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História Memórias Rasgadas - Capítulo IX


Escrita por: Imagination

Notas do Autor


Obrigada por todos os comentários, favoritos, mensagens e a todos os que tiram um pouco do seu tempo para ler a minha fic!
Para compensar um pouco todo o carinho que tenho recebido dos leitores, este capítulo ficou um pouco mais longo do que tencionava inicialmente. Boa leitura!

Capítulo 9 - Capítulo IX


Capítulo IX

 

Era incapaz de parar as lágrimas quentes contra a pele gelada. Sair sem casaco à noite não tinha sido o mais inteligente. Só que não pensou, só queria escapar de tudo o que estava a sentir por dentro. Como pôde permitir que aquilo acontecesse? Sendo certo que foi Eren, o iniciador de tudo, não podia negar como reagiu. Respondeu com desejo, com vontade de o ter nos braços.

Como pôde sentir isso depois de tudo o que aconteceu? Por que razão deixou-se cair naquele engano de novo? Eren iria arruiná-lo de novo. Não, ele iria arruiná-lo mais do que antes. Se é que isso era possível, mas o moreno podia encontrar uma forma e o pior é que Levi tinha aberto uma porta para que isso acontecesse.

Contudo, desta vez Levi era consciente que não iria suportar. Aquele beijo, aquele erro abriu as feridas de novo. Sangrava por dentro. Sufocava nos próprios sentimentos. O coração estava apertado e as portas fecham-se por todo o lado. Retiravam do seu alcance uma saída luminosa e mergulhavam-no nas trevas.

Perdeu a conta de quantos rostos se cruzaram com ele. Nenhuma daquelas pessoas imaginava os pensamentos suicidas que o massacravam por dentro juntamente com as vozes, os risos, o pesadelo de um passado que jamais o abandonava.

Cobriu a boca quando um soluço quis atravessar os lábios trémulos. Não conseguia. Não seria capaz de simplesmente caminhar sem rumo pela rua e engolir aqueles cacos de vidro. Ia sangrar, ia escolher a primeira saída que visse.

Desculpa Hanji, mas não posso… não sou tão forte”, repetia vendo os carros velozes passarem ao seu lado. Ponderava seriamente em cruzar a estrada no timing perfeito que o faria deixar de sentir tudo aquilo.

Porém, as lágrimas engrossaram ao recordar as palavras, os braços trémulos da amiga desolada que implorava que parasse e não colocasse um fim em tudo.

Parou.

Bastavam poucos passos para que a estrada, um veículo acelerado o arrancasse daquela agonia. Só que descobriu que não era capaz. Cada vez que pensava em avançar, escutava a voz desesperada da amiga e não era capaz de ignorar. Mesmo assim, ele sabia que precisava de uma alternativa para lidar com o que estava a sentir. Podia não pôr um ponto final, mas se pudesse passar pela dormência ou melhor… sim, havia uma coisa melhor. A amiga também não aprovaria, mas se ela queria que ele continuasse vivo, então aquela era a melhor alternativa.

Recuando, prosseguiu caminho com um destino em mente. Ainda recordava cada curva, esquina, rua por onde tinha que passar até alcançar aquela casa. Demorou vários minutos e assim que encontrou a mesma porta na qual bateu várias vezes no passado, não hesitou em repetir o mesmo gesto. Antes que a porta se abrisse, sentiu um murro no estômago ao aperceber-se que tinha esquecido a carteira em casa. Não tinha a certeza se o outro iria querer dar-lhe alguma coisa em troca de quitar a dívida mais tarde.

A porta aberta revelou um Marco de camisa aberta, cigarro entre os lábios, calças desportivas ligeiramente caídas na cintura e pés descalços. Ele abriu um sorriso, retirando o cigarro da boca.

– Pensei que te tinhas esquecido de mim, gato. – Brincou.

– Ah… se calhar, vou ter que voltar depois. – Começou a afastar-se da porta. – Esqueci-me de…

– Não tens dinheiro contigo? É isso? – Perguntou Marco, olhando para o outro de cima abaixo e concluindo que a carteira não era a única coisa que Levi tinha esquecido. Também não vestia um casaco e estava demasiado frio para levar somente uma camisa. Se a isso juntasse os olhos lacrimejantes, era quase como voltar ao primeiro encontro deles. – Vem, entra.

– Eu não tenho dinheiro comigo. – Admitiu.

– Não somos dois desconhecidos e tu nunca faltaste a um compromisso comigo. – Deixou a porta aberta e viu com satisfação como Levi entrava, fechando a porta. – Senta aí, bebé. Já volto.

Um pouco atónito pela forma como Marco o convidou para entrar, Levi sentou-se no sofá grande que havia, próximo do qual estava também um aquecedor a gás ligado, aquecendo por fim o corpo gelado. A última vez que esteve ali nunca passou da porta. Marco deixava bem claro que tudo acontecia fora de portas, dado que considerava a sua casa como um local em que não queria estranhos. Embora Levi também soubesse que essa regra passou a ser mais forte por outras razões. Tiago era provavelmente a razão principal. Esse pseudo-namorado que Marco teve. Aliás, Tiago assim como outros, não era mais do que alguém casual na vida de Marco. Só que esse não viu as coisas da mesma forma, principalmente quando encontrou o “namorado” com o jovem de cabelos negros no sofá da sala. Não era a primeira vez que Levi entrava na casa de Marco, mas pelos vistos Tiago pensou que aquele era um privilégio exclusivo dele. Não era e nem nunca foi, mas Tiago encarou aquilo como inaceitável e quis que Marco fosse exclusivamente dele. Estava tão perdido e fora de si que na cabeça dele já tinha até imaginado que iam casar. Toda aquela paranoia fez com que acabasse na prisão depois de Marco ter pedido a uns conhecidos para retirarem Tiago do dia-a-dia dele. Não o queria morto, mas que pelo menos que o mantivessem longe e aquela foi a solução. Tiago também era em parte o culpado pelos crimes de que foi acusado. Só que também acabou incriminado por ações de outros e graças a isso, acabaria por apodrecer na prisão.

Desde então, Marco passou a ser ainda mais seletivo sobre quem deixava entrar na casa dele. Não queria correr o risco de ter outro namorado psicótico, pois desconfiava que acabaria por lidar com o problema de forma mais definitiva.

Passaram poucos minutos e Marco regressou, sentando-se ao lado dele no sofá enquanto puxava a mesa de centro para mais perto e desfazia pequenos cubos em pó.

– Suponho que queiras algo forte, gato.

– Sim. – Murmurou. – Depois diz-me quanto te devo.

– Eu sei que és cumpridor. Tira essa preocupação da cabeça. – Disse, continuando a transformar os cubos em pó. – Queres falar do que aconteceu?

– Não. Só quero que isto passe. Quero esquecer.

– Isso queremos todos em certos momentos da vida. – Separou o conteúdo da mesa, criando algumas “linhas” de pó e olhou para o jovem de olhos cinza. – Vamos dividir. Com calma para não passares o teu limite. Já faz algum tempo que não fazes isto.

Levi inclinou-se e com o auxílio de um pequeno canudo, inspirou uma das linhas sobre a mesa quase em simultâneo com Marco. Num acordo silencioso, os dois passaram para o segundo e por fim, na terceira dose, Levi recostou-se no sofá. A tontura e a desorientação que sentiu, mas acima de tudo o distanciamento das memórias e pensamentos destrutivos, fez com que sorrisse um pouco. A sensação familiar de alívio e leveza começava a correr pelas veias dele.

– Melhor, gato?

– Bem melhor. – Respondeu, abrindo os olhos e vendo Marco acender um cigarro. – Precisava disto.

– Eu reparei. – Passou o cigarro a Levi que o colocou na boca e depois de inspirar e expulsar o conteúdo, devolveu-o. – Já que não queres falar, eu tenho uma história divertida para ti.

– Sobre o quê?

– Lembras-te do tipo para quem estavas a olhar antes de notar a minha presença no café?

Levi arqueou uma sobrancelha e aceitou mais uma vez a partilha do cigarro que também o ajudava a relaxar.

– Não posso esquecer mesmo que quisesse.

– Pois, muito bem. Esse, acho que o nome era Jean… ele veio tentar acrescentar-me à sua lista de conquistas.

– Tenho que admitir que gostava de ter visto isso. – Reconheceu Levi com um sorriso divertido.

– Eu sei. – Disse Marco no mesmo tom.

 

Flashback

No balcão do café, Marco sorria e conversava com a rapariga que não parava de sorrir perante o charme e forma atraente como ele se comportava. Em vez de prestar atenção ao troco que devia dar, a rapariga estava mais fascinada com o tom sedutor do cliente que se divertia com o efeito que tinha nela.

– É uma pena que só nos estejamos a conhecer agora.

Os olhos de Marco desviaram-se para o rapaz confiante que parou ao lado dele. Desde da postura ao sorriso repleto de segundas intenções, não havia qualquer dúvida sobre o que se pretendia daquela troca de palavras.

– Ah sim? Posso saber porquê?

– Jean. – Estendeu a mão e ele retribuiu o gesto.

– Marco.

Ao tentar recolher a mão, Marco viu que o outro impedia isso.

– Não queres descobrir por que razão já nos devíamos ter conhecido antes? – Perguntou Jean num tom sugestivo.

De soslaio, Marco viu os amigos saírem para o exterior e também notou que a rapariga que antes tinha feito companhia a Jean, ainda continuaria por perto. A mala e casaco ainda estavam na mesa e por isso, seria fácil deduzir que a sonsa teria ido até à casa de banho e Jean não desperdiçou a oportunidade.

Marco riu. Um riso de escárnio evidente antes de puxar a mão de volta.

– Deves pensar que andas sobre a água. – Ironizou. – Aprende uma coisa, puto. Eu não sei quem vai na tua conversa, mas comigo não és tu que queres, sou eu que tenho que querer e eu… – Olhou de cima abaixo. – Já vi melhor e quero melhor. Estás dispensado.

Fim do Flashback

 

– Pagava para ver a cara dele. – Disse Levi depois de rir juntamente com Marco.

– Até agora ainda deve estar a recompor-se do fora que lhe dei. – Disse divertido. – Não me interpretes mal. Não quero saber da miudinha com quem ele estava e nem se come meio mundo, mas sabes que gosto de estar por cima. Embora isso dependa das circunstâncias e da pessoa. – Falou, olhando para Levi e saindo do sofá para se ajoelhar na frente do outro, colocando as mãos sobre as coxas dele. – O que me dizes?

– Não sei, Marco…

– Namorado? – Indagou curioso, passando o cigarro a Levi mas sem sair da posição em que estava.

– Não, mas é complicado. Sinto que vou mergulhar em vários vícios diferente se deixar isto acontecer.

– Se fosse traição poderia parar, mas ambos somos livres e queremos passar um bom bocado.

Após um silêncio de poucos segundos, Levi com o cigarro entre os lábios, agarrou os cabelos do outro, puxando-os.

– Chupa.

Marco abriu um sorriso malicioso.

– Sim, isso mesmo. Tive saudades disto. De ver esse teu lado dominador.

 

*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*

 

Era uma das grandes exceções que estava a abrir, mas não colocava Levi no mesmo patamar que as outras pessoas com quem lidava habitualmente. Passou a mão nos fios negros, afastando-os do rosto que repousava contra a almofada. A expressão não era naturalmente tranquila, mas deixar a toxicidade correr pelo corpo do jovem, era a única coisa que o separava de abraçar o desejo suicida.

Apenas de calças e já sem camisa, Marco puxou o cobertor para cobrir Levi e deixou-o dormir na cama dele. Depois das atividades recentes, os dois deixaram a sala. Levi tinha a intenção de regressar a casa, mas Marco convenceu-o a ficar. A chuva forte do exterior também pesou na decisão e Marco que acendia mais um cigarro, chegou inclusive a oferecer-se para lhe dar boleia. Porém com o vendaval do exterior, isso não seria possível.

O jovem de olhos cinza mal queria acreditar como Marco estava a ser prestável, sobretudo se tivesse em conta que além de não ter dinheiro com ele, também não fizeram tudo o que o outro pretendia.

 

Flashback

– Hum, sempre tão habilidoso com essas mãos. – Elogiou Marco, sentado sobre as pernas de Levi. – Se bem que estou à espera de uma continuação.

– Hoje não, Marco.

– Hum, não estou atraente hoje? – Brincou ainda regularizando a respiração errática.

– Esse nunca seria o problema. – Disse num tom igualmente divertido. – Mas quero ficar por aqui. Eu sei que depois do que fizeste, merecias mais do que uma mão, mas…

– A tua cabeça continua noutro lugar, tudo bem. – Beijou os lábios de Levi.

– Posso ir embora.

– Não sei se reparaste, mas está uma tempestade lá fora. – Disse, acariciando os cabelos negros. – Podes ficar aqui comigo e amanhã levo-te.

– Mesmo depois de ser mais uma desilusão?

– Qual desilusão, gato? Já disse que adoro essas mãos e esses beijos de tirar o fôlego. – Beijou-o mais uma vez. – Fica. Podes dormir no meu quarto. – Levantou-se, ajeitando as calças e puxando Levi. – Vem deitar-te.

Fim do Flashback

 

Em outras situações, melhor dizendo, se fosse outra pessoa já o teria expulsado dali. Aliás, até nem teria entrado na casa dele, mas Marco sabia que tinha desenvolvido um ponto fraco por Levi. Desconfiava que isso tivesse acontecido na primeira vez que se viram.

 

Flashback

Encostado à mota, Marco olhou mais uma vez para o relógio. O cliente estava atrasado e isso não seriam boas notícias para o inconsciente que julgava que podia consumir e não pagar pelo produto. Ele conhecia absolutamente tudo acerca do idiota que estava dez minutos atrasado e com certeza, iria arrepender-se.

A noite gélida de inverno fez com que enfiasse as mãos nos bolsos e como paisagem a vários metros, Marco podia ver a ponte sobre o rio que raramente estava calmo. Mesmo àquela distância escutava perfeitamente o som rápido e violento das águas. Poucos carros passavam aquela hora e pessoas nem sinal delas. Portanto, foi com surpresa que viu um vulto aproximar-se.

Devido à escuridão não só pela hora avançada, mas também pela iluminação deficiente do local, Marco demorou um pouco a distinguir as características daquele estranho. Apesar das temperaturas baixas, a camisa era fina e podia ver isso porque o desconhecido não vestia qualquer casaco e parou a meio da ponte. Ponderou que pudesse ser alguém ressacado que iria vomitar para o rio. Não seria a primeira vez que presenciava uma cena dessas. Porém, o desconhecido apenas olhava para as águas sem reação e quase sem se mover.

No princípio, Marco ignorou e tornou a olhar para o relógio algumas vezes, concluindo com raiva que estava à espera de alguém que não ia aparecer.

No entanto, a raiva com o passar do tempo foi dando lugar à curiosidade pelo estranho que se encontrava imóvel há bastante tempo. Quando ponderava ir ao encontro dele para explorar mais uma oportunidade de negócio, viu o desconhecido mover-se.

Abriu os olhos um pouco em choque ao ver o rapaz subir e sentar-se bastante inclinado na direção do rio.

Escolheu este sítio para se suicidar? Bem, não está mal pensado”.

Observá-lo fez com que recordasse todas as vezes em que pensamentos semelhantes lhe passaram pela cabeça, mas na hora da verdade, na hora de colocar em prática, sempre mudou de ideias. Porém, aquele não parecia ter muitas dúvidas e não duvidava que se deixasse cair.

Movido pela curiosidade e também por mais qualquer coisa que não era capaz de compreender, Marco caminhou até à ponte. O outro estava de tal modo absorto nos próprios pensamentos que só notou que não estava sozinho, quando o som do isqueiro ecoou juntamente com o som das águas.

Então Marco viu.

No momento que o rapaz misterioso olhou para ele, Marco entendeu por que razão nunca foi adiante com os desejos fugazes de pôr termo à vida. Ele teria acabado com a vida por tédio e não por um motivo real, mas aquele rapaz não era assim. Para ele não era um capricho, um assomo momentâneo, um desejo fugaz e passageiro.

Os olhos que continham neles a cor de uma intensa tempestade, mostravam aquilo que as palavras não seriam capaz de transmitir. Havia um desespero profundo e cada fôlego parecia mais difícil do que o anterior. A esperança era esmagada pela angústia. A agonia vertia lágrimas amargas e toda aquela desolação de alguém que tinha batido no fundo, provocou um forte aperto por dentro.

Marco queria chorar e nem encontrava palavras para explicar o motivo. Talvez fosse o facto de ver a morte abrir os braços a alguém que guardava demasiado sofrimento dentro dele e estava no limite.

Engoliu em seco, procurando recompor-se e estendeu o cigarro na direção dele.

– Não quero nada disso. – Veio a voz fraca e cansada.

– A esta hora não penso que faça muita diferença. Ninguém te vai julgar.

– Não quero ser como eles…

– Não és. – Afirmou Marco, colocando o cigarro na boca. – Quem te empurrou para este limite não quer saber, mas tu ainda te importas com o que vão pensar? E se for uma questão de princípio, achas que neste momento faz sentido? Se calhar quem faz isto também só quer esconder a vida patética que tem. Diz-me por que razão tu não podes usar isto para escapar também? Talvez precises bem mais do que eles. Isto não te torna neles, mas se calhar leva-te de volta para o motivo pelo qual ainda não saltaste da ponte. Seja esse motivo bom ou não. Uma explicação ou alguém… – Viu mais uma lágrima cair e teve a certeza que o desconhecido não hesitava por ele, mas por alguém. – Queres voltar? Achas que vale a pena recuar?

Por longos momentos, ouviu-se o som impetuoso das águas por baixo da ponte até que a mão trémula se estendeu na direção de Marco e este repetiu o gesto, entregando o cigarro.

– Não sei se vale a pena…

– Mas vais voltar. – Concluiu Marco. – Sabes uma coisa? Acabo de entender em parte a razão do teu sofrimento. Não são só essas marcas na cara, o sangue seco nas mangas da tua camisa ou até o ar de quem fugiu de casa a meio da noite… tudo isso pode ser parte do problema, mas tu também és o culpado.

– Sou culpado de mais alguma coisa? – Tentou ironizar, mas o desânimo era tal que soou apenas cansado.

– Escolheste voltar, ficar e não pôr fim a tudo por alguém. Não é um desejo teu, mas o desejo de outra pessoa. Quando a tua vida é a pior das merdas e tu mesmo assim insistes em fazer dos outros a tua prioridade, estás a cavar a tua sepultura.

– E eu que pensava que tinhas vindo aqui impedir um suicida…

– Vim por curiosidade. Fiquei porque vi a morte nos teus olhos e dei-te escolhas. Não te ia, nem vou segurar se decidires saltar. Ninguém tem o direito de exigir que aguentes esse sofrimento.

Os olhos cinza focaram-se em Marco.

– Quem és tu?

– Um conhecido que te pode oferecer fugas da realidade, mas que te vai matar lentamente.

O outro estendeu a mão na direção dele.

– Levi.

Ouviu-se um riso. Simplesmente não foi capaz de evitar, mas apertou a mão gélida de Levi.

– Marco.

– O que estás aqui a fazer com esse casaco fino a esta hora da noite a vender droga?

Marco riu novamente e agiu por impulso, abraçando Levi pelas costas que se surpreendeu com o gesto.

– Estavas prestes a saltar da ponte para morrer com essa roupa que te protege zero contra o frio e estás preocupado comigo? Realmente, não existes. Pessoas como tu estão mesmo fodidas, mas pensei que já não existissem. Vem, vamos arranjar-te um roupa decente.

Fim do Flashback

 

Ele é especial, Hanji e eu tive a esperança de que realmente o conseguisses afastar de mim. Ficar longe de mim podia significar que por fim, a vida deixava de ser cruel para alguém como ele. Só que falhaste e neste momento, ficar comigo até é o melhor que lhe pode acontecer porque mesmo que a morte o leve, pelo menos podes ter a oportunidade de te despedires”, fechou a porta do quarto.

 

*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*

 

Eren olhava pela janela e via a chuva cair sem parar. Passou mais uma vez o dedo indicador nos lábios, recordando a sensação do beijo trocado com Levi. Já tinha passado algumas horas, mas a memória do beijo não desvanecia.

Abrasivo e intenso.

Mentiria se dissesse que não queria repetir a experiência, só que o olhar lançado pelo outro, dizia-lhe que não seria tão simples. A intenção era deixar Levi vulnerável a ponto de revelar qual era a sua verdadeira intenção por detrás do cuidado e preocupação. Era óbvio que se conheciam de antes, mas o moreno recordava apenas fragmentos de momentos entre os dois. Nada que assentasse no físico, mas em gestos e palavras que ainda ecoavam dentro dele.

Por que razão não recordava nada que justificasse o fingimento? Ele queria lembrar de algum episódio em que fosse evidente que aquilo não passou de uma brincadeira. Em vez disso, via-se confrontado com imagens confusas e desconexas que lhe mostravam semelhanças entre o olhar que recebeu antes. Já tinha magoado outras pessoas na vida, mas nunca viu ninguém que olhasse para ele daquela forma.

Era estranho sentir um aperto por dentro e acima de tudo que se recusasse a distanciar daquela janela. Não queria admitir que estava preocupado com o facto de Levi ainda não ter regressado, sobretudo com o mau tempo que se mostrava no exterior.

– Pode estar na chuva… – Murmurou e ouviu o miar de Kuro que apesar de não estar muito distante, não permitia que lhe tocasse sem eriçar os pelos.

O gato até teria saído se não fosse pela chuva. Eren tinha a certeza disso.

– Pode ser que esteja na casa de um amigo. – Disse o moreno na direção do gato que agitava a cauda em claro sinal de que não hesitaria em atacar, caso pensasse em aproximar-se. – A culpa não é exatamente minha. Eu não o mandei sair.

Nem queria acreditar que estava a tentar justificar-se perante um gato que o odiava com o olhar. Suspirando e procurando não passar muito perto do animal, Eren sentou-se no sofá e viu que no telemóvel havia inúmeras notificações e mensagens.

Provavelmente está bem e eu estou aqui com pensamentos estúpidos. Não fiz nada assim de tão grave. Foi só um beijo… quente e intenso, mas um beijo. Nada demais. Ele é um exagerado”, pensou antes de começar a ler e responder a várias mensagens.

Eventualmente com o avançar da hora, o moreno deixou-se levar pelo sono. Adormeceu com os dois cobertores sobre ele e o telemóvel caído no peito após uma longa troca de mensagens com Annie.

Despertou com a porta do apartamento a bater. Com o sono ainda bastante presente, o jovem de olhos verdes virou-se no sofá, esperando ouvir os passos do colega do apartamento ecoar.

Contudo, reinou o silêncio sem passos ou sem os sons que indicavam a preparação de qualquer coisa na cozinha. Acrescia-se o cheiro a champô e perfume que fizeram Eren tatear para ver as horas no ecrã do telemóvel. Algo que o fez cair do sofá. Ia perder o autocarro e incrédulo constatou que Levi não só não o acordou para ver como estava, como simplesmente voltou a casa, fez o que tinha a fazer e saiu.

 

*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*

 

– Não posso levar mais, Marco. – Dizia o jovem de olhos cinza, vendo que o outro depois de aceitar o pagamento, colocava dois cigarros nos bolsos do casaco dele.

– Cortesia. – Sorriu, estregando um dos capacetes da mota a Levi.

– Cortesia? Não achas que estás muito cortês depois de me deixares consumir sem pagar na hora, dormir em tua casa e agora até me vais dar boleia até à Universidade? – Colocou o capacete, sentando-se atrás de Marco que também colocou o capacete dele.

– Prometi que te trazia a tempo a casa para não teres que faltar às aulas. Estou a cumprir a minha parte.

– Sem pedir nada em troca?

Marco riu.

– Quero saber mais sobre o teu ainda não namorado e admirador. – Acelerou para os colocar em movimento.

Puta que pariu, falei demais outra vez?

– Armin é o nome. – Disse, confirmando as suspeitas de Levi que suspirou, colocando os braços em torno da cintura de Marco. – Quis saber quem te estava a impedir de ter uma boa noite comigo.

– Eu e ele não somos namorados.

– Sei também do Eren e tendo em conta como é esse Armin porque não tentas?

– Por que razão isso te interessa? – Indagou Levi curioso.

– Devíamos aproveitar as coisas boas enquanto podemos, não achas? Pode ser que ainda te surpreendas.

– Deixo de estar disponível para ti. – Relembrou o jovem de olhos cinza.

– É verdade, mas hoje estou muito generoso.

Levi abanou ligeiramente a cabeça e não fez mais qualquer comentário.

Marco deixou-o na frente da Universidade e saiu em seguida. O jovem de cabelos negros recebeu olhares curiosos, mas com os fones nos ouvidos, optou por ignorar. Apesar de naquela manhã, também ter consumido um pouco na companhia de Marco, apenas o fez para não ter que lidar com os efeitos colaterais e dessa forma, manter aquela boa sensação que o ajudaria a suportar as aulas. Embora, a razão principal fosse sobretudo para não se recordar ou não pensar em Eren.

 

Armin – Mensagem:

O meu avô estava um pouco doente, por isso só estou a viajar hoje.

Chego à noite.

 

Eu – Mensagem:

Ele está melhor?

Posso ir ter contigo à estação para não voltares sozinho à residência tão tarde.

 

Armin – Mensagem:

Sim, está :)

Não vou mentir e dizer que não te quero ver.

Só que não quero atrapalhar. Disseste que trabalhavas hoje, não é?

 

Eu – Mensagem:

Sim, a que horas chegas mais ou menos?

Penso que posso ir buscar-te.

 

Armin – Mensagem:

Dez da noite.

Não é muito tarde para ti? :S

 

Eu – Mensagem:

A essa hora já estou livre. Até logo.

 

Armin – Mensagem:

Fico à tua espera :) :)

 

– Acabou a tua pausa. – Anunciou o colega de trabalho mal-humorado. – Há lixo lá fora à tua espera.

– Já vou. – Murmurou, guardando o telemóvel.

O dia de aulas foi bem normal e antes do turno no trabalho, Levi teve tempo de terminar a análise dos ficheiros Excel e enviá-los com poucas alterações. Sabia que seria bem pago e em vez de do peso na consciência, ele considerava que o dinheiro extra seria bem-vindo. Os produtos que Marco vendia eram de qualidade e como tal, a qualidade tem um preço elevado. Não podia cair na tentação muitas vezes porque tinha despesas fixas a manter.

À medida que separava o lixo corretamente, Levi reparou no grupo de pessoas que distribuía alguns panfletos. Eram alunos da Faculdade de Artes e pensou tratar-se de alguma exposição até que um desses papéis caiu perto dele. Ia somente recolher e colocar no lixo, quando viu que se tratava de um panfleto dedicado a publicitar uma festa do dia das Bruxas, Halloween, na casa de um dos estudantes.

Alguém vai ter os pais fora neste fim de semana”, concluiu.

– Interessado?

Ergueu o rosto e encontrou um rosto familiar. Cabelo preso com duas mexas a cair na frente, sardas no rosto e um sorriso sempre jocoso presente. Naquele dia, vestia um casaco castanho aberto com um top preto que deixava o piercing no umbigo visível e umas calças escuras bem justas. Ymir, a namorada secreta da professora de Direito, Historia Reiss.

– Não sei. – Respondeu com alguma honestidade. Seria dentro de poucos dias e poderia ser mais uma desculpa perfeita para não estar em casa e se tivesse pedrado o suficiente, quem sabe seria como regressar aos velhos hábitos. Será que queria isso?

– A entrada é gratuita. Montes de bebidas à borla e gente à procura de um bom bocado. – Disse animada e com alguma curiosidade continuava a observá-lo.

– O que foi?

– Tens um isqueiro?

Levi retirou um dos bolsos e entregou-o a Ymir que o usou para acender um cigarro.

– Contaram-me uma coisa bem estranha há dias. – Comentou a rapariga, devolvendo o isqueiro a Levi que logo retornou à tarefa em mãos. Não acreditava que ele e uma estudante de artes tivessem muito mais para conversar. – Disseram-me que te viram a ser espancado por três brutamontes. Uma miudinha do 1º ano chegou ao nosso grupo com essa história e a pedir que fôssemos lá. – Viu que o jovem não interrompia o trabalho e parecia ignorá-la. – Houve quem duvidasse, quem não se quisesse meter em problemas, mas eu fiquei curiosa. Fui a única que de facto fui espreitar, mas o cenário era outro completamente diferente. Sabias que o diretor da Universidade anda à procura do responsável ou responsáveis por ter mandado aqueles três para o hospital?

– O que é que queres? – Perguntou Levi de costas.

– Fiquei curiosa porque a minha namorada comentou sobre ti há uns tempos atrás. – Disse Ymir, vendo que atraía a atenção do outro. – Então é verdade que sabes de quem estou a falar. Pensei que fosse paranoia da minha loirinha, mas tu realmente viste-nos naquele dia.

– Vou perguntar de novo. O que é que queres?

– A minha loirinha comentou que o diretor, o velho Pixis estava à procura de pistas sobre o que aconteceu. – Disse, deixando o fumo sair entre os lábios. – Ele estava bastante indignado, apesar de todos saberem que aqueles três merecem o que aconteceu porque só sabem infernizar a vida de algumas pessoas. – Continuou a falar. – O certo é que eu vi quem fez aquilo e tenho a certeza que o fizeste em defesa própria porque pelos vistos, só ganhaste vantagem depois. Seja como for, assim que te descrevi, o teu nome veio de imediato à superfície. A minha loirinha reconheceu-te e de imediato exigiu que eu fechasse a boca. Não por medo que contasses o que viste entre mim e ela, mas porque disse que nós não tínhamos o direito de te prejudicar. Disse que da mesma forma que não te meteste na nossa vida, nós também deveríamos fazer o mesmo. – Sorriu. – Pessoalmente concordo com ela, mas fico curiosa. Porquê? Gostas de ver?

Não conseguiu esconder o sorriso irónico e vontade de rir.

– Eu não jogo desse lado. Não me interessa o que fazem ou a relação que têm e não acho que ninguém tenha algo a ver com isso.

– Hum, gosto disso. A Historia tinha razão.

– É só isso?

– Pensei em ameaçar-te na altura em que ela suspeitou, mas pensei que fosse paranoia dela. Sabes uma coisa? Devias ir à festa.

– Porquê?

– Porque trabalhando nesta merda, eu precisaria de fugir de vez em quando. – Piscou o olho. – Encontramo-nos na festa.

O jovem apenas viu como Ymir se distanciou e se reunia com os colegas de curso.

Desde que conseguiu aquele trabalho que via a estudante no café, mas nunca trocaram mais de meia dúzia de palavras e tudo era sobretudo em contexto profissional, ou seja, nos papéis de empregado de mesa e cliente. Nem mesmo depois de descobrir a relação entre ela e a professora de Direito mudou a forma de tratamento. Sempre fingiu que não sabia de nada e manteve a indiferença e comportamento de sempre, assim como a professora o fez. Ela também nunca demonstrou qualquer sinal que indicasse nada de suspeito. Portanto ao ser abordado por Ymir, ele ficou um pouco perdido sobre o que fazer e ponderou que a rapariga o quisesse atormentar ou prejudicar como diversão. Não seria a primeira, mas em vez disso, conseguiu algum respeito da parte dela e conheceu alguém que não queria interferir na vida dele. Queria somente retribuir o favor e graças isso, quem sabe não fosse expulso da Universidade. Embora bastasse que um dos três gorilas falasse e provavelmente a vida académica dele terminaria.

Não há nada que possa fazer quanto a isso”, concluiu, continuando com o trabalho.

Contudo, o jovem não foi capaz de colocar totalmente de parte a possibilidade de poder ter a vida na Universidade comprometida. Corria o risco de ser expulso. Com certeza ficaria no registo criminal e seria muito difícil tentar prosseguir os estudos. Devia ter pensado melhor antes de agir, mas agora de nada adiantava continuar a martirizar-se. Se fosse chamado pelo diretor da Universidade admitiria a verdade e enfrentaria as consequências.

Eu nunca teria conseguido entrar na Universidade se não fosse por ele… espero que não fique muito desapontado”, colocou as mãos nos bolsos com a mochila nas costas e sentado num dos bancos da estação de comboio.

Teve perdido nos próprios pensamentos durante largos minutos até que por fim, foi anunciada a chegada de comboio de onde pouco depois saiu Armin com um casaco bem grande e um cachecol laranja. Esforçava-se por arrastar uma mala com uma das mãos enquanto com a outra mão ajeitava a outra mala a tiracolo.

– Levi. – Acenou ao ver o rapaz de cabelos negros que se aproximava.

– Precisas de ajuda?

– Ah não, deixa estar… – Disse atrapalhado, dobrando um pouco das mangas do casaco que era sem dúvida de alguém com uma constituição substancialmente diferente do loiro. – Obrigado. – Agradeceu a ver o outro levar a mala dele.

– Não pesa assim tanto. – Disse, caminhando um pouco mais à frente.

– Levi? – Chamou e os olhos cinza focaram-se nele. – Aconteceu alguma coisa? Posso estar enganado mas pareces preocupado. – Viu que Levi parava de andar. – Não quero intrometer-me demais, mas…

– Não é nada. – Respondeu.

– Se é assim… – Disse o loiro num tom desanimado. – Posso fazer uma coisa? – Vendo o ar confuso do outro, Armin corou ligeiramente e após hesitação inicial, abraçou Levi. Este último ficou um pouco surpreso e depois com uma das mãos, acariciou os cabelos dourados.

– E contigo está tudo bem? O teu avô está mesmo melhor? – Quis saber.

Armin voltou a criar distância entre eles e assentiu.

– Sim, ele está melhor e isto aqui… – Apontou para a mala a tiracolo. – É um presente. Importas-te se pararmos um pouco naquele café? Está bastante frio.

– Tenho tempo, vamos lá. – Disse Levi e o loiro sorriu satisfeito por poder passar mais tempo com o outro.

O café era bem pequeno, não tendo mais do que meia dúzia de mesas. Além deles, só havia dois senhores sentados ao balcão a conversar com o dono do café. De cores que se dividiam entre o castanho e branco, o espaço pequeno proporcionou aos dois estudantes, o conforto e calor necessário para esquecerem o frio daquela noite. Ambos pediram um café e assim que a bebida quente chegou, Armin mostrou o que havia na mala que guardava com tanto apreço. Era um pequeno Notebook. O loiro explicou que tinha um computador em casa, mas era daqueles de secretária e por isso, não o pôde trazer para a Universidade. No entanto, o avô de Armin considerou que o neto teria uma vida mais facilitada se não tivesse que depender tanto dos computadores da Universidade. Ele queria contribuir para o sucesso dos estudos de loiro e por isso, economizou para poder comprar aquele Notebook.

– Fiquei a saber que a câmara municipal de Shiganshina têm organizado atividades bem interessantes e graças a isso, pessoas reformadas com o meu avô estão a aprender a mexer nos computadores. – Contava com um sorriso. – Gostava que tivesses visto como ele me mostrou tão orgulhoso como sabia ligar o meu computador e que dessa forma vai poder comunicar mais comigo.

– É uma boa iniciativa da câmara e com o uso do computador, podem pousar um bom dinheiro que de outra forma iria para as chamadas.

– É mesmo. – Concordou o loiro. – Vai ajudar-me também com os trabalhos e também a poder falar mais contigo, mas se for chato, podes dizer.

– Não te acho chato, Armin. – Murmurou, bebendo mais um pouco de café e uma das mãos um pouco frias do loiro, pousou sobre a de Levi.

– Mas não confias em mim para pelo menos admitir que aconteceu qualquer coisa. Não precisas dizer o que aconteceu, mas gostava que admitisses que não estás bem.

– Por que é que isso importa, Armin? Tiveste dias bons com o teu avô e não devias…

– Não devias estragar a minha boa disposição com os teus problemas? – Cortou com uma expressão compreensiva e Levi permaneceu em silêncio por algum tempo, antes de dizer:

– E se for isso?

– Se for isso deixa-me mais triste saber que estás a sofrer sozinho. – Disse e com a outra mão tocou no rosto de Levi. – Os teus olhos estão um pouco vermelhos. Um olhar menos atento diria que estiveste a chorar, mas apesar do rebuçado de mentol ainda dá para perceber algum cheiro nas tuas roupas. Não te abracei só porque tive saudades. Quis confirmar de perto as minhas suspeitas.

– És observador de uma forma quase assustadora. – Comentou e o loiro afastou a mão do rosto dele, mantendo o sorriso.

– É uma das minhas qualidades.

– Não sei se o que disse é um elogio. – Apontou Levi. – Mas não, não estou bem. Não quero falar sobre isso e esta é a forma menos destrutiva de lidar com o que aconteceu. Será que consegues entender como não é uma boa ideia envolveres-te comigo? Sou um poço de vícios.

– Pessoas mal-intencionadas não afastam os outros, pelo contrário tentam puxar-nos para o mundo delas. Tu não és assim. – Acariciou a mão de Levi. – Consigo ver que não és assim e se for preciso entrar no poço para te tirar daí, então é isso que vou fazer e não há nada que possas dizer para me impedir. Sabes porquê? Porque é uma decisão minha e a partir do momento que me estendeste a mão, envolveste-te num contrato que dá para os dois lados. Se me dás a mão, então tens que estar preparado para aceitar o mesmo gesto da minha parte.

A única vez que alguém disse que estava disposto a afogar-se com ele, tinha sido Hanji. Num mundo onde tantos viravam o rosto ou fingiam não ver os problemas dos outros, no meio de toda a indiferença e crueldade que o mundo podia oferecer, às vezes surgia uma exceção. Era tão estranho e diferente que causava ceticismo e desconfiança no primeiro impacto e depois deixava-o com um nó na garganta. Será

que podia? Será que devia? Por que razão devia permitir que vissem o mundo dele? Armin ia sofrer. Ia culpar-se quando não fosse capaz de o impedir de afundar-se nos vícios. Hanji fez o mesmo tantas vezes, e mesmo assim ela insistiu em ficar.  Será que Armin faria o mesmo?

Se fosse uma pessoa melhor, Levi sabia que devia distanciá-lo de tudo aquilo mas sentia-se ceder perante o olhar afável e honesto à sua frente.

– Se algum dia quiseres deixar-me de parte, não hesites. Eu não vou culpar-te por isso.

– Isso não vai acontecer. – Disse num tom decidido. – E tudo isto seria melhor se “Work, Work” da Rihanna não estivesse a tocar de fundo.

Ambos não conseguiram esconder o sorriso divertido.

– Para a próxima tens que pedir uma banda sonora diferente. – Comentou Levi.

– Com a música que anda a tocar na rádio ultimamente, acho difícil encontrar algo decente. Mas então, conta-me. Estou curioso.

– Acerca do quê? – Indagou confuso.

– Como é? É cigarro? Enrolas e tal? – Baixou o tom de voz e Levi arqueou uma das sobrancelhas. – Nunca experimentei.

– Isso é tudo curiosidade?

– Se te puder parar de fazer isso, é o que vou tentar mas quando não conseguir, exijo que dividas comigo. Assim não te fará tanto mal.

– De certeza que não é só por curiosidade?

– Também é, mas vai ser sobretudo para te fazer pensar duas vezes. Tu não imaginas o quão persistente posso ser. – Disse com um sorriso divertido. – Além disso, li umas fanfics que me deixaram bastante curioso sobre a cena do shotgun. Parece sempre tão sexy. Sabes como é? – Perguntou entusiasmado.

– Andas muito bem informado. – Comentou espantado com os comentários do loiro. – Sim, sei o que é.

– Podemos fazer?

Levi abanou a cabeça com um sorriso divertido.

– Se queres assim tanto experimentar, posso satisfazer a tua curiosidade mas não aqui no café.

O certo seria dizer que não, mas Levi acreditava que Armin se iria engasgar ou não iria gostar do fumo. Possivelmente aquela seria a melhor forma de fazer o loiro desistir da ideia absurda de consumir com ele, de forma a colocar um peso na consciência dele. Nem Hanji tinha chegado a esse ponto e com certeza, Levi também não lhe falaria de todas as vezes em que iria ceder. Se bem que se Armin aprendesse rapidamente que não iria conseguir aguentar o fumo, Levi não precisaria de se preocupar em mentir.

Saíram do café e sentaram-se numa paragem de autocarros vazia e isolada. O jovem de olhos cinzentos acendeu um dos cigarros dados por Marco. Ainda tentou adiar aquilo, mas o loiro insistiu tanto que acabou por ceder. Os olhos azuis observavam fascinado os lábios do outro rodearem o cigarro e o fumo escapar por entre os mesmos que se encontravam semiabertos.

– Queres experimentar por ti mesmo antes do shotgun? – Perguntou, passando o cigarro ao loiro que um pouco sem jeito, assentiu. – Isso. Puxa e… – Sorriu de lado ao ver o loiro começar a tossir depois de afastar o cigarro. – Não é assim tão boa ideia, não é? – Bateu um pouco nas costas do loiro. – Vou entender se não quiseres mais.

– Não. – Tossiu outra vez. – Quero o shotgun. Quero experimentar.

– Armin…

– Prometeste, Levi.

– Não prometi, mas enfim… – Com o dedo indicador fez um gesto para que o loiro se aproximasse mais. – Não puxes o fumo todo. Só um pouco e depois relaxa, deixa sair o resto. – Succionou o cigarro e a poucos milímetros dos lábios, expulsou o fumo dentro da boca de Armin que bastante corado, seguiu as indicações de Levi.

– Uau…

– É bom? – Perguntou surpreso por Armin não se ter engasgado novamente com o fumo.

– Até me arrepiei. É melhor do que pensava. Escrito é uma coisa, mas experienciar…

– Confesso que esperava que te arrependesses da experiência.

– Não me arrependo nem um pouco e a única forma de evitares muitas repetições é…

– É? – Quis saber Levi.

– Quero beijos em troca.

Levi riu um pouco.

– Chantagem é?

– Encara como quiseres. Repetimos? – Pediu.

– Suponho que podemos terminar este cigarro os dois antes de voltar para casa.

O certo é que Armin aprendia depressa, embora também fosse certo que ficava afetado rapidamente pelo efeito. Ficava mais alegre e partilhava coisas que num estado normal, Levi duvidava que o loiro falasse num tom de voz pouco discreto.

– Como perdi o sono parte da viagem, resolvi ligar o computador e estava a pensar em ti. Havia Wi-Fi a bordo porque uma gorda do banco ao lado esqueceu de proteger a net com senha. – Dizia divertido, segurando o braço de Levi que não conseguia esconder o sorriso ao escutar mais uma história que em condições normais Armin pensaria duas vezes antes de contar. – Eu sei, podia ter enviado mensagem pelo Telegram que entretanto instalei, mas em vez disso, passei parte da viagem a ver porno.

– Ah sim? Alguma categoria em específico?

– Gay e olha que normalmente vejo hétero. Nem mesmo depois de ter começado a questionar a minha heterossexualidade, vi muito porno gay. Até porque os computadores na Universidade têm a velocidade de lesmas e penso que nunca tive tão inspirado como agora. Puta que pariu, fiquei duro o resto da viagem.

Levi riu.

– Pronto, acho que chega de partilhas por hoje. – Disse, entrando na residência de estudantes com Armin pois da forma como este estava, Levi pensou que seria melhor acompanhá-lo até à porta do quarto.

– Não, eu queria ficar mais tempo contigo.

– Amanhã a gente vê-se. Toma um café bem forte de manhã. – Aconselhou enquanto subiam as escadas.

– Queria continuar acordado.

– Vá, repete comigo: o que vais fazer amanhã depois de acordares?

– Beber um café forte.

– Isso mesmo. – Pararam perto da porta algum tempo e depois de ver que o loiro encontrava a chave. – Armin?

– Sim?

– Para teres bons sonhos. – Murmurou antes de encostar os lábios a Armin que suspirou e quando foi prensado contra a parede, gemeu. – Boa noite. – Sussurrou, afastando-se.

Mais do que alegre ou eufórico, aquele tipo de substância nublava a mente de Levi com pensamentos e vontades carnais. Não estava pedrado e nem perto do estado de perder a cabeça, mas ainda assim não resistiu à vontade de despedir-se do loiro daquela forma.

Quanto a Armin entrou no quarto, acendendo as luzes e viu Jean virar-se na cama.

– Apaga a merda da luz. Isto não são horas de chegar. – Reclamou irritado, mas atónito viu quando o loiro depois de fechar a porta, ergueu um dedo na direção dele.

Após tirar os sapatos e abrir um pouco o casaco, Armin deitou-se na cama sem sequer puxar os cobertores e lençóis, adormeceu.

 

*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*

 

Deitado no sofá, o moreno de olhos verdes era incapaz de dormir. A cabeça dele ainda fervilhava com os acontecimentos recentes. Como acordou tarde naquele dia e ainda não completamente recuperado, desistiu da ideia de ir às aulas. Só de pensar no tédio que iria sentir o dia todo, mudou um pouco os planos e por isso, encontrou-se com Annie. Há bastante tempo que não ensaiavam juntos e mesmo que o tivessem feito por menos tempo do que gostaria, sentiu-se recuperar mais rápido por causa disso.

Também a amiga quis cuidar dele ao vê-lo um pouco adoentado e por isso, não teve que preocupar-se com refeições, nem nada do género. Passou o dia na companhia da loira e depois recebeu uma mensagem do namorado para sair. Jean tinha ignorado a mensagem dele a dizer que estava doente, mas como era habitual, esse sempre acabava por contactá-lo algum tempo depois. Sendo consciente de que o tinha ignorando, Jean também sabia que poucas coisas fariam Eren ir ao encontro dele e por isso, resolveu convidá-lo para jantar no centro da cidade, afirmando que o trataria bem para compensar pelo tempo em que não estiveram juntos.

O moreno conhecia aquela conversa, mas se Jean insistia em vê-lo é porque também havia mais qualquer coisa que o outro queria falar.

 

Flashback

– Ouviste o que acabei de dizer? – Perguntou Jean um pouco irritado enquanto via o namorado brincar com a comida no prato, usando um garfo.

– Queres que diga o quê? – Perguntou desinteressado. – Que arranjaste três idiotas e que mesmo o teu charme não é tão bom como pensas?

– Os três estiveram no hospital e até aquela carcaça velha do Pixis se quer meter no assunto. Se aqueles três abrem a boca para dizer que nós estamos envolvidos, vamos ser expulsos! – Recordou, tentando controlar o tom de voz e a irritação não estava a melhorar ao ver Eren bocejar.

– Tu próprio disseste que a história deles é ridícula. Quem vai acreditar neles?

– Pois, mas insistem em que o nerd enviou os três para o hospital.

– E tu acreditas? – Perguntou o moreno sem esconder o ceticismo.

– Não, claro que não. Devem estar metidos em outras merdas e tentaram esconder atrás de uma mentira inacreditável. Embora, o nerd esteja a achar-se um máximo.

– Dizes que ele conquistou o teu brinquedo mais rápido. – Comentou Eren. – Tens a certeza que estamos a falar da mesma pessoa?

– Não me esqueço da cara do otário. – Respondeu Jean, bebendo um pouco mais da cerveja que tinha no copo ao seu lado. – Mas que caralho, tu também pareces mais fora do que dentro. Chamei-te para jantar e tu ficas aí em modo múmia. Ainda estás doente? A Annie bateu na tua cabeça durante o ensaio?

– Ainda estou a recuperar. – Disse num tom seco e um pouco irritado, visto que Annie também lhe tinha dito que estava distraído e pouco concentrado. – Então diz-me que nerd tenho que atormentar, já que fizeste um trabalho de merda. Como se chama?

– Levi.

Eren parou de brincar com a comida no prato.

– Levi? – Repetiu.

– Sim, Levi. Porquê o espanto?

– Levi quê? – Perguntou. – Como é ele? Pode ser muita coincidência ou estamos a falar do mesmo Levi que divide o apartamento comigo.

Jean fez um ar confuso ao que se seguiu surpresa.

Puta que pariu! Baixinho? Cabelo preto e… puta que pariu, a cara dele faz-me lembrar a cobra da Mikasa! Como é que não reparei antes? É a parte da família Ackerman de que ninguém gosta de falar. As ovelhas negras.

– Levi Ackerman… – Murmurou.

Quando o nome rolou pela língua dele ouviu claramente diversas vozes diferentes.

Porque estavas a falar com ele? Ninguém fala com ele.

O Levi é…

Filho de uma puta e que tem um tio traficante e assassino.

Que mentiras é que te contou? Aposto que não te disse nada. Aproveitou que eras novidade.

Não, o Levi não…

Fim do Flashback

 

Teve que pedir a Jean que o fosse deixar no apartamento. Disse que não estava a sentir-se bem e não era totalmente mentira. Felizmente o namorado não reclamou muito e concordou ao pedido dele. Graças ao que considerava uma boa ideia, não precisou de esperar a chegada de Levi para entrar em casa. Deixou um tapete a impedir que a porta fechasse por completo e quando voltou tudo estava exatamente como tinha deixado.

O nome.

Era estupidez como ainda não tinha parado para dizer o nome completo ou em voz alta. Se tivesse feito antes, teria sentido o mesmo impacto? Teria recordado as mesmas vozes que se transformavam em imagens distantes?

Podia confirmar a hesitação na voz dele à medida que todas as outras pessoas contavam-lhe coisas que não sabia e que o atordoavam.

 

Flashback

Era a primeira vez que ouvia todas aquelas coisas. A cabeça rebentava e o peito possuía um aperto que agoniava. Seria verdade? Seriam todas aquelas coisas verdade? É verdade que Levi nunca falava da sua família, mas ele pelo contrário contou-lhe a verdade. Conversou sobre coisas que não dizia a outras pessoas. Disse a verdade em troca de quê? Por que razão disse a verdade? Porque não mentiu como aparentemente Levi fez? Porquê?

Não, talvez não fosse bem assim. Iria esperar que ele aparecesse onde tinham combinado. Porém, a hora foi passando e nem sinal daquele que até então nunca tinha quebrado uma promessa.

– O que estás aí a fazer, Eren?

– Eu… eu combinei uma coisa.

– Espero que não estejas a falar do filho da puta.

– A esta hora já deve saber que te contámos a verdade e não vai aparecer.

– Seja o que for o que te disse é mentira como tudo o que há no buraco onde mora.

– Eu… eu queria…

– Eren ele é um mentiroso que se quer aproveitar.

– Só fala contigo porque tens dinheiro.

Fim do Flashback

 

Eu quis esperar, quis ouvir da boca dele se todas aquelas coisas eram verdade e se assim fosse, queria confirmar que tudo aquilo era a razão para se ter aproximado. Quis ouvir e estive disposto a esperar. Ele nunca apareceu e eu esperei como otário. Porquê? Por que razão lhe dei tanta importância? O que aconteceu antes? Se não fingi… por que razão não o fiz? Por que razão iria abrir-me com ele? Será por isso que tentou tratar-me bem? Por sentimento de culpa ou para tentar enganar-me outra vez?”, revirou-se no sofá, tentando encontrar respostas para aquele amontoar de questões. Se fosse capaz de recordar o passado com maior clareza tinha a certeza que encontraria explicações. Enquanto isso não acontecesse, não podia também perguntar a Levi pois nada lhe garantia que este lhe respondesse com a verdade.

 

*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*_*

 

Quando Armin acordou de manhã, esperava algo pior do que uma leve dor de cabeça. Embora até fizesse sentido que assim não fosse, dado que não tinha consumido álcool e sim dividido um cigarro com Levi. O consumo não podia ser suficiente para experimentar efeitos fortes, ainda que recordasse como o fumo estranho, mas não desagradável, depressa o deixou sob um efeito bem relaxante e alegre.

Os beijos trocados com Levi também podiam fazer parte desse efeito e com certeza ultrapassavam o efeito de qualquer droga.

– Acordado e consciente?

A voz chamou a atenção do loiro que encontrou Jean já vestido e preparado para deixar o quarto. Armin bocejou e viu que ainda tinha tempo antes de ir para as aulas. Levantou-se da cama, mas antes que pudesse avançar muitos passos, Jean colocou-se à frente dele.

– Não sei se ontem estavas com a mania que és algum herói, mas repetes o mesmo gesto de ontem e…

– E o quê? – Perguntou Armin, encarando o outro.

– Olha lá, oxigenado. – Empurrou o loiro. – Pensas que estás a falar com quem? Queres levar no focinho agora? Pensas o quê?

– Toca-me mais uma vez e vais passar a ver a Universidade do lado de fora. – Respondeu num tom seco.

– Estás a ameaçar-me?

– Estou a dizer o que vai acontecer se continuares com isto. Não sou eu que tenho que ter medo. Saio daqui e entro na sala do Diretor Pixis e és expulso. – Disse, passando a mão no cabelo desarrumado. –Tive todo este tempo preocupado sem razão. Basta usar aquilo que tenho de melhor. Não sou eu que estou em desvantagem. És tu e o teu namorado.

– Não sabes com quem estás a falar.

– Não, Jean. – Olhou diretamente para o outro. – És tu que não sabes com quem estás a falar.

Dizendo isso, Armin passou por Jean em direção à pequena cozinha que havia no quarto deles. Por dentro o loiro tremia um pouco, mas sabia que tinha feito a coisa certa. Não podia viver no medo. Podia ser arriscado, mas ele realmente tinha a faca e o queijo na mão.

Era uma boa ideia colocar Jean no lugar até porque como conhecendo como ele e o namorado eram, os problemas e ameaças podiam atingir Levi.

Armin não iria admitir uma coisa dessas.

Levi não seria o único a protegê-lo, o loiro também faria questão de não permitir que o outro passasse por aquele tipo de situação. Era óbvio que o jovem de olhos cinza convivia de perto com essas situações há demasiado tempo e o loiro queria quebrar esse ciclo vicioso.

 

Eu – Mensagem:

Bom dia :)

O café ajudou mas não estou tão mal como imaginava.

Só uma pequena dor de cabeça :)

 

Levi – Mensagem:

Bom dia. Isso significa que és um pouco mais resistente do que pensava.

 

Eu – Mensagem:

Podemos ver-nos hoje?

Ou já tiveste dose suficiente ontem? :)

 

Levi – Mensagem:

Vou enviar-te o meu horário. Vê quando podes.

Hoje trabalho mas só a partir das 15h.

 

Eu – Mensagem:

Hora livre depois do almoço!

 

Levi – Mensagem:

Por mim pode ser.

 

Eu – Mensagem:

Podemos ir almoçar juntos à cantina?

Sou muito chato >.<

 

Levi – Mensagem:

Sim, vamos à cantina.

Encontramo-nos na entrada, pode ser?

 

Eu – Mensagem:

Sim! Até logo!

Boas aulas :)

 

Ao entrar na sala de aula para a aula de “Introdução à Epidemiologia”, notou que a maior parte dos colegas parecia conversar sobre um tema nada relacionada com as aulas. Não seria surpreendente e nem teria atraído a atenção dele se um dos colegas de curso não se tivesse aproximado. Numa das mãos trazia os apontamentos do dia anterior como Armin lhe tinha pedido, mas mais do que falar sobre a matéria, aproveitou para atualizar o loiro acerca do tema de conversa mais recente.

– Estou a ver que ainda não ouviste a última.

– Falto um dia e parece que tudo acontece. – Brincou. – Obrigado. – Recolheu os apontamentos. – Então o que aconteceu?

– Os ogres do desporto. Aqueles que às vezes víamos contigo e também a aborrecer outros.

– Sim, sei quem é.

Quem não sabe? Todos viam o que eles faziam e ninguém fazia nada”.

– Pois alguém apanhou os três e mandou-os para o hospital. – Disse divertido. – Um com o maxilar deslocado e os outros com costelas partidas. Seja lá quem for que os apanhou, ensinou a lição da vida deles.

– E foi aqui? Na Universidade?

– Sim e os professores ontem nas aulas andavam a pedir-nos para falarmos com o Diretor Pixis ou com eles, caso soubéssemos de alguma coisa. Se bem que aqueles otários batiam em tanta gente que não é fácil encontrar culpados. Andam por aí teorias que algum dos estudantes em quem eles batiam, devia ter uma família da máfia e depois de saber o que se passava, veio até aqui tirar-lhes a tosse.

Era de facto uma teoria sem sentido. Tudo indicava que se tratava de um estudante ou vários visto que se tratavam de três oponentes. Como tinham uma péssima fama, seria de se esperar que acabassem por encontrar o inimigo errado. Estatisticamente era bastante provável que um dia se cruzassem com outras pessoas capazes de tais atos. Mas quem seriam? Seria a vergonha que levava aqueles três a não admitir o que tinha acontecido? Bastaria dizer os nomes. Ou será que tinham medo? Medo de quê? De ser expulsos também?

Contudo, Armin conhecia Pixis o suficiente para saber que se o homem quisesse, podia pressionar e descobrir o que tinha acontecido. Se o Diretor estava a pedir ajuda aos professores para descobrir os culpados, isso significava que tinha sido incapaz de obter essa informação. Será que aqueles três eram assim teimosos? Ou o fator medo ou vergonha mantinha-se sobre a mesa?

É uma situação estranha… nem sei porque pensei no Levi quando me falaram disto. Sei que ele tem um melhor físico do que parece e possivelmente aqueles três também o teriam na mira deles, mas não… ele sozinho não seria capaz e se pudesse fazer coisas dessas não teria porque… não, não, não. Pára de pensar. É óbvio que nada disto tem a ver com ele. Tenho que parar de pensar tanto nele”, corou um pouco já sentado, “É mais fácil dizer do que fazer”.

No fim das aulas da manhã, Armin sorriu ao encontrar o jovem de cabelos negros a escrever algo no telemóvel, enquanto esperava por ele à entrada da cantina.

Ele é tão… parece que fica melhor cada vez que o vejo”.

– Levi?

Os olhos cinza desviaram-se do ecrã.

– Desculpa, a Hanji estava outra vez a enviar-me coisas estranhas. Vamos andando?

– Sim. – Respondeu. – Por curiosidade, que coisas estranhas?

– Sabes quem são o Gray e o Natsu de Fairy Tail?

– Sim! O que tem?

– Sabes o que é yaoi e ships? Recebi 20 imagens que não queria ter visto.

Armin riu.

– Digamos que se eu pudesse usar uma t-shirt sem ser considerado estranho ou sujeitar-me a um sacrifício humano, essa t-shirt teria Team Sebastian x Ciel Forever!

Puta que pariu, tu não podes conhecer a Hanji! – Antes de continuar a andar, resolveu acrescentar. – Nada de spoilers. Ainda estou a ver e tenho a certeza que só na cabeça de certas pessoas é que esse romance existe.

– Então ainda não viste o suficiente. Há muito potencial ali.

– Vamos mudar de assunto. – Resmungou Levi entre os dentes. Ser gay não significa que vivo na Unicornolândia e que vejo romance gay em todo o lado.

Armin deu uma gargalhada, acompanhando Levi mas respeitando o pedido dele para mudar de assunto. Depois de almoçarem, os dois foram para a biblioteca. Conversaram mais um pouco antes de caírem num silêncio confortável à medida que faziam alguns trabalhos relacionados com os respetivos cursos.

Na verdade, Levi estava bem mais dedicado ao trabalho e estudo do que o companheiro de sala. Os olhos azuis mostravam-se incapazes de manter a atenção nas folhas e caderno à sua frente. Em vez disso, aproveitavam para observar o outro e trazer à memória a noite anterior, a sensação dos lábios do jovem de cabelos negros.

O certo seria concentrar-se nos estudos, passar os apontamentos e atualizar-se o mais rapidamente possível acerca da matéria. Porém, parecia impossível desviar os olhos do outro estudante que preenchia metade de uma página com alguns cálculos.

Tudo transformava-se numa distração. Não apenas a aparência mas também o perfume que podia sentir. Se fosse sincero, queria sentir um pouco mais de perto.

Eles decidiram não definir a relação que havia, mas Armin queria ter abraçado Levi quando o viu e queria sem dúvida, sentir o gosto da boca dele outra vez.

– Com pouca vontade de estudar? – Questionou Levi, acabando de escrever algo e erguendo o rosto perante o ar surpreso do loiro. – Não estás a ser muito subtil com esses olhares. – Pôs o lápis sobre a folha e colocou o queixo apoiado na mão. – Não pensava ter a capacidade de distrair tanto alguém.

– Ah, eu… desculpa, sei que tens coisas para fazer porque vais trabalhar de tarde. – Disse envergonhado.

– Hum sim, mas assim só um de nós vai trabalhar. – Disse, observando o loiro que corava. – Serias a favor de uma pausa?

– Uma pausa? – Perguntou Armin ansioso sem saber o que esperar.

– Eu não tenho um bom historial.

– Historial?

– Tiveste namorada e eu tive pessoas ocasionais. – Ergueu-se da cadeira. – Provavelmente tiveste algo decente. – Estendeu a mão e Armin segurou na mesma, levantando-se também. – Trataste e foste bem tratado por alguém enquanto eu, quase nunca sóbrio, procurava prazeres do momento. Ver como olhas para mim traz à superfície todas essas vontades de antes e eu… não é justo para ti.

– Estás a ouvir alguma reclamação da minha parte? Levi, eu não consigo pensar em outra coisa que não seja estar contigo. Não estás a enganar-me e eu também sei o que quero.

– Se soubesses…

– O que foi? Tens uma cave em casa que na verdade é um salão de sadomasoquismo? – Brincou e os dois riram um pouco. – Credo não me faças citar As Cinquenta Sombras de Grey. Ele também não parava de dizer que ela devia afastar-se porque não era homem para ela. Eu não quero ser a Anastacia do Grey e nem a Bella do Edward, embora nunca te tenha visto a brilhar ao sol.

Os dois riram.

– Muito informado sobre esses temas. – Comentou Levi.

– Quando toda a gente não falava de outra coisa à tua volta é complicado.

– Concordo. – Disse Levi. – Não, não sou um vampiro e nem tenho um salão de chicotes embora… – Colocou a mão nos cabelos loiros, trazendo os lábios contra a boca dele.

Após a surpresa inicial, Armin agarrou a camisola do outro. Um arrepio prazeroso percorreu o corpo dele ao ter os cabelos presos na mão do outro que guiava o beijo. Decidindo, por exemplo, separar os lábios e percorrer com a língua a outra boca até que esta se abriu.

Ainda havia o gosto de café na boca de Levi, que este tinha bebido após a refeição. Isso juntamente como o que o loiro só podia descrever como sendo o sabor único e indescritível de Levi, faziam-no vibrar por dentro. Os movimentos experientes da língua subiam a temperatura dos corpos.

Uma das mãos do loiro subiu até um dos ombros do outro estudante que por fim permitiu que Armin tentasse recuperar o fôlego.

– Embora me queira parecer que podes gostar um pouco do tema. – Concluiu o raciocínio de antes perante o ar ainda afetado do loiro pelo beijo trocado. Sem dar tempo para que Armin se questionasse o que o outro queria dizer com aquilo, Levi agarrou o loiro pela cintura.

Em seguida, tornou a juntar a boca dos dois de novo, fazendo o loiro recuar. Quando esbarraram na mesa, o jovem de olhos cinza segurou sem dificuldade nas coxas do loiro, sentando-o sobre a mesa. Um som de surpresa e um gemido escaparam da garganta de Armin. Aquela pausa estava definitivamente a ser mais interessante do que pensava.

Enlaçou o pescoço de Levi com os braços sem interromper a forma como tentava acompanhar o ritmo quente e sensual da língua dele. O calor que sentia por dentro, começava a tornar-se abrasador.

– Estás bem assim? – Murmurou num tom arrepiante próximo aos lábios húmidos do loiro. – Quando estiver a ser demais, avisa.

– Hum, hum. – Foi a única coisa que conseguiu dizer antes que Levi desviasse a atenção para outro lado que não a boca dele. A respiração quente descia pelo pescoço dele e envergonhado, Armin teve vontade de cobrir o rosto quando gemeu apenas em resultado da respiração contra o pescoço dele.

– És sensível aqui. – Beijou de leve, sorrindo de lado ao escutar mais um som mal disfarçado. – Não tenhas vergonha, eu gosto.

– Le…Levi…

– Queres que pare? – Sussurrou, deixando mais um beijo naquela zona sensível enquanto acariciava os cabelos loiros.

– Não, mas… – Disse cada vez mais embaraçado com as próprias reações.

– Mas? – Levi distanciou-se um pouco para poder ver os olhos azuis. – O que foi? Podes dizer.

– Eu… – Hesitou. – Queria mais um pouco, mas… mas não sei se é boa ideia.

– Hum, por causa disto? – Colocou a mão sobre as calças do loiro que mal conteve o gemido e baixou o rosto claramente constrangido. – Armin é normal. Não há razão para ficares assim. – Beijou os cabelos loiros e ergueu o rosto de Armin com uma das mãos. – Podemos parar aqui, mas se pensas que isto me incomoda, estás enganado. Se estás excitado com o que estou a fazer, eu fico satisfeito por estar a fazer com que te sintas bem. Portanto, vou propor duas coisas. Paramos aqui ou eu resolvo o problema que criei com a promessa que não vamos muito mais longe. A decisão é tua.

– Pareço um virgem…

– Bom, se é a primeira ou… segunda vez que estás com um rapaz não podes censurar-te tanto. – Começou a afastar-se. – Ficamos por aqui?

– Não. – Falou Armin, agarrando o braço de Levi. – Não estás a pressionar-me e eu… eu gostava de saber como vais resolver o meu problema.

Levi olhou o loiro nos olhos por alguns momentos antes de beijá-lo por breves instantes.

– Quero acariciar-te e posso fazer assim. – Colocou novamente a mão sobre as calças do loiro. – Ou posso começar assim e se quiseres, se estiveres à vontade, podes sentir a minha mão diretamente. Como te sentires melhor… – Beijou o loiro novamente, acariciando-o sobre as calças e ouvindo os gemidos abafados na boca dele.

Era praticamente impossível produzir um pensamento coerente. As mãos, aquela boca pecaminosa e língua insinuante faziam com que se sentisse completamente entregue àquela espécie de feitiço. Cada toque era como um fogo em que se queimava e queria deixar-se envolver e consumir por aquelas chamas.

Procurando descobrir se era possível sentir mais prazer, conduziu a mão de Levi até ao zíper. Este último entendeu e seguiu a indicação. O zíper deslizou e o som quase foi abafado pelo gemido de ambos.

Com habilidade, após enfiar a mão dentro das calças, afastou mais uma peça de roupa antes de trazer para fora o membro duro. Cada movimento arrepiava o loiro e a frequência alternava.

Ora forte, ora mais leve. Ora mais rápido, ora mais lento.

Isso estava a deixá-lo cada vez mais próximo a um orgasmo intenso.

– Ah! Le…Ah! Levi…

Ele sabe… ele sabe exatamente o que fazer. Não vou conseguir…

– Quase?

– Hum, hum. – Conseguiu dizer entre a respiração errática e audível.

Quando Levi chupou a pele no pescoço, sentiu-se estremecer um pouco. Quis falar, mas saiu somente um gemido bem mais alto do que pretendia. Viu o sorriso malicioso que Levi ao mesmo tempo que este lhe dizia que iria proporcionar um bom final. Incapaz de entender o que isso significava ou de produzir qualquer pensamento lógico, Armin não esperava o que se seguiu.

A boca quente envolveu-o e chegou ao limite. Prendeu os cabelos negros com uma das mãos e se antes ninguém o tinha ouvido, com certeza alguém teria escutado aquele gemido alto, acompanhado de tremores incontroláveis. A língua insinuante não deixou de se mover até que ficou claro que Levi já não podia prolongar mais aquele orgasmo.

Em seguida, o dono dos olhos cinzentos ergueu-se, acariciando o rosto avermelhado de Armin.

– Tudo bem? Não fui muito longe?

– Ah… não. – Murmurou ainda a recuperar.

– Hum, ainda desorientado? – Brincou, lambendo os próprios lábios.

– Tu… tu…

– Queria evitar ter que limpar depois. – Respondeu, entendendo o que Armin queria dizer. – Engolir não é obrigatório e nem nada que faça sempre, mas admito que quis ver a tua cara. Não me desiludiste como já esperava. Vamos…

Levi surpreendeu-se ao ser puxado pelo loiro para um beijo.

– Pensava que não irias querer beijos depois do que fiz. – Comentou quando separaram os lábios.

– Por que razão não iria querer? – Perguntou o loiro. – Foi um dos melhores orgasmos que tive e devia agradecer-te como se deve.

– Não precisas de…

Armin beijou-o de novo.

– Não é por obrigação, eu gosto e quero beijar-te mais. – Encurtou a distância novamente e enquanto trocavam mais um beijo, o loiro desceu uma das mãos até ao zíper de Levi.

– Armin…

– Não sou o único com problemas por resolver. – Apontou. – Eu quero fazer isto.

Felizmente não teve que argumentar muito mais, pois Levi escolheu não contrariá-lo. Em vez de sentar-se na mesa, o jovem de cabelos negros optou pela cadeira. Graças à insistência do loiro em vez de simplesmente abrir o zíper, puxou um pouco as calças.

Embora, Armin estivesse concentrado em agradar o outro seguindo as indicações dele, não pôde evitar em reparar nas marcas na pele do outro. Aliás quando levantou um pouco da camisola dele, viu algumas manchas negras que o preocuparam. Porém, Levi não permitiu que visse com muito detalhe ao ajustar a camisola e para dizer a verdade, Armin não queria estragar o momento. Só queria que Levi se sentisse bem.

– Nem te deixei estudar, eu sei. – Disse Armin acanhado à saída da biblioteca.

– Não te preocupes com coisas desnecessárias. – Acariciou os cabelos loiros. – Não tenho matéria em atraso e assim como tu não estou arrependido da nossa pausa.

– Se convencer o teu namorado, vens à festa? – Uma terceira voz chamou a atenção dos dois e Levi arqueou uma sobrancelha ao reconhecer quem era.

– Ymir por que te interessa tanto que vá a essa festa?

– Gostas do jogo Verdade ou Consequência? – A rapariga perguntou a Armin.

– Ah… nunca joguei, mas conheço as regras.

– Eu sou a rainha do jogo e adoro ver as pessoas a sofrer com as consequências e tu… – Apontou para Levi. – Tens ar de quem daria um bom adversário. Vá lá. Vocês precisam de diversão antes que comece a terrível época dos exames. – Entregou o panfleto a Armin e piscou o olho. – Convence o teu namorado. Ele tem ar de quem precisa de espairecer.

– Ele não… – Armin não teve tempo de terminar a frase, pois Ymir já se tinha afastado.

– Também tenho que ir andando. Se quiseres ir à festa e que te faça companhia, vais ter que convencer-me, não é…? – Passou na frente do loiro e olhando de soslaio, acrescentou. – Namorado. – E continuou a andar, deixando para trás um loiro bastante ruborizado.


Notas Finais


Até ao próximo capítulo*


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