer uma barbaridade dessas.

- Isso não importa mais. – Respondi com frieza.

- Realmente não importa? – Ele me olhou. – Acha que a história deve ficar por isso mesmo?

- Por todos esses anos eu fui o pai e a mãe dela! Acha que você simplesmente vai chegar e eu vou permitir que invada a vida dela?

- Você a criou sozinha porque quis! – Ele aumentou a voz, voltando a se irritar. – E eu não vou voltar para a capital enquanto não resolvermos isso! E nem você e nem ninguém vai me privar de ficar perto da minha filha!

               Ouvi-lo dizer “minha filha” me doeu ainda mais. Eu tive meus motivos para não dizer sobre Julia para ele, da mesma maneira que tive meus motivos para deixá-lo há seis anos. Mas, Fernando parecia não se importar com isso, muito menos se lembrar do que aconteceu para eu tomar tais decisões. Ele só se importava com sua raiva, com seu rancor. Mas, apesar disso, o sonho de Julia sempre foi conhecer seu pai. E agora que ela tinha a oportunidade, eu não teria coragem de continuar escondendo-o dela, principalmente quando ela disse que havia gostado dele.

- Podemos conversar amanhã? Estamos de cabeça quente... Alterados. Precisamos conversar sobre isso com calma. – Pedi. – O restaurante fica cheio nessa data e eu não vou conseguir pensar com clareza até amanhã.

               Fernando suspirou e por um segundo pensei que ele fosse continuar discutindo, mas para minha sorte, ele concordou.

- Está bem. Mas, eu não vou desistir, Letícia. Não vou descansar enquanto não arrumarmos uma solução para isso.

               Ao dizer isso, ele passou por mim feito um furacão e abriu a porta, saindo disparado. Me escorei à mesa e deixei as lágrimas rolarem. Guilhermo entrou no escritório segundos depois e seguiu em minha direção, me abraçando.

- Onde está a Julia? – Perguntei meio à um soluço.

- Está na cozinha. Ela não o viu.

- Estávamos tão bem... Tão bem até ele chegar. Como as coisas podem mudar de uma hora para outra?

                Guilhermo apertou o abraço.

- Precisa dizer a verdade para Julia.

- Não. – Ergui a cabeça para olhá-lo. – Ele não vai tirá-la de mim.

- Ele não faria isso. Mas, agora que ele sabe a verdade, não pode proibir ele de ver a própria filha. Ela vai precisar saber uma hora ou outra.

               Voltei a chorar, sabendo que Guilhermo tinha razão. Julia não pertencia só a mim como foi todos esses anos. Agora, com o aparecimento de Fernando, ela tinha um pai. E eu não poderia privá-la disso.

 

 

 

•••


Para que me prometiste una ilusión
Si jamas pensaste en darme el corazón
Ahora se que este amor vivió en mi imaginación.

 

 

FERNANDO

 

 

               O telefone estava mudo. Mas, não porque a ligação havia caído, mas porque Márcia não sabia o que dizer depois de saber de toda a história. Eu sabia que ela deveria estar tão assustada quanto eu, afinal, Letícia também era sua amiga.

- Eu não sei o que dizer... – Márcia finalmente quebrou o silencio.

- E nem eu. – Suspirei cansado.

- Eu... Sinto muito que você tenha perdido tantos anos da vida da sua filha.

- Como ela pôde fazer isso, Márcia? Ela sabia melhor do que ninguém que o que eu mais queria era ser pai, e Lety me privou disso por seis anos! Seis!

- Eu sei... – Ela suspirou. – É horrível. Não consigo pensar em algum motivo para ela fazer isso. Vocês estavam tão bem... E ela... Ela nunca demonstrou ser uma pessoa assim.

- Eu estou tão perplexo do que você. Não parece a mesma Lety que conhecemos, sabe? Ela está fria, está... Diferente. – Encarei o teto e respirei fundo. – Não sei se um dia vou ser capaz de perdoá-la.

- Calma. Dê tempo ao tempo. Você disse que vão conversar amanhã, certo? Talvez ela explique porque tomou essa decisão.

- Nada justifica ela me esconder isso por tantos anos.

- De qualquer maneira, tente conversar civilizadamente. Brigar só vai piorar a situação.

- Vou tentar.

               Letícia e eu jamais tínhamos brigado tanto em um ano e meio de relacionamento. Não éramos os mesmos de antes. Ela não era a mesma de antes.

- Mas de qualquer maneira, o que vai fazer agora?

- Retomar o tempo perdido. Tentar ao menos me aproximar da minha filha e descontar todo esse tempo que ficamos separados.

- Faz bem. Ela não tem culpa de nada.

- É claro que não.

- E como ela é?

               Sorri pela primeira vez em horas.

- É linda. Se parece muito com a Lety. É inteligente, esperta, bem humorada...

- Você descobriu que é pai há algumas horas e já está babando.

- Não enche, Márcia. – Respondi rindo. – Mas ela é realmente incrível. Eu só preciso saber um pouco mais dela. Saber sobre todos esses anos que perdi. Tenho certeza que vamos nos dar muito bem.

- Assim espero.

- Será que você pode não comentar nada com meus pais ainda?

- Eu não faria isso. Acabaria sobrando para mim sem você aqui para me ajudar.

- Eu sei. Quero contar tudo para eles pessoalmente, quando eu voltar.

- Tudo bem.

               Ouvi batidas à porta.

- Vou desligar agora. Amanhã te ligo para contar os detalhes.

- Está bem. Ah... E feliz ano novo!

               Revirei os olhos.

- Pra você também.

- Não é só porque você não gosta de datas comemorativas que precisa responder com todo esse desanimo.

- Feliz ano novo, Márcia! Que seu próximo ano seja repleto de alegrias!

- Melhor! Obrigada! Igualmente. Mande um beijo para Isabela.

- Mando sim. Até mais.

- Até.

               Desliguei o telefone e segui até a porta, abrindo-a. Isabela ergueu uma garrafa de champanhe acompanhada de duas taças.

- Sei que você não está muito animado, mas... Não tenho outra companhia para passar o ano novo. Pode me acompanhar?

               Sorri divertido, me escorando à porta.

 

 

 

•••

 

LETY

 

 

               Os fogos iluminavam o céu. Essa costumava ser uma das minhas datas preferidas, pelo simples fato de pensar e crer que o próximo ano será melhor que o anterior. Nesses últimos anos eu tinha mais que agradecer do que reclamar. Julia crescia saudável, se tornou uma garota maravilhosa, e toda a minha vida era resumida à ela. Guilhermo estava sempre ao meu lado, me apoiando em tudo e em todas as minhas decisões. Eu consegui refazer minha vida, de certa maneira, e me sentia feliz. Ao menos queria acreditar nisso. Mas, nesse ano novo, a única coisa que eu conseguia pensar ao olhar para o céu colorido era: O que será da minha vida daqui pra frente? Como vai ser ter de conviver com Fernando, sabe-se lá quantas vezes. Como vai ser ter ele novamente em minha vida, mesmo que indiretamente? Julia com certeza escolheria ficar perto dele, e eu teria que aceitar isso. Eu pensava que o tinha esquecido, mas com toda aquela reviravolta, só tive certeza de que o sentimento que eu tinha por ele estava adormecido. Apesar das mágoas, apesar de tantas noites chorando por isso, eu ainda não conseguia odiá-lo. Não conseguia colocar na cabeça que nossa história teve um fim, e que não significou absolutamente nada. Isso é uma grande mentira.

- Olha aquele! – Julia apontou para o céu, assistindo aos fogos com Guilhermo a carregando em seu pescoço.

- Você gostou dele?

- Muito!

               Me aproximei dos dois e parei ao lado de Guilhermo, também olhando para o céu.

- Feliz ano novo. – Ele disse me olhando.

- Eu espero que seja. – Suspirei, sorrindo.

               Depois de longos minutos de fogos, eles enfim cessaram. Guilhermo colocou Julia no chão e ela voltou para o restaurante, nos deixando a sós.

- Esse ano será melhor. – Ele disse.

- Você diz isso todos os anos. – Sorri divertida.

- Mas eu sei que esse será.

- Como você está? – O olhei. – Em relação à tudo isso.

- Isso depende de você. Eu só me sinto mal se você estiver mal.

- Você é tão bom para mim, Guilhermo...

- É porque você é uma mulher forte, batalhadora, que me dá muito orgulho. Você merece tudo o que faço por você.

- Eu não quero que Julia se afaste de você.

- Isso não vai acontecer. – Ele tocou em meus ombros. – Eu sei que agora ela vai ter alguém para chamar de “pai”, e que vai se aproximar dele. Mas, nós passamos seis anos juntos. Eu a carreguei no colo. Acho que ela não me tiraria da sua vida assim.

- É claro que não! E eu jamais permitirei. Sempre vou enfatizar que foi você que me ajudou a cuidar dela.

- Não provoque ele dessa maneira. – Ele se referiu à Fernando. – Eu sei que está brava e que tem motivos para isso, mas de certa forma ele não tem culpa por não conhecer Julia.

- Ele tem sim uma certa culpa, mas você tem razão. Não vou julgá-lo tanto.

- Aproveite esse novo ano para deixar todas as mágoas de lado. Comece uma nova vida, pensando apenas no presente, e desejando felicidade para o futuro. Você tem Julia ao seu lado, você sempre me terá ao seu lado... Não precisa de mais nada. Certo?

- Certo. – Sorri agradecida. – Isso está parecendo uma despedida. Que horror!

               Ele riu e me puxou para um abraço. Parecia realmente uma despedida, mas eu ainda não havia tomado nenhuma decisão. Passei seis anos da minha vida tendo Guilhermo ao meu lado, morando em um lugar maravilhoso e tendo pessoas tão boas em minha volta. Não seria fácil largar tudo isso para voltar ao passado. Mas, não cabia só a mim tomar essa decisão.

 

 

•••

 


Para que curaste todo si después estaría aquí por ti peor que ayer.
Por favor contéstame si en verdad tu me quisiste alguna vez.

 

 

FERNANDO

 

               Isabela e eu olhávamos para a lua enquanto terminávamos a segunda garrafa de champanhe. Estávamos em silencio há um tempo, mas eu estava de certa forma aliviado e feliz por não termos tocado no assunto de Letícia até então. Isso fez com que por algumas horas eu pensasse que realmente poderia ser um novo ano, cheio de mudanças.

- O que vai fazer a partir de agora? – Isabela perguntou encarando sua taça.

- Vou voltar para a capital. Continuar minha vida. Mas, vou levar Julia comigo.

               Isabela me olhou.

- E o que a Lety acha disso?

- Ela não tem que achar nada. Não pode me negar isso.

- Fernando...

- Eu sou capaz de entrar na justiça se ela me negar isso.

- Não precisa tanto. Tenho certeza que se conversarem chegam em um acordo.

- Acho muito difícil. Tudo o que fazemos desde que nos reencontramos é brigar.

- Isso é porque ainda estão magoados com tudo. É a primeira vez que se encontram depois de anos, e ambos tem perguntas e respostas que querem fazer. Mas, tenho certeza que se conversarem com calma, vão conseguir resolver tudo.

- Assim espero. – Suspirei.

- Mas, tente pensar pelo lado bom... Você sempre quis ser pai.

- É... – Sorri olhando-a. – Por mais estranho que pareça, eu estou... Feliz com isso.

- Viu só?

- Com muita raiva, mas feliz.

- E você vai ser muito mais feliz quando puder ter sua filha ao seu lado, puder passar um tempo com ela como não pôde passar esses anos. E ela vai adorar!

- Eu espero que sim. – Olhei para minha taça. – Eu espero.

               Por mais revoltante que fosse pensar que Letícia me escondeu uma filha por seis anos, eu não poderia dizer que não estava feliz por descobrir que tivemos uma filha, depois de tudo. Naquela altura, a única coisa que me importava era começar uma relação de pai e filha com Julia, como não tivemos até então. Me resolver com Letícia e descobrir o motivo dela ter me abandonado sem alguma explicação havia ficado para uma segunda opção. Depois de toda a decepção que tive, minha filha era a única coisa que me importava no momento. Mesmo que Letícia ainda ocupasse totalmente meus pensamentos e meu coração.

 

 

•••

 

 

 

No dia seguinte, acordei com o meu celular vibrando sobre a cômoda. Sonolento, eu o peguei e atendi sem ao menos olhar quem era.

- Alo?

Fez-se silêncio por um tempo. Quando estava prestes a repetir, uma voz que logo reconheci respondeu do outro lado.

- Fernando...

Abri os olhos imediatamente e me virei à cama.

- Sou eu.

- Oi... - Eu não sabia o que dizer.

- Desculpe se te acordei.

- Não, eu... Só estava deitado.

- Estou ligando porque ontem prometi que terminaríamos nossa conversa. Você pode se encontrar comigo daqui uma hora?

- Sim. Aonde?

- Tem uma cafeteria à uma quadra do restaurante. Lá é o melhor lugar para isso.

- Certo.

- Então... Te vejo em uma hora.

- Ok.

Ela não se despediu, apenas desligou o telefone. Há tanto tempo não recebia uma ligação dela, que a única coisa que pensei foi "ela guardou o número do meu telefone todos esses anos?"

 

 

•••

 

LETY

 

 

Eu estava tensa e nervosa. Já haviam se passado 20 minutos desde a hora que marcamos. Comecei a pensar que ele teria desistido da conversa, o que apenas tornaria as coisas piores. Mas, enquanto brincava com a colher na minha xícara, o vi se aproximando e vindo em minha direção. Escolhi uma mesa no deck para que o som e a vista do mar pudesse nos acalmar ainda mais, para que a conversa fosse um pouco mais agradável.

- Desculpe a demora. - Ele disse ao se aproximar. - Fiquei um pouco perdido.

- Tudo bem. - Ele continuou de pé em minha frente. - Sente-se, por favor.

Fernando sentou-se em minha frente e a maneira que ele me olhava era a mesma de antes. E isso me matava.

- Então... - Ele escorou-se à cadeira, cruzando os braços. - O que tem para de me dizer?

- Antes de tudo eu gostaria de lhe pedir uma coisa.

Ele permaneceu em silêncio.

- Estou disposta a falarmos sobre Júlia e sobre tudo o que quiser fazer sobre ela. Mas, por favor, não me pergunte mais os motivos de ter escondido ela de você todos esses anos.

- Está me dizendo que eu não tenho o direito de saber disso?

- Não. Você não tem. E eu não quero falar sobre isso.

- Impressionante, Letícia.

- O que isso vai mudar?

- Vai mudar que eu vou saber o que deu em você para fazer essa besteira! - Ele aumentou a voz, mas respirou fundo logo depois, baixando o tom. - Eu só acho que mereço saber...

- Essa é a minha condição.

- Já parou para pensar que não está com nenhum direito de pedir condições?

- E nem você está no direito de exigir alguma coisa!

Fernando suspirou e escorou-se à mesa.

- Eu não estou a fim de brigar. Aliás, para dizer a verdade, no momento já não me importa mais saber seus motivos. - Disse friamente. - A única coisa que me importa agora é a Júlia.  Aliás, quando pretende dizer que eu sou o pai dela?

- Logo. Só precisamos decidir algumas coisas antes... Agora que você vai... Fazer parte da vida dela, precisamos saber como faremos com as visitas.

- Visitas? O que quer dizer com isso?

- Não esperava que ela fosse morar com você, não é?

- Não. Mas espero que não esteja dizendo que as "visitas" terão que ser feitas aqui.

- E seriam aonde?

- Por Deus, Letícia! Acha mesmo que podemos ficar tão longe assim?

- E qual o problema? Pode vê-la quando quiser! É só vir pra cá!

- É claro! Uma vez no mês e olhe lá! - Disse irritado. - Obviamente não quero ter uma relação à distância com ela já que fomos privados de nos conhecermos por seis anos.

 Ele jamais deixaria de jogar aquilo na minha cara.

- Precisamos ao menos morar perto para eu vê-la quando quiser.

- Vai se mudar pra cá então?

- Está brincando? É claro que não! Ela vai se mudar para a capital é claro!

- Você enlouqueceu? Não posso largar tudo e ir morar na capital com ela.

- E eu tenho que largar tudo e vir pra cá?

- Quem não aceitou a condição de visitas foi você!

- Quer saber? Isso não cabe a nós escolher.

- Como assim?

- Júlia precisa escolher o que quer.

- Ela tem seis anos!

- Mas já é grande suficiente para saber o que vai escolher.

Suspirei impaciente e achei melhor não responder.

- Quando vamos contar à ela? - Ele perguntou em tom mais baixo.

Olhei em meu relógio e já era a hora de nos encontramos com ela e Guilhermo. Eu deveria me preparar para uma das coisas mais difíceis que já fiz: contar à Júlia que Fernando era seu pai.

- Agora mesmo. - Me levantei, pegando minha bolsa. - Pedi para Guilhermo nos encontrar aqui.

Fernando também se levantou e saímos juntos da cafeteria. Paramos à orla e esperando em silêncio a chegada dos dois. Embora o clima ainda estivesse pesado, precisávamos nos acalmar para dar a notícia à Júlia. Uma discussão entre nós dois poderia tornar tudo ainda mais difícil.

- O que Guilhermo acha sobre isso? - Fernando perguntou quebrando o silêncio.

- Sobre o que?

- Sobre tudo.

- Não sei. Ele teria que achar alguma coisa?

- Ele e Júlia parecem ser muito próximos. Ele pode ficar chateado agora que ela vai ter o pai de verdade ao lado dela.

- Ele não é assim. Além do mais, ele jamais vai deixar de fazer parte da vida dela só porque você surgiu de repente.

Percebi que ele se irritou, mas não retrucou.

- Soube que lhe deu o nome da minha avó...

Não respondi.

- Foi em homenagem à ela mesmo, ou...?

- Foi. - Respondi amarga.

- Bom... Obrigado.

O olhei.

- Ao menos pensou em mim em algum momento? – Ele perguntou sem me olhar.

Abri a minha bolsa irritada e tirei um papel dobrado, colocando-o contra seu peito. Fernando o pegou e o olhou confuso, até entender o que era.

- Colocou o meu sobrenome? - Perguntou já sabendo a resposta.

- Não sabia se seria uma boa idéia, mas Guilhermo achou que sim. Se quando ela crescesse quisesse saber quem era você, poderia usar isso para explicar tudo.

- Então você esperaria que ela crescesse mais para contar a verdade?

- Ela não precisava saber disso agora.

- Ela precisou ter um pai!

- Mas ela nunca sentiu falta disso. - Respondi friamente. - Ela tem curiosidade sim, como qualquer outra criança teria no seu lugar. Ela não precisava saber a verdade agora.

Fernando colocou a mão à testa, e eu me lembrei imediatamente de todas as suas manias. Ele costumava fazer isso quando era contrariado ou quando estava irritado.

- Ah, estão vindo! - Exclamei avistando-os caminhando em nossa direção.

Júlia estava de mãos dadas com Guilhermo, mas quando viu Fernando, o soltou e correu em sua direção. Quando se aproximou, ele se abaixou e os dois se abraçaram. Era como se ela soubesse de toda a verdade. Era como se em apenas dois dias que ela o conhecia, já havia uma ligação entre os dois. Percebi que enquanto Fernando a abraçava, seus olhos se fecharam e ele suspirou.

- Que bom que você não foi embora. - Júlia disse enquanto o abraçava. - Eu fiz um desenho pra você.

Fernando pegou o papel que ela lhe entregou e o olhou emocionado. Era um desenho dele, e pelo que entendi, estava sentado à praça.

- Eu adorei. - Ele sorriu com os olhos marejados. Júlia sorriu animada e eu senti que meu coração explodiria.

Até então eu estava preocupada com a reação que ela teria ao descobrir que seu pai era de certa forma um desconhecido com quem ela teve contato apenas por dois dias. Mas, depois daquela cena, não pude evitar sorrir e me sentir aliviada.

- Meu amor... Nós precisamos conversar. - Falei.

Júlia me olhou e Fernando se levantou.

- Eu vou dar uma volta. - Disse Guilhermo. - Nós encontramos logo.

Balancei a cabeça afirmando e ele se afastou.

- Vamos dar uma volta na praia?

- Sim! - Ela exclamou animada. - Fernando vai também?

- Vai. - Falei olhando-o. - Nós dois precisamos conversar com você.

Júlia concordou e seguimos os três caminhando pela beira do mar. A praia era o lugar preferido de Julia, e nada melhor do que caminhar descalços na areia para tentar amenizar um pouco o impacto que teria aquela notícia. Júlia andava entre nós dois, de mãos dadas comigo e com Fernando, e não parava de falar o quanto gostava de conchas. Fernando parecia interessado na conversa, mas eu estava ansiosa para lhe dar a notícia.

- Júlia... - Parei de andar e os dois fizeram o mesmo, me olhando. - Eu preciso te dizer uma coisa. 

Ela me olhou atenta.

- Sobre o seu pai.

Era esperado que ela se assustasse quando eu tocasse no assunto, já que não falávamos muito sobre isso. Fernando suspirou e cruzou os braços, esperando que eu continuasse.

- Você se lembra quando me perguntou quem ele era?

- E você disse que eu iria saber quando chegasse a hora.

- Sim! - Suspirei. - E chegou a hora.

- Você vai me dizer o nome dele? - Perguntou sorrindo.

- Melhor. Vou apresentá-la à ele.

O seu sorriso diminuiu e ela me olhou confusa.

- Júlia... O Fernando. Ele... - Não consegui terminar a frase. Abri a boca algumas vezes, mas não consegui dizer absolutamente nada. Fernando logo percebeu o meu nervosismo e se abaixou ao lado dela.

- Eu sou o seu pai, Júlia.

Ouvi-lo dizer aquilo pareceu ainda mais espantoso. Júlia o olhava em silencio, mas não esboçou nenhuma reação de espanto. Esperamos que ela dissesse algo, mas o seu silêncio me assustava.

- Júlia? - Chamei sua atenção. - Diz alguma coisa, filha.

- Você não gosta de ter uma filha? - Perguntou à Fernando e senti meu coração se cortar.

- É claro que sim! - Fernando segurou seus ombros carinhosamente. - Acontece que... Eu também não sabia.

- Por quê?

Ele me olhou.

- É uma longa história.

- Então só agora você descobriu sobre mim?

- Infelizmente sim. - Ele disse com pesar. - Mas eu prometo... Prometo que vamos recuperar todos esses anos que ficamos separados. Eu sei que preciso saber mais sobre você, e você sobre mim. Mas... Agora, eu quero fazer parte da sua vida.

Ela me olhou e eu sorri.

- Minha mãe fala o seu nome quando está dormindo, às vezes.

Senti meu rosto corar e Fernando sorriu divertido.

- Eu já deveria imaginar que vocês eram namorados. - Ela sorriu marota.

- Éramos. - Enfatizei. - Agora somos... Amigos.

- Sim. - Fernando disse. - Mas isso não importa. O que importa é que agora sabemos que sou seu pai, e não vamos mais nos separar.

- Você promete?

Fernando sorriu.

- Eu prometo.

Para o nosso alívio, o sorriso dela aumentou, e logo depois ela abraçou Fernando. Estava aliviada por ela não ter se zangado comigo, e principalmente por ter aceitado aquela situação. Eu sabia que Fernando seria um ótimo pai para ela, e disso não tinha dúvida.

 

 

•••

 

 

                        Guilhermo e eu observávamos os dois conversando há alguns metros de onde estávamos. Achei que Fernando merecia um tempo a sós com Júlia, e os dois pareciam se dar muito bem. Enquanto pegavam conchinhas na beira do mar, os dois gargalhavam juntos, como se sempre tivessem se conhecido.

- Você sabe que agora vai ser difícil separar os dois, não é? - Guilhermo perguntou enquanto estávamos sentados observando-os.

- Não quero separar os dois. Só não quero que ele a tire de mim.

- Ele não vai fazer isso. Mas vocês precisam entrar em um acordo. Precisam saber como fazer daqui pra frente.

Respirei fundo.

- Acho que ela não iria querer que o próprio pai morasse longe.

O olhei confusa.

- Está dizendo o que?

Ele não respondeu, mas eu acabei entendendo o que ele queria dizer.

- Não. Eu não vou me mudar pra capital com ela, Guilhermo.

- E por que não?

- Você sabe muito bem porque não. Eu não me sentiria bem voltando pra lá, e eu não largaria tudo o que tenho aqui para fazer a vontade de Fernando. Ele não merece isso.

- E a Júlia também não?

- Não confunda as coisas, Guilhermo. Você melhor do que ninguém sabe que eu não posso fazer isso por Fernando. Nada apagou o que ele fez, e parece que você está se esquecendo disso.

- Eu não. Mas você deveria. - Disse com seriedade. - Você largou tudo na capital quando veio para cá, não foi? Sua família, sua carreira, ele... Por que não fazer o mesmo aqui por sua filha?

- Sinceramente, não consigo te entender. Parece que está me induzindo a fazer as coisas para agradá-lo. Ele não merece isso, Guilhermo!

- Ele não, Lety, mas Julia sim. – Ele me olhou com seriedade. – Eu sei muito bem os motivos de você ter se afastado dele durante todos esses anos, e sabe que sempre fiquei do seu lado. Eu não quero vê-la sofrer, e principalmente, não acho que ele a merece depois de tudo o que fez. Mas, não estamos falando apenas de você. Você não está mais há seis anos atrás quando só podia pensar em você. Tem a Julia, e agora que ela sabe que Fernando é o pai dela, precisa pensar no que fazer para não fazê-la sofrer. Uma coisa é ela viver todos esses anos achando que tinha um pai “imaginário”, outra coisa é ela saber quem é seu pai e simplesmente deixar de vê-lo.

               Guilhermo tinha toda a razão. Eu estou sendo egoísta pensando apenas em mim. É claro que se eu pudesse escolher, Fernando voltaria para a capital e eu continuaria a minha vida em paz. Ao menos, era o que eu queria. Mesmo insistindo que ele fosse embora e nos deixasse em paz, eu sabia que nada seria como antes. Rever Fernando mexeu comigo, mexeu com minha vida no passado, presente e futuro. Naqueles seis anos em que fiquei longe dele, embora jamais tivesse tirado ele dos meus pensamentos, e embora o meu coração continuasse machucado depois do que aconteceu, eu jamais pensei que fosse revê-lo algum dia, e que todas as sensações e sentimentos que eu costumava sentir, retornariam. Ele não merecia, e provavelmente eu nunca iria admitir isso, mas Fernando Mendiola ainda conseguia me desestabilizar completamente.

- Olha, você não precisa fazer as coisas sem pensar, também. – Guilhermo continuou. – Só estou dando um conselho, e o meu apoio. Se for o caso, eu te ajudo com tudo o que precisar.

- Como sempre fez, não é? – O olhei emotiva e ele sorriu, me puxando para um abraço.

- Você não precisa chorar.

- Eu não quero ficar longe de você, Guilhermo. Nós não queremos ficar longe de você.

               Ele deu um longo suspiro, acariciando meus cabelos.

- Eu também não quero ficar longe de vocês. Mas nós dois sabemos que é o certo.

- Você é tão importante para nós, Guilhermo.

               Ergui minha cabeça e o olhei.

- Eu sei. – Ele sorriu triste. – Mas também sei que você jamais vai conseguir me amar como ama ele.

 

 

 

•••

 

FERNANDO

 

               Estar ao lado de Julia, ouvindo suas histórias e todos os seus gostos, me fez bem. Muito bem. O medo de que ela não aceitasse que eu fosse o seu pai, ou que não entendesse porque ficamos separados todos aqueles anos não me perturbava mais. Eu estava feliz por ela ter me aceitado como seu pai, e principalmente por estar feliz por isso. Isso era reconfortante.

- Fernando, olha só! Achei uma rosa! – Ela se abaixou, pegando uma concha.

- Muito bem! – Sorri.

- Toma, é para você. – Ela limpou a areia em volta da concha e a colocou em minhas mãos. – Pra você se lembrar de mim quando voltar para a capital.

               O sorriso que havia em meus lábios diminuiu, assim como o dela. Julia abaixou a cabeça e brincou com a areia em seus pés.

- Ei... – Me abaixei, ficando frente a frente com ela. – Nós vamos resolver isso, tudo bem?

- Nós vamos nos separar de novo, não é? – Seus olhos encheram-se de lágrimas e meu coração se partiu.

- Não. É claro que não. – Sorri afastando a franja que caía em seus olhos. – Agora nós não vamos nos separar nunca mais.

- Você me promete?

- É claro que prometo!

- Então por que você não se muda para cá? Podemos morar juntos! Minha mãe, eu e você. Nossa casa é grande, e você pode dormir no meu quarto! Eu não me importo de dormir com minha mamãe.

               Sorri triste, com os olhos marejados.

- Eu queria muito. Mas, não é tão simples. – Suspirei. – Julia, sua mãe e eu nós não... Nós não nos damos tão bem como antes.

- Mas você disse que ainda eram amigos.

- Bom... Sim. Digamos que sejamos amigos. Mas, nós não podemos morar juntos.

- E por que não?

- Porque não somos os mesmos de antes. Nós ficamos muito tempo longe um do outro. E sua mãe... – Olhei para a direção em que Letícia estava sentada, e Guilhermo a abraçava. – Sua mãe já seguiu a vida dela.

- Você também vai seguir a sua vida?

- Provavelmente. – Voltei a olhá-la. – Mas você vai estar ao meu lado, é claro.

               Ela sorriu satisfeita.

- Quando vamos nos ver de novo?

- Eu não sei. – Respondi sincero. – Mas farei o possível para que seja logo.

- E podemos pegar mais conchinhas juntos?

- Podemos fazer o que você quiser. – Sorri.

               Julia me surpreendeu quando deu um passo à frente e me abraçou. Senti o meu coração se partir ao saber que teria que deixá-la, e que Letícia ainda precisava resolver o que faríamos em relação à isso. Aquela rápida aproximação que tivemos já foi suficiente para que eu tivesse certeza que teria que enfrentar tudo e todos para ficar ao lado da minha filha, e que todos aqueles anos que perdi de sua vida, seriam recompensados. Eu jamais aceitaria me distanciar dela de novo. E nem Letícia e nem ninguém conseguiria me impedir de ficar ao lado dela.

               O mar começava a ficar agitado e a maré já começava a aumentar. Eu queria ter um pouco mais de tempo com Julia, mas temia que se passássemos mais tempo, eu não conseguiria ir embora.

- Vamos até a sua mãe? Já está começando a esfriar. – Sugeri.

- Tudo bem.

               Julia segurou minha mão e caminhamos juntos na direção de Letícia e Guilhermo. Quando nos viram, os dois se levantaram, e eu poderia jurar que Letícia estava tentando disfarçar que estava chorando. Mas, achei melhor não perguntar. Essa era a função de Guilhermo, e não a minha.

- Vamos? – Lety sorriu olhando para Julia.

- Não podemos ficar um pouco mais? – Julia implorou.

- Você sabe que não, meu amor... Temos que ir embora.

               Seus ombros caíram e ela suspirou triste.

- Fernando pode nos levar em casa?

               Guilhermo e Letícia me olharam ao mesmo tempo.

- É. Acho que sim. – Letícia respondeu.

- Então... Eu já vou indo. – Guilhermo beijou o rosto de Letícia, o que fez o meu sangue ferver, e logo depois se abaixou para se despedir de Julia, o que fez meu sangue ferver ainda mais.

               Eu não precisava de mais motivos para não ir com a cara dele. Só pelo fato dele ter visto a minha filha crescer, e de ter tomado o meu lugar na vida de Lety, já era suficiente.

- Até logo, Fernando. – Ele esticou sua mão e eu a apertei, sem muita empolgação. – Faça uma boa viagem.

- Obrigado. – Respondi apenas.

               Guilhermo se afastou e eu coloquei as mãos no bolso, olhando para Letícia. Nossos olhares se cruzaram, e eu logo pude ver que seus olhos estavam vermelhos, como sempre ficavam quando ela chorava.

- Vamos? – Ela perguntou, segurando a mão de Julia.

- Sim.

               Enquanto caminhávamos em direção à casa de Letícia, Julia passou todo o tempo falando sobre todas as coisas relacionadas à ela, e eu estava adorando. Saber sobre o que ela gostava de fazer nos fins de semana, qual a sua comida preferida e o que queria ser quando crescesse me fez sentir um pouco mais próximo dela, e quase me esquecer de que passamos seis anos sem nos conhecer. Nossa ligação era claramente forte, e não parecia que nos conhecíamos há poucos dias.

               Depois de alguns minutos caminhando e conversando, com Letícia a todo tempo em silencio, ela parou em frente à uma casa simples, que julguei ser a casa que as duas moravam.

- Fernando, você quer conhecer a nossa casa? – Julia perguntou empolgada, ainda segurando minha mão.

               Olhei para Letícia e ela pareceu tensa.

- Não, lindinha. Vamos deixar para a próxima oportunidade. – Sorri.

- Meu amor, por que não vai lá para dentro tomar um banho? Eu já entro para te ajudar. – Letícia disse.

- Está bem. – Julia me olhou. – Então... Vamos nos ver logo, não é?

               Sorri me abaixando diante dela.

- É claro que sim! E eu prometo que vou te ligar todos os dias para conversarmos mais sobre conchas e sonhos. Tudo bem?

- De verdade?

- Sim!

               Ela mais uma vez me abraçou, e dessa vez eu não queria soltá-la. Era o nosso abraço de despedida, e naquele momento o medo do que aconteceria com nossa relação de pai e filha tomou conta de mim. Ela se afastou do abraço e eu sorri tranqüilizando-a.

- Até logo!

- Até.

               Ela se afastou e subiu as escadas de entrada, olhando para mim mais uma vez quando parou à porta. Eu me levantei e ela acenou para mim. Retribuí o aceno, e ela enfim entrou em sua casa. Senti uma sensação horrível, a mesma sensação que senti quando Letícia me abandonou sem nenhuma explicação.

- Então... – Letícia suspirou, me olhando.

- Então. – Coloquei as mãos no bolso,olhando-a.

- Eu tomei uma decisão.

               Esperei em silencio que ela continuasse.

- Eu acho que... O melhor para Julia nesse momento será... Nos mudarmos para a capital.

               Não pude evitar olhá-la perplexo.

- Você está falando sério?

- Sim. Não é algo que eu queira, mas... É necessário.

               Senti certa frieza em sua frase, mas aquilo era o de menos.

- E o que Guilhermo acha disso? – Não consegui me segurar.

- Não sei o que quer dizer com isso, mas a idéia partiu dele.

- É mesmo?

- Sim.

- Engraçado, quando eu sugeri pareceu uma loucura, não é?

               Ela revirou os olhos e eu cruzei os braços.

- A questão não é essa. Julia não pode ficar longe do próprio pai depois de todos esses anos, não seria justo com ela.

               De certa forma, ouvir Letícia se referindo a mim como pai de sua filha fazia o meu coração disparar.

- E nem com você. – Respondeu virando o rosto.

               Descruzei os braços e a olhei um pouco mais calmo.

- Bom... Então, fico feliz com isso. Se precisarem de alguma coisa durante a mudança...

- Guilhermo vai nos ajudar. – Respondeu sem mesmo em deixar terminar.

- Ótimo. – Respondi com frieza. – Eu posso conseguir um apartamento para vocês e...

- Não. – Mais uma vez ela me interrompeu. – Não precisamos disso. Eu consigo me virar.

- Mas o que é que você tem contra eu te ajudar? – Disparei irritado.

- Você não fez isso antes, não precisa fazer agora. – Respondeu amarga.

- Quer saber? Eu não vou mais perguntar o que fiz para você pensar isso de mim. Eu já estou cansado de tentar te entender, Letícia. Na verdade, isso não me importa mais. A única coisa que me importa agora é a Julia. Nada mais.

- Ótimo! Digo o mesmo!

               Suspirei irritado e virei o rosto. Letícia conseguia me tirar do sério com a mesma intensidade que conseguia me deixar completamente apaixonado. Enquanto estávamos em silencio, tentando não começar uma nova discussão, avistei Isabela caminhando em nossa direção. Ela não tinha percebido que eu estava ali, até tirar sua atenção do celular e olhar para mim.

- Fernando! – Exclamou animada, me cumprimentando com um beijo no rosto. – O que está fazendo aqui?

               Só depois que perguntou ela notou a presença de Letícia.

- Oh, desculpe! – Ela disse envergonhada.

- Isabela, essa é a Letícia. – Falei um pouco sem jeito. – Letícia, essa é a Isabela.

               Eu queria dizer “minha amiga”, mas Letícia não precisava saber disso. Não ainda.

- É um prazer conhecê-la, Letícia. – Isabela esticou sua mão e Letícia a apertou.

- Igualmente, mas pode me chamar de Lety.

- Lety. – Isabela sorriu. – Fernando me falou muito de você.

               Nenhum de nós dois respondemos. Cocei a parte detrás da minha cabeça tentando disfarçar o clima tenso, e Letícia apenas sorriu olhando para Isabela.

- Imagino. – Respondeu simplesmente. – Enfim... Desculpe a falta de educação, mas preciso entrar. Espero que... Vocês dois façam uma boa viagem. – Ela virou-se para mim.

- Obrigado. – Respondi ainda sem jeito.

- Se puder me avisar quando chegar de viagem...

               Antes que eu questionasse porque ela queria saber isso, ela logo respondeu.

- Julia com certeza vai perguntar sobre você.

- Tudo bem.

- Foi um prazer, Isabela.

- Igualmente, Lety.

               Sem dizer mais nada ela virou-se, subindo as escadas e parando à porta. Esperei que ela fizesse como Julia, mas ela simplesmente entrou em casa e não olhou para trás.

- Meu Deus! Eu não sabia que estaria aqui! – Isabela me olhou. – Ela mora aqui?

- Sim.

- Não é muito longe do hotel.

- Que bom. Estou cansado demais para andar muito. – Sorri.

- Como você está?

               Suspirei.

- Vou ficar bem.

- Tem certeza?

- Sim! Agora... Minha vida será voltada apenas para Julia. E ninguém mais.

               Isabela apenas concordou com a cabeça, mas claramente ela sabia que aquilo não era verdade. Mesmo que eu quisesse que fosse. Mesmo que eu desejasse com todas as forças que fosse verdade.

 

 


Para que curaste todo si después estaría aquí por ti peor que ayer.
Por favor contéstame si en verdad tu me quisiste alguna vez.

 

 



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