Era tudo escuro, e então, nada mais era. Era luz, que iluminava até mesmo dentro de suas pálpebras, mas era medo e confusão. Ela estava jogada no chão, sobre seus joelhos, sem qualquer coragem para abrir os olhos, mas então, em algum momento ela precisou abrir.
Havia se esquecido que, antes da explosão, estava na escola, mas não se lembrava de mais nada dali. Tampouco se recordava da decoração do corredor onde acordara, mas com certeza aqueles papeis no chão, os armários estourados e os quadros de afixar recados tombados não faziam parte daquela.
O silêncio, contudo, era a sua companhia.
Não queria ficar ali.
Levantou-se.
Respirou.
E foi.
Sabia que tudo era sua culpa. Sabia que nada mais importava. Só queria sumir, mas com certeza não a deixariam. Do seu fim, ela nada sabia, mas com certeza ele não seria bom se ela continuasse ali naquele corredor frio.
Tentava puxar da memória o que havia acontecido, a razão de tudo ter sido daquela maneira. Sua mente era puro breu.
Seus pensamentos, todavia, foram tirados de seu foco pelos sussurros provenientes de uma sala de aula com a porta entreaberta. Ela não entendia tudo, mas ouvia palavras como perigo, socorro, medo, ela.
Aquele não era mais seu lugar. Então precisava sair de lá, e nunca mais voltar, sob pena de morrer.
Era outono e tudo estava frio. O bairro pacato e silencioso, só era perturbado pelo som da sirene do carro de polícia.
Ela não queria ser reconhecida, e por assim não querer, não foi. Os oficiais passaram reto por ela, como se a garota nem estivesse saindo da cena de um crime, mas como se andasse tranquilamente por um parque.
Tranquilidade. Ela nunca mais poderia viver tranqüila.
Ela já estava muito longe, no entanto, quando a professora que a denunciara mostrava aos policiais quem era a aluna perigosa. Nunca havia pedalado assim, tão rápido.
Era tudo velocidade.
O vento gélido batia forte em seu rosto, e conforme pedalava ela sentia que fugia do peso com o qual acordara naquele corredor. Passava pelas pessoas que nem imaginavam o que acabara de acontecer, que viviam suas vidas sem qualquer medo, na ignorância de quem eram.
Ela não era ameaça. Não queria ser.
Tudo precisava ser rápido. Não teria tempo nem para um bilhete.
Rompeu a casa e rumou para o quarto. No meio do caminho precisava passar pela sala. Sua irmã tinha deixado a televisão ligada mais uma vez. Ela nunca aprendia. A ironia da vida, estampada na tela, dizia em letras garrafais “EVENTO SOBRENATURAL EM ESCOLA LOCAL”.
Os homens em breve chegariam. Ela precisava fugir.
Mas não tinha plano nenhum.
Ela só tinha medo.
Colocou as primeiras roupas que viu dentro de uma mochila surrada. Pelo menos por enquanto era suficiente.
Foi distraída com as saudades que sentiria do lar. E o momento de distração foi o suficiente para dar tempo que as autoridades batessem em sua porta.
O medo crescia.
Fugiria pela porta dos fundos.
Na cozinha, a mesa ainda estava suja do café-da-manhã que tomara há pouco com o pai e a irmã. Ela nunca mais os veria.
A porta da frente recebia, agora, batidas insistentes. A porta dos fundos, trancada. As batidas tornaram-se empurrões, vindos com ameaças. Ela não sabia qual era a conseqüência dos seus medos. Nem reparou que a mesa flutuava, ao passo que o que outrora estava em cima dela girava incessantemente.
A chave da porta dos fundos estava longe. Nada mais era impossível. Ouvindo a porta da frente ser arrombada, a chave voou para sua mão.
Ela havia escapado. Fisicamente ilesa, emocionalmente abalada.
Os policiais conseguiriam apenas ver uma porta aberta e os móveis da casa em levitação.
A floresta, para a qual dava o fundo da casa, seria seu melhor esconderijo.
*
Ela andava já havia horas, mas ainda sentia a vibração da perseguição atrás dela. Precisava sopesar o cansaço e o medo. Não tinha mais fôlego, mas tinha muito medo.
Seu rosto estava cortado por caminhar entre os galhos, e, com certeza, já havia torcido o pé mais de três vezes. Sua calça estava toda suja, e vez ou outra irrompia em chorar. Mas ainda seguiria. Era forte. Ninguém a derrubaria.
Tudo era escuridão, e ela corria.
Até que caiu.
E foi cercada.
Não havia mais nada a perder.
Desistira.
Não havia mais chance para ela.
E então, olhara para si, e do medo surgiu a esperança. E das trevas, ela se fez luz. Era à prova de balas, já que ninguém atira contra o sol. Ela era o calor, em meio ao frio. Era a música dentre o barulho dos galhos que os policiais pisavam. O tudo virava nada, mas ela nunca havia tido tanta paz.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.