História Meia Noite em Madri - Devoção

"Essa indiferença me faz mal. Eu ainda estou aqui. Não respondo a outro comando a não ser essa esta rara devoção por você..."

Madri, Espanha

Dezembro, 2016.

- Essa casa é incrível! - Ricky sorriu admirado enquanto passeavamos pela antes minha, agora  nossa casa nova em Madri, ela já estava pronta para morar.

Mesmo com a minha moradia fixa nos Estados Unidos por conta da ESPN, era ótimo saber que pelo menos nesse pedacinho mundo eu não precisaria ficar em um hotel. A casa estava linda, a decoração do jeitinho que eu queria! Algo que lembrasse a realeza, das épocas de reis e rainhas, como se eu morasse num castelo, com delicadeza e muito conforto. Era estranho lembrar da última vez que eu havia estado ali, era apenas um terreno com uma estrutura de casa sendo erguida... e eu pensava, "como vou morar nessa casa enorme sozinha?".
É incrível como as coisas podem mudar como num passe de mágica.
Aproveitando a breve estadia em Madri, no dia seguinte eu iria no ateliê mais prestigiado da cidade para experimentar alguns vestidos de noiva. Com o recesso de fim de ano eu já podia ouvir a marcha nupcial ecooando na minha cabeça.

Ricky e eu optamos por nos casar em Madri mesmo. E falando nele... ainda naquele jantar na Casa Branca, após a cerimônia de condecoração, Ricky foi convidado a ingressar na Army Airborne School, escola preparatória de Rangers. Ele não pensou duas vezes.
Os Ranger são um dos principais grupos de elite do exército estadunidense, geralmente eles são utilizados como tropas para ações especiais e perigosas.
O treinamento de um soldado-ranger dá toda base para combate terrenos e aéreos. Se depois de tudo isso, o futuro Ranger não estiver pirado ou desistido, e ainda, se sua média em todas essas escolas for superior a média estabelecida pelo Exercito Americano, ele ingressa no Sistema de Doutrinação e Orientação Ranger.

Poucos conseguem esse mérito e é muito fácil ficar traumatizado pelo resto da vida apenas por passar pelo treinamento. E o treinamento é apenas a fase inicial da vida de um Ranger: o rigor no treino se deve ao nível de dificuldade que terão de enfrentar. As missões são sempre as mais casca grossas possíveis. Sabe aquela frase de professor, chamando a atenção, dizendo que você tem que levar as coisas mais a sério porque um dia vai precisar daquele conhecimento? Se você for um Ranger e o seu professor estiver certo e você não aprendeu, significa que a sua família vai ter muito que lamentar no dia seguinte.

Claramente eu estava apavorada, mas Ricky, não. Ele estava deslumbrado e confiante, afinal, o pior já havia passado e qualquer coisa que ele enfrentasse a diante seria fichinha aos seus olhos. Sua coragem e determinação me admiravam. Eu não podia pedir para ele deixar de lado essa idéia de se tornar um Ranger, ele sempre me apoiou em tudo, sempre incentivou... e estar ao lado dele nesse momento era o mínimo que eu podia fazer. Impedí-lo de seguir os seus desejos seria tão doloroso quanto ver um passarinho sem asas. O resultado da aprovação de Ricky poderia vir a qualquer momento...
A única coisa que eu pedi foi que casassemos antes dele entrar na Army Airborne. E assim seria.

Meus pensamentos foram tomados por um barulho de celular tocando, era o de Ricky.

- É agora! É o meu comandante. - ele me olhou apreensivo com o celular na mão.

- Atende. - o encorajei.

- Capitão Ricky Donovan. - ele disse firme e em alguns segundos aquela expressão séria do seu rosto deu lugar a um sorriso lindo que não só a boca, mas também os olhos formavam. - É sério? Sim, senhor.

- Conseguiu? - perguntei me controlando para não gritar.

- Notícias muito boas! - ele me olhou contente - Ah, sério? Não, é... Obrigado! Obrigado, senhor. - e finalizou a chamada.

- Haaaaa! - gritei entusiasmada - Estou muito orgulhosa! - depositei um selinho em seus lábios - Somos um casal bem poderoso né?

- Ah... - Ricky falou sem animação alguma.

- O que foi?

- Eu fiquei no primeiro 1%, eles querem que eu dê aula aos treinadores.

- Tá brincando? Uma promoção é melhor ainda.

- Não, Aurora. Eu não trabalharia mais na Carolina do Norte. Eu teria que me mudar para a Carolina do Sul. - ele disse com um pouco de receio.

Ok, a Carolina do Sul é do lado da Carolina do Norte. Mas esse pequeno impasse já tornaria as coisas um pouco mais difíceis, tanto pela minha rotina de trabalho, quanto para, agora, o trabalho de Ricky... sem contar nas horas de viagens que ele, ou eu, enfrentaria só para a gente se ver. E infelizmente, eu não podia me mudar com ele.
Era difícil encará-lo com a cara que ele estava, de desapontado. Apenas o abracei.

- Vamos dar um jeito. - afundei minhas mãos em seu cabelo.

No final daquele dia, Ricky e eu decidimos não pensar em como faríamos em relação a mudança dele. Apenas curtimos o momento! Alugamos alguns dvds, pedimos pizza e ficamos deitados na cama enquanto comiamos e brincavamos com nossa pequena Hayat, que estava a cada dia mais linda e esperta. Feliz e unida, essa era a nossa pequena família.

 

No dia seguinte...

Acordei mais cedo e logo me deparei com Ricky e Hayat dormindo na mesma posição, ri baixinho com a cena e até tirei uma foto. Tomei, um banho, preparei um delicioso café para eles e deixei no quarto, ao lado de um bilhete:

"Fui no ateliê provar os vestidos de noiva. Espero que gostem do café que a mamãe fez.
Volto logo. Amo vocês demais.

Com amor, Aurora."

Assim que cheguei no ateliê, fui muito bem recepcionada e fui direto para uma sala que estava c-h-e-i-a de vestidos. De todos os tipos, tamanhos, detalhes, tecidos e babados. Todos brancos, claro haha. Escolhi alguns com a ajuda do Ochoa, o estilista e comecei as provas.

- É de longe a noiva mais linda que eu já vi! - o francês disse admirado.

- Ah por favor, esse ainda é o quarto vestido que eu provo. - ri ao me olhar no espelho.

O vestido era realmente lindo, bem justo na cintura e com uma calda cumprida. Ainda assim não era o "tchan" que eu procurava.

- Que tal esse? - Ochoa tirou um que estava no armário de vidro e trouxe até mim.

Não demorei muito para o vestir. Era a perfeita definição para um vestido de princesa!
Tomara que caia, com renda nos braços, bem justo na cintura e rodado em baixo.
Assim que me olhei no espelho senti meus olhos brilharem. Fiquei um tempo me analisando, ainda admirada.

- Deve custar uma fortuna! - ri enquanto ele colocava um véu em mim.

- Nada que você não mereça, querida. E sinceramente, eu não sei quem tem mais sorte, você ou o gato do seu noivo, com todo o respeito. - Ochoa disse admirado e rimos.

Nossa pequena descontração foi interrompida por uma pequena gritaria vindo da recepção. Fiquei um pouco assustada e Ochoa me olhava sem entender nada.

- Me desculpe, senhor. Eu tentei impedi-lo, mas ele não me deu nem o tempo nem de pelo menos anunciá-lo. - a recepcionista disse aflita assim que Thiago entrou pela porta.

O zagueiro, que até então entrou apressado, me olhava estático. Parecia analisar cada detalhe do meu corpo naquele vestido. Pude perceber certa admiração, que logo foi tomada por um pouco de tristeza e negação em seguida.

- Retire-se daqui ou eu irei chamar a polícia! - Ochoa disse bravo.

- Eu só preciso de um minuto com ela. - Thiago disse ainda como se estivesse em estado de transe.

Ochoa me olhou como se pedisse permissão e eu assenti, ele bufou um pouco e saiu da sala.

- Como me encontrou aqui? Aliás, o que você faz aqui? - perguntei ainda sem entender nada.

- Eu vi a foto que você postou, dizendo que vinha pra cá e não foi muito difícil saber que você estava aqui e... Enfim, isso não interessa. O que interessa é que eu precisava falar com você, pelo menos uma última vez. Tentar fazer voc... - o interrompi.

- Mudar de idéia? - ri desacreditada.

- Por favor, não haja assim. Você não tem idéia do quanto foi difícil engolir o meu orgulho e vir até aqui. - ele me calou. - Só me escuta, só me dá mais uma chance de pelo menos te fazer pensar... - ele me olhava como se esperasse a minha piedade, senti meu coração apertar. - E se não funcionar, ao menos eu saberei que eu tentei até o último.

Assenti que sim com a cabeça e sentei ao seu lado.

- Eu sei que não tenho direito de vir aqui e pedir a você que repense em tudo o que tivemos, mas... eu sinto sua falta. Eu sinto sua falta todos os dias desde que você foi embora. E eu não consigo ver o fim disso. E agora todo esse tempo está passando e eu não consigo lhe dizer o porquê de eu ainda estar aqui.

- Thiago, por favor... - estava cada vez mais difícil prosseguir com aquilo.

- Eu sinto sua falta quando eu não consigo dormir. Ou logo depois do café, ou quando eu não consigo comer. Eu sinto falta de você no meu banco do passageiro. Vadiei por aí e acabei me apegando a ti. Eu eu estou sempre cansado, mas nunca, nunca de você.
Se eu fizesse com você o que você fez comigo, você não gostaria dessa merda. Eu sei que eu te fiz muito mal também, mas ver você por aí exibindo o seu noivo, pai da sua filha... com certeza me fez pagar.
Tem idéia do quanto dói ver você a forma como você olha pra ele? Sabia que eu senti inveja disso? Porra! - ele riu - Eu tenho sentimentos, mas você não liga. Talvez eu mereça tudo isso, e... - seus olhos que já estavam cheios de lágrimas deixaram cair algumas pelo seu olho esquerdo. - Eu não quero te machucar, eu só sinto falta de você nos meus braços. - ele voltou a me olhar profundamente como se eu fosse a culpada por toda a desgraça que ele estava cuspindo em mim.

- Você já se perguntou o que nós poderíamos ter sido? - não segurei as lágrimas - Você disse que sempre estaria comigo e droga! Me expulsou da sua vida como se eu fosse uma cachorra. - esbravejei, pela raiva das lembranças, pela minha situação deplorável naquele momento.

E então estávamos os dois em silêncio, vira e mexe limpando algumas lágrimas e deixando cair outras. - Me desculpa, eu... eu não posso continuar com isso. - falei ao me levantar ainda cabisbaixa.

- Às vezes você não vê que a melhor coisa que já aconteceu com você está ali, bem embaixo do seu nariz. - ele tentou sorrir e respirou fundo ao ir em direção a porta - Seja imensamente feliz, Aurora.

Por que ele estava fazendo aquilo comigo? Já não bastava tudo o que ele me fez passar?
Tranquei a porta daquela sala e fui em direção a uma garrafa de whisky que havia na mesa. Nem me preocupei com as taças, apenas abri a garrafa e a virei.
Em seguida sentei no chão e continuei chorando. Todos os meus sentimentos estavam misturados com aquela bebida. 

Assim que me recompus, fiquei tentada a pedir para que Ochoa adiasse a prova de vestidos para outro dia, outro mês... mas eu havia gostado daquele último que eu havia provado, então o comprei.
Antes de sair do ateliê eu dei uma boa lavada na minha cara suja de maquiagem e inchada de choro e sai de lá da forma mais fina possível.
No caminho de volta para casa eu até liguei o rádio, tentei cantar alguma música para distrair e esquecer o que havia se passado, mas nada adiantava. Nada tirava aquela nuvem pesada que pairava sobre mim. Pelo menos eu tinha a certeza de que tudo que ainda existia entre mim e o Thiago havia morrido ali, na sala daquele ateliê. Um certo clima de luto também me consumia.

Assim que guardei o carro, tratei de botar o meu melhor sorriso no rosto e entrei em casa. Estava tudo num mágico silencio. Subi a escada devagar e conforme eu ia me aproximando do quarto, a voz de Ricky ia ficando mais forte.

- Fora de cogitação. Eu não posso fazer isso com a Aurora, não outra vez. - Ricky disse ao telefone. Parei na porta e continuei a ouvir a conversa de forma furtiva. - Tem idéia do que foi o pesadelo que eu passei naquele lugar? Pior! Eu sabia de tudo e não pude contar a ninguém. Nem a pessoa que eu mais amava. Fui com uma passagem só de ida para o inferno. Eu não farei isso novamente.

- Fazer o quê? - perguntei ao abrir a porta do quarto.

- Aurora. - Ricky disse assustado ao levantar a cabeça para me ver.