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História Igual Que Ayer - Você acabou com a minha vida


Escrita por: jaimencanto

Capítulo 8 - Você acabou com a minha vida


FERNANDO

 

 

Logo cedo fui buscar Júlia na casa dos seus avós. Depois de receber várias recomendações (diversas vezes) do que ela podia fazer e não fazer, finalmente Letícia se despediu dela. Eu entendia sua preocupação. Segundo Letícia, elas não se separavam por um dia inteiro desde quando Júlia nasceu. Era difícil para ela saber que agora ela teria que dividir o tempo de Júlia também comigo.

Como se não bastasse as recomendações faladas, Letícia fez questão de colocá-las em um papel guardado na mochila de Júlia. É claro que eu era um pai em experiência, mas me incomodava um pouco sua falta de confiança.

- Está empolgada? - Perguntei à Júlia enquanto dirigia à caminho para o parque.

- Muito! - Respondeu do banco de trás. - Eu queria muito que passássemos um dia inteiro juntos. Tenho muita coisa para contar.

- É mesmo? - A olhei pelo retrovisor. - Se quiser, pode começar.

- Hum... Eu fiz uma lista e algumas perguntas. - Ouvi ela abrindo sua mochila e tirando um papel de dentro. - Você sabe qual é minha comida favorita?

- Posso tentar adivinhar. - Sorri divertido. - Seria... Espaguete?

- Como sabe? - Perguntou espantada.

- Porque é a minha também!

- Jura?

- Sim!

- Preciso anotar isso.

Balancei a cabeça rindo.

- Próxima! Sabe a minha cor preferida?

- Vermelho!

- Mas como você sabe? É a sua cor preferida também?

- Não. A minha é azul.

- Azul. - Ela anotou em seu caderno. - Agora... Posso fazer algumas perguntas?

- É claro!

- Você gosta de morar aqui?

- Sim, eu gosto.

- E você mora sozinho ou com o seu papai e a sua mamãe?

- Eu moro sozinho. - Sorri.

- Você não tem medo?

- Eu me acostumei.

- Eu teria medo de morar sozinha.

- Mas isso ainda vai demorar muuuito.

Ela riu.

- Você tem namorada?

- Não.

- E por que não?

- Por que... Eu não sei. - A olhei rindo. - Por que quer saber isso?

- Quero saber se você e minha mãe têm chances de ficarem juntos de novo.

Aproveitei que o sinal estava vermelho e me virei para trás para olhá-la. Ela estava sorrindo.

- É que... Não quero que você fique pensando essas coisas para não se chatear depois. Eu e sua mãe já tentamos uma vez, e não deu certo. Provavelmente não era para ser.

- Mas você ainda gosta dela?

Não respondi. O sinal abriu e arranquei o carro. Eu não mentiria para ela, mas também não admitiria que ainda sentia algo por Letícia. Talvez na mesma intensidade que sempre senti.

- Vou considerar o seu silêncio como um "sim". - Ela anotou em seu caderno rindo.

 

 

•••

 

LETÍCIA

 

               A cada minuto que eu passava com Julia, eu descobria algo novo e que me enchia de orgulho. Que ela era uma garota bastante esperta para sua idade era óbvio, o que eu não sabia é que na maioria das vezes, ela não parecia ter apenas seis anos, e eu tinha que prestar bastante atenção nas coisas que falava. Por duas vezes enquanto contava algumas coisas sobre minha relação com Letícia no passado, deixei escapar que iríamos casar e que estávamos planejando comprar uma casa juntos. Obviamente ela percebeu e me encheu de perguntas sobre isso, sem contar que a encheu de esperanças de que um dia isso poderia acontecer. É claro que como toda a criança, ela queria que morássemos juntos e que fossemos uma família feliz, mas eu não sabia como dizer à ela que isso estava longe de acontecer, e que provavelmente não aconteceria nunca.

- Está bem, agora por que não damos uma pausa nas perguntas e você vai brincar um pouco? Temos o dia inteiro para conversarmos sobre isso. – Falei quando ela me fez a vigésima pergunta, e obviamente era sobre sua mãe e eu.

- Você pode brincar comigo?

- Eu acho que se eu subir em um desses brinquedos, eu quebro eles. – Falei rindo. – Mas eu estou bem aqui. Vou ficar te olhando.

- Está bem. – Ela colocou sua mochila ao meu lado. – Posso apenas dizer mais uma coisa?

- É claro.

- Vocês poderiam encomendar um irmãozinho para mim. Eu estou cansada de brincar sozinha, e provavelmente vou demorar fazer amizades na minha nova escolinha.

               Sem esperar uma resposta e me deixando completamente sem falas, ela correu em direção aos brinquedos. Como poderia uma criança tão inocente me pedir algo assim? Claramente ela não sabia que para que ela tivesse um irmãozinho, ou eu teria que me envolver com outra pessoa, ou Letícia teria que se resolver com Guilhermo. A situação acabou sendo engraçada, e me peguei rindo sozinho enquanto a observava descer pelo escorregador. De longe avistei Márcia vindo em minha direção e fiquei feliz por ela ter aceitado meu convite. Era importante para mim que ela conhecesse Julia.

- Desculpe a demora. – Ela disse me cumprimentando. – Eu estava desviando de umas trezentas crianças que passavam por mim.

- Você se acostuma. – Falei rindo.

- E então. Onde está a princesinha?

- Ali. – Apontei para a direção em que Julia brincava.

- Ok, Fernando. Eu sei que você disse que ela se parecia um pouco com você e muito com a Lety, mas eu ainda não consigo distinguir ela das outras crianças.

- É aquela de blusa rosa e cabelo preso com franja.

               Ela apertou os olhos para conseguir enxergar e então me olhou.

- Ela é linda!

- Eu disse... – Respondi orgulhoso. – Julia! Pode vir aqui um instante, por favor? – A gritei e logo ela correu em nossa direção.

- Oi! – Ela olhou para Márcia.

- Essa é a Márcia, uma amiga minha e da sua mãe.

- Como vai, Julia? – Márcia sorriu para ela.

- Bem! E você?

- Muito bem, obrigada!

- Eu não sabia que minha mãe tinha mais amigos.

- Ela tem alguns... – Márcia riu.

- E você também não sabia sobre mim?

               Márcia e eu nos olhamos e eu não soube o que responder.

- Eu adorei a sua sandália! – Márcia mudou o assunto, para o meu alívio.

- Obrigada! Foi um presente do meu... – Ela parou de falar e me olhou. Por pouco ela disse “meu pai”, mas provavelmente ainda não achava que era o momento de me chamar assim. – Do Fernando.

- É muito linda!

- Obrigada!

- Desde quando tem bom gosto para coisas de criança? – Ela sussurrou e eu a olhei irritado.

- Pode voltar a brincar. Vamos conversar um pouco. – Falei carinhosamente.

- Está bem!        

               Pulando, ela voltou para perto dos brinquedos e nós a olhamos.

- Ela é uma perfeita junção de vocês dois. – Márcia disse.

- Você acha?

- Claro que sim! Impossível dizer que não é sua filha.

               A olhei rindo.

- E agora que está se acostumando... Como se sente sobre isso?

- Confuso. – Respondi sincero. – Muito confuso.

- Em relação à que?

- Ainda não consigo entender o que a levou a fazer uma coisa dessas. Acho que ela ter me deixado aqui sem nenhuma explicação não foi pior do que ela esconder minha filha de mim por seis anos.

- Esconder é uma palavra muito forte. Ela só... Não te contou sobre isso.

- Dá no mesmo. E se eu não tivesse ido ao litoral, Márcia? E se eu não tivéssemos nos reencontrado? Teria passado mais quanto tempo para que eu descobrisse? Acredita que ela pretendia que Julia tivesse idade suficiente para ela decidir se queria me conhecer ou não? E então eu teria quase cinqüenta anos e ia descobrir que tinha uma filha perdida, já adulta. Já imaginou como seria muito pior?

               Márcia me olhou.

- Eu também não consigo entender porque ela fez isso. Não era algo que ela faria. Eu não sei... Talvez tenha uma explicação plausível para isso.

- Eu duvido, mas de qualquer maneira, ela se recusa a me contar, e eu cansei de insistir. Passei seis anos sofrendo por ela, para depois descobrir que ela estava no litoral com um homem e me escondendo uma filha. Não quero mais correr atrás da Letícia, Márcia.

- Eu entendo.

               Ela suspirou, e eu sabia que ela estava tão confusa e chateada quanto eu.

- Você deveria ligar para ela. – Falei enquanto observava Julia brincando.

- Ligar para quem?

- Para a Letícia.

- Por que acha isso?

- Não sei. Talvez ela precise de uma amiga para conversar. Pelo que percebi ela só tem aquele... – Pensei melhor antes de continuar a frase. – Ela só tem o tal de Guilhermo para conversar, e ela já deve estar cansada dele.

- Ou você espera que esteja. – Ela riu.

- De qualquer maneira, sei que você também sente falta dela. Não quero que tome minhas dores e destrua sua amizade com ela.

- Mas isso me magoou também. Não só pelo fato dela ter feito isso com você, mas também por ter desaparecido por todos esses anos sem ao menos fazer uma ligação.

- Eu sei... Mas como você disse, ela deve ter uma explicação para isso. Quem sabe ela não desabafa isso com você?

               Márcia ficou pensativa.

- Você ainda a ama? – Perguntou sem me olhar.

               Dei um longo suspiro e encarei o chão.

- Sim. Eu não queria e não deveria, mas sim. E não sei se algum dia vou deixar de amá-la. – Desabafei. – Apesar de estar extremamente magoado com toda essa história, não posso dizer que não fiquei feliz ao saber sobre Julia, e saber que tivemos uma filha juntos.

               Márcia riu.

- Você é um bobo. – Ela trombou em meu ombro.

               Desabafar com Márcia era sempre reconfortante, porque eu sabia que com ela eu não precisaria fingir nada, e nem mentir. Eu poderia ser totalmente sincero que ela me entenderia da mesma maneira, e me daria os melhores conselhos.

- Bom... Acho que é melhor eu ir. Prometi aos meus pais que levaria Julia para que eles se conhecessem. Quero chegar para o almoço porque sei que minha mãe não vai estar tão estressada.

- Você que pensa. – Márcia riu e nós dois nos levantamos.

- Você quer ir?

- E ter que ouvir sua mãe dizer que era para Julia ser minha filha com você? Não, obrigada.

               Nós dois rimos e eu a puxei para um abraço.

- Vou seguir o seu conselho. – Ela me disse enquanto eu a abraçava. – Vou ligar para a Lety e perguntar se ela quer conversar.

- Faz bem. – Me separei do abraço e a olhei. – Talvez você a entenda melhor do que eu.

- Ou não.

- Eu sei que sim. – Sorri.

               Olhei para Julia e fiz sinal para que fossemos embora. No mesmo instante ela se aproximou e olhou para Márcia.

- Você vai com a gente? – Perguntou.

- Hoje não, lindinha. Preciso fazer uma coisa.

- Você vai visitar minha mãe na nossa nova casa?

               Márcia me olhou e sorriu.

- Acho que sim!

               Julia pareceu satisfeita e Márcia se despediu dela com um abraço. Como Letícia disse, Julia era bastante carinhosa com as pessoas que gostava, e pelo visto, ela tinha gostado muito de Márcia.

 

 

•••

 

LETÍCIA

 

 

               A todo momento eu olhava em meu celular, esperando por alguma notícia ou alguma ligação. É claro que Fernando queria aproveitar ao máximo o seu tempo com Julia, e provavelmente não estaria pensando que eu estava apreensiva em casa esperando por notícias, mas eu precisava ao menos saber como ela estava. Se estava bem, se estava sentindo minha falta, e principalmente se estava feliz. Eu não me preocuparia tanto se Fernando apenas a levasse para o parque, mas saber que ela seria apresentada à família dele me deixava nervosa. Eu sabia exatamente o que sua mãe pensava de mim, e temia o que ela pensaria de Julia. Ela não merecia ser tratada da mesma maneira que eu fui tratada por Terezinha, principalmente por ela ser uma criança inofensiva. Mas ao contrário do que aconteceu comigo, eu tinha certeza que Fernando não permitiria que sua mãe a criticasse ou a tratasse mal de alguma maneira, e era isso que me aliviava. Ao menos um pouco.

               Enquanto estava sentada sozinha à mesa da sala de jantar, encarando o celular e o relógio, dei um pulo quando o senti vibrar. Mas, para o meu desapontamento, não apareceu o nome de Fernando, e sim um numero desconhecido. Pensei se deveria ou não atender, já que eu não havia passado aquele numero para ninguém além de Fernando. Mas, preocupada se seria alguma notícia de Julia, resolvi atender.

- Alo?

- Lety?

- Sim?

               Fez-se silencio por alguns segundos.

- Aqui é a Márcia.

Uma sensação nostálgica me dominou e eu não pude deixar de sorrir ao ouvir sua voz.

- Oi, Márcia. – Tentei não parecer tão feliz com sua ligação, por não saber do que se tratava.

- Eu espero que não se importe, peguei o seu numero com Fernando.

- Ah, não... Não me importo. Como está?

- Eu estou bem. E você?

- Também.

               Mais uma vez fez-se silencio. Por um breve momento quis logo dizer à ela que eu sentia muito por não ter dado notícias todos aqueles anos, e que queria que ela me entendesse. Mas, consegui me conter.

- Eu me encontrei com Fernando hoje para conhecer Julia.

- Ah... Você a conheceu?

- Sim! Ela é uma graça.

- Obrigada!

- Se parece muito com vocês dois.

- É... Eu acho que sim. – Sorri.

- Bom... Fernando achou que seria uma boa idéia ligar para você para conversarmos. Não sei... Eu vou entender se você não quiser...

               Abri ainda mais o sorriso.

- Na verdade, eu gostaria muito.

- Mesmo?

- Sim!

- Que ótimo! Então... Podemos nos encontrar? Acho que hoje você está livre do emprego de mãe, não é?

- Sim! – Respondi rindo. – Podemos nos encontrar.

- Ótimo! Pode ser no mesmo lugar de sempre? No House of...

- House of burger. – Respondi rapidamente. – Sim! Podemos!

- Ótimo!

- Nos vemos em uma hora?

- Perfeito.

- Certo. Então... Até mais.

- Até.

               Desliguei o telefone me sentindo extremamente feliz. Eu não tinha notado o quanto senti falta de conversar com Márcia até receber aquela ligação. Eu pensava que nem ela e nem ninguém que fez parte da minha vida com Fernando quisesse falar comigo, mas pelo visto eu estava errada. Ela pareceu animada ao telefone, isso significava que ela não me julgaria como Fernando fez. Seria uma boa conversar com alguém que não me julgasse o tempo todo.

 

 

•••

 

 

 

               Eu estava tensa e ansiosa. Não sabia como seria reencontrar com Márcia depois de seis anos. Não sabia qual seria sua reação, se ela ficaria feliz ou se logo diria o quanto estava magoada comigo por eu ter desaparecido por todos aqueles anos. Eu só esperava que nada mudasse, e que pelo menos alguém pudesse me tratar como antes. Assim que cheguei ao lugar que marcamos, a vi sentada na mesa próxima ao balcão. Não demorou para ela me ver, e então se levantou. Me aproximei de sua mesa e não soube o que fazer. Não sabia se a cumprimentava como antes, ou se apenas dizia oi. Ela provavelmente pensou o mesmo, porque ficamos como duas bobas paradas olhando uma para a outra. Até que enfim ela sorriu e me puxou para um abraço.

               Aliviada e feliz, retribuí o abraço, e ficamos daquela maneira por longos segundos ou minutos.

- Eu senti sua falta. – Ela disse enquanto nos abraçávamos.

- Eu também senti a sua. – Respondi sincera.

               Separamos o abraço e Márcia continuou sorrindo.

- Vamos nos sentar. Temos muito o que conversar.

- Sim! – Concordei rindo, puxando uma cadeira e me sentando logo depois dela.

- E então... Quero que me conte tudo. Tudo o que fez durante todos esses anos.

               Ao menos ela não estava perguntando o motivo da minha ausência, e isso me aliviou. Contei para ela tudo o que fiz quando cheguei ao litoral, desde o dia que conheci Guilhermo até o dia que comecei a trabalhar em seu restaurante. Contei sobre quando descobri que estava grávida, mas omiti sobre o telefonema de Henrique. Eu não queria pesar o assunto logo cedo, e ela também não parecia interessada em saber as partes ruins da história ainda.

- E foi assim que passei todos esses anos. – Falei por fim. – Ajudando Guilhermo com o restaurante, e ele me ajudava com o aluguel da casa e com a criação de Julia.

- E você e esse Guilhermo... Estão juntos?

- Não. – Neguei rapidamente. – Sou muito grata à ele, mas somos apenas amigos.

- E ele sabe disso?

- É claro que sabe.

                Márcia riu.

- Ele é bonito? E solteiro? – Perguntou e eu gargalhei.

- Sim para as duas perguntas.

- Se quiser nos apresentar, eu não vou reclamar.

- É claro. Ele vai voltar para o litoral em breve, mas assim que ele tiver a oportunidade de nos visitar, eu apresento vocês dois.

               Percebi que estávamos rindo como antigamente. Parecia que nada tinha mudado, e de fato não tinha, até Márcia fazer a pergunta que eu sempre temia.

- Por que você se foi, Lety?

               Meu sorriso diminuiu e eu voltei minha atenção para o cardápio sobre a mesa, sem coragem de olhá-la.

- Foi preciso. – Respondi apenas.

- Por que foi preciso? Vocês iam se casar. Já estava tudo combinado. Vocês se amavam tanto que era de dar inveja. O que foi que aconteceu? Você deixou de amá-lo de um dia para o outro?

- Claro que não! – Respondi rapidamente.

- Então o que foi?

               Respirei fundo e a olhei magoada. Márcia se tornou uma grande amiga e confidente, e eu costumava contar tudo à ela, desde as coisas mais simples até as coisas mais sérias. Não era justo que eu contasse à ela o que aconteceu se havia negado isso à Fernando. Mas, ao contrário de Fernando, Márcia não me julgaria, e provavelmente não me interromperia a cada cinco minutos para dizer o quanto eu estava errada.

- Eu ouvi uma conversa... – Falei em baixo tom. Era a primeira vez que falava daquilo depois de tantos anos.

- Que conversa? – Ela se debruçou sobre a mesa.

- Fernando estava conversando com Henrique na sala da Presidência...

               Contei tudo o que ouvi, desde quando ele disse que estava cansado daquilo até ele dizer que eu não poderia estragar sua família, e que ele não permitiria isso. Márcia me olhava abismada a medida que eu avançava na história, até que cheguei ao fim e sua boca quase esbarrava à mesa.

- E foi por isso que tomei a decisão. Eu preferi me afastar antes que ele me dissesse isso. Eu não suportaria ser rejeitada por ele por um pedido de sua mãe. Não depois de tudo. Eu sei que fui fraca, mas...

- Lety... Isso... Isso só pode ser um mal entendido. Fernando jamais diria isso de você!

- Mas eu ouvi muito bem quando eles conversavam e ele disse isso.

- Lety, Fernando sofreu tanto com sua ausência, todos esses anos. Omar e eu tivemos que implorar para que ele saísse de casa. Foi por pouco que ele não entrou em uma depressão profunda, e tudo isso porque ele sentia sua falta. Acha mesmo que ele faria isso se fosse te rejeitar?

- Eu não sei. Eu apenas... Sei o que eu ouvi.

- Isso não pode ser verdade. Lety, vocês precisam...

- Márcia, por favor... – Suspirei. – Eu não quero falar sobre o passado. Não agora. Eu estou muito feliz por termos nos reencontrado depois de tanto tempo, e eu só queria que conversássemos sobre o que fizemos durante esses anos. Não quero falar sobre os motivos de eu ter ido embora e principalmente sobre eu não ter dito à Fernando sobre Julia.

               Márcia me olhou com pesar e então sorriu, segurando minha mão.

- Tudo bem.

- Obrigada. – Sorri.

- Então... Me conte mais sobre esse Guilhermo. Ele me interessou. – Ela riu.

 

 

•••

 

 

 

               Para a minha surpresa e alívio, Julia estava se dando bem com minha família, principalmente com meu pai. Os dois passaram o dia conversando, até mesmo durante o almoço. Henrique também pareceu se dar bem com ela, mas eu sentia que havia algo que ele queria me contar. Algumas vezes ele se sentia tenso, e todas as vezes que Julia falava sobre sua mãe, ele parecia ficar ainda mais inquieto. Mas, achei que não deveria ser nada grave, e resolvi falar sobre isso com ele em uma hora mais oportuna. Minha mãe, como era de se esperar, fez pouco caso com ela, mas ao menos não a tratou com grosseria ou frieza. Julia também parecia não se importar, e estava mais interessada em contar várias coisas para meu pai, que estava bastante interessado em ouvir. Me senti feliz por vê-los se dando bem, e não conseguia parar de sorrir enquanto os observava. 

               Depois de trocar algumas mensagens com Isabela, resolvi chamá-la para ir até a casa dos meus pais para que me contasse sobre o seu reencontro com o ex. Ela aceitou, e não demorou muito para que chegasse. Julia logo se lembrou dela e a cumprimentou animada. Minha mãe quando a viu pareceu mudar totalmente de humor, e inclusive sentou-se à sala para se juntar à nossa conversa. É claro que ela não perderia a oportunidade de insinuar que Isabela e eu deveríamos ter um relacionamento, mas como sempre nós a ignorávamos. Como estavam todos presentes à sala, Isabela não pôde contar sobre seu encontro, e acabamos nos entretendo nos assuntos de Julia. Como de praxe, ela arrancava gargalhadas de todos com sua esperteza e suas idéias criativas. De menos de minha mãe, é claro. Até então ela não havia me irritado com a sua frieza, mas a partir do momento que ela parecia desprezar Julia totalmente, o meu sangue começou a ferver. Por duas vezes que Julia dirigiu a palavra à ela e ela a ignorou, eu me segurei para não começar uma discussão. Principalmente porque Julia não merecia isso. Mas, chegou um ponto que eu não pude mais me segurar, e que para mim foi a gota d’água.

- Você se parece muito com sua mãe. – Meu pai comentou rindo de um comentário de Julia.

               Julia sorriu orgulhosa, mas minha mãe deu um longo suspiro que chamou a atenção de todos nós.

- Até demais... – Murmurou.

- Qual é o seu problema, mamãe? – Perguntei impaciente e todos me olharam assustados.

- Como é que é? – Minha mãe me olhou espantada.

- Ela é apenas uma criança! Não tem culpa do que aconteceu!

- Você é um bobo, Fernando! Além dessa mulher ter te abandonado, escondeu uma filha de você por seis anos, e você ainda a defende! Prefere ficar contra a sua própria mãe a ter que admitir isso!

- Chega! – Aumentei a voz. – Eu não vou permitir que diga isso!

- Fernando, se acalma! – Henrique tocou em meu ombro.

               Minha mãe balançou a cabeça irritada e se levantou, adentrando à casa e nos deixando a sós. Julia me olhava assustada e eu respirei fundo tentando me acalmar.

- Eu vou conversar com ela para evitar mais problemas. – Henrique disse e eu balancei a cabeça concordando.

               Assim que ele saiu, olhei com pesar para Julia, me sentindo um idiota por ter feito ela passar por isso.

- Desculpe... – Falei olhando-a.

- Tudo bem. – Ela se aproximou e eu a sentei em uma das minhas pernas. – Não quero que briguem por minha causa.

- Não foi por isso. É que... Você é muito nova para entender.

- Eu sei. Mas minha mãe sempre disse que do mesmo jeito que conhecemos pessoas boas que nos tratam bem, nós vamos conhecer pessoas que nos tratam mal, e que devemos ignorá-las para não nos tornarmos igual elas.

               Sorri orgulhoso e ela deitou sua cabeça em meu ombro. Pela primeira vez em muito tempo me senti calmo e leve, como se nada pudesse me tirar do sério. Receber o carinho da minha filha era tudo o que eu precisava naquele momento, e depois de tudo o que passei.

- Não precisa ficar nervoso com ela por isso.

               Sorri deitando minha cabeça sobre a dela, e Isabela piscou para mim.

- Julinha, você não quer ir lá fora nadar um pouco? – Isabela sugeriu. – Soube que sua mãe mandou roupas de banho para você.

- Eu posso? – Ela me olhou empolgada.

- É claro que sim. – Sorri.

- Oba! – Ela pulou do meu colo e acompanhou Isabela, deixando meu pai e eu a sós.

- Foi por pouco que você não perdeu o controle. – Ele disse divertido.

- Desculpe por isso, papai. – Falei suspirando. – É que... Aguentei por tanto tempo que ela criticasse a Lety, que agora não tenho mais pavio para isso, principalmente se envolver Julia.

- Eu sei, e entendo. Mas ficar nervoso não vai adiantar nada. Sabe como sua mãe é. Precisa conversar com ela com calma e dizer tudo isso.

- Ela não vai querer ouvir.

- Se você ficar nervoso será ainda pior. Ao menos você pode tentar. Aproveite que Julia está entretida com outra coisa.

               Balancei a cabeça concordando e me levantei.

- Vou conversar com ela agora mesmo.

- Ótimo. – Meu pai sorriu.

               Caminhei em direção às escadas e subi, pronto para desabafar tudo com minha mãe. Por todos esses anos tive que suportar suas criticas sobre Lety, e enfim eu iria dizer que aquilo me irritava e que só me fazia afastar dela ainda mais. Embora Letícia e eu não estivéssemos mais juntos, o meu sentimento por ela era o mesmo, e eu exigiria respeito tanto para ela quanto para Julia. Assim que me aproximei da porta do seu quarto ouvi sua voz alterada, juntamente com a de Henrique que tentava acalmá-la. Me aproximei da porta para ouvir o que diziam, mas percebi que não era Henrique que tentava acalmá-la, e sim o contrário.

- Eu não agüento mais isso, mamãe! – Ele dizia alterado. – Precisamos falar a verdade para ele!

- Você não vai fazer isso, Henrique! Ele não pode saber de nada! – Ela implorava.

- Eu não posso continuar mentindo para ele! Principalmente agora que conheci a garota. E não me obrigue a fazer isso de novo, mamãe. Não vou continuar mentindo para o meu irmão!

               Senti o meu sangue ferver e mal pensei antes de empurrar a porta nervoso. Os dois me olharam assustados e minha mãe chorava, enquanto Henrique parecia totalmente apreensivo.

- O que você precisa me contar, Henrique? – Perguntei com a garganta queimando.

- Fernando, calma... – Ele tentou se aproximar, mas eu dei um passo atrás.

- Não me peça calma! – Aumentei a voz. – O que é que você tem para me dizer?

               Henrique olhou para minha mãe e ela negou com a cabeça, praticamente implorando em silencio para que ele não continuasse.

- Fernando... – Henrique virou-se para mim. – Tem uma coisa que...

- NÃO! – Minha mãe segurou o braço dele. – Não diga nada!

- Pelo amor de Deus! EU PRECISO DIZER! – Henrique pela primeira vez gritou com minha mãe, e só então notei que era algo muito sério. – Ele precisa saber a verdade! – Disse abaixando o tom.

- Que verdade? – Perguntei mais uma vez.

- Tem uma coisa sobre a Letícia que você precisa saber...

 

 

•••

 

 

               Terezinha havia acabado de chegar no apartamento de Fernando. Pela terceira vez ela estava insistindo para que ele fosse à festa que ela faria no fim de semana, e Fernando ainda se negava, principalmente por ser recente tudo o que aconteceu. Ele ainda não se sentia bem para festas e principalmente para interagir com outras pessoas. A única coisa que ele queria era ficar trancado em seu apartamento, sozinho. Mas, depois de muita insistência de sua mãe, ele finalmente se dá por vencido, e resolve tomar um banho antes de acompanhá-la até sua casa. Terezinha resolve esperá-lo para garantir que ele realmente iria, e enquanto ele vai para o banho, ela aguarda na sala. Como qualquer outra mãe, ela tinha a estranha mania de querer arrumar as coisas do seu jeito, mesmo que não morasse ali. Ajeitando um enfeite de um lado, um quadro do outro, ela olhou para a correspondência sobre a mesa, que Fernando acabara de pegar. Enquanto olhava para as cartas sobre a mesa, logo um nome chamou sua atenção. “Letícia Padilha Solis – Puerto Vallarta”.

               Certificando-se de que Fernando ainda estava no banho, ela pegou a carta e rapidamente a abriu, curiosa. Há um mês Letícia não dava notícias, e embora Fernando estivesse cabisbaixo e desanimado, Terezinha estava feliz por ele finalmente ter se livrado dela. Assim que abriu a carta praticamente devorando-a, ela leu o que havia ali escrito:

 

Fernando,

 

Antes de mais nada, não quero que se espante com essa carta. Sei que há um tempo você não tem notícias minhas, e eu quis assim. Não cabe a mim dizer isso por carta, até porque temos muito o que conversar. Como já deve ter notado, não estou mais na cidade, mas preciso muito falar com você. Na verdade, com urgência. É um assunto delicado para falar por carta ou por telefone, então espero ansiosamente que me responda ou entre em contato comigo por esse telefone: xxxx-xxxx. É realmente importante, e espero que você possa atender ao meu pedido. Estou disposta a explicar tudo à você, e principalmente, preciso lhe contar algo muito importante. Eu ainda não sei se você ficará feliz ou irritado com isso, mas espero que seja a primeira opção. Aguardo ansiosamente um retorno.

 

Com carinho,

Lety.

 

 

               Terezinha terminou de ler a carta e não sabia o que pensar. Quando ela achava que Fernando finalmente estava livre de Letícia, ela reaparecia. Ele com certeza responderia sua carta e atenderia o seu pedido, e isso era a ultima coisa que Terezinha queria. Ao ouvir a porta do banheiro se abrir, ela rapidamente colocou a carta e todos os vestígios dela dentro de sua bolsa e forçou um sorriso, para que Fernando não desconfiasse de nada. Ela era ótima em fingir.

- O que foi? – Fernando perguntou com a toalha pendurada em seu ombro, enquanto enxugava os cabelos molhados.

- Nada. – Terezinha forçou ainda mais o sorriso. – Quer saber? Você está demorando demais. Os convidados já devem estar chegando. Eu vou embora e te encontro lá, está bem?

- Tem certeza?

- Sim! Mas... É para você ir. Ou eu nunca mais...

- Nunca mais vai falar comigo. Eu sei.

- Isso mesmo.

               Fernando apenas revirou os olhos e voltou para o quarto. Isso deu tempo para que sua mãe respirasse aliviada e começasse a pensar o que faria para que Fernando jamais soubesse sobre aquela carta.

 

 

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               Assim que chegou em casa, a primeira coisa que Terezinha fez foi tirar a carta de sua bolsa e andar de um lado para o outro, pensativa. Estava diante da lareira da sala, e rapidamente teve a idéia de queimar aquela carta, e assim Fernando jamais saberia sobre isso. Quando ela estava prestes a jogar a carta no fogo, Henrique apareceu percebendo o que ela estava fazendo.

- O que está fazendo? – Perguntou se aproximando.

               Terezinha olhou para a carta e suspirou, entregando-a para Henrique.

- O que é isso? – Ele examinou a carta e logo percebeu do que se tratava. – Então, ela finalmente apareceu? – Perguntou animado.

- Não. Ela não apareceu. Ela quer que ele encontre com ela porque diz que precisa falar algo sério com ele.

- Então, isso é bom, não é? Ele já sabe?

- NÃO! – Terezinha praticamente gritou. – E ele não pode saber.

- Como assim?

- Não é óbvio? Ela só pode estar grávida!

- O que? – Henrique a olhou abismado. – Então é mais um motivo para ele saber sobre essa carta.

- Ele não vai saber.

- Mamãe, o que está dizendo?

- Henrique, essa mulher abandonou o seu irmão sem nenhuma explicação. Ela o fez sofrer, e ainda está fazendo-o sofrer. Eu não posso permitir que ela continue fazendo parte da vida dele.

- Mamãe, a Senhora enlouqueceu? Isso não é motivo para esconder uma coisa assim do Fernando! Se for mesmo verdade, não estamos falando apenas dos dois!

- Ele não vai saber! – Terezinha rapidamente tirou a carta das mãos de Henrique e a jogou no fogo.

- Mamãe! Por que fez isso? – Perguntou abismado.

- Ele não vai saber! – Ela repetiu.

- É claro que vai! E eu vou contar!

               Assim que Henrique se virou, sua mãe o segurou pelo braço, impedindo-o.

- Não acha estranho ela ter abandonado ele e de repente aparecer dizendo que está grávida? Não é óbvio?

- Lety não faria isso. Ela não seria capaz de dar um “golpe” em Fernando.

- Já pensou o quanto seria doloroso para Fernando saber que ela está grávida, e que o filho não é dele?

               Henrique ficou pensativo. Embora soubesse que Lety jamais seria capaz de fazer isso, sua mãe era uma ótima manipuladora. Ela conseguia fazer a maior das certezas se tornar uma dúvida.

- Que fique claro que eu não apoio isso. – Ele disse, soltando seu braço da mão dela. – E não conte comigo para mentir para ele, porque eu não farei isso.

 

 

-------------------------

 

 

               Uma semana depois, Henrique concordou de não causar um enorme problema falando com Fernando sobre a carta, até porque ele não tinha mais a prova, e isso só causaria ainda mais confusão. Mas, em um dia, enquanto Henrique lia um jornal sentado ao sofá da casa de seus pais, o telefone tocou. Como ele era o único que estava perto, o atendeu rapidamente, mesmo sabendo que não era para ele.

- Alô?

- “Henrique”.

- Quem fala?

- “Aqui é a Letícia.”

- Lety? – Henrique praticamente pulou do sofá. - Como você está? Onde você está? Você...

- “Henrique, me desculpe, mas eu estou com pressa. Seu irmão está por aí?”

               Henrique olhou para a porta por onde Fernando saiu dez minutos antes da ligação.

- Não, ele acabou de sair daqui. Mas você quer deixar algum recado?

- “Eu preciso... Saber se ele recebeu uma carta minha. Você pode pedir para ele me ligar quando conseguir falar com ele?”            

- É claro.

Henrique apertou o telefone, tenso, e anotou no próprio jornal o telefone que Lety lhe passara.

- Eu digo para ele ligar para você assim que possível.

- “Obrigada. Tchau.”

               Sem esperar uma resposta, ela desligou. Henrique suspirou apreensivo, jogando o telefone sobre o sofá.

- Quem era? – Terezinha apareceu atrás dele, assustando-o.

- Ninguém.

- Era ela, não é?

- Não. – Mentiu.

- Você é um péssimo mentiroso, Henrique.

               Ele não respondeu.

- Ela perguntou sobre a carta?

- Sim. E isso já está passando dos limites. Ela estava nervosa, e com certeza está esperando uma resposta dele.

- Ela terá uma resposta dele.

- Como? – Perguntou confuso. – Eu pensei que...

- Ela vai ter uma resposta dele, mas não diretamente dele.

- Mamãe, a Senhora...

- Você vai ligar para ela e dizer que Fernando não quis ler a carta, e que não quer mais saber sobre ela.

- Eu não farei isso! – Respondeu nervoso. – A Senhora perdeu o juízo!

- Henrique, pense! Toda essa confusão vai ser ruim para os negócios...

- Mamãe, será que pode não pensar nos negócios da família ao menos uma vez na vida? Sabe o tamanho da loucura que está me pedindo?

- Henrique... – Ela tocou em seu ombro. – Você é o meu filho mais velho. É seu dever cuidar dos negócios da família. Seu pai confiou em você para isso. Se Fernando descobrir sobre essa carta ou essa ligação, vai logo abandonar tudo aqui sem se importar com mais nada e vai atrás da Letícia. É isso que você quer? Que a empresa se afunde porque ele foi atrás do “amor de sua vida”? – Disse debochada. – E o que vai acontecer com você? Vai ter que ajeitar a bagunça dele, isso se conseguir.

               Henrique sabia que era a mais pura verdade, mas ainda achava aquela história um absurdo.

- Não posso fazer isso. – Negou.

- Pense que isso também está envolvendo nossa família...

               Terezinha passou por ele, deixando-o a sós. Fernando não tinha ido a empresa naquele dia, dizendo estar indisposto para trabalhar. Ele sabia que toda aquela história estava deixando-o afastado da empresa, mas até então ele conseguia entender. Terezinha acertou ao dizer que os negócios da família estavam nas mãos de Henrique de certa maneira, e se Fernando largasse tudo para ir atrás de Lety, as conseqüências viriam para ele, e toda a ajuda que ele deu ao seu pai durante aqueles últimos anos teria sido em vão. Normalmente Terezinha era a única que deixava que os negócios da família subisse à cabeça, mas mais uma vez ela conseguiu ser manipuladora, e mesmo que Henrique se preocupasse mais com Fernando do que com a própria empresa, a diferença entre os dois se tornou óbvia quando Henrique aceitou fazer o que sua mãe lhe pediu. Ele não era como Fernando. Ele era fraco.

 

 

-------------------------------

 

 

               Com o coração disparado e as mãos suando, Henrique andava de um lado para o outro com o telefone em mãos. Finalmente criou coragem e discou o numero que estava no papel rasgado em sua mão. A ligação chamou uma vez, duas, três, e na quarta a voz de Lety ecoou do outro lado da linha.

- “Alo?”

- Lety?

- “Sim?”

- Sou eu, Henrique.

- “Oi.”

- Lety, eu queria me desculpar pelo meu irmão, mas...

               Terezinha parou à porta do quarto de Henrique e sorriu satisfeita. Ele deu um longo suspiro e fechou os olhos, sem acreditar que ele estava sendo tão idiota a ponto de trair a confiança do próprio irmão.

- “O que foi?”

- Ele não quer falar com você.

               O sorriso de Terezinha se alargou ainda mais.

- “Como assim não quer falar comigo? Ele leu a carta?”

- Não. Ele se negou a abri-la. Ele não quis lê-la e disse que não queria saber de nada relacionado à você. E depois de dizer isso, ele rasgou sua carta.

               Sua culpa aumentava a cada frase.

- Eu sinto muito, Lety. Mas... Eu posso ajudar em alguma coisa?

- “Não”. – Ela respondeu rapidamente. – “Aliás, pode sim. Pode dar um recado à Fernando. Diga para ele nunca mais me procurar!”

               Dizendo isso, ela desligou o telefone. Henrique respirou fundo, sem acreditar no que acabara de fazer.

- Muito bem, filho. – Terezinha se aproximou, acariciando seu rosto. – Você acabou de mostrar que se preocupa com nossa família.

               Mesmo com tantos elogios, ele ainda se sentia um idiota pelo que acabara de fazer. Se Fernando descobrisse, ele jamais o perdoaria, e com razão.

 

 

 

•••

 

 

               Eu não queria acreditar em nenhum palavra de Henrique. Ele estava visivelmente tenso, e minha mãe não parava de chorar. Mas, eu preferia acreditar que aquilo era uma brincadeira de mau gosto. Eu sempre confiei nele, e embora esperasse isso de minha mãe, eu jamais esperaria ser traído pelo meu próprio irmão. Além de todo o sofrimento que passei sem Lety, e principalmente por pensar que ela não se importava comigo, eu pensei em Julia. Todos aqueles anos sem conhecê-la, sendo que Henrique e minha mãe sempre souberam de tudo e jamais me contaram. O meu sangue ferveu e a raiva tomou conta de mim.

- Vocês me fizeram perder seis anos da vida da minha filha! – Falei com os dentes cerrados, tentando não desabafar toda a raiva que eu estava sentindo. – E todos esses anos pensei que Letícia não teve consideração por mim... Quando na verdade ela... Ela pensa que eu... – Fechei os olhos sem querer imaginar toda a confusão que os dois causaram.

- Fernando... Eu... Sinto muito. – Henrique disse.

- Sente muito? – O olhei irritado. – SENTE MUITO? – Gritei, perdendo a paciência. – VOCÊ É O MEU IRMÃO! EU SEMPRE CONFIEI EM VOCÊ.

- Eu sei! – Respondeu com os olhos marejados. – Eu sei que o que eu fiz foi errado, mas eu estou arrependido.

- ARREPENDIDO? VOCÊ ACABOU COM A MINHA VIDA, HENRIQUE!

               Domado pela raiva, avancei sobre Henrique. Minha mãe gritou tentando me segurar, mas obviamente eu não parei. Eu não tive coragem de bater nele, mas o segurei pela gola da camisa e o prensei contra a parede. Ele tentava tirar minhas mãos, mas a raiva me deixou ainda mais forte, e ficamos os dois “lutando” por todo o quarto. Sem conseguir me conter, acabei acertando um soco em seu rosto, e minha mãe gritou ainda mais pedindo para que parássemos. Eu queria que de certa maneira ele sentisse toda a dor que senti durante aqueles anos, mas nem mesmo com dez socos no rosto ele conseguiria sentir o que eu senti.

- O QUE É ISSO? – Meu pai apareceu no quarto e correu em nossa direção, tentando nos separar.

               Mas, mesmo meu pai, ele não conseguiu me afastar de Henrique. Eu estava dominado pela raiva e pelo rancor, e só queria descontar tudo aquilo nele, mesmo que ele não revidasse. Mas, foi quando Julia e Isabela pararam à porta do quarto, que eu finalmente o soltei e meu pai se colocou entre nós dois. Respirei ofegante sentindo a raiva me queimar por dentro, mas Julia não merecia ver aquilo. Mesmo que fosse tarde demais.

- Julia, meu bem. Vamos... Vamos lá pra baixo. – Isabela segurou sua mão, e ainda me olhando assustada, ela aceitou acompanhar Isabela.

- Quero que vocês dois se acalmem! – Meu pai disse, ainda entre nós dois. – O que foi que aconteceu?

- Aconteceu que todos vocês mentiram para mim! – Falei ainda nervoso.

- Do que é que está falando?

- Ele não sabe. – Henrique disse limpando o canto de sua boca que escorria sangue.  – Papai não tem nada a ver com isso.

- Eu já deveria imaginar... – Disse rancoroso. – Vocês dois sempre foram iguais! – Olhei para minha mãe que continuava chorando. – Eu deveria saber que você a ajudaria a separar Letícia de mim!

- Fernando, eu...

- Não quero mais ouvir, Henrique! – Praticamente gritei. – Vocês dois são capazes de tudo para não arruinar os negócios da família, não é? – Sorri sarcástico. – Quer saber, mamãe? Você sempre se preocupou que Lety separaria nossa família, e adivinhe só? Foi você  que fez isso! – Falei com rancor e ela chorou ainda mais.

               Sem mais estomago para olhar para os dois, saí feito um furacão do quarto.

 

 

 

 

 

 



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