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História Jimmy Stuart e o Livro dos Anos - Lobo


Escrita por: LBSantana

Notas do Autor


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Capítulo 7 - Lobo


7. Lobo.

As manchas no teto estavam, cada vez mais, confusas, não consegui discernir nenhuma imagem desta vez, talvez, porque não estivesse tão interessado, como nas outras vezes, talvez, porque a minha cabeça estivesse, totalmente, preenchida por Kevin. Já não estava tão confuso como antes, porém, continuava, igualmente, aflito.

Ontem, no parque, Kevin e eu, quase nos beijamos, significa que ele também deve gostar de mim? É o que me parece, ou será, que eu estou ficando louco? Será que eu fui o único a tentar beijar e ele, sem entender nada, ficou parado, aguardando-me efetivar o meu propósito? Se for isso, com certeza, eu me mataria! Saímos da roda gigante e ele ficou, boa parte da viagem de volta, calado, parecia juntar os fatos. Mas não posso estar ficando louco, Kevin também pretendia beijar-me, tenho certeza que sim.

Sentia uma vontade infinita de ficar junto dele, que não cabia dentro de mim, parecia que ia explodir, de tanto o meu coração bombear sangue, desesperadamente. Pensava em seus olhos negros, que penetravam a minha carne e me roubava os sentidos. Feito um cogumelo, que se apresenta suculento à sua vítima, escondendo todo o veneno que satisfaz os anseios, o qual, parece ser o mais saboroso dos alimentos, capaz de revelar prazeres arrebatadores, implorando à sua vítima que lhe dê uma mordida fatal. Quando eu o olhava, fixamente, não conseguia desviar o olhar, estava confinado numa prisão, que, ao mesmo tempo, me torturava e fazia-me pedir mais, como uma presa, que implora ao predador que lhe mate.

Kevin não saía de minha cabeça, realmente, eu nunca sentira algo tão forte por alguém. Penso que não seja pelo fato de Kevin ser o meu primeiro amor - na verdade nunca acreditei que o amor fosse tão forte assim. Meu corpo parecia meio anestesiado, uma vontade enorme de correr para os braços dele me escravizava, resolvi levantar. Michael dormia, profundamente, parecia uma criança que cai no sono, após mamar o leite quente que lhe dá vida.

O relógio marcava pouco mais que cinco horas. Olhei pela porta de vidro, uma névoa branca, feito neve, se formara lá fora, impedindo que a luz chegasse à varanda na sua totalidade. Levantei, sonolento, mal dormira aquela noite, vez ou outra, acordava e ficava a pensar em Kevin, no que acontecera ontem e nas conclusões que eu chegara, talvez, por isso, não tivera sonhos esta noite. O quarto estava escuro, saí arrastando os pés em direção à varanda. Ao abrir a porta, um pouco de nuvem entrou no quarto e se dissolveu com o ar quente do dormitório. A névoa estava pesada, quase não consegui enxergar o sofá, a rua estava imperceptível. Agasalhei-me melhor, por causa do frio. Apenas era possível ver parte do telhado de algumas casas pela rua.

Aos poucos, como que de propósito, a névoa foi ficando mais clara e eu pude ver no céu uma lua cheia, enorme, que percorria, misteriosamente, o seu percurso em direção à floresta, onde queria esconder-se. Já era possível ver a rua e parte das casas. Comecei a sentir um tédio enorme, não queria ficar parado, sem fazer nada, precisava me movimentar. A ideia de ficar todo o domingo sem fazer nada de especial, ou pior, sem ver Kevin, era detestável. Olhei para dentro do quarto, Michael dormia, tranquilamente, o sono dos inocentes, porém, eu, não queria voltar para a cama e tentar dormir, certamente, não seria possível. Precisava ocupar minha mente, pois a vontade de ver Kevin me machucava. Sem ter o que fazer, resolvi voltar para dentro do quarto, caminhei, na ponta dos pés, até a cama de Michael, sentei e fiquei observando-o dormir.

 - Será que você vai continuar me amando? – suspirei, cuidadosamente, para não acordá-lo – Ainda vai me chamar de irmão? – minha mão deslizava, levemente, em seus cabelos.

Um desespero começou a apoderar-se de mim, não sei ao certo, se irei contar à Michael sobre os meus sentimentos, tinha um medo enorme de perdê-lo, dele ter ódio de mim. Cheguei a decidir que não contaria, todavia, lembrei-me da promessa que eu fizera, teria que contar-lhe, ainda que ele tivesse nojo de mim – isso, realmente, era doloroso. Apesar do turbilhão de emoções, nenhuma lágrima desceu. Bem, eu, de certo, lhe contaria, mas não agora, acho que precisava de um pouco de tempo, para, quem sabe, encontrar a melhor maneira de dizer-lhe. Primeiro, vou deixar que a minha situação com Kevin se resolva; que tudo fique claro entre nós, quem sabe, se tudo não passar de ilusão, eu nem precise contar a Michael.

E depois? Seria melhor contar à Sra. Carmem e à Melanie? De imediato, expulsei essa ideia de minha cabeça. Mas, como viveria aqui, escondendo quem eu sou? Eu, certamente, morreria louco! Acho que vou pensar melhor nessa possibilidade, depois que contar ao Michael. Comecei a pensar como tudo seria, se nossos pais vivessem conosco, certamente, eu descobriria, provavelmente, com outro garoto, que sou homossexual e, seguramente, eu contaria aos nossos pais. Como será que eles reagiriam? Algo me faz acreditar que eles não eram preconceituosos, não era essa a imagem que prevalecia em minha mente, pode ser que ela seja fruto dos meus desejos, mesmo assim, resolvi aceitá-la.

Michael virou para o lado. Levantei da cama, sem acordá-lo, e fui para a minha. Fiquei sentado, olhando o quarto, de um lado ao outro, sem encontrar nada de interessante. O verme do tédio me corroía por dentro, me deixando numa ânsia terrível. Voltei à varanda, ninguém apareceu, todos dormiam em suas casas, despreocupados com o domingo e eu ali, parado, feito um idiota, perdido no espaço. Olhei ao longe, ainda com dificuldade pela névoa, e vi o prolongamento da rua, o qual levava até o rio. Ainda não tive a oportunidade de ir lá, ou melhor, ninguém teve a preocupação em me mostrar.

Uma ideia começou a tomar força em minha mente. Eu poderia aproveitar que todos dormiam e ir até o rio, seria melhor ocupar a mente com uma breve caminhada. Mas e se Michael acordasse, enquanto eu estivesse fora? Analisei-o da varanda, ele parecia uma pedra, o que me fez sossegar. O problema, eram os outros, mas eu não pretendia demorar e, afinal, ninguém entraria no quarto ou teria motivos para acordar-nos cedo! Finalmente tive coragem. Entrei no quarto para me arrumar, procurei meu casaco vermelho, luvas e umas botas, já meio velhas, que eu, quase nunca, usara. Elas eram meio amareladas, lembro que as ganhei num aniversário, foi a diretora do internato quem me deu. Se não fosse por Michael, elas já teriam ido para o lixo há muito tempo, mas agora, enfim seriam úteis.

Coloquei as botas, para a minha surpresa, não estavam apertadas, coloquei umas luvas verdes, eu estava ridículo, mas ninguém me veria mesmo. Depois que terminei de me arrumar, fiquei algum tempo parado, sentado na cama, a observar Michael, como se esperasse ele acordar para dizer-me algo. Até comecei a pensar em desistir, mas só de pensar em trocar de roupa, fiquei com raiva e me pus de pé. Saí pelos corredores, os gatos estavam dormindo, embolados em pequenos montes, encostados na parede. Gatos, realmente, dormem à noite? – indaguei. Alguns deles acordaram com o barulho da porta e vieram espreguiçar-se aos meus pés, como uma saudação.

Cada passo era, milimetricamente, calculado para não fazer barulho, olhava, a todo instante, para os lados, observando qualquer movimento. Encontrei maior dificuldade em descer as escadas, que pareciam ter mais gatos amontoados. Na sala, era impressionante a quantidade de gatos, já os tinha visto antes, mas não todos parados, parecia haver ainda mais deles sobre o chão, nos corredores, suspensos nas paredes, nos móveis, uma verdadeira poluição. Ao chegar à sala, decidi ir até a cozinha, beber um copo de água. Alguns bichanos levantavam a cabeça, avaliando-me, e logo após, tornavam a dormir. Enquanto bebia, percebi a máquina de fazer café, em cima da estante, não pensei duas vezes e resolvi tomar uma xícara, antes de sair. Quase me queimei, sou, miseravelmente, desastrado, sorvi cada gole, com medo que alguém entrasse pela porta e repreendesse as minhas intenções.

Terminei, atravessei a sala e abri a porta. Um vento frio entrou, espantando alguns felinos. Sem dar tempo às dúvidas, saí da sala. Embora ainda houvesse névoa, era possível enxergar a rua, até uma distância de, mais ou menos, uns dez metros, além das casas. Tudo estava, misteriosamente, silencioso, parecia que a cidade estava abandonada. Olhei ao redor, toda a cidade, fiquei perguntando-me o que eu estava fazendo ali fora, sozinho. Desci as escadas, a madeira rangia aos meus pés, provocando-me arrepios. A lua cheia estava bem grande no céu, o qual, estava numa tonalidade azulada, que prenunciava que o amanhecer não tardaria.

Olhei para o alto da varanda e ninguém apareceu, resolvi começar a caminhar, não queria demorar muito, na verdade, já estava querendo voltar logo para casa. Entretanto, o tédio de ficar acordado, sem nada para fazer, era mais desestimulante. As casas estavam, ainda mais, opacas com a neblina, suas portas e janelas, fechadas, davam a impressão que o imóvel dormia junto com os moradores. Essas imagens lembraram-me o sonho que tivera, o qual, eu andava sozinho pela cidade, sem ninguém por perto. E depois, veio aquela besta, que me seguiu pelas ruas, querendo me devorar. Era uma péssima hora para lembrar isso, o medo sacudia as minhas pernas, de qualquer forma, não pude deixar que ele me dominasse, resolvi continuar a andar.

Comecei a pensar no outro sonho, o qual, ao meu ver, deixara uma cicatriz na minha perna, em forma de uma palavra, em uma linguagem que eu não conhecia. Bem, se aquela noite na floresta foi somente um sonho, então ela não poderia ter deixado uma marca, pois não seria mais sonho e sim realidade. Aquele passeio escondido, embora estivesse deixando-me, impressionantemente, com medo, era uma possibilidade de descobrir algumas respostas, para o que vinha acontecendo de estranho. Precisava continuar andando e saber se tudo era real. Parecia impossível alguém sonhar algo tão fantástico em uma floresta e depois, encontrar algo diferente no corpo, era irracional, mas era o que estava acontecendo. Talvez, pudesse ser verdade, tudo aquilo existira, havia um mundo, totalmente, diferente do que as pessoas estão acostumadas a ver. Se isso for verdade, então eu estava correndo um grande perigo.

As primeiras casas foram desaparecendo, as últimas pareciam gritar com as portas e janelas fechadas, meio retorcidas com a névoa. Estava começando a ficar mais frio, quem sabe, é consequência do medo, às vezes, eu achava que daria meia volta e sairia correndo e berrando para todo mundo me socorrer de alguma coisa invisível. Eu era patético! As árvores já começavam a aparecer dos lados da estrada de pedras, que parecia bem maior, do que eu supunha. Algumas árvores passavam por cima da estrada e chegavam até o outro lado, formando arcos de vegetação. Passava por eles, vagarosamente, pensando que alguma coisa fosse pular dali a qualquer momento. Eu me odiava, intensamente! Pode parecer a maior idiotice do mundo, mas meu sexto sentido me dizia que alguma coisa, bem ruim, aconteceria comigo. Era muito mais que um medo irracional.

Lembrei-me dos duendes terem comentado sobre os monunrows, se aquilo não era um sonho, eles bem que poderiam me fazer as apresentações agora! Ironizei. E há também, os caçadores, que segundo os duendes, eram piores que os monunrows. Talvez, tudo esteja relacionado ao coaxar estranho daquele sapo, poderia ser uma premonição que eu morreria em breve, vítima de um animal. Bom, com certeza, Michael ficaria inconsolado. Ao menos, não teria que revelar-lhe que sou gay, mas essa ideia de morrer, já estava me agonizando. Comecei a pensar em Kevin, os seus olhos me queimando, a sua boca convidativa, os seus braços me envolvendo, no sonho. Não, eu não iria morrer sem esclarecer os seus sentimentos por mim, sejam lá quais forem.

Meu coração acelerara só de pensar em Kevin, já podia sentir minhas orelhas ardendo. Como são esquisitos os efeitos que o amor provoca na gente, parece que nos faz descobrir outro alguém, oculto dentro de nós, outro alguém, inerte ao mundo, esperando a pessoa certa para despertá-lo.

Já não estava com tanto medo, até comecei a ouvir alguns passarinhos cantando, olhei para trás e não consegui enxergar nada. Comecei a pensar em algo que não permitisse que o medo voltasse, fechei os olhos e desejei, ardentemente, que o meu mp3 estivesse em meu bolso.

Felizmente, ele estava, sabia que o tinha deixado em alguma roupa.  Coloquei os fones no ouvido e o liguei. A princípio, tentei sintonizar em alguma rádio, mas como eu já esperava, foi inútil, decidi escutar as músicas que eu já tinha. Saí procurando, entre as músicas, alguma que estivesse adequada aos meus últimos dias, nenhuma me convencera. Até que, finalmente, encontrei uma, sei que não tinha nada a ver com alguém andando numa estrada com uma névoa, mas não dei importância. A música falava de alguém desconhecido, pelo qual, alguém se apaixona e descobre, nesse alguém, coisas que ninguém nunca lhe proporcionou.

Achei que tinha a ver com Kevin, ele era um estranho bonito, que, segundo a música, fez meu mundo desmoronar quando olhei em seus olhos. Aquela música veio em uma boa hora, estava sentindo vontade de correr, de gritar e cantar a música para todos ouvirem. Todavia, não encontrei coragem o bastante, nem me dispus a cantar para todos ouvirem, uma vez que, não sabia o que, exatamente, poderia ouvir. Depois de escutar mais umas duas ou três músicas, desliguei o mp3, estava preocupado, pois aquele passeio demorava mais do que eu previa.

Dei mais alguns passos e comecei a escutar o barulho de água correndo, o rio deveria estar próximo. Aos poucos, pude enxergar, ao longe, um pequeno edifício de madeira, era bem antigo, estava desabitado, tinha uns três andares. Ao seu redor, havia muitas caixas e barris velhos, deixados ali, provavelmente, antes de o pequeno porto ter parado de funcionar. Aproximei-me dele, era tenebroso com aquela neblina, o vento batia no prédio, fazendo-o ranger, gritar. Segui para perto do rio, havia uma passarela, que levava até, mais ou menos, a metade deste, que não era tão caudaloso, mas era fundo o bastante para pequenas embarcações navegarem. Andei, lentamente, pela passarela, com cuidado para não ceder, pois era bastante velha. Pelo visto, não havia casas ali, estava tudo abandonado, nenhuma pessoa.

Cheguei até o fim e me sentei, meus pés ficaram a poucos centímetros de distância das águas. Do outro lado do rio, a floresta continuava profunda e misteriosa. Passei algum tempo vendo a água correr embaixo dos meus pés, aquela sensação de tranquilidade me fez esquecer algumas coisas que me perturbavam. Ali, não tinha nada de estranho, era somente a natureza e eu.  Queria que Michael estivesse comigo, ele, com certeza, gostaria daqui. Alguns pássaros voavam nas árvores à minha frente, cheguei a ver um esquilo correndo entre os galhos. Esqueci-me do mundo, de tudo o que me fizera sorrir e chorar, tudo foi embora com as águas.

Olhei para cima, a lua ainda continuava no céu, já mais perto da floresta, aquela simbolizava tudo o que existe de misterioso no mundo, tudo o que o conhecimento humano, ainda, não provou. Fiquei fitando-a, como um idoso que olha o horizonte, esperando que algo de novo lhe surja e tudo possa ser diferente, feito um novo mundo que acabamos de descobrir. A névoa, aos poucos, foi ficando mais densa sem eu perceber, quando notei, já não era, quase, possível ver a lua. Olhei para trás, apenas alguns barris mostravam-se e fiquei com medo de não encontrar o caminho de volta ou de demorar o bastante, para que Michael acordasse e notasse a minha falta.

De repente, ouvi um barulho de galhos se partindo, na floresta à minha frente. Senti o medo subindo pela minha espinha, até que já tremia todo. Não consegui me mexer, fiquei petrificado onde estava. Na garganta, um nó havia se formado, por mais que eu quisesse, não conseguiria gritar, mesmo sabendo que não havia ninguém para me socorrer. A minha respiração estava ofegante, olhei, fixamente, para o outro lado do rio, mas não conseguia enxergar nada.  Resolvi esperar a névoa diminuir, pode ser que seja alguma pessoa que mora ali por perto, pensei. Mal pensei e a névoa foi se dissipando, lentamente, aumentando o meu medo com a expectativa.

E, como as cortinas de um teatro, que se abrem para dar início ao espetáculo, a névoa foi revelando um par de olhos grandes e amarelados, dentro da floresta, analisando-me. Meus pulmões pareciam que iam explodir, não ouvia mais meu coração, parece que tinha desfalecido com o susto, senti todos os pelos do meu corpo arrepiando-se. Ficaria ali, parado na passarela, com a esperança que o animal encontrasse algum motivo para ir embora, entretanto, um rosnado, ameaçador, foi crescendo dentro da mata.

Não pude controlar meus instintos, virei para trás e sai correndo e gritando, enquanto o animal soltava um ganido de predador quando encontra sua presa. Ouvi um barulho na água e, logo depois, o som de patas pesadas correndo atrás de mim, chegando cada vez mais próximo. Corri em direção ao prédio, senti que, talvez, não fosse chegar a tempo, senti meu coração batendo incontrolável, novamente. Consegui chegar à porta. Eu a abri, gritando. A besta rosnava, raivosa, atrás de mim, pulei para dentro e tropecei, caindo dentro do cômodo que estava cheio de palha. Lá dentro, algumas caixas e uma escada, que dava acesso ao andar de cima. Virei, rapidamente, ainda deitado, e olhei para a porta entreaberta, nada aparecia do lado de fora. Levantei, minhas pernas pareciam que não aguentariam o meu corpo por muito tempo. Fiquei olhando pela porta, nem sinal do animal, a névoa, lá fora, ainda estava bastante compacta, com certeza, o meu caçador, estava me observando naquele momento. Encostei-me à parede de madeira, ao fundo da estalagem, não tive coragem de ir fechar a porta.

Um vento frio começou a soprar em meu pescoço, virei e pude ver, pela fresta na parede, um lobo, olhando-me, só que não era um lobo normal, parecia-me bem maior que um lobo comum. Seu pelo era acinzentado, meio prateado, possuía um focinho longo e patas fortes, para perseguir a caça. Seus dentes frontais escapavam de sua boca, suas orelhas, excitadas, estavam preparadas para mover-se em um golpe, todo o seu ser expirava o desejo de devorar a minha carne. Comecei a me mover, lentamente, o lobo permanecia com o olhar fixo, sem piscar, expirava forte o meu cheiro, a cada passo que eu dava, o seu rosnado aumentava.

Era o meu fim, não tinha como escapar, nunca mais veria Michael, ele ficaria desmotivado a viver, podia imaginar os seus dias, patéticos, sem mim. A minha família, que eu mal conhecera, ou melhor, o resto dela, teria apenas a imagem do parente louco que eu consegui passar. Mas, por incrível que pareça, a pessoa que mais preenchia a minha mente e, pela qual eu mais ficava amargurado por saber que não veria mais, era Kevin. Começava a castigar-me o arrependimento de não ter contado antes a ele sobre os meus sentimentos, deveria tê-lo beijado, mesmo durante o ônibus. Não interessava mais qual seria a sua reação, valeria a pena viver aquele momento, talvez, se isso acontecesse, eu nem estaria aqui, prestes a morrer.

O lobo deu um uivo profundo, que me fez sentir a alma agonizar de pavor. Não pensei duas vezes, saí correndo, gritando, desesperado, e comecei a subir as escadas velhas. O lobo pulou dentro do celeiro, quebrando a velha parede de madeira, que se estilhaçou em vários pedaços. Um deles, veio parar em minha testa, quando eu ainda subia a escada, abrindo uma pequena cicatriz na sobrancelha esquerda. Com isso, pude ver o lobo debatendo-se sobre as caixas vazias, que ali estavam. Subi as escadas e logo vi mais caixas de madeira, perto da porta, afastei algumas, até que ficassem na frente da porta, coloquei umas sobre as outras e ao redor. Lá embaixo, o barulho de madeira quebrando era enorme.

Ouvi o lobo começar a subir as escadas e bater, fortemente, com as garras, sobre aquele meu projétil defensivo. Eu não pensei duas vezes, subi as escadas até o último andar. Lá em cima, repeti o mesmo processo de antes, o lobo já havia chegado ao segundo andar, fiquei em frente à porta, coloquei os restos de uma cama velha e uma estante contra a porta. Havia uma janela alta e estreita, que eu, no ápice do desespero, tentei alcançar para pular, mas não consegui. Maldita a hora que eu resolvi sair para caminhar e não resolvi voltar! Meu sexto sentido nunca falhava, tive a prova disso, com aquele sapo no quintal. Eu morreria, é certo, mas o que me dava uma pontada de raiva, era saber que eu morreria por ser um idiota, por não saber lidar com as coisas.

O meu coração batia, energicamente, estava para sair pela boca, podia sentir seus batimentos na minha garganta. O lobo começou a destruir a cama, dei um grito de desespero, senti as pernas enfraquecerem, sem conseguir me suportar. Eu morreria, não tinha mais para onde fugir. Já era possível ver, parte do focinho do animal, por um buraco na cama. O lobo, finalmente, abriu uma passagem, suficiente, para atravessar. Comecei a afastar-me, até encostar-me à parede. O lobo entrou, ele olhava em meus olhos, sua língua saía, velozmente, para fora, lubrificava seus caninos afiados e retornava para dentro.

Senti a madeira estalando embaixo dos meus pés, à medida que ele se aproximava, olhei para o chão e vi que a madeira estava bastante corroída. Chutei para baixo e, como eu esperava, a madeira cedeu e eu afundei. Senti o impacto do chão nos meus ossos, dei um grito, mas logo, o piso do andar de baixo, também afundou com o peso do choque. Caí por cima das ferrugens e dos restos de caixa que havia embaixo, tentei me levantar, a minha coluna doía bastante, mesmo assim consegui ficar em pé, por mais que doesse, não havia quebrado nada, aparentemente.

O lobo rosnava, raivoso, lá em cima, ouvi seus passos pelas escadas que davam acesso ao terceiro andar. Comecei a correr, com alguma dificuldade, percebi que o meu braço direito ardia, ele estava sangrando, um corte aparecia logo embaixo do ombro e descia, até próximo do meu cotovelo. Corri em direção aos barris que estavam a alguns metros de distância dali. A névoa estava densa, não conseguia enxergar a direção da estrada. Percebi que o lobo havia pulado do segundo andar e quebrado, novamente, a parede. Ele rosnava, furiosamente, como um animal sedento de sangue. Seus passos ficavam, periodicamente, mais próximos. Ele deu um longo uivo, quando estava prestes a me alcançar. Desviei para a direita e ele esbarrou nos barris.  Seu ganido foi assustador.

Voltei a correr, sabia que não haveria escapatória e que o animal só aumentava, cada vez mais, a raiva de perseguir uma presa que insistia em viver. Não me entregaria assim, tão facilmente, era a vontade de ver, novamente, Kevin e a minha família, que impedia as minhas pernas de falharem. O lobo soltou um novo ganido. Corri para um último lote de barris que havia ali, percebi ele se aproximar, senti que ele me alcançaria naquele momento. Novamente o enganei, me jogando para a esquerda, ele caiu sobre a madeira, mas isso não o impediu de arranhar minha perna direita. Dei um grito de dor e logo, recomecei a correr, com uma dificuldade enorme, devido ao arranhão. Não sabia para onde ir, a névoa me impossibilitava isso.

O enorme animal deu um forte rosnado, ouvi suas patas deixarem o chão, ele havia pulado, tentei fazer o mesmo, mas meu pé tropeçou em um buraco, caí deitado, com as costas no chão. Por impulso, joguei as mãos para frente, tentando, irracionalmente, impedir que o lobo mordesse meu rosto. Porém, ao fazer tal gesto, uma forte luz verde saiu de minhas mãos e um trovão soou, vi vários raios saírem de meus dedos e mãos, espalhados em todas as direções. Alguns deles, atingiram o lobo, o qual, por pouco, não caiu sobre mim. Ouvi o seu ganido e, logo depois, um barulho de corpo caindo na água. Não consegui me mover, fiquei atordoado com o que acontecera, não sabia se ainda estava vivo, pensei que estivesse sonhando de novo, mas a ferida no meu braço e na minha perna não me deixavam acreditar nisso.

Minhas mãos pareciam ter esquentado. Nenhum sinal de queimadura, seja lá como aqueles raios saíram, felizmente, eles não causaram nenhum dano. Todas aquelas imagens me anestesiaram, fiquei, ainda, mais lesado do que já sou, agora estava, totalmente, confuso, perdido em alguma dimensão que eu não reconhecia, tudo girava ao meu redor, depressa. Minha nuca latejava. Tentei enxergar alguma coisa, entretanto, a névoa não permitia, não ouvi mais nada, parece que o animal havia morrido ou então, foi levado pela correnteza.

A névoa foi se dissipando e o sol foi tomando seu lugar no horizonte, como um relâmpago, que nos acorda depois de várias horas de pesadelo. Não havia nada ao meu redor, o lobo, simplesmente, desaparecera, talvez tenha ficado tão espantado quanto eu, com os raios. Inicialmente, permaneci sentado, com medo de fazer algum movimento brusco, depois, resolvi levantar, com cuidado. A perna doeu um pouco, talvez eu tenha deslocado o tornozelo com a queda, mas consegui ficar em pé, dei mais uma olhada ao meu redor, não havia nada. Porém, alguma coisa me chamou a atenção no rio.

Próximo da passarela, não muito fundo, havia um corpo caído na água, ele estava imóvel. Fiquei assustado com a possibilidade de o lobo retornar, todavia o ser não se mexia. Olhei mais atentamente para o lago, o corpo não possuía pelos, parecia alguma outra coisa. A falta de coragem não queria permitir-me ir até lá, mas insisti. Fui me aproximando, buscava não fazer muito barulho ao caminhar, o meu tornozelo era arrastado no chão, pois não tinha força para levantá-lo.

Era inacreditável. O corpo caído no lago pertencia à uma pessoa, pude ver o seu corpo nu, completamente, sem roupa. Não pensei duas vezes e saí correndo, para ajudá-lo, com alguma lentidão, pois a minha perna não permitia grandes esforços. Finalmente consegui chegar ao local, a pessoa estava virada de bruços, era um homem jovem. Entrei na água, o rio era cheio de pequenas pedras, que me permitiram cair de imediato, fazendo-me soltar um grito de dor. Sentei-me ao lado da pessoa e virei o seu corpo pesado, para apoiar a cabeça em minhas pernas. Meu coração começou a bater, desesperado, quando virei a pessoa em meu colo, era impossível não reconhecer aquele rosto.

Kevin estava ali. A pessoa que eu mais desejava, estava desmaiada em meu colo, em todo o esplendor do seu corpo de Hércules. Sua boca estava pálida de frio, seus olhos fechados, pareciam ainda mais lindos, seu corpo musculoso era perfeito. Devido à situação, nem me importei em olhar o seu sexo. Minhas orelhas começaram a esquentar, apesar de todo o frio. Ele respirava com dificuldade. Não pude deixar de notar algo estranho em seu braço direito, algo que a roupa não me deixara ver antes. Era outra inscrição, parecida com a minha, porém significando outra coisa, ficava no seu braço, entre o corpo e o membro.

 - KEVIN! - gritei, sacudindo o seu corpo, mas nenhuma reação. Podia sentir sua respiração diminuindo, ele estava, incrivelmente, quente.

 - KEVIN! - dessa vez o sacudi com mais força, mas não ocorreu nada. A pessoa que eu amava, que me fez descobrir um lado em mim, até então adormecido, estava morrendo em meus braços. A vida não pode permitir que ele morra sem que eu diga que o amo, pensei. Eu não saberei viver com a lembrança de ter visto o meu primeiro amor morrer, antes que tudo se esclarecesse.

 - KEVIN! – gritei, chorando, bati em seu peito com a mão fechada. Ele cuspiu um pouco de água e levantou, agitado, sentado no rio, procurando alguma coisa.

O seu cabelo estava assanhado, o que o deixava ainda mais bonito, suas sobrancelhas molhadas, deixavam sua expressão pesada. Foi, quando vi seus olhos, negros como a mais profunda noite. Ele me fitou, seus olhos relaxaram, como uma criança, que após algum tempo perdida, retorna ao colo materno. Ele pousou a sua mão direita em minha orelha, como sempre fizera, parecia querer dizer alguma coisa, mas a voz não saia, seu toque me provocou arrepios. Segurei a sua outra mão e a beijei, ternamente, como se quisesse dizer que estava feliz por estar com ele. Ele apertou a minha mão, tentando demonstrar afeto.

 - J-Jimmy, - sua voz saiu trêmula – o que você faz aqui?

 - Resolvi dar um passeio até o rio. – minha voz, ainda, estava sob o efeito das minhas lágrimas.

Ele me abraçou, fortemente, parecia que o seu corpo se uniria ao meu com aquele abraço. Meu ouvido em seu peito quente, permitia-me ouvir as batidas fortes de seu coração. O seu abraço, era como reencontrar um ente querido que, a muito, se perdera e não dera notícias.

 - Você está machucado! - ele segurou em meus braços, sua voz parecia apreensiva – O que fez isso? – ele estava assustado, esperando a minha resposta.

 - Pode parecer loucura, - falei olhando para a água que corria entre as minhas pernas – mas eu fui atacado por um lobo gigante, só que eu consegui espantar ele com...

 - A Lua cheia!? – Kevin estava assustado, ele olhou, depressa, para o céu, procurando a Lua!

 - Já amanheceu, - tentei acalmá-lo, coloquei a mão em seu rosto – a Lua já deve ter sumido! – ele abaixou a cabeça e deu um cheiro em minha mão, seguido por um beijo de ternura. Minhas orelhas pareciam explodir, meu coração batia frenético – Mas, por que você está tão preocupado com a Lua?

A sua fisionomia ficou tensa, ele abaixou a cabeça, parecia sofrer com a resposta, parecia que não queria me dizer, tinha medo da minha reação.

 - Kevin, - levantei a sua cabeça, até os seus olhos encontrarem com os meus – o que está acontecendo?

 - Você me perdoaria, se eu não te falasse? – novamente, sua mão acariciava o meu rosto.

 - Bem, - respondi – eu ficaria chateado, mas seria impossível não perdoá-lo. Mas eu não descansarei até descobrir o motivo.

 - Tenho certeza que você não desistirá, - ele soltou um leve sorriso, porém, logo depois, sua face voltou a ficar carregada – prometo que irei lhe falar, só preciso de um tempo. - acenei com a cabeça, positivamente – Mas, me diga, como você fez para livrar-se do lobo?

 - Eu não sei explicar muito bem, - confessei – só sei que, quando caí no chão, saíram raios da minha mão, que acertaram o lobo. Depois, ele desapareceu.

Ele soltou outro sorriso, meio sarcástico dessa vez, depois segurou a minha mão e disse-me:

 - Creio que você vai descobrir o motivo da minha preocupação, sem que eu precise dizer-lhe! – e sorriu, docemente.

 - Kevin, - indaguei – você sabe o que significa essa marca em seu braço direito?

 - Para falar a verdade, - ele começou a mexer na inscrição em seu braço – confesso que não sei, ela surgiu recentemente e parece, que não vai desaparecer!

 - Engraçado, - desta vez, eu sorri. – eu também ganhei uma parecida, nestes últimos dias. – tirei a minha bota, ridícula, depois desci a meia, mostrando-lhe a minha marca.

Primeiro, ele sorriu, confuso, depois fitou a palavra, como se tentasse desvendar o que ela dizia.

 - Agora, eu, realmente, não faço ideia do que seja isso! – disse-me.

Então, ele olhou em meus olhos, profundamente, daquele jeito que me faz ficar vagando pelo universo, sua boca foi aproximando-se da minha, senti que ele iria beijar-me. Meu sangue corria quente em minha cabeça, estava sonhando. De repente, ele virou-se para trás, assustando-me, parecia estar com medo do que fosse aparecer na floresta, todo o seu corpo enrijecera-se, como se estivesse pronto para uma emergência.

 - Jimmy, - ele apertou os meus dois braços e levantou-me – você precisa ir, agora! - ele começou a me retirar da água, rapidamente – Vá para casa e não pare por nada.

 - Mas o que está acontecendo? – foi o que consegui dizer.

 - Não há tempo para explicações, - ele estava apavorado – depois eu explico, prometa-me que não vai parar?

 - Prometo. – ele segurou em minha mão e a beijou, seus olhos estavam demonstrando todo o medo do que pudesse acontecer comigo.

Comecei a andar o mais rápido que eu podia, meu pé doía bastante. Olhei para trás, rapidamente, ele me olhava, apreensivo, de dentro do rio. Dei mais alguns passos e, novamente, olhei para trás, apenas vi parte da sua perna, sumindo dentro da floresta. Fiquei assustado, todavia resolvi não parar, como eu prometera, andava o mais depressa que o meu corpo permitia.

No caminho, nada apareceu. Fiquei com medo do que pudesse ter acontecido com ele, lembrei-me do medo que havia em seu olhar. A viagem de volta pareceu ser mais rápida, as primeiras casas já apareciam ao longe, fui me aproximando, ainda não havia ninguém nas ruas, apesar de já existir barulho dentro das casas. Pensei em pedir socorro, mas avaliei que não tinha forças, o suficiente, para tanto.

Subi as escadas de casa, com bastante dificuldade, parando para respirar a cada degrau. Abri a porta, deixei que a luz entrasse primeiro, fiquei com medo da reação de Michael, mas ninguém estava na sala. Os gatos correram para perto e começaram a miar, alguns se enroscavam em minhas pernas, imaginei que quisessem ajudar. Dei o primeiro passo para dentro e meu corpo sentiu o alívio de estar em casa, com tanta intensidade, que apenas vi os meus olhos escurecerem e apaguei.


Notas Finais




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