Os relógios sinalizavam a madrugada; três horas da manhã. As ruas esbanjavam a escuridão e o mistério, sendo incendiadas pelo reluzir das luzes dos postes e letreiros de lojas e bares que funcionavam por mais tempo ou vinte quatro horas, tal como o estúdio de paredes pretas de um chinês.
As mãos agarravam o celular e os pés esticavam-se na outra cadeira enquanto posicionava-se atrás da vidraça mostruária que se encontrava logo na entrada. Como dono do lugar – e um proprietário nada abusivo e gentil – era o único que cobria as madrugadas, tendo seus sócios e funcionários trabalhando no período da tarde e noite. Adorava este horário e frequentemente burlava a ordem natural pré-estabelecida, adormecendo no período da tarde. Estar no estúdio até às cinco da manhã, entretanto, tornava-se um pesadelo obscuro; o desperdício de talento em troca de dinheiro revestido de álcool apenas por vir das mãos embriagadas.
Três horas e três da manhã, no horário exato ao qual Xu recebia mensagens do infeliz que poderia apelidar de melhor amigo de ser a hora assombrada e que algo ruim lhe aconteceria. O sino do estabelecimento soara e a silhueta que despedaçava emoções se aproximara, acelerando o coração do chinês que em primeiro olhar surpreendeu-se com uma visita inesperada.
— Ah, idiota! — Largara o celular brutalmente contra o balcão enquanto seguia a pronúncia com xingamentos em sua língua nativa. Não era do tipo de se assustar facilmente, mas as coincidências do momento iniciadas por Mingyu havia lhe acelerado o coração.
Suspirou em forma de recompor-se e ajustou sua posição desleixada para uma sutilmente mais apresentável. Braços apoiados na vidraçaria e olhos fixados na garota de longos fios castanhos que com passos cambaleados havia deixado o bar ao lado falando para os poucos amigos que ainda continuavam ali que precisava fazer algo urgente; se tatuar.
— Em que posso ajudar? — Recepcionara a garota que exalava álcool, mais uma das vitimas de causar decepção ao dono da loja.
— Você — O indicador direcionou-se para o rosto de traços suaves do moreno. — Você tatua? — Correspondendo ao óbvio ele meneou a cabeça em concordância. — Ótimo, é você que eu quero.
— O que gostaria de tatuar?
— Hm... — A mão recolheu-se para dirigir até a bolsa transversal que possuía no corpo. Os finos dedos emaranhavam-se no tecido interno do acessório até vitoriosamente erguer o papel que procurava. — Isso!
A destra de Minghao passou sobre seus fios escuros e bagunçou estes enquanto a canhota agarrava o papel estendido. Os olhos analisaram os detalhes desenhados ali com uma caneta qualquer e dos seus lábios não pudera evitar deixar escapar um riso.
— Isso que quer desenhar, certeza? — Ele questionou-a e ela meneou a cabeça em concordância.
— Rápido ok? — Os dedos envergaram-se sinalizando a palavra proferida. — Ou minha carona vai me abandonar e eu vou ter que ir a pé.
— Não preciso nem dizer que tatuagem é algo permanente, né?
— Se eu não soubesse eu não estaria aqui. — Ela gargalhara. — Areum é muito esperta, ok? — E o símbolo com os dedos fora repetido.
— Quem é Areum?
— Sou eu. — Soprara um murmúrio em seguida como se fosse um fato óbvio.
A destra descera dos fios até os próprios olhos, aos quais ele esfregara com certa brutalidade pela cabeça que já iniciava a latejar. O desenho fora posto no bolso traseiro da calça jeans que vestia e o indicador e o médio direcionaram-se a face da proferida Areum indicando que ela viesse a segui-lo.
Caminharam pelos corredores avermelhados e negrumes até o quarto em que o mais alta costumava trabalhar. Ele sentou-se na cadeira de couro e cobria as mãos com as luvas descartáveis enquanto ela tentava se ajeitar da forma mais desajeitada possível sobre a maca.
— Onde vai querer?
Ela estendera o braço como resposta, fechando sutilmente os olhos e esboçando um curto sorriso. Myungho – como era chamado na Coréia – fitou a face sutilmente durante alguns segundos, até ela movimentar mais uma vez a musculatura.
— Rápido! — Cobrara. — Mas não tão rápido. — Abrira os olhos por vez, encarando o cenho franzido do tatuador. — Vai doer?
— Um pouco. — Ele pronunciara com sinceridade enquanto encarava-a.
— E se eu morrer? — Os olhos escuros arregalaram-se. — Meu deus, alguém já morreu com isso?
— Não, nunca morreram. Não aqui. — Alcançara a tinta próxima e desviara a atenção da garota. — Mas se você morrer morreu.
As brutalidades das pronúncias masculinas fizeram com que viesse a se encolher e tomar o próprio braço. — Posso deitar? — Ela questionou em tom baixo enquanto franzia os lábios rosados.
Um murmúrio de concordância do profissional fez com que ela se reacomodasse no acolchoado. Os olhos concentraram-se novamente na silhueta pacífica daquela que sequer notava a gravidade do ato ao ter o álcool da cabeça aos pés. Hesitava em pegar a máquina, que estava logo ao lado.
— Rápido! — Cobrou-o mais uma vez.
Veio a erguer-se da cadeira e dirigir-se até um armário do canto da sala, guardava um item que seria perfeito para situação e, ainda assim, saciaria os desejos ébrios da jovem; um pote de tinta de henna e o seu devido pincel.
Sentou-se mais uma vez e aproximou-se, com o auxílio das rodas do objeto, a garota que estava deitada com o braço direito estendido e os olhos fechados com vigor o que infalivelmente esboçou um curto sorriso nos lábios finos do rapaz.
O pincel fora umedecido na tintura preta a qual fora direcionada ao pálido braço e, nele, delineara os traços ordenados. Simples traços eróticos aos quais ele tinha certeza que Seok se arrependeria e, por mais que o grande ditado seja “cliente tem sempre razão”, nas madrugas o chinês não hesitaria em dizer o contrário. Preenchera a pequena área do braço com o desenho ansiado e suspirara enquanto a garota mordia os lábios ansiando pela dor que nunca chegaria.
— Quase acabando. — Notificou, fazendo os olhos de a garota ir de espremidos para arregalados.
— Já?!
— Morreu? — Gargalhara ao fim da pronúncia adicionando um detalhe com sua autoridade.
— Nem doeu — Ela dera um gargalhar reciproco antes de tampar os lábios dos soluços que vieram a escapar.
Abaixo da imagem os números em ordem exata foram adicionados, em tamanho proporcional ao esboço apetecido. Materiais da obra realizada deixados sobre a mesa de apoio e, a garota estava livre para correr até sua pronunciada carona; se é que existia.
— Pronto. Terminado.
Comemorara de forma mais desengonçada do que os passos tortos que lhe trouxeram para dentro do estabelecimento, os braços erguidos e um amplo sorriso no rosto; a vitoriosa tatuagem que na realidade não existia.
— Quanto é? — Enrolou-se nas letras que escapara dos lábios e agarrara a bolsa que permanecia em seu corpo.
— Você já pagou. — Mentira, fazendo com que a face feminina inclinasse e franzisse o cenho. — Não se lembra? — Retirou do bolso frontal alguns trocados em dinheiro que por sorte encontravam-se ali. — Aqui.
— Ah! — Seok estalara os dedos e rira. — Verdade. Ok. Verdade.
Cambaleou no pisar direcionando-se a uma das portas do cômodo, a qual agarrou a maçaneta e ameaçou abrir, mas fora impedida pelo chinês que em passos largos aproximou-se e segurou seu pulso.
— Não é ai. — Suspirara, puxando-a pelo pulso agarrado para a saída correta.
Guiou a cliente pelos corredores escuros mais uma vez, no mesmo silêncio que fora a vinda. Percorria sua mente as impurezas que poderia existir caso uma garota daquela estatura, visual e condições fosse atendida em estúdio diferente, não só ela como qualquer outra garota. A cabeça balançava em negativas sobre o ar com os próprios pensamentos e sequer conquistava atenção da grogue Areum, que apenas surpreendia-se com o cintilar de suas sapatilhas.
— Obrigada moço! — Ela acenara enquanto atravessava a porta de entrada, fazendo o sino soar mais uma vez. — Você é muito bonito para um tatuador, parabéns — Arrastara a última palavra antes de sair por completo, agarrando uma risada sutil daquele que fora elogiado.
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