Hoje pela manhã Hiuka foi ao endereço antigo de Hoseok o procurar, e por sorte continua sendo lá que ele reside. Ela me contou que tocou a campainha e aguardou sem muita esperança, pois pelo lado de fora a casa estava reformada e poderia ser de um novo morador; aguardou pouco tempo até aparecer um garoto muito bem afeiçoado, segundo ela, reconheceu logo de cara os traços marcantes do seu rosto, e quando disse a Hope que tinha algo de mim para lhe entregar ele abriu um enorme sorriso; não se contendo leu meu bilhete ali mesmo. Pediu a Hiuka que aguardasse pois iria escrever outro para mim, sem demora. E cá estou eu, lendo pela vigésima oitava vez o pedaço de papel que fez meu dia indescritivelmente melhor.
"Jimin, quanto tempo! Assim que vi sua empregada na minha porta eu sabia que era para trazer notícias sua; fiquei muito contente em saber que ainda lembra de mim e que sente minha falta, pois eu sinto muita saudade.
Bom, eu estou morando no mesmo lugar como você pode ver e meus pais foram embora para o Japão, então virei um dono de casa; estudo dança na KNUA e trabalho meio período em um bar no centro da cidade.
Assim que puder me responda, nem que seja para me manter informado de que está bem e que não me esquecerá.
Amigo, eu já te disse que se dependesse de mim eu mataria todos esses filhos da puta que te batem e ameaçam, depois fugiria com você para qualquer lugar, qualquer lugar que me pedisse eu o levaria.
Ah, tem algo muito importante que não posso deixar de dizer, eu quero te ver, Jimin.
Com carinho, Hoseok."
Ver Hope é algo que eu gostaria muito, muito mesmo, só que a possibilidade disto acontecer é remota. O medo me impede mais do que as grades invisíveis que me aprisionam dentro deste inferno. Quando appa e meus irmãos estão no trabalho eu tenho a chance de sair daqui, mas devido as desumanidades que sofro pela minha própria família, eu tenho medo que as pessoas desconhecidas me punam igualmente. Nessa casa são três indivíduos que me açoitam, e três é um número extremamente pequeno se comparado com a quantidade de pessoas que habitam o exterior, o mundo lá fora é imenso... e eu não sei se eu sobreviveria naquela selva.
Sinto saudade da época em que eu era uma criança inocente que desconhecia as mazelas deste planeta; eu podia correr, brincar, sorrir, ser feliz, pois naquele momento eu não sabia que minha vida se tornaria o caos que é hoje. Eu era apenas um molequinho que brincava de carrinho e me sujava na terra, mas quando descobri meus sentimentos —descobri gostar de meninos—, eu não era mais uma criança normal para meus consanguíneos, me tornei aos seus olhos intolerantes uma figura demoníaca.
Um garoto traumatizado por pessoas que deveriam apenas lhe dar amor, mas ao invés disso recebeu chutes e pontapés acompanhados de inúmeras humilhações. Eu deveria odiá-los pelo resto de minha vida por terem feito me tornar o que sou hoje. Um jovem que nem viveu, mas já anseia pela morte; sem expectativa de vida alguma.
Fiquei tão empolgado em responder Hoseok que não me liguei no horário, faltam apenas minutos para meus algozes retornarem para casa, e eu me encontro aqui sentado no sofá com papel e caneta em mãos. O barulho familiar vindo da garagem interrompe minha escrita e então guardo meus materiais o mais rápido possível; ouço o som da porta principal se abrir e vejo que a carta de Hoseok está visível, em cima do sofá. Me agilizo para esconder o bilhete embaixo de uma das almofadas, também passo a mão por cima do estofado tentando tirar os sinais de que alguém esteve sentado ali, no caso eu. Sento no chão, abaixo a cabeça e começo a brincar com meus dedos, tentando fingir que nada aconteceu.
Sinto a presença de alguém atrás de mim; não sei de quem se trata, mas não posso simplesmente virar minha cabeça para verificar, tenho que agir da forma como sou visto por eles, como um fantasma, fantasma que eles só veem quando querem e só conseguem me enxergar para me maltratar. Por isso prefiro até não os olhar ou falar, evito qualquer tipo de contato visual para que assim eles não lembrem que eu existo. Percebo agora que o corpo se acomodou no sofá, pude intuir pelo barulho do estofado sendo amassado e tive confirmação disso quando senti um pé empurrar minhas costelas; querendo me afastar de si.
— Vá colocar essa sua carcaça inútil em outro lugar, não quero ter o desprazer de dividir o cômodo com alguém tão repugnante como você. — reconheço a voz de meu criador; pelo menos não me bateu hoje, o que me deixa feliz... O único modo de meu pai causar alegria em mim é quando este não me surra.
Obedeço sua ordem com presteza, me dirijo até a cozinha onde Hiuka está; assim que me vê sua primeira pergunta é sobre o bilhete que eu recebera mais cedo, não conseguindo disfarçar minha empolgação, ela me indaga mais a fundo sobre o conteúdo da mensagem de Hoseok... digo que ele gostaria de me ver e então Hiuka fica animadíssima com a ideia, posso dizer até mais do que eu pois ela não vê os empecilhos da mesma forma que eu vejo.
Minha omma junto de nossa empregada são as responsáveis por eu resistir a tudo que me acontece, se não fosse a força que elas me transmitem todos os dias, eu acho que já teria desistido a muito, muito tempo; na verdade não acho, e sim tenho certeza.
Hiuka é o tipo de pessoa batalhadora que já sofreu muito no passado, ela está sempre a contar suas histórias a fim de me motivar e mostrar que por mais difícil e dura seja sua vida, jamais deixe de buscar a felicidade. Um dia todas as lagrimas se tornarão sorrisos; todos os desafetos se tornarão amores; todos os espinhos se transformarão em belas rosas; todas as feridas cicatrizarão e não me causarão mais sofrimento... E assim a vida vai seguindo, vivendo dia após dia e pedindo sempre por dias melhores, um dia o cara lá de cima irá me recompensar por tudo; e enfim a existência terá sentido.
Perdi a conta de quantas vezes Hiuka limpou minhas feridas, me deu remédios para dor e chorou junto comigo. Eu não tenho um pai e uma mãe, eu tenho duas mães.
Logo nossa conversa é interrompida por um pigarro, olho ligeiramente para a porta e vejo Jungkook escorado a nos encarar. Num movimento quase que automático me coloco atrás de Hiuka, como se ela pudesse me proteger das olhadas fulminantes que ele jogava em minha direção.
— Estou com fome. — Jungkook diz ríspido.
— Irei cozinhar para o senhor. O que gostaria? — Hiuka indaga, devolvendo a rispidez em suas palavras, enquanto abaixo minha cabeça e olho os detalhes do piso, este que já decorei até as imperfeições.
— Quero que você saia, quem vai cozinhar para mim será esse lixo atrás de você. — percebo Hiuka colocar sua mão atrás do seu próprio corpo, tentando pegar minha mão.
— Desculpe, mas a empregada desta casa sou eu, não o seu irmão. — ela coloca-se ao meu lado e põe seu braço envolta do meu pescoço. — E aproposito, não tem nenhum lixo aqui.
Eu fico muito aflito com isso, não quero que Jungkook use seu ódio por mim e desconte em Hiuka, eu jamais me perdoaria se fosse a causa de mais uma tragédia.
— Está tudo bem, deixe eu cozinhar para meu Hyung. — forço um sorriso, tentativa de amenizar o clima e mostrar a minha segunda mãe que ela poderia deixar isso para mim, eu o faria.
— Jimin, você não tem que fazer isso. — ela me olha aflita e vejo Jungkook a nos observar impaciente.
— Se você não sair dessa cozinha agora, eu irei fazer com que sua demissão aconteça hoje mesmo. — ele diz e então Hiuka pergunta a mim se pode se retirar, eu assinto. Sei que o único motivo dela querer trabalhar nesta casa é para me proteger, ou pelo menos tentar; ela poderia já ter arrumado serviços muito melhores, eu sei disso.
Ela sai controversa, deixando apenas Jungkook e eu naquela cozinha apertada. Ele permanece com seus olhos a me dilacerar e então ainda me olhando fecha a porta; não satisfeito também a tranca.
Eu coloco minhas duas mãos dentro do bolso da calça de moletom e espero suas seguintes ordens.
— Você ouviu o que eu disse, né? — diz aproximando-se de mim a passos lentos porem firmes. — Estou faminto, então faça algo bem gostoso para seu superior. — já perto o suficiente, ele coloca suas mãos apoiadas na parede atrás de mim, me deixando encurralado pelos seus braços.
— O que deseja comer? — pergunto baixo sem manter contato visual, minha voz quase não sai e eu preciso fazer um tremendo esforço para não chorar de medo. As vezes que tive Jungkook tão próximo a mim não foram felizes. Não me deixando apenas com cicatrizes externas, mas internas também; e talvez essas cicatrizes interiores sejam as que mais doem... parecendo incuráveis.
— O que eu desejo comer?! — ele ri tirando os olhos de mim por instantes, quando volta a pô-los vejo sua pupila dilatada e aquele entreabrir de lábios assustador. — Gostaria de comer seu fígado, mas imagino que este deva ser tão podre quanto você. Prepare um Lámen para mim, rápido! — então me libera das celas braçais e caminha em direção a uma das cadeiras.
Dou um discreto pulinho com seu grito e corro para a prateleira pegar os utensílios que precisarei; pego os alimentos na geladeira e volto para o balcão da pia. Com a faca em mãos e um rolinho de naruto me preparo para fatiar a massinha. Minhas mãos tremem e não consigo ter controle sobre a faca, o que me deixa um tempo curto paralisado tentando me acalmar. Jungkook observa cada movimento meu, bem próximo a mim.
— Anda logo, não sabe cortar a porra de uma massa? — diz ele impaciente.
— Só um minuto, por favor, hyung.
— Não me faça esperar. Será que terei de te ensinar a cortar? — ele fala tão próximo a mim que posso sentir sua respiração tocar o meu pescoço desnudo. O corpo de Jungkook pressiona o meu contra o balcão da pia e eu preciso manter o controle para não o empurrar. Seus braços arrodeiam minha cintura; sua cabeça acima da minha e então ele envolve minhas mãos, manipulando-as.
— Fique quietinho, deixa que agora eu vou dominar o seu corpo. — ele diz em sussurros, propositalmente.
Jungkook move minha mão direita em direção a faca, e com a esquerda me faz pegar o naruto.
— Você não sabe lidar com facas? Realmente é perigoso; elas machucam gravemente, sabia... maninho? — eu apenas assinto com a cabeça e deixo que ele acomode meus dedos ao redor do cabo do talher. — Antes de continuarmos, deixe eu te contar uma coisa. Sempre que eu te batia e via o sangue sair de você, eu me perguntava que gosto deveria ter aquele filete avermelhado que escorria por esse seu rostinho. — com meus olhos fechados tento ignorar suas palavras, rezando para que ele se afaste logo.
Sinto Jungkook contrair sua mão sobre a minha, apertando forte a madeira que envolvia o alumínio afiado; ele começa a mover lentamente a faca em direção ao meu rosto; vigiando o ato com um sorriso sádico, enquanto sua bochecha roçava na minha
— Não, por favor, não faça isso! — eu rogo desesperado.
— Shiu, seu viadinho. — ele dizia apertando mais seu corpo contra o meu, enquanto mexia seu quadril em movimentos circulares e precisos.
Ouço batidas fortes na porta e em seguida a voz de nosso appa a perguntar quem ocupava o cômodo e porque o espaço estava trancado. Jungkook me libera nervoso e coloca suas mãos sobre a cabeça, andando de um lado para o outro e com o semblante preocupado.
— Abra essa porta! Caralho! — percebo o tom enraivecido de meu pai.
Jungkook temeroso destranca a porta e a figura do monstro maior invade o lugar, ele olhava para nós como se estivesse vendo o príncipe das trevas em sua frente e sem demora aproximou-se de Jungkook, desferindo um tapa forte em seu rosto; este permanecia imóvel apenas aceitando seu ‘’castigo’’
— Parece que estou tendo um deja vu. Saia daqui Jimin! — acelero meus passos em direção a porta, temendo que na hora em que cruzasse pela figura de meu pai, este me agredisse, mas não foi o caso. Meu irmão vem logo atrás. — Você fica, Jungkook.
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