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História Jimmy Stuart e o Livro dos Anos - Impressões


Escrita por: LBSantana

Notas do Autor


Tudo fica mais confuso.

Capítulo 3 - Impressões


Enquanto voltávamos para casa, não conseguia tirar da minha cabeça o que havia acontecido hoje no colégio, não conseguia entender a minha reação diante de Kevin. Aquilo nunca aconteceu comigo antes. Será que estou doente? Cheguei a imaginar. E a reação dele! Parece que ele ficou aborrecido por eu o ter evitado, mas o que eu poderia dizer a ele? 

A hora do almoço já tinha passado, poucas pessoas estavam nas ruas do vilarejo. Pude ver, quase todos, os alunos voltando para casa, exceto Kevin. 

- Por que você está tão pensativo, Jimmy? – Michael percebera a minha falta de atenção à conversa deles.

- Nada de importante. Apenas estou recapitulando os acontecimentos de hoje.

- E o saldo, foi positivo ou negativo? – Melanie perguntou.

- Bem, foi o saldo típico de um primeiro dia de aula, na escola nova. – tentei disfarçar os meus conflitos interiores. Pareceu funcionar.

Quando chegamos perto da casa, percebi que Adam ainda estava conosco. Deduzi que ele entraria na casa. Só não sabia como Melanie o havia apresentado a Sra. Carmem. De qualquer forma, procurei ficar atento para não cometer mais deslizes. Melanie entrou de mãos dadas com Adam, o qual olhava esquisito para os gatos e foi direto para a cozinha. Michael e eu nos olhamos e a seguimos, curiosos.

- Avó, o Adam pode almoçar com a gente? – Melanie pediu com uma voz carinhosa.

- Ele já esta aqui? – a Sra. Carmem perguntou, num tom meio severo.

- Sim, ele está. – Melanie respondeu, envergonhada.

- Então ele pode, mas se comportem crianças. – a Sra. Carmem tentou ser engraçada, mas a sua voz ainda soou como uma sentença.

 Melanie e Adam se sentaram à mesa, porém, Michael e eu, resolvemos não deixar nossas bolsas no sofá, pois não estávamos bem habituados com a casa nova. Subimos as escadas, cheias de gatos, como sempre, um deles até brincava com a minha mala, a qual eu quase arrastava pelo chão. Entramos no quarto e eu fui direto me jogar na cama.

- Quem era aquele garoto que falou com você, na hora da saída? – Michael inquiriu. Não percebi que ele havia notado.

- Ele só queria me entregar uma caneta que eu deixei cair. – respondi, pensando se ele teria visto que Kevin segurou em meu braço.

- Tudo bem, então. – suspirei, aliviado com as suas palavras. - Você está, realmente, bem, Jimmy? – Michael se pronunciou. – notei que você estava meio inquieto hoje.

- Não se preocupe, não foi nada! – menti.

- Nós somos irmãos, - ele reiniciou. – eu sei quando tem alguma coisa acontecendo. Você sabe que pode confiar em mim.

As palavras de Michael me feriam por dentro. Pensei, por alguns instantes, que não queria continuar mentindo para ele, mas não tinha coragem para falar sobre o que acontecera. Ele me olhava, aguardando que eu o respondesse.

- Quando eu estiver mais preparado, eu conversarei com você, eu prometo. – foi a única coisa que eu achei para falar. – eu confio em você, mas não me pressione, por favor.

- Eu entendo, - ele parecia se desculpar – vou saber aguardar. Vamos almoçar?

- Ok.

Descemos as escadas e fomos direto para a cozinha. Enquanto descíamos, ouvimos espirros descontrolados. Os três já estavam almoçando.

- Onde vocês estavam? – a Sra. Carmem perguntou, enquanto sentávamos.

- Estávamos deixando as mochilas no quarto. – Michael respondeu.

- Não precisam se incomodar, - Melanie disse. – podem deixar sempre em cima do sofá, tenho certeza que estavam com fome.

A Sra. Carmem tinha feito uma lasanha bolonhesa com uma salada verde. Ela tinha jeito para cozinhar e Michael gostou muito de suas comidas. Talvez, porque os pratos repetitivos do internato não fossem tão saborosos. Percebi que Adam, constantemente, interrompia a refeição para espirrar e espantar o maior número de gatos possíveis. A Sra. Carmem olhava o garoto de forma depreciativa. Certamente, a alergia de Adam era mais um empecilho de serem bons amigos. 

Algo, em cima da mesa, me surpreendeu. Adam bebia num copo idêntico ao que eu quebrara. Não que isso fosse importante, mas eu tinha quase certeza que só havia um copo como o que eu quebrei. Será que, apesar de dizer que não tinha problema, a Sra. Carmem ficou chateada e resolveu comprar outro copo idêntico? Aquilo foi começando a me perturbar. Comecei a imaginar que os nossos pais podem ter deixado algum dinheiro para nós, e, caso isso tenha ocorrido, a Sra. Carmem seria a responsável por esse dinheiro. Por um momento, pensei na possibilidade da Sra. Carmem estar interessada em nosso dinheiro e que ela, ainda é uma estranha em nossas vidas.

Após o almoço, sentamos todos no quintal, aproveitando o sol mais forte da tarde, apesar das nuvens não abandonarem, nunca, o céu. Logo após sentar, porém, me assegurei que aquele sapo não estaria por perto.

- Como foi o primeiro dia de aula, rapazes? – a Sra. Carmem demonstrou preocupação.

- Foi bom, obrigado. – me antecipei em relação ao Michael - não queria que ele contasse sobre o que aconteceu comigo. Quando eu falei isso, eles começaram a rir, automaticamente, fazendo a Sra. Carmem ficar confusa com a situação. Adam parecia engasgar-se com os espirros.

- Qual o motivo para sorrisos? Aconteceu algo de especial? – ela perguntou com um leve sorriso puxado para o canto da boca.

- Só alguns tormentos de um primeiro dia de aula! – resolvi me antecipar, novamente.

- Tudo bem. – ela parecia ter entendido que eu não queria contar detalhes. Eles ainda continuavam a rir, agora com menos intensidade.

Continuamos a conversar no quintal, o céu, embora com muitas nuvens, estava bonito, meio escuro. Um gato preto, de olhos bem amarelos, com uma mancha branca na orelha esquerda, começou a se enroscar nas minhas pernas. Fiz-lhe um cafuné. Ele parecia ter gostado, depois saiu correndo por entre a relva, sob o olhar gélido de Adam. O vento passava, lentamente, pelos galhos das árvores, derrubando algumas folhas sobre as flores. Depois, Melanie me disse que algumas árvores eram salgueiros, bem mais antigos que ela. 

Enquanto eu olhava para o céu escuro, pensava em quantas coisas ainda iriam acontecer e que nós iríamos descobrir, lembrei-me do copo. Ele, realmente, me intrigara. Parecia que sua imagem, por algum motivo, que não saberia explicar, relutava em sair de minha mente, parecia impresso. Lembro-me, de não haver nenhum outro copo na mesa, quando o acidente aconteceu, hoje de manhã, ou dentro da pia, pois a olhei quando vi o copo quebrado.

A Sra. Carmem acariciava, docemente, um gato siamês, não muito grande.  Eu precisava fazer algo para descobrir se ela tinha apenas um copo como o que eu quebrei, pois isso, para mim, já envolvia assuntos mais sérios, como as verdadeiras intenções da Sra. Carmem com Michael e comigo. Embora, em um canto escuro da minha cabeça, algo me dizia que isso não tinha sentido algum. Como se meus pensamentos estivessem sendo guiados, até chegarem à conclusões ilógicas. 

Após alguns minutos, resolvemos fazer nossas lições de casa. A Sra. Carmem havia ido deitar-se, Michael e eu subimos para nosso quarto e deixamos Melanie e Adam na sala. Eles pareciam que iam reiniciar outra seção de beijos e que não estavam nada preocupados em fazer a tarefa. Em minha cabeça, a imagem do copo em cima da mesa, durante o almoço, foi tomando a minha atenção. Já não conseguia me concentrar na tarefa, então, resolvi conversar com Michael.

- Michael?!

- O que foi?

- Sabe o copo que o Adam usou hoje, no almoço?

- O que tem ele?

- Foi o mesmo que eu quebrei hoje de manhã e tenho certeza que a Sra. Carmem não tinha outro igual. – claro que não tinha certeza, era apenas uma forte sensação.

- O que você está querendo dizer? – ele já estava confuso.

- Sabe, ela pode ter comprado outro igual, apesar de dizer que não via problema no que aconteceu. Não que isso seja alguma coisa errada, todavia, isso me fez pensar que nossos pais podem ter deixado algum dinheiro para nós e ela pode estar querendo se aproveitar da nossa situação.

- Você sabe bem o que está dizendo? – ele me olhou com uma cara de repreensão. – Está dizendo que a Sra. Carmem é interesseira, só porque ela pode ter comprado um copo idêntico ao que você comprou. Não entendo como você chegou a esse pensamento.

- Não estou acusando ninguém! – meu tom de voz saiu um pouco alterado. – Só estou pensando nessa possibilidade, não é impossível!

- Ok, eu não quero brigar com você, - ele falou, tentando ser compassivo. – só não quero que pensemos mal de uma pessoa, sem ter provas.

- Você está certo. – realmente comecei a achar que, talvez, eu estivesse precipitado, mas ainda queria saber sobre o copo, nem que só por curiosidade.

Talvez, ela tivesse outro copo igual, guardado em algum lugar que eu não vi ou, talvez, ela quisesse ter toda a coleção de cores de cada copo.

- Vou beber um pouco de água. – avisei ao Michael, que não se incomodou.

Desci as escadas, tentando não fazer barulho e, mesmo se o fizesse, seria difícil distinguir uma pessoa, dos gatos, naquela casa. Melanie e Adam se beijavam no sofá. Às vezes, os gatos ronronavam aos seus pés, ao que ele os empurrava nervoso. Não havia nenhum sinal da Sra. Carmem. Resolvi passar sem falar nada. Eles, simplesmente, não perceberam a minha presença. Cheguei à cozinha e comecei a abrir e fechar as prateleiras, rapidamente, observando cada minúsculo objeto que pudesse aparecer. Havia pratos, panelas e até outros copos, mas nenhum igual ao outro. Todos tinham alguma figura particular. Não havia encontrado nada. Parei em frente à prateleira, onde estava o copo igual ao que eu quebrei - ainda curioso.

- Jimmy? – a voz, quase, me fizera pular. Virei. Era Melanie, meio confusa por me ver ali.

- Eu não vi você passar pela sala.

- Eu não queria incomodar vocês. – minha voz parece ter saído sincera, como eu queria.

- Você precisa de alguma coisa? – se ofereceu.

- Não, só vim beber um pouco de água. 

- Bom, eu vim pegar um pouco também para Adam.

Eu peguei o tal copo amarelo com estrelas, enchi-o de água e comecei a beber. Depois, até me arrependi da quantidade excessiva que botara. 

- A Sra. Carmem tem um copo diferente do outro? – perguntei à Melanie, como que só por curiosidade.

- Sim, a vó gosta de fazer coleções. Você é bastante observador Jimmy. – com certeza, ela não sabia que eu havia quebrado um deles, hoje de manhã.

- Bom, eu vou continuar a fazer a minha lição de casa! – falei, enquanto depositava o copo no armário.

- OK, então! – Melanie retirou-se da cozinha e foi, direto, para os braços de Adam, que estava namorando os gatos agora.

Passei pela sala, achei melhor não falar nada com Adam. Ele, simplesmente, olhou para Melanie, logo depois de me ver, perguntando a ela, quando eu tinha ido à cozinha. Não fiquei a tempo de escutar a resposta dela, pois a sala já tinha desaparecido por baixo do piso do segundo andar.  Voltei para o quarto.  Michael parecia não ter se movido um milímetro desde que eu saí. Deitei na cama e continuei a minha tarefa, com alguma dificuldade em me concentrar nela. Quando terminei, Michael parecia ler um livro - não tinha muito o que se fazer – então, resolvi ficar deitado, um pouco, na cama, refletindo sobre tudo o que aconteceu. 

Fiquei olhando para o teto, dessa vez, consegui encontrar mais gatos escondidos pelas manchas e imaginei por que as minhas orelhas ficaram vermelhas quando eu vi Kevin. E por que eu não conseguia desviar o meu olhar da escuridão de seus olhos. Isso, realmente, nunca aconteceu comigo. A vida fora do internato, estava se mostrando cheia de surpresas. Sentia-me como alguém que vive trancafiado em uma jaula, até que, um dia, se liberta e passa a conhecer como o mundo é diferente. Ninguém, nunca, tinha chamado tanto a minha atenção, como Kevin. Como se ele prendesse os meus sentidos - inclusive agora. Decidi ocupar a minha cabeça com alguma outra coisa, pois, certamente, não conseguiria desvendar a minha reação hoje, na escola - e isso me frustrava. 

Levantei da cama. Michael havia caído num sono profundo, provavelmente, não acordaria agora. Fui até a varanda. O vilarejo não estava muito movimentado, poucas crianças, apenas estavam sentadas nas escadas de suas casas a brincar. O céu estava bastante nublado, sobre as colinas, bem verdes da chuva, que nunca demorava muito a cair. A floresta parecia ainda mais densa, com a neblina a penetrando. 

Voltei a pensar no copo. Algo me fazia sentir que alguma coisa estava errada, - não sei bem por que resolvi me preocupar tanto com um, simples, copo quebrado - mas precisava chegar à alguma conclusão, que não fosse mera hipótese, pois já não tinha mais paciência. Acabei pensando em ir até a cozinha e checar o lixeiro, para dar mais uma olhada no copo que eu quebrara. Seria fácil, pois Michael ainda dormia. Desta forma, ele não me interrogaria sobre onde eu estava indo e, provavelmente, Melanie e Adam ainda estavam se agarrando. A minha única preocupação, era se a Sra. Carmem continuava em seu quarto, mas resolvi não deixar que essa dúvida roubasse a minha coragem. 

Saí do quarto, vagarosamente (até parece que Michael acordaria). As escadas estavam cheias de gatos que se espreguiçavam. Abaixei-me, lentamente, para olhar se Melanie e Adam ainda estavam se beijando e minhas dúvidas foram comprovadas. Passei pela sala, sem ser notado. Levei um susto, quando Adam iniciou uma seção de espirros. Entrei na cozinha - por sorte, a Sra. Carmem não estava - fui direto ao pequeno lixeiro, que ficava ao lado de uma estante, o abri e não havia, simplesmente, nada. Estranhei um pouco, mas depois acreditei que a Sra. Carmem tinha recolhido e colocado do lado de fora. 

Saí pela porta dos fundos e contornei a casa, até a porta onde estava o porão, ao seu lado, estavam algumas sacolas pretas. No começo, imaginei se a Sra. Carmem não guardaria objetos no porão, mas, depois, concluí que era muito improvável que aquele copo tivesse saído daí - ao menos, eu não queria acreditar. Ainda que eu tivesse um surto de coragem e resolvesse entrar, o cadeado que ficava na porta do porão, estava fechado. Olhei para as sacolas e meditei, por um momento, se valeria mesmo abri-las e vasculhar os seus conteúdos. Até me imaginei entrando na cozinha, fedendo a lixo e encontrando as donas da casa me olhando abestalhadas; “Eu lutei com um gato”, eu diria. E, logo em seguida, iria me jogar da varanda. 

Desisti da ideia de mexer nas sacolas, apenas as fitei por mais alguns segundos, porém, antes que me movesse em direção à porta da cozinha, algo, em baixo da sacola, chamou a minha atenção. Abaixei-me e estendi a mão até o pequeno objeto. Quando o analisei melhor, pude perceber que era um pedaço de vidro quebrado e nele, havia uma estrela amarela. Era um pedaço do copo que eu quebrei hoje, na cozinha, não tive dúvidas. A Sra. Carmem deve ter deixado cair um caco ao colocar os restos do copo na sacola. Isso não era muita coisa, mas agora, pude ter certeza que o copo, em que eu bebera água há pouco, é igual, apesar de Melanie ter dito que cada copo era diferente um do outro. Coloquei o pequeno pedaço de vidro em meu bolso e voltei para a casa, antes de entrar na cozinha. 

Observei, cuidadosamente, se não tinha ninguém, adentrei e olhei para o copo que eu deixei em cima da estante, era igual ao pedaço de vidro. Melanie e Adam ainda namoravam, passei rápido, quase correndo pela sala, por pouco não chutava outro gato. Subi as escadas e corri para o quarto. Michael ainda dormia, como eu esperava. Sentei na cama e olhei, por alguns instantes, o pedaço de vidro em minha mão, como se esperasse respostas dele e claro, que eu não as obtive. 

Coloquei a estrela em meu bolso, novamente, e decidi dormir um pouco.  Estava bastante atordoado com tudo. Acabei caindo em um sono pesado. Meu corpo parecia estar anestesiado de cansaço. Comecei a ter um sonho, em que estava andando pelas ruas do vilarejo, estava entardecendo, tudo estava deserto, como se todos tivessem abandonado as casas. Parei de andar e fiquei olhando as casas, que pareciam bem assustadoras com as portas e janelas abertas. Pareciam gritar, silenciosamente. 

Continuei andando. Media cada passo com medo do que poderia sair das casas. Levantei a cabeça e me surpreendi ao ver o céu sem nuvens, com uma lua cheia, bem grande, estampando o firmamento, que estava repleto de estrelas. Meus olhos desceram, até uma casa velha, bem alta e grande, cuja madeira parecia ainda mais velha que as outras. A porta estava trancada. Era a única que estava assim. Não tive chance de perceber o que fazia, mas, em poucos segundos, estava em frente à porta. 

Estendi a mão em direção ao trinco, sem entender o que estava acontecendo, entretanto, antes que a abrisse, ela se abriu sozinha e revelou uma escuridão, capaz de deixar qualquer ser vivo cego. Senti um vento frio subir pela espinha, até me deixar todo arrepiado, quase não respirava, com medo de fazer um simples gesto. Um vento frio começou a se arrastar para dentro da casa e ouvi um rosnado, que crescia, timidamente, até se tornar, incrivelmente, assustador. 

Um estrondo ecoou. Provavelmente, o que estivesse lá dentro, resolvera se mover. Isso me fez correr para o lado e pular a pequena cerca de madeira que havia. Saí correndo pelas ruas, ofegante. Podia ouvir algo atrás de mim, correndo, velozmente, chegando, cada vez, mais próximo. Não tive coragem de olhar o que era, mas, com certeza, não me faria nenhum bem. A criatura soltou um ganido de raiva, o que me fez gritar, apavorado, mas ninguém estava lá para ouvir meu grito. Quando parecia que o animal ia me alcançar, eu virei na rua à esquerda. Ele pareceu ter esbarrado em algo ao fazer a curva, mas, logo em seguida, voltou a me perseguir. Reconheci a rua principal. Sabia onde ficava a casa da Sra. Carmem, daqui à alguns quarteirões estava a rua à direita. Na casa, estaria protegido, acredito. O animal continuava a ganir de raiva. Fiquei, ainda mais, apreensivo, por chegar em casa e saber onde estava Michael. O meu caçador já estava bem próximo. 

Dobrei à direita. Minhas pernas pareciam falhar de tanto forçá-las. Finalmente, cheguei em casa, subi as escadas aos gritos e, antes que entrasse pela porta, ela se abriu sozinha, esbarrei em uma pessoa, que me segurou forte nos meus braços. Quando percebi, era Kevin, com seus olhos enfurecidos.

- Jimmy, Jimmy, acorda. – uma voz me fez acordar, atônito. Minha visão estava meio embaçada. Aos poucos, consegui reconhecer Michael. – já passou, foi só um pesadelo! Você está suado!

- Michael?! – a minha voz, quase, não saiu. Ele me abraçou e começou a me fazer um cafuné. 

- Está tudo bem. Eu estou aqui com você. – só eu sabia como as suas palavras me transmitiam segurança.

- Você quer me contar como foi? – ele me perguntou, enquanto me acalmava em seus braços.

- Melhor não - respondi.

- Tudo bem. – falou, carinhosamente.  – agora não há mais motivo para temer! Vamos descer e comer um lanche?

- Ok.

Mal saímos do quarto, Melanie já terminava de subir as escadas.

- Meninos, vocês querem torta de limão? – ela perguntou, abrindo um sorriso bem grande - efeito Adam, com certeza.

- Claro! – Michael respondeu, rapidamente. Acho que ele não queria que Melanie percebesse o tom de minha voz. Felizmente, ela não percebeu.

Descemos as escadas. Alguns gatos brincavam, corriam pela sala, deixando o trânsito, ainda mais, caótico, Michael, novamente, foi o que encontrou mais dificuldade para trafegar. Quando chegamos à cozinha, Adam já estava comendo um bom pedaço de torta que, por sinal, parecia ser deliciosa.

- Sentem-se, rapazes - a Sra. Carmem estava retirando um suco da geladeira. - por favor, sirvam-se. 

- Aconteceu alguma coisa, Jimmy? – a Sra. Carmem percebeu a minha cara, meio abatida, ela fora a única.

- Eu só dormi um pouco. – falei, dando um sorriso nada persuasivo.

Ela fingiu que acreditou, sentou-se à mesa e começou a se servir e, mais uma vez, o copo estava lá, na mesa, o que me fez esquecer, por algum momento, aquele pesadelo, que estava me deixando mais confuso. A torta de limão estava deliciosa. Agora, percebi de onde Melanie tirava toda a sua inspiração para preparar tortas tão deliciosas. Adam parecia adorar. Decidi ocupar minha mente, definitivamente, com a imagem do copo. 

Quando já estávamos terminando de comer, a Sra. Carmem avisou que iria subir à biblioteca, para ler algum livro. Ela, inclusive, nos encorajou a ficarmos à vontade para pegar qualquer livro. 

- Melanie, - resolvi falar. – você pode nos mostrar o mercado? Eu gostaria de conhecê-lo!

- Claro que posso, - respondeu ela. – vocês querem ir agora?

- Oh sim, pode ser agora. – respondi, antes que Michael se pronunciasse.

Michael ficou me olhando, confuso, sem entender o meu súbito interesse por conhecer o mercado. 

- Bem, - Melanie disse. – eu vou avisar a avó que iremos sair.

Ela levantou-se, deu mais um beijo em Adam e saiu para a sala.

- Você procura alguma coisa de especial no mercado? – Adam perguntou, inocentemente.

- Na verdade, não. Só estou querendo conhecer melhor Riverplace. – menti.

Michael, novamente, olhou desconfiado, pressentindo que a minha intenção não era das melhores.

- Meninos, venham aqui na sala por um instante, preciso mostrar-lhes uma coisa. – a Sra. Carmem chamou-nos com um tom, um tanto, imperativo. – você não, Adam. – seguramos o riso.

Michael e eu, como de costume, nos olhamos, curiosos, por saber o que nos aguardava. Saímos da cozinha. Melanie e Adam continuaram nela. Entramos na sala. A Sra. Carmem estava sentada em uma poltrona, segurando alguns papéis. Alguns gatos passeavam pelas suas pernas, implorando por um carinho. 

- Sentem-se aqui, por um momento. – ela parecia bastante séria.

- Este, é o valor que seus pais deixaram para vocês, - ela falou, enquanto olhava, profundamente, em nossos olhos, - Fiquei responsável por esse dinheiro, logo, deixo claro, que vocês podem pedir qualquer quantia que precisarem a mim, que vos darei, desde que, - falou esta última palavra um tom mais alto. – vocês não o gastem com coisas desnecessárias. – e sorriu, bondosamente.

Ela nos entregou o papel. Não fiquei muito surpreso com o valor escrito nele, não era nenhuma fortuna. Acredito que uma família de renda média conseguiria juntar aquela quantia dentro de alguns anos. No começo, fiquei sem reação diante do pedaço de papel em minha frente.

- Quero que saibam: irei gastar esse dinheiro apenas com coisas que retornem para vocês. - ela continuava a olhar-nos, fixamente - Quero que vocês façam uma avaliação mensal de tudo o que gastaram, pois, a cada mês, irei fazer uma prestação de contas sobre o dinheiro que gastei...

- Não é necessário, Sra. Carmem, - Michael a interrompeu, antes que continuasse - tenho certeza que nosso dinheiro está em mãos confiáveis.

- Tudo bem, então, - ela respondeu, - mas não exitem se quiserem fazer uma avaliação. – falou, amigavelmente.

- Temos certeza que não precisaremos. – Michael insistiu.

- Bom. Aqui está, para vocês usarem no mercado - ela entregou cem dólares para cada um - e não pensem em recusar. – concluiu.

- Rapazes, - Melanie entrou com Adam, - estão prontos para irem ao mercado.

- Iremos, apenas, pegar um casaco. – falou Michael.

Saímos da sala direto para a escada e entramos no quarto, meio assustados.

- Bom, não imaginava nossos pais milionários. – confessei.

- Já acreditava que nossos pais não tinham muito dinheiro, por isso que eles... – Michael interrompeu-se, mas pude entender o que ele pensava.

- Duvidei da índole da Sra. Carmem! – disse cabisbaixo.

- Você não sabe como eu me senti, lembrando-me dessas coisas! – Michael me castigava com os olhos.

- Desculpe, eu não fiz por mal. – abaixei a cabeça, querendo transmitir arrependimento.

- Não é para mim que você deve desculpas, - ele me assustou. – mas não choremos o leite derramado.

- Agora, precisamos ir ao mercado. – falei, envergonhado.

- Quais as suas, reais, intenções naquele mercado? – Michael parecia estar interrogando um detento.

- N-nada de importante, já disse, - a voz me traiu. – só quero conhecer.

- Ok, - Michael olhou-me desconfiado, com olhos cerrados - vamos logo a esse mercado.

Não tive coragem de olhar para a Sra. Carmem, ainda me sentia envergonhado em relação a ela. Melanie já esperava por nós na sacada, nos braços de Adam. O céu, como sempre, estava nublado e corria um vento gélido, que me fez arrepiar.

Caminhamos até a rua principal e a percorremos, quase, por inteira. O mercado era um prédio antigo (como todos no vilarejo), tinha uns dois andares e era cheio de portas e janelas enormes. 

- Este é o mercado, - falou Adam, colocando o pé no primeiro degrau. – com certeza não se compara aos shoppings de Londres, entretanto nunca nos falta nada de importante.

Por um momento, pensei qual a noção de importante, em termos de compras, para eles. O mercado era bem espaçoso, cheio de prateleiras e estantes, abarrotadas de coisas. Vasculhei tudo na loja. As coisas não eram nada antigas como a loja, eram novas e bonitas. Entrei numa seção de roupas e me surpreendi com algumas blusas de malha e um casaco verde com capuz, que, com certeza, combinaria com os meus olhos. Confesso que sou uma pessoa consumista, principalmente, quando o assunto é roupa, não resisto a uma boa lã. Selecionei duas blusas, junto com o casaco verde. Michael espantou-se com a minha presteza diante das roupas.

- Você não perde tempo mesmo. – disse, balançando a cabeça.

- Deixe-me ser feliz. – lhe respondi, acompanhado de um beliscão na sua barriga.

Continuei olhando a loja, tinha desde eletrônicos, até imóveis para a casa. Isso me fez lembrar o, verdadeiro, motivo pelo qual eu estava ali. Sei que não havia motivos para eu perseguir essas ideias. Talvez, fosse, apenas, meu cérebro insistindo em procurar algo para preencher o tempo ou eu, realmente, estava louco. Saí procurando por copos pelo mercado, até perdi Michael de vista e depois de algum tempo de procura, encontrei vários copos no segundo andar. Analisei todos, nenhum era como os da Sra. Carmem. A princípio, fiquei sem reação. Um homem que vestia o uniforme da loja carregava uma caixa grande.

- Com licença. – falei.

- Pois não? – ele tinha uma voz, um tanto, grave, parecia estar apressado para concluir seu serviço.

- Você sabe me dizer quando foi que chegou a última mercadoria de copos na loja? – perguntei-lhe.

- Já faz um mês, - ele respondeu - não é algo do tipo, que as pessoas comprem muito! – concluiu.

- Obrigado! - disse-lhe.

- Disponha. – ele continuou seu caminho, apressado com seus afazeres.

Estava, realmente, confuso. Não entendia como a Sra. Carmem pode ter arranjado outro copo, já que Melanie me dissera que cada copo era único. Desci as escadas e procurei Michael, ele estava olhando os CDs.

- Onde você estava? – ele parecia estar preocupado.

- Eu só estava dando uma olhada lá em cima. - respondi.

- Você vai levar algum CD? – perguntei a ele.

- Vou levar um de rock! – respondeu.

- Onde estão Melanie e Adam? – indaguei. 

- Estamos aqui. –Melanie estava segurando um sapo de pelúcia que, por sua vez, segurava um coração onde estava escrito: “Eu te amo” – provavelmente, um presente de Adam.

Fomos ao caixa. Minhas roupas, embora bonitas, não eram muito caras, porém eu gastei o meu dinheiro, praticamente, todo. Quando saímos da loja, as nuvens estavam alaranjadas, anunciando que a noite chegaria em pouco tempo, e as ruas, aos poucos, ficavam desertas. Pouco antes de dobrar na última rua à esquerda, Adam despediu-se e entrou numa casa não tão grande, mas bonita. Quando chegamos, a Sra. Carmem preparava o jantar. Melanie foi à cozinha ajudá-la. Michael e eu subimos para o quarto para deixar as sacolas. Enquanto Michael foi ao banheiro, aproveitei para dar mais uma olhada no pedaço de vidro com a estrela amarela, que encontrei. Tinha certeza que era igual ao copo que eu vira hoje, mais cedo, na cozinha.

- Meninos, - era Melanie - o jantar está pronto.

Descemos para jantar e lá, estava ele, o copo com estrelas amareladas, idênticas as que eu tinha. Fiquei receoso em contar alguma coisa para Michael.  Ele, provavelmente, duvidaria, ainda mais, da minha saúde mental. O jantar era uma sopa deliciosa, não sei bem de que, mas não dei importância. Após o jantar, sentamos no terraço da casa, observando o vilarejo, que parecia ter vida apenas dentro das casas.

- Como foram as compras? – perguntou a Sra. Carmem. – gostaram do mercado?

- Foram ótimas, - respondi - melhores que a minha expectativa.

- Vocês estão gostando de Riverplace? – ela continuou.

- Oh, claro, - Michael se manifestou – com o tempo iremos nos adaptar melhor.

- Bem, eu vou à cozinha, - disse ela. – com licença.

Neste momento, comecei a ficar impaciente, sabia que precisava falar com a Sra. Carmem, buscar uma explicação. Sem pensar muito no que fazia, levantei-me.

- Vou beber um pouco de água! – minha voz saiu como uma sentença.

Entrei na sala. Estava com as luzes apagadas, apenas um feixe de luz iluminava-a, vindo da cozinha. Era possível ver milhares de olhos amarelados na minha direção, que pareciam flutuar em meio àquela obscuridade. Os gatos andavam sem fazer nenhum barulho, seus corpos estavam, totalmente, invisíveis, apenas era possível ver seus olhos, os quais, pareciam deslizar por todos os cantos. Comecei a tremer, enquanto andava, lentamente, em direção à cozinha. Minhas pernas estavam pesadas. Na cozinha, a Sra. Carmem estava encostada na pia, bebendo água no copo com estrelas amareladas, olhava para mim, como se já esperasse pela minha presença.

- S-Sra. Carmem... - parei por um momento, para avaliar se a minha coragem, realmente, me permitiria seguir adiante com essa insanidade.

- Pois não, Jimmy, - falou, com uma voz maliciosa. – você tem algo para me perguntar?

-A senhora lembra aquele copo que eu quebrei, hoje de manhã?

- É claro que lembro. – respondeu, com um leve sorriso.

- Ele é igual ao que a senhora está segurando! – pensei que não conseguiria terminar a frase.

- E o que há de errado? – ela parecia estar fazendo uma brincadeira de mal gosto.

- Melanie disse-me que cada copo é único nesta casa e não vi nenhum outro copo igual a este no mercado. – pensei que fosse morrer de vergonha com o que dizia.

Ela deu um sorriso mais evidente e falou:

- Você tem certeza que este copo é igual?

- Encontrei um pedaço de vidro, do copo quebrado, próximo ao porão! – uma gota gélida de suor desceu pelo contorno da minha espinha.

- Deixe-me ver, então! – ela estendeu a mão, evidenciando, mais uma vez, suas unhas grandes e meio descuidadas.

Retirei a estrela do bolso e a coloquei na palma de sua mão. Ela continuou a me olhar, fixamente, enquanto sua mão fechava, lentamente, escondendo a estrela. 

- Umm... - ela disse, enquanto analisava, em segredo, o pedaço de vidro. – acho que você cometeu um engano. Esse vidro não é igual a este copo.

Enlouqueci com as suas palavras.

- Como... - ela me devolveu o vidro e, no lugar da estrela amarela, agora estava um lindo passarinho desenhado.

Eu não podia acreditar no que os meus olhos viam. Fiquei, completamente, sem reação, bestificado. 

- Você deve ter se impressionado com o que aconteceu hoje de manhã, querido, - ela falou friamente - mas não fique se martirizando, isso acontece. – retirou-se da cozinha após estas palavras.

Olhei para o pequeno passarinho na minha mão. Será que estava ficando louco? Minha mente começou a reviver tudo o que tinha acontecido neste dia maluco: o copo quebrado em cima da pia; minha reação, inexplicável, diante de Kevin; o copo idêntico ao que eu quebrara; o sonho, sem sentido, com Kevin; a herança que nossos pais deixaram. Todas as imagens pareciam querer sair, simultaneamente, fazendo a minha cabeça girar de tantas informações. Achei que fosse explodir. 

Deixei o pedaço de vidro cair no chão e saí correndo pela sala. Os olhos amarelados, na sala, começaram a correr, velozmente, reproduzindo um som macabro. Esbarrei em alguns gatos, que me olhavam vividamente e subi as escadas, direto para o quarto. Pulei na cama, afundei meu rosto contra o travesseiro, sozinho, sem Michael, completamente, confuso.


Notas Finais


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