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História Lendas - Os Equívocos do Tempo (Interativa) - Capítulo II


Escrita por: SrtaClarisse e Elfialtes

Notas do Autor


Esta é a primeira parte de um capítulo extremamente extenso. Escrevi-o já apresentando os seis personagens das três classes cujas vagas foram encerradas primeiro, mas não valia a pena postar tudo de uma vez.
Resolvi fazer um teste para saber o que acham do tamanho do capítulo e provavelmente postarei a segunda parte na semana que vem, logo, não haverá espera de duas semanas.

Desculpem-me por quaisquer erros.

Capítulo 3 - Capítulo II


Boa Leitura!

 

| Capítulo 2 |

 

     Finalmente havia chegado o outono. As árvores e flores do Império pareciam muito adiantadas em relação ao primeiro dia da estação em que se encontravam. Como faziam parte das únicas coisas que podiam indicar a época do ano em que estavam, deixaram todos extremamente perdidos, pois as folhas das árvores haviam começado a cair mais cedo além das flores terem morrido antecipadamente. Refletia totalmente o cansaço que todos os cidadãos e líderes sentiam por estarem trabalhando há semanas para que tudo ocorresse bem durante a abertura e toda a competição.

     A Matriarca Perikratus fazia suas últimas checagens para ter certeza de que todos os seus subordinados e aprendizes já tinham total conhecimento sobre suas tarefas. A mulher tentava correr contra o tempo o mais rápido que podia, mas era como se levasse uma rasteira cada vez que pensava que tudo estava em ordem, por que sempre havia algum aprendiz "incompetente" que testava a paciência da ladina dizendo que não havia entendido suas tarefas ou que não sabia como fazê-las. Assim, ela recomeçava a explicar novamente e passo a passo.

     Os outros cinco líderes, incluindo o Imperador, já se encontravam no topo da grande muralha do portão principal, que demarcava o início das áreas urbanas do reino e onde aconteceria a abertura da competição, e agora esperavam o sinal para subirem nos tablados e ficarem ao lado do imperador enquanto este fazia seu "Grande Discurso Cerimonial de Abertura" o digno da "Grande Competição Pela Coroa"  em que ele incentivaria todos os aventureiros a trazerem riquezas a ele, basicamente.

     Nercy havia finalmente conseguido terminar a checagem e agora, em sua carruagem, encaminhava-se para as escadarias da muralha. Estava resoluta de que todos os seus subordinados teriam um bom desempenho durante toda a duração da competição. Caso contrário, aqueles que tivessem um rendimento abaixo do esperado fariam uma viagem só de ida aos quintos do Tártaro pelas próprias mãos da Matriarca.

     Chegou às escadarias e começou a subir três degraus de cada vez por causa de sua impaciência e do fato de estar atrasada. Cerca de 10 minutos depois já estava no topo da muralha e sua real vontade era de se jogar no chão ali mesmo de tão exausta que estava. Todavia, subiu o último degrau,  manteve a compostura e ajeitou suas vestes para poder se juntar aos outros líderes no tablado. Notou que havia chegado a tempo e se sentindo aliviada olhou para o céu. O que ela queria era ver um céu azul e sereno sem nuvens, porém o que viu foi apenas um cobertor de nuvens cinza que escondiam totalmente o rosto azul celeste. Era como se ele estivesse de mau humor e quisesse a contrariar, ou como se estivesse envergonhado naquele dia e não quisesse se mostrar. A ladina desistiu e virou-se para cumprimentar os outros chefes ao seu lado.

     A primeira coisa que notou assim que se virou para a esquerda foi que todos estavam sem seus uniformes ou roupas habituais. A mulher arqueou as finas sobrancelhas, pois havia se esquecido totalmente de que uma das ordens do Imperador era a de usar roupas formais ou mais ricas na abertura. Em seguida, a ladina olhou para seu uniforme de treino sentiu uma raiva tomar posse de sua cabeça, pois tudo deveria ser seguido à risca. Por estar se apresentando naqueles "trapos", Nercy já previa o quando irado o Imperador ficaria quando pusesse os olhos nela. 

     Empurrou esses pensamentos para o lado e levantou a cabeça, visto que já era tarde demais para trocar suas vestes. Virou-se novamente e pôs-se a cumprimentar os outros:

-Como está General? - Nercy perguntou para Targan, o primeiro que viu ao seu lado.

-Como eu estou? - o General pôs-se a rir - Eu estou sentindo coceira em lugares que eu nem mesmo alcanço! E mesmo se alcançasse não poderia coçar por causa dessa droga de roupa complicada que eu não sei arrumar. Ela aperta e pinica tanto lá embaixo que...- Targan foi interrompido.

-É, pois é. Até mais, General. - Nercy disse com um certo nojo. Não se sentiu obrigada a prosseguir ouvindo aquilo. Seguiu para o próximo deixando Targan sozinho para cutucar à vontade os lugares que coçavam.

     Ao lado do Líder em Armas, encontrava-se Sidá que não havia deixado a desejar no quesito "roupas pomposas e ricas". Assim que a feiticeira botou os olhos em Nercy fez uma cara de nojo ao ver a aparência da jovem. A ladina, fingindo que não havia ligado para aqueles olhar irritante, iniciou calmamente:

-Bom dia, Grã-Feiticeira. Quantos impostos foram extorquidos dos aldeões para a confecção e compra deste vestido, colares e anéis com os quais vossa senhoria se orna? - Nercy disse criticando os enormes gastos que Cardênia supostamente devia ter feito afim de adquirir um vestido para apenas uma abertura.

-Desejo-lhe um ótimo dia igualmente, Matriarca. - Sidá respondeu - Obrigada por notar e por elogiar tanto estes trapos velhos de fundo de armário que eu mesma costurei e que escolhi para comparecer. Fico lisonjeada com suas palavras, mas diferente de minhas vestes "demasiadamente caras", parece que você assaltou um cemitério para roubar as roupas de um velho defunto. - A feiticeira disse enquanto analisava as roupas da aliada e ria diante de sua expressão de raiva pelas palavras proferidas - Creio que posso dar um jeito em seu estado deplorável.

     Dizendo isso moveu a capa para o ombro esquerdo de Nercy deixando à mostra um lado das calças de couro e uma das lâminas da ladina que irradiavam uma energia colorida mostrando que as lâminas haviam sido encantadas com feitiços poderosos. Após, mexeu um pouco nos cabelos da Matriarca e puxou-os para um lado deixando o colo exposto. Rapidamente ela abriu três quatro botões da camisa de linho branca que a ladina estava usando, mas quando foi tentar abrir o quinto foi interrompida com um tapa nas mãos.

-O que a senhora pensa que está fazendo? - Nercy disse parecendo um pouco envergonhada com a situação. Ela reabotoou dois botões deixando apenas os dois de cima fora de suas casas e olhou novamente para a feiticeira.

-Você deveria me agradecer, pois agora parece que você é uma mulher e não um moleque que anda sempre sujo de sangue. - Sidá abriu seu leque e começou a se abanar.

     A Matriarca voltou a seguir seu caminho para cumprimentar Liturgo que apenas olhou em seus olhos e sorriu com a calma e serenidade habituais. Fez alguns elogios ao "novo" corte de cabelo da ladina e simplesmente voltou a mirar o horizonte como se sua cota diária de ser legal com a mulher já tivesse chegado ao fim. Nercy, então, seguiu para Markus, que parecia incomodado com algo e mantinha o olhar perdido perto da beirada da muralha.

     A ladina dava seus últimos passos em direção ao rapaz quando pareceu que o som dos passos da mulher se aproximando haviam tirado ele de seus devaneios. Markus a olhou e enquanto Nercy ainda se aproximava   desatou a falar sem dar chance para que a ladina iniciasse a conversa com alguma piada. Parecia que Markus não havia acordado de bom humor naquela manhã.

-Antes que abra sua boca para suas asneiras diarias, vá até lá e veja com seus próprios olhos. Depois me diga o que acha, mas tome cuidado com sua reação, pois eles observam tudo e não deixarão passar uma só demonstração de fraqueza. Ah, tente não escorregar também. Você é meio lerda, sabe? - O caçador disse desafiando-a antes que Nercy falasse algo - E sobre o meu "pássaro vesgo", o Imperador disse que não queria que os pombos que vivem em cima da muralha fizessem as necessidades no manto dele. Logo, ordenou que eu mandasse Percy caçá-los ou mantê-los á distância.

     Mesmo contrariada, a ladina se encaminhou para a beirada e estacou assim que viu o mar de cabeças na base do portão. Não sabia dizer quantas pessoas havia ali, pois a cada momento chegavam mais e mais para aumentar a massa. Eram todos tão diferentes, desde guerreiros com armaduras polidas até jovens magos ainda descobrindo seus poderes. Altos, baixos, elfos, anões, trolls, humanos, animais, louros, negros, diversas cores de cabelo, demasiados tons de pele e diversas etnias. Sua estimativa chegava aos milhares de pessoas e além disso olhar para baixo daquele jeito a deixou hipnotizada ao mesmo passo que tonta. Era como se o vento do alto da muralha quisesse empurrá-la dali. Afastou-se vagarosamente da beirada e voltou para falar com Markus, que limitou-se apenas a lhe direcionar um olhar que demonstrava sua certeza e que ficou muito mais certo pela expressão surpresa de Nercy. 

-Eu disse!... Alguns já haviam armado seus acampamentos lá embaixo desde semana passada. Tive que parar de vir caçar por aqui desde então. Só não sabia que isso ficaria parecendo um formigueiro humano. - O rapaz disse à ladina.

-Sinto pena dos escrivões. Aposto que eles ficarão com as mãos inúteis por um bom tempo, caso os dedos não tiverem caído depois de reproduzirem tantos pergaminhos.

-Sabe, eu acho que se todas as pessoas lá se organizassem em uma pilha de corpos encostados na muralha, conseguiriam chegar aqui em cima sem muito esforço apenas escalando. - Markus riu.

-Quê? - Nercy o fitou, confusa.

-Ah, esquece. O Imperador vem aí. Volte para sua posição. - ele disse mudando de assunto.

     Nercy correu até seu lugar ao lado do General e viu que o Imperador já estava pronto em cima de sua escadinha para parecer mais alto. Ela não pôde deixar de achar aquela cena engraçada e pensou que seria mais engraçado ainda se alguém o empurrasse dali e quantas boas risadas ela daria com a visão do corpo do Rei todo quebrado na base do portão. 

     Sorriu maliciosamente e olhou de canto para os lados a fim de saber se alguém havia percebido aquela reação. Sentiu uma sensação estranha quando percebeu que Liturgo estava com a cabeça virada um pouco para a direita em um ângulo estranho como se quisesse ouvir algo vindo daquela direção.  Uma sensação mais incômoda ainda surgiu quando a visão de Nercy começou a girar e escurecer subitamente. Fechou os olhos para tentar se recuperar e quando os abriu novamente Liturgo já não estava mais com a cabeça enclinada. Agora ele mantinha sua face totalmente voltada para o Imperador que dizia suas palavras de "incentivo" para os aventureiros que o assistiam atentamente lá de baixo. 

     Nercy ficou temerosa. Sentiu  como se Liturgo tivesse usado algum feitiço de desordem mental. No entanto, e se ele tivesse tentado ler seus pensamentos? Nunca antes uma magia desse porte havia sido observada sendo praticada pelos sacerdotes. Além disso, exigia extremo controle mental para tal proeza, então, não seria plausível... 

     A ladina afastou aqueles pensamentos se convencendo de que sua visão só havia escurecido, pois havia esquecido de tomar seu café da manhã e, além disso, havia subido uma escadaria enorme.

     Quando Nercy voltou a se concentrar, viu que o imperador já havia concluído seu discurso quando este levantou os braços e disse em alto e bom som:

-Sejam bem vindo ao meu Império e que comece a competição!

     Após ouvirem aquela deixa, os soldados começaram a chicotear os escravos que estavam dentro da muralha para que começassem a  empurrar a roda que puxava as correntes ligadas aos lados do portão para, assim, abrir os dois lados simultaneamente. Gritos de comemoração foram ouvidos da massa de aventureiros que começou a adentrar o Império. Nercy olhou para os telhados e as ruas em que seus subordinados deveriam estar para guiar e não deixar nenhum engraçadinho sair do corredor de militares feito na rua principal, que levava para os centros de classe específicos. A ideia era que os aventureiros seguissem para os centros de suas classes e lá entregassem seus formulários para a realização da inscrição: os guerreiros seguiriam para o batalhão do exército; os caçadores seguiriam para o pavilhão de caça; magos e magas deveriam ir à Torre de Zéphira; sacerdotes eram direcionados para o Templo Imperial; e, por fim, os ladinos eram encaminhados para a sede do Clã Sombra da Lâmina.

-O que estão achando da vista? - o Imperador disse, ainda de cima de sua escadinha, tirando todos de seus devaneios - Voltem para seus postos agora, visto que aquelas fichas não serão lidas sozinhas! - O Rei disse descendo os degraus com a ajuda de um de seus "puxa-sacos reais" - Tudo deve ser terminado o quanto antes. Já passei por exagerada espera! - E saiu dali com seu servo segurando a calda de seu manto.

-Finalmente poderei tirar essas roupas! - Targan disse aliviado assim que o Imperador já havia tomado uma boa distância deles - Só espero que nenhum de meus soldados me veja assim. É vergonhoso.

-Mantenha a calma, General. Essas roupas só o deixaram mais... Macho! É assim que você do exército gostam de se chamar, não é? Talvez eu lhe convide para fazermos algumas compras algum dia. - Cardênia riu após dizer.

     Mais nenhuma palavra foi trocada pelos líderes, pois um raio ultrapassou as nuvens acinzentadas e um trovão pôde ser ouvido. A feiticeira saiu correndo com as mãos na cabeça tentando não arruinar o penteado com a chuva que estava para cair. Os outros apenas desceram a fim de trocar de roupas e voltar ao trabalho.

 

    *        *       *

     *        *

 

     Dormir com os sons da floresta era mais relaxante do que o esperado, visto que o simples som da passagem da água doce do riacho, que havia naquela parte afastada da cidade, era como uma dádiva que substituía as vozes irritantes e atrapalhadas da multidão distante dali. Além disso, dormir sendo assistido pelas estrelas era tão bom quanto, pois a sensação de ser observado por expectadoras tão belas e silenciosas fazia o jovem guerreiro se sentir um rei. Escolher entre tentar dormir na bagunça que se expandia perto do portão daquele Império ou ficar ali naquela noite tranquila e fria ao gosto do rapaz, era tão fácil que o jovem não pensara duas vezes quando decidiu que daria meia volta para montar seu acampamento na pequena clareira pela qual havia passado quando caminhava até ali.

     Estava exausto por causa do caminho que havia tido para chegar até ali. Seu corpo estava exaurido de todas as suas forças além de estar suando por causa da caminhada sem pausa debaixo do Sol dos dias passados. Sua twinblade, uma espécie de espada com duas lâminas, começou a ficar mais pesada, assim como sua mochila, mas não parou um dia sequer até chegar no local antes da data que constava no formulário. 

     Quando chegou na clareira, retirou seu chapéu e seu sobretudo negro, encheu novamente seu cantil com um pouco da água do riacho e finalmente se acomodou sob uma árvore ali. Improvisou um travesseiro com a bolsa e se protegeu do frio com o sobretudo como se fosse um cobertor. Após, os olhos verdes encararam as estrelas até adormecerem. Tudo parecia estar dando certo, pois não havia sido assaltado em nenhum momento durante sua caminhada, além do dinheiro que havia levado ter durado até ali. Não era tudo o que tinha no começo, mas daria para pagar uma estalagem por mais três dias pelo menos.

     Entretanto, na manhã seguinte, o dia não havia amanhecido belo. O rapaz havia sido acordado por um barulho extremamente irritante de vozes exaltadas. Parecia que o número de pessoas na frente do portão havia aumentado e que os acampamentos já chegavam até perto do seu local de descanso. O rapaz acordara mal disposto e com um gosto ruim na boca, além de seu estômago estar roncando. O jovem se lembrou que dois dias antes, após contar seu dinheiro, havia decidido que não compraria comida para economizá-lo, porém, quando chegou à clareira já estava escuro demais e já não havia mais energias para caçar. Talvez, se tivesse pensado duas vezes, ele teria dormido muito melhor após ter jantado algum animal assado. Deveria ter aproveitado que sabia cozinhar. Qualquer coisa poderia ficar comestível se o rapaz tivesse à disposição uma fogueira e algumas ervas. Ainda pensando em comida, ele se levantou, limpou as roupas que haviam ficado com um pouco de grama e vestiu-se novamente colocando a mochila no ombro e o chapéu nos cabelos brancos. Antes de seguir para a entrada, checou tudo novamente e olhou seu reflexo na água. Quase havia se esquecido de um detalhe. Puxou o pano negro em seu pescoço afim de cobrir sua boca e seu nariz e finalmente partiu.

     Enquanto caminhava percebeu que nem mesmo o Sol havia saído para cumprimentá-lo e oficializar o dia. As nuvens acinzentadas cobriam o céu deixando-o com um aspecto melancólico. Uma chuva estava por vir e o jovem acelerou o passo até chegar aos portões. À medida que se aproximava os muros ficavam mais altos. Os portões já estavam abertos e percebeu que cerca de seis pessoas estavam de pé no topo da muralha, porém elas já estavam se retirando. Talvez tivesse perdido o início oficial da competição, mas não estava a fim de ouvir um discurso, pois ele só faria com que o rapaz sentisse mais fome.

     Seguiu a multidão se misturando a todas aquelas pessoas. Viu que os soldados daquele Império haviam formado um corredor que direcionava as pessoas para uma certas direções. 

     Tudo estava muito bem organizado e inúmeros soldados estavam disposto no caminho, isolando estalagens, casas, ferrarias, casas de banho e outros prédios que não eram interessantes e nem importantes para a curiosidade dos estrangeiros. O jovem pensou que talvez algum soldado pudesse lhe dizer para onde devia seguir. As vozes de todas as pessoas ali formavam uma balburdia intensa, mas procurou prestar atenção ao que os soldados, cujas vozes se sobrepunham às da multidão, diziam. Parou à frente de dois soldados com armadura de placas e peças de couro que usavam capacetes com detalhes em prata e cujas espadas permaneciam embainhadas. Os dois eram os últimos em uma bifurcação do corredor formado pelos outros soldados e sinalizavam para a entrada do local de um pátio de treinamento grande que tinha uma bastilha mais à frente.

     Havia muitas pessoas naquele pátio e todas elas estavam enfileiradas em filas extremamente grandes, tão grandes que quase chegavam à entrada do local. Prestou mais atenção e percebeu que todos ali pareciam ser guerreiros assim como ele, mas foi retirado de seus devaneios quando ouviu uma voz chamar sua atenção:

-Ei, garoto! - o soldado que estava à sua esquerda gritou - Este é o Batalhão do Exército, local de inscrição de todos os guerreiros! Caso este seja seu posto, entre logo! Do contrário, siga seu caminho para não perder tempo, pois os dias aqui costumam durar pouco e você terá uma longa jornada.

-Obrigado pela informação, pois estava pensando nisso agora mesmo. - o jovem agradeceu.

-Não precisa agradecer. Tudo o que precisa fazer é entrar em uma fila e aguardar a sua vez para a inspeção. Vá logo, por que muitos aqui não conseguirão concluir a inscrição hoje!

     O jovem agradeceu mais uma vez ao soldado e adentrou o local seguindo para uma das filas. Esperou por cerca de duas horas em pé. A lentidão daquelas inspeções era tanta que o jovem já estava perdendo sua paciência, uma virtude da qual tanto se orgulhava, e começando a repensar as maravilhas que havia imaginado sobre aquele reino, porém distraiu-se um pouco observando os outros competidores. Viu que aquela competição seria mais interessante do que pensava, pois todos ali pareciam serem ótimos guerreiros. Um desafio e tanto para uma pessoa como ele. Talvez fosse uma loucura querer competir com todos ali, pois as chances de vencer se tornavam mínimas à medida que as filas aumentavam. Entretanto, aquilo era ótimo para o jovem que sempre adorou lutas, aventuras e até certas loucuras. Aquilo talvez não se comparasse a tudo pelo que já havia passado, mas o rapaz resolveu não imaginar o que estaria por vir, pois independente do que fosse, seria extremamente divertido e o deixava cada vez mais perto de alcançar seus objetivos. Afinal, tinha ido até ali para tentar se redimir?

     Sua vez de ser inspecionado estava quase chegando, só tinha de esperar uma guerreira que estava em sua frente terminar de responder às perguntas feitas pelo homem que a atendia. A mulher saiu após alguns minutos e parecia um pouco irritada. Talvez o atendente houvesse tentado paquerá-la com alguma cantada ruim. O jovem deu três passos, parou na frente do balcão e olhou para o a pessoa que estava atrás da mesa esperando que falasse alguma coisa. O homem usava uma armadura igual à do soldado com o qual havia falado na entrada do batalhão, logo, deveria ser um soldado também.

-Deposite sua arma e seu pergaminho de inscrição sobre o balcão. Após, diga seu nome completo e sua idade. - o soldado disse. O rapaz de cabelos brancos depositou sua twinblade e seu pergaminho sobre o balcão.

-Meu nome é Andrew Ávila Silverblood e tenho 19 anos.

     O soldado prosseguiu fazendo outras perguntas para o jovem e o revistou para ter certeza de que não havia armas escondidas. Finalmente o homem se virou e disse que Andrew já estava livre para ir.

     O rapaz passou o dia procurando alguma estalagem cuja estadia fosse barata e conseguiu alugar um quarto pequeno no primeiro andar de uma que não cobrava tanto. Como alugou o quarto no fim da tarde, havia muitas pessoas festejando na taberna que ficava no térreo. Por gostar de festas, desceu e se juntou àqueles que festejavam, mas após um tempo aquele lugar já estava lotado, extremamente quente e insuportável. O rapaz resolveu então que sairia para dar um passeio e voltaria quando todos já tivessem ido dormir. Ele saiu, mas a noite não estava sendo agraciada pelas estrelas, pois aquelas nuvens de chuva ainda as escondiam. Porém após um tempo de caminhada, a chuva começou a cair e o jovem resolveu que já era hora de voltar para a estalagem.

     Retornou pelo mesmo caminho que havia feito, mas ao se aproximar da estalagem estacou perplexo. Ela estava em chamas. Uma multidão estava reunida no lado de fora, mas parecia que ainda havia pessoas lá dentro. O jovem, como não conseguia entrar, apenas viu a estalagem queimar do chão ao segundo andar com todas as suas coisas e o que sobrara de seu dinheiro dentro.

 

*        *       *

*        *

 

     Naquele mesmo dia durante a manhã, o Pavilhão dos Caçadores estava lotado. Eram tantas pessoas que, além dos sete balcões de atendimento que já haviam ali, mais outros três postos foram improvisados às pressas para tentar atender o máximo de pessoas possível. Por haver muitos caçadores naquele saguão, o calor humano deixava o ambiente mais quente e abafado. Todavia, algumas pessoas que esperavam na quarta fila, ou que estavam próximos desta, sentiam uma estranha brisa fria passar por ali, assobiando em ouvidos e arrepiando a pele. Na verdade, parecia que a qualquer momento flocos de neve poderiam começar a cair do teto daquele salão feito mágica, justamente em cima de onde aquelas pessoas esperavam na fila.

     Aquilo era um alívio, pois todos os outros estavam sentindo muito calor, um calor que não passava nem mesmo com todas as enormes janelas laterais do salão abertas. Olhando mais de perto, no meio do circulo de caçadores que eram refrescados pela fria brisa, havia uma jovem com um peculiar arco de gelo, assim como suas flechas na aljava em suas costas. Seus cabelos lisos e brancos chegavam até a metade de suas costas, mas eram privados de serem vistos, pois o capuz azul da caçadora os escondia de olhos alheios. Aquela garota de orbes cristalinas e pele pálida era o motivo daquela atmosfera exótica fria. 

     Ela mantinha a cabeça um pouco abaixada fazendo com que seu capuz cobrisse seu rosto, pois estava concentrada em não deixar que tudo ao seu redor congelasse. Dera certo até aquele momento, mas tudo o que a jovem havia conseguido era amenizar o frio tornando-o agradável para os que estavam ao seu redor. Não era o que ela almejava, mas já era alguma coisa, pois não estava fazendo mal a ninguém. Além disso, ela sabia que com mais alguns treinos esse "poder" estaria totalmente domado, um modo de contrariar a maldição. Todavia, fazer uso de toda aquela concentração requeria um grande esforço, fazendo com que a cabeça da garota latejasse de forma tão dolorosa que ainda era preciso parar durante alguns tempo para se recuperar. Aquilo ia totalmente contra o que a jovem de capuz azul queria, porém se teimasse em continuar com certeza iria desmaiar ali mesmo e acabar perdendo o controle da situação.

     Fez uma pausa e suspirou. Levou as mãos à cabeça a fim de massagear as têmporas e acabar com a dor, mas não foi muito efetivo. Resolveu se distrair um pouco até aquele latejamento passar, pois nada iria congelar de uma hora para outra, e passou a analisar o ambiente. 

     O saguão era enorme fazendo com que todos que queriam se alistar pudessem ficar em uma das dez filas e não precisassem formar aquelas que se estendiam até a entrada. Além de muitas pessoas falando ao mesmo tempo, havia diversos tipos de animais pendurados nas janelas, voando sobre a cabeça das pessoas, sentados perto de seus donos ou rastejando por ali. Algumas aves davam rasantes que arrancavam os chapéus das cabeças e bagunçavam os cabelos das pessoas, os lobos corriam atrás dos linces, as aranhas subiam pelas paredes, e dentre todos esses, o único que prendeu a atenção da garota foi um quati que xeretava as bolsas e mochilas depositadas no chão. 

     Ele revesava entre farejar o ar e enfiar o focinho dentro das sacolas abertas com demasiada curiosidade. Uma bolsa aberta no chão chamou a atenção do quati que enfiou sua cabeça lá e passou a remexer os objetos e só retirando sua cabeça da bolsa com um pergaminho entre os dentes. O caçador dono daquela bolsa estava conversando com a pessoa atrás de si quando percebeu uma movimentação suspeita logo abaixo. Olhou o quati que o encarou de volta, mas subitamente aquele animal disparou a correr fazendo com que aquele caçador fosse obrigado a sair da fila para perseguir o quati com seu pergaminho de inscrição na boca.

     Os dois sumiram do raio de visão da caçadora que voltou a prestar atenção no ambiente. Toda aquela poluição sonora e visual poderia irritar a qualquer um, mas não àquela jovem cuja paciência era tão peculiar quanto os seus armamentos. A moça observava todos aqueles caçadores e caçadoras que conversavam, riam e se gabavam de seus animais e proezas em voz alta. A maioria das pessoas ali conversavam como se tivessem uma amizade de anos e pensar que todos ali eram extremamente falsos já era normal para a caçadora de capuz azul. Em alguns dias a competição tomaria início realmente e a única regra regente seria "Cada um por si". A maior parte daqueles caçadores seriam capazes de tudo a fim de atingirem seus objetivos e a garota não podia esperar mais daquelas pessoas. Por isso, preferia a companhia de Crystal, sua companheira de anos, uma águia albina originária das mesmas montanhas nevadas onde a caçadora de capuz azul nascera. A ave havia saído para voar pelos céus daquele império há algum tempo e não havia retornado ainda, preocupando a caçadora.

     Mais um tempo se passou. A jovem viu que o latejamento em sua cabeça havia passado enquanto avançava na fila e agora era sua vez de passar pela inspeção podendo finalmente se aproximar da bancada.

-Por favor, senhorita, diga seu nome completo, sua idade, apresente suas armas e seu pergaminho de inscrição. - disse a atendente daquela bancada de inscrições. 

-Chamo-me Celine Gordon e tenho 19 anos de idade. - Após, a jovem depositou suas armas sobre o balcão preocupada sobre se arcos e flechas de gelo eram permitidos na competição, porém a mulher atrás do balcão não se mostrou impressionada.

Durante os minutos de inspeção tudo ocorreu sem problemas, exceto pelo fato de que os animais deveriam permanecer com seus donos durante a inspeção. A outra caçadora teve de se contentar em ouvir a descrição da águia albina. Celine já estava quase sendo liberada quando sua atendente indagou:

-Nossa, mas que frio! Ele começou tão de repente. Será que se perdeu das montanhas? - A mulher falou passando a mão pelos braços a fim de aquecê-los

-Frio? Que frio? - Celine respondeu um pouco nervosa - Não estou sentindo frio algum.

-O quê?! Você não está sentindo nada mesmo vestindo uma roupa tão curta? E também não sente nada quando carrega esse arco de gelo? - a caçadora continuava questionando Celine deixando-a incomodada.

-Não, não sinto. - e pegando suas armas da mesa, despediu-se - Obrigada. Tenha um bom dia.

     Celine se retirou dali o mais rápido que podia ouvindo atrás de si a voz da mulher, que havia a atendido, agradecendo e se despedindo também. Aquela caçadora deveria ter ficado um pouco confusa, mas Celine não aguentava mais ficar naquele local lotado. Precisava ficar sozinha para não precisar gastar tanta energia se concentrando naquela maldição inadequada.

     Lembrou-se que Crystal não havia retornado e começou a procurá-la por todos os cantos, distanciando-se muito do Pavilhão dos Caçadores. Passou o resto da manhã e a tarde toda tentando encontrar a águia que havia sumido feito fumaça. Não havia feito nenhuma pausa para se alimentar ou descansar. Chegou a um ponto que havia se arrependido por não ter perguntado aos outros caçadores ou às outras pessoas pela sua águia pensando que poderia a encontrar sozinha. Perguntou-se se Crystal, sua única companhia fiel, havia a abandonado e qual seria o motivo. Talvez sua maldição tivesse feito com que outra vítima se afastasse de Celine por pura diversão.

     A jovem estacou e encarou o céu. Estava perdida. Sozinha, perdida e faminta. Talvez aquele fosse um sinal de que deveria desistir e se isolar com sua maldição, afinal, não era o que aquela feiticeira queria?

     Um guincho agudo a tirou de seus devaneios e uma ave branca sobrevoou a caçadora. Crystal havia voltado, mas logo após encontrar sua dona quase despencou do ar. Celine segurou sua águia antes que esta atingisse o chão e com a ave em seus braços percebeu que haviam marcas de garras em uma das asas, impossibilitando o voo da águia. A caçadora de capuz azul ficou perplexa, pois onde sua ave havia se machucado daquele jeito? Eram marcas de garras de uma outra ave, então, alguém estaria caçando sua águia?

     Celine ouviu passos apressados a alguns metros dela querendo se aproximar. Além de passos, um bater de asas podia ser escutado acompanhando a pessoa. A jovem não pensou duas vezes antes de depositar sua ave no chão, puxar uma flecha de gelo da aljava, posicioná-la no arco e finalmente atirar. Um ataque surpresa com certeza pegaria a pessoa desprevenida, logo, a flecha com certeza acertaria seu alvo em cheio.

     Todavia, a pessoa desviou daquela flecha pulando para o lado, como se fosse um reflexo, frustrando Celine. Agora que estava virada na direção da pessoa pode ver que era um homem acompanhado de uma águia também, porém uma com penas castanhas e rajadas.

-Ei, eu venho em paz! - o caçador disse - Meu nome é Markus. Sou o Mestre de Caça do império. - ele dizia com as mãos levantadas demonstrando que não iria atacar, porém a águia rajada sobrevoava a caçadora pronta para atacar - Percy, desça já daí! Ela é amiga!

     Celine observou o homem temerosa e desconfiada. Recolheu novamente Crystal em seus braços e questionou:

-Foi você quem fez isso em minha águia?

-Bom... Sim. - Markus disse sem jeito - Foi um acidente. Meu Imperador disse para manter todos os animais dos caçadores longe das propriedades dele e sua águia voou perto demais do Palácio Imperial. Minha ave atacou a sua, pois eram as minhas ordens, mas depois que eu vi que os ferimentos eram graves resolvi cuidar de sua asa machucada. No entanto, sua águia fugiu assim que teve a chance e nós a seguimos até aqui.

-Certo...

-Eu sinto muito. Nunca foi minha intenção. - um momento de silencio se apossou do local, pois Celine permanecia desconfiada sobre o que aquele homem dizia. O tal de Markus ainda parecia envergonhado pelo ocorrido e para tentar amenizar a tensão, iniciou - Olha, eu posso deixar sua águia nova em folha antes que a competição comece, pode confiar em mim.

-Por sua causa eu passei o dia preocupada e procurando por ela. - Celine disse séria.

-Façamos assim: parece que você não chegou a reservar nenhum quarto e nem parou para descansar. Um dos motivos pelos quais eu segui sua águia é por que eu precisava avisar a todos os caçadores sobre as novas ordens do Imperador. Ele tem horror a animais e decretou, sem mais nem menos, que todos os caçadores deveriam colocar coleiras em seus animais quando fossem sair em público. Você é faz parte da minoria sortuda que não gastou dinheiro alugando um quarto, pois mesmo se decidisse sair depois os donos da estalagem não devolveriam seu dinheiro.

     Celine fez uma expressão de raiva. Não bastasse os animais, agora os caçadores também seriam penalizados simplesmente por fazer o que faziam. Imaginou que era totalmente incabível uma ave usar uma coleira.

-O que quer dizer com isso?

-Quero dizer que, eu montei um grupo de acampamentos na floresta norte. Todos os caçadores que se recusam a colocarem coleiras em seus ajudantes estão indo para lá se instalar. Afinal, é o habitat natural de um caçador e não poderia estar mais perto da natureza. Ficar aqui seria extremamente prejudicial para vocês duas, então, eu gostaria de guiá-las até lá, pois percebo que está perdida.

-Dê-me a direção que conseguirei chegar até lá sozinha.

     Markus desistiu de tentar fazer com que a jovem parasse de desconfiar dele, assim, deu as direções exatas e todas as informações para que a garota não se perdesse e retirou de sua bolsa algumas bandagens entregando-as logo em seguida para a caçadora se desculpando novamente. Porém, a garota simplesmente as pegou e saiu sem olhá-lo novamente.

     Levou um certo tempo para chegar ao acampamento onde muitos caçadores riam em volta de uma fogueira. Ela apenas pegou um pouco das carnes que estavam dispostas em uma toalha no chão e se isolou em um canto do acampamento para que pudesse enfaixar a asa de sua águia ainda ouvindo os risos perto dali. Onde estava, sua maldição não poderia alcançar as outras pessoas e acabar com aquela diversão. Então, Celine adormeceu observando a fogueira.


Notas Finais


Espero que tenham gostado. Aceito críticas.


Até mais.


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