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História Meu Melhor Amigo - Decisão


Escrita por: jaimencanto

Capítulo 4 - Decisão


               Cheguei no trabalho sem um pingo de ânimo, mas isso não era novidade. Naqueles últimos meses era rotina que eu chegasse completamente desanimada para trabalhar. Graças à Deus fui a primeira a chegar, e poderia ter alguns minutos de paz antes que “os três encrenqueiros” chegassem. Por mais que eu soubesse que a única coisa que eles queriam era me ajudar, eu só queria que pelo menos um dia eles não tocassem no assunto de Fernando, mas isso parecia impossível.

               Liguei o meu computador e me ajeitei à cadeira. A primeira coisa que fiz foi abrir o meu email, mas já deveria esperar que não houvesse nada importante. E quando digo “importante” eu me refiro à uma mensagem de Fernando. Mas eu ainda me perguntava por que tinha tanta esperança de abrir o email e encontrar algo dele. Já não nos falávamos há quase cinco meses, e a ultima vez que nos falamos não foi grandes coisas. Eu tinha que aceitar que Fernando e eu já não éramos mais os mesmos, e nem nossa amizade.

- Bom dia! Bom dia! – Márcia chegou animada.

- Bom dia... – Respondi sem animo algum, colocando as mãos à testa.

- Hoje o dia não está maravilhoso?

- Divino.

- Deveria estar animada. Hoje é sexta feira.

- A única coisa que me animaria nesse momento seria Otávio entrar aqui e dizer que tenho o resto do mês de folga.

               Márcia não respondeu. Já estava acostumada com meu mau humor diário, e sabia que não tinha nada que poderia fazer. Nada que ninguém poderia fazer.

- Bom diaaaa! – Carolina apareceu ainda mais animada que Márcia. – Enfim sexta feira!

- Graças à Deus! – Márcia respondeu.

- Oi Lety!

- Oi.

               Carolina também não fez nenhuma questão de forçar uma conversa comigo logo de primeira. Bem que eu queria que fosse assim o resto do dia, mas eu sabia que minha felicidade não duraria por muito tempo.

- O que temos para hoje? – Carolina perguntou ao sentar-se.

- Três processos correndo. – Márcia respondeu. – E um em aberto.

- Eu já estou revisando esse. – Carolina disse. – Mas eu não sabia da existência desses três.

- E nem eu! Quase tive um ataque do coração quando abri e vi que ainda estavam aqui.

- Eu já resolvi isso. – Falei e as duas me olharam.

- Quando?

- Ontem a noite.

- Pensei que você tivesse ido embora logo depois de nós. – Márcia disse.

- Não. Fiquei aqui até mais tarde resolvendo isso.

               As duas se olharam, mas antes que pudessem dizer algo, Antonio chegou.

- Olha que coisa maravilhosa chegar aqui numa sexta feira e dar de cara com essas três preciosidades. – Ele abriu os braços caminhando entre nossas mesas.

- Está feliz hoje, hein? – Márcia riu.

- O encontro ontem foi bom. – Carolina disse divertida.

- Todos os meus encontros são bons, meu amor. – Antonio sorriu, virando-se para mim. – E como está a minha flor do campo hoje?

- Hoje não, Antonio. – Respondi impaciente. – Só quero trabalhar em paz.

- Já vi que continua com um humor de dar inveja! – Respondeu ele, seguindo até sua mesa.

- Lety, você não precisava ter resolvido os processos sozinha. – Márcia voltou ao assunto.

- Não foi nenhum problema pra mim.

               Eu não costumava ser tão eficaz no trabalho. Na verdade, o meu lema sempre foi “nunca deixe para amanhã o que pode deixar para semana que vem”. Mas, minha vida estava tão entediante e monótona que a única coisa que me prendia era o trabalho. E realmente era emocionante para mim ficar até mais tarde no escritório resolvendo os processos.

- Sabem quem eu vi hoje saindo de mãos dadas com a Paula? – Antonio comentou e Márcia e Carolina se inclinaram sobre a mesa para ouvi-lo. – Carlos!

- Mentira! – As duas exclamaram abismadas. – Então eles estão realmente juntos?

- Eu disse! Eu nunca erro!

- O que mais eles fizeram?

- Conta logo!

               Eu costumava ignorar aquelas fofocas matinais para poupar o resto de paciência que eu tinha. Mas, naquele dia eu estava mesmo mal humorada, e não estava com paciência para lidar com aquele tipo de coisa. Eu não queria estar tão estressada e impaciente, mas infelizmente não cabia a mim controlar isso.

- Será que podemos trabalhar em paz, sem que vocês fiquem falando dos outros? – Perguntei impaciente e os três me olharam.

               Fez-se silencio por um tempo, até que Antonio se levantou e parou diante à minha mesa. Tentei ignorá-lo o quanto pude, mas de repente ele escorou-se em minha mesa, inclinando-se sobre ela.

- Letícia, olha para mim.

               Suspirei impaciente e ergui a cabeça para olhá-lo.

- Você tem duas escolhas: Passar o resto da sua vida com esse mau humor insuportável ou dar a volta por cima e superar!

- Antonio, pelo amor de Deus! Não vamos falar disso de novo e...

- Isso não é uma conversa boba ou um conselho, Lety. – Ele estava sério, como nunca vi em todo o tempo que trabalhávamos juntos. – Eu não queria ser tão sincero, mas você está realmente insuportável nesses últimos meses. Nós não dizemos nada porque somos seus amigos, e também porque sabemos que você tem os seus motivos para estar assim. Mas pelo amor de Deus! Já faz um ano! Você quer passar mais quantos anos pensando no Fernando, descontando toda a raiva que tem dele nas pessoas que só te querem o bem?

               Antonio jamais tinha falado tantas verdades para mim. Na verdade, nem mesmo Márcia e Carolina tinham falado comigo daquela maneira. Eu sabia que estava insuportável. Sabia que estava sendo uma pedra no sapato, e na maioria das vezes nem eu me suportava. Depois de ouvir as verdades de Antonio percebi o quanto eu estava sendo idiota. Eu estava perdendo meus amigos por causa disso, e em breve não teria mais ninguém para tentar me ajudar, o que pioraria a minha situação. Tudo o que eles fizeram durante todo aquele ano foi tentar me animar, e me fazer esquecer o que aconteceu entre Fernando e eu, mas eu estava sendo mesquinha, e não estava sabendo reconhecer seus esforços.

- Me desculpe. – Falei de cabeça baixa.

- Como é que é?

- Eu quero que me desculpem. – Falei mais alto, para que Carolina e Márcia também me escutassem. – Eu sei que estou insuportável, e sei que vocês só estão tentando me ajudar. Eu não deveria estar assim, e confesso que nem eu mesma estou me suportando.

- Bom... Isso explica tudo. – Antonio sorriu. – Olha, nós sabemos que é algo difícil para você, afinal vocês foram melhores amigos por vários anos.

               Foram. Aquela palavra no passado me doía.

- Mas você tem que viver a sua vida, mulher! Tem que se reerguer!

               Sorri pela maneira que ele tentava me animar.

- Nós só queremos te ajudar. – Márcia disse sorrindo.

- Eu sei. E obrigada por isso. – Suspirei. – Eu prometo que irei mudar meu comportamento, e vou tentar esquecer o que aconteceu. Como vocês disseram, já faz um ano. Não posso ficar sofrendo por todo esse tempo.

- Exatamente! – Carolina concordou.

- Quer saber? Hoje é sexta feira, e já que está disposta a mudar e voltar a ser a Lety que nós conhecemos, nós vamos sair! – Márcia sugeriu.

- Ótima idéia! – Antonio concordou. – E então, Lety... O que me diz?

               Quando eu disse que mudaria o meu comportamento, eu não quis dizer “naquele momento”. Eu ainda não estava com animo para sair, muito menos para curtir alguma coisa. Mas, não queria continuar sendo uma chata, e já fazia um tempo que eu não aceitava sair junto com Márcia e Carolina. Estava sentindo falta disso, e talvez fosse exatamente o que eu precisava.

- Eu topo. – Sorri e os três comemoraram.

- Hoje o dia vai pedir uma rodada dupla de tequila! – Comemorou Antonio e nós três rimos.

 

 

 

                                                           -------------------------------------------

 

 

 

               Por incrível que pareça, ao longo do dia eu me animei para a curtição, depois de tanto falarem sobre isso durante o trabalho. Até o momento que cheguei em casa, eu estava feliz por finalmente estar voltando a ser a antiga Lety, que por tantos meses se escondeu atrás de uma mulher amargurada, mal humorada e chata. Eu havia me tornado o tipo de pessoa que eu sempre detestei, e quando finalmente percebi que eu estava deixando essa Letícia insuportável para trás, não pude deixar de me sentir empolgada.

               Me arrumei, coloquei uma de minhas melhores roupas e me maquiei. Eu não fazia isso há muito tempo, e percebi o quanto senti falta de ter toda essa empolgação para me arrumar. Aqueles meses sem falar com Fernando tinham sido difíceis, e pior do que receber seus emails frios e de poucas palavras era ficar sem nenhuma notícia. Mas, meus amigos me fizeram perceber que eu não poderia passar o resto da minha vida sofrendo por isso. Teria que superar e aceitar que minha amizade com Fernando havia acabado, e por mais que isso me doesse, era algo provavelmente irreversível.

               Pela primeira vez consegui me arrumar dentro do horário, e quando peguei o táxi até o bar que combinamos de nos encontrar, percebi que melhor do que estar no horário era estar adiantada. Quando cheguei, paguei o taxista e segui em direção ao bar, feliz por estar “de volta”. A música alta e o ambiente me contagiaram assim que entrei no local, e assim que entrei, consegui avistar Antonio sentado ao bar acenando para mim. Me senti aliviada por não ter sido a primeira a chegar.

- Oi! – Falei animada quando me aproximei. – Acho que é a primeira vez que chego no horário marcado.

- Na verdade, você está adiantada. – Ele riu me cumprimentando com um beijo no rosto. – Mas fico feliz que tenha vindo e que esteja animada.

- É... – Sorri me sentando ao seu lado. – Você também chegou muito cedo.

- Na verdade, cheguei muito mais cedo do que pensa. – Ele olhou para o barman, que piscou para ele.

- Ah... Entendi. – Respondi rindo.

- Vai querer alguma coisa, querida? – O barman perguntou divertido.

- Uma cerveja, por favor.

- Duas. – Antonio disse e ele sorriu.

- É pra já.

               Nós dois rimos.

- Então... Quer dizer que é oficial? Você saiu da fossa? – Antonio me olhou.

- Eu espero que sim. – Respondi sincera. – Na verdade, percebi que senti falta de freqüentar lugares assim.

- Isso é bom! Está vendo só? Não precisava levar todo esse tempo para perceber isso.

- É verdade.

- Aqui está. – O barman colocou as duas cervejas sobre o balcão.

- Obrigada!

- Então... Um brinde à volta da antiga Lety. – Antonio ergueu seu copo.

- Um brinde! – Sorri, brindando meu copo ao dele.

               Há muito tempo eu também não sentia o gosto da cerveja. Eu realmente não sabia o que tinha acontecido comigo, e só naquele momento tinha percebido o tempo que eu perdi com todo aquele mau humor e tristeza. Antonio me olhou por alguns segundos até ajeitar-se ao banco, aproximando-se de mim.

- Pode começar.

- Começar o que? – Perguntei confusa.

- A desabafar.

- Não! Eu não vou fazer isso aqui.

- Eu sei que você quer desabafar, isso está estampado na sua cara. E é por isso que você esteve tão mal humorada durante esse tempo.

- Antonio, eu estou bem. É sério.

- Lety, meu amor... Ninguém fica bem de uma hora para outra. Eu admiro você querer se esforçar, mas vai precisar passar por algumas etapas até conseguir isso.

               Desviei minha atenção para o balcão.

- Não adianta fugir. Uma hora ou outra você vai precisar desabafar tudo isso que está sentindo.

- Eu já fiz isso, e você sabe.

- Não. Você não desabafou. Você contou sobre o que aconteceu, mas não falou como se sentia sobre isso.

- Eu falei...

- Lety. – Ele segurou minha mão e eu o olhei. – Só estamos nós dois aqui. Eu sei que às vezes Márcia e Carolina exageram nos conselhos, e talvez seja por isso que você se prenda tanto. Ou talvez pelo fato delas te conhecerem tão bem a ponto de conseguir saber o que você está sentindo ou pensando sem que você precise dizê-las.

               Era incrível a maneira como Antonio entendia das coisas. Era como se ele soubesse exatamente o que eu precisava ouvir, e de certa maneira isso me acalmava.

- Mas vamos aproveitar que elas ainda não chegaram, e você pode desabafar. Vai se sentir melhor, eu garanto.

               Respirei fundo e escorei ao balcão, convencida de que era mesmo o melhor.

- Desde que o Fernando foi embora as coisas estão diferentes. – Falei sem olhá-lo. – Eu já sabia que seria assim, mas não esperava que fosse me atingir tanto. Eu não quis me despedir porque estava com raiva, mas hoje me arrependo por isso. Eu deveria ter deixado ele se explicar, deveria ter acreditado nele. Fernando não teria falado todas aquelas coisas para mim se não fosse verdade.

- Você quer dizer da declaração dele?

- Não sei se foi bem uma declaração.

- Querida, se um cara diz tudo aquilo para você, é uma declaração.

               Suspirei triste.

- De qualquer maneira, eu estava brava demais para ouvi-lo. Fiquei furiosa quando soube que ele tinha uma namorada e que não me contou sobre ela.

- Pode-se dizer que foi uma traição...

- Exato. Eu me senti traída.

- Mas vocês não tiveram chance de conversarem sobre isso?

- Não. – Respondi triste. – Eu não quis atender sua ligação e nem fui me despedir no aeroporto. Ele foi embora e eu simplesmente não me despedi.

- E você se arrepende por isso?

- Sempre. Acho que eu precisava daquele ultimo abraço. Precisava ter certeza de que de certa forma resolveríamos aquilo. Mas...

- E vocês conversaram depois disso?

 

 

 

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               Três dias haviam se passado desde que Fernando voltou para a cidade. Letícia ainda estava desanimada e arrependida por não ter se despedido. Seu humor não era mais o mesmo, e a vontade de sair e encontrar com seus amigos não existia. Em um dia péssimo como qualquer outro, a campainha tocou, e Letícia levantou-se da cama para atendê-la, sem animo algum. Quando abriu a porta, Márcia e Carolina a olharam, e tiveram a mesma reação que Lety teve quando se olhou no espelho.

- Meu Deus, você está péssima! – Márcia exclamou e Carolina a cutucou.

- Eu sei... – Lety respondeu lhes dando as costas.

               As duas entraram no apartamento e olharam em volta. Letícia também parecia ter perdido o animo da limpeza.

- Otávio está preocupado com você. – Carolina comentou enquanto Márcia passava o dedo sobre os móveis. – Nós dissemos que você está passando por um momento ruim, mas já faz três dias, Lety. Você não pode abandonar o trabalho assim.

- Eu sei. Eu vou voltar amanhã, eu prometo. – Ela respondeu sentando-se pesadamente no sofá.

- Você tem sorte que Otávio gosta muito de você. – Márcia a olhou. – Do contrário já teria sido demitida.

- Isso não seria a pior coisa que aconteceu comigo.

- Ah, amiga... – Carolina sentou-se ao lado dela. – Eu sei que é ruim, mas você não pode se entregar à tristeza assim.

- Você já experimentou ligar para ele? – Márcia perguntou.

- Não. Não quero ter que incomodar ou correr atrás depois de tudo.

- E por que não? Você está sofrendo!

- Mas as coisas não funcionam assim, Márcia. Querendo ou não, ele mentiu para mim. Ele deveria ter o mínimo de compaixão e pedir ao menos desculpas.

               As duas ficaram em silencio.

- Há quanto tempo não se falam? – Carolina perguntou e Márcia abriu o notebook de Lety.

- Desde quando ele foi embora.

- Não se falaram desde a briga?

- Não.

- Estranho... Eu pensei que Fernando fosse procurá-la depois disso. – Carolina comentou.

- E procurou. – Márcia respondeu e as duas a olharam assustadas. – Ele acabou de te mandar um email.

               Letícia pulou do sofá assim como Carolina, e as duas correram até a mesa onde estava o notebook. As três se espremeram uma ao lado da outra para conseguir ler o que estava escrito. O coração de Letícia estava disparado, e por pouco ela não conseguia abrir o email por causa das mãos tremulas. As três se aproximaram da tela pra conseguir ler melhor, e Letícia praticamente devorou as palavras.

 

Querida Lety,

 

Sei que provavelmente ainda está brava e que a ultima coisa que quer no momento é falar comigo. Mas, eu te devo desculpas. Desculpa por não ter contado sobre a Marianne, e desculpe por todo o resto. Não era assim que eu queria que a minha visita à cidade terminasse, principalmente depois de ter me divertido tanto nesses dois dias, como não me divertia há muito tempo. Estar ao seu lado me fez bem, e como eu já te disse, eu sempre sentirei falta de tê-la ao meu lado. Espero que mesmo depois de tudo o que aconteceu, você não me odeie para sempre. Durante a volta para casa eu pensei muito no que aconteceu, e acho que você tem razão. Nós não daríamos certo como um casal, e tudo isso foi uma grande loucura. Se assim preferir, podemos fingir que nada aconteceu, e continuaremos amigos como sempre fomos. Mais uma vez, peço desculpas, e aguardo ansiosamente sua resposta.

 

Com carinho,

Fernando.

 

 

Ao terminar de ler o email, Lety não sabia se sentia-se aliviada ou decepcionada. Não esperava que Fernando fosse querer “esquecer” o que aconteceu e principalmente não esperava que ele concordasse com o que ela disse na hora da raiva.

- Viu só? – Carolina a olhou. – Pelo menos ele está disposto a continuar a amizade.

- Isso é ridículo! – Márcia exclamou. – Depois de tudo o que ele falou para ela, como ele quer que continue a “amizade”?

- Mas foi a Lety quem disse que eles não dariam certo. Ele só está buscando uma forma de consertar as coisas.

- Consertasse explicando melhor sobre essa tal namoradinha dele.

- Meninas, eu realmente preciso pensar um pouco. – Lety falou fechando o notebook.

- É claro... – Carolina sorriu. – Nós nos vemos amanhã, não é?

- Sim. Digam ao Otávio que eu vou voltar ao trabalho sem problemas amanhã.

- Ótimo.

- Se precisar de alguma coisa, nos ligue. – Disse Márcia.

- Obrigada.

               Lety acompanhou as duas até a porta, e quando enfim entraram no elevador, Letícia pôde pensar com calma. Por mais que estivesse “feliz” por Fernando se importar com ela, o fato dele querer esquecer tudo o que aconteceu a incomodava. Imediatamente ela sentou-se diante do notebook e o abriu novamente, digitando uma resposta para o email.

 

Caro Fernando,

 

Antes de mais nada, quero esclarecer que não estou com raiva de você. Apenas magoada por você não ter me contado a verdade quando teve tempo. Quanto à nós, concordo plenamente que devemos esquecer o que aconteceu e seguir em frente. Como você disse, podemos fingir que nada aconteceu. Espero que tenha feito uma boa viagem...

 

Um beijo,

Lety.

 

               Não era bem a resposta que ela queria enviar, mas a ultima coisa que Letícia queria era piorar a situação, e continuar batendo na mesma tecla seria a pior das escolhas. Fernando já havia deixado claro que estava disposto a esquecer o que aconteceu, e só lhe cabia aceitar isso. Mesmo que fosse totalmente impossível para ela.

 

 

 

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- E você enviou essa resposta? – Antonio me perguntou.

- Sim.

- Mesmo que não fosse nada do que você queria realmente dizer?

- O que eu poderia ter escrito?

- Talvez “Oi, Fernando. Sim, eu estou brava com você porque você não me contou que tinha uma namorada e praticamente disse que me amava e que queria ficar comigo. Espero que você resolva essa situação o mais rápido possível, porque não podemos simplesmente fingir que nada aconteceu. Com amor, Lety.”

- Eu não ia dizer isso para ele, Antonio.

- E você perdeu uma grande oportunidade. – Ele tomou um gole da sua cerveja. – E depois? Vocês continuaram conversando?

- Ligação eu não recebi mais nenhuma desde que ele foi embora, e os emails foram diminuindo, até chegar um momento que paramos de conversar.

- E por que isso?

- Eu não sei. Depois desse email ele me mandou mais alguns, mas apenas falando sobre o trabalho e reclamando que estava sem tempo. Comecei a notar que ele demorava muito para responde-los, e sempre tinha a desculpa de “eu estava ocupado com o trabalho e não tive tempo de responder”. Comecei a ficar irritada com essas desculpas e por fim não corri mais atrás. E quando parei de fazer isso, ele não entrou mais em contato.

- Nem um email?

- Nenhum.

- Esse homem é louco!

- Eu gostaria de entender, já que ele preferiu esquecer o que aconteceu para que nossa amizade continuasse igual, por que ele ficou tão frio e se distanciou tanto?

- Bom... Pelo visto ele também não soube entender os próprios sentimentos. Infelizmente é isso que causa o fim da amizade entre um casal.

- Mas não chegamos a ser um casal.

- Por falta de oportunidade.

               Não respondi.

- Você não tem vontade de correr atrás de novo? Ligar? Mandar um email?

- Não. Sinceramente, não tenho animo de fazer mais nada. Fernando não é mais o mesmo comigo, e acho que isso pioraria a situação.

- E os pais dele?

- O que é que tem?

- Você não conversa com eles?

- Não com freqüência. Algumas vezes a mãe dele me ligava, mas não conversávamos muito. E também já faz um tempo que não nos falamos. Acho que até ela percebeu que não somos mais amigos como antes.

               Antonio não respondeu, pela primeira vez.

- Nesses últimos tempos eu estou tendo notícias dele através do Omar, mas eles também não se falam com muita freqüência. Fernando se distanciou de todo mundo.

- Isso é muito estranho.

- É...

- E se você aparecesse lá de surpresa?

- O que?

- Faça uma surpresa para ele! Faça uma visita. Imagino que saiba onde ele mora, não é?

- Ele já comentou uma vez, mas não. Definitivamente não farei isso, Antonio. Existe um limite para tudo isso.

- Você precisa se arriscar um pouco mais, Lety.

- Eu me arriscaria se soubesse que conseguiria algo.

- Não tem como saber se não arriscar.

               Eu não respondi. Antonio estava começando a dizer loucuras, e eu não sabia se era pelo fato dele estar flertando com o barman apenas com o olhar ou se a cerveja já tinha subido. Mas, também não precisamos insistir naquele assunto porque logo Márcia e Carolina chegaram. Eu estava realmente me sentindo melhor depois de desabafar, mas uma parte de mim reviveu tudo aquilo, e toda a tristeza que tive com o afastamento de Fernando. Por mais que eu tentasse me entreter nos assuntos, me animar com as bebidas e até mesmo com as musicas que estavam incrivelmente agradáveis naquele dia, eu não conseguia parar de pensar em tudo o que aconteceu.

               Em certo momento comecei a me sentir mal por estar ali, e tudo o que mais desejei foi estar em minha casa para tentar ter uma boa noite de sono. Quando disse à todos que eu estava indo embora, Márcia e Carolina insistiram para que eu ficasse, alegando que ainda estava muito cedo. De fato estava, mas eu não conseguiria ficar mais um minuto sequer ali. Antonio me entendeu, e concordou que eu precisava de um descanso. Depois disso, as duas pareceram me entender e aceitaram que eu fosse para casa. Me despedi dos três e mais uma vez agradeci pelos esforços. Prometi que estaria melhor no dia seguinte, e de fato queria estar.

               Peguei um táxi de volta para casa e quando cheguei, a primeira coisa que fiz foi tirar os sapatos e me jogar no sofá. Eu não havia bebido muito, mas me sentia um pouco zonza. Ao menos eu conseguiria dormir melhor dessa maneira. Eu estava realmente disposta a ser a Letícia de antes, que esbanjava animação e bom humor por onde passava. Mas, eu sabia que a única pessoa que poderia fazer essa Letícia voltar seria Fernando. Aproveitando que eu poderia culpar a bebida pelos meus atos, me sentei ao chão de frente à estante e peguei um álbum de fotos que havia ali. Todas as fotos que tiramos na época da faculdade estavam naquele álbum, e eu sempre me sentia melhor ao olhar aquelas fotos.

               As lembranças que eu tinha de cada um daqueles dias me fazia pensar que a faculdade foi a melhor época da minha vida, e que eu daria tudo para conseguir voltar no tempo. Fotos de Márcia, Carolina e eu. Fotos de Omar e Fernando. Fotos de toda a turma reunida nas festas. E por fim, fotos onde Fernando e eu estávamos sozinhos, e essas estavam em maior numero. Fotos em festas, fotos na casa dos amigos, e principalmente, fotos em que eu mesma estava com a câmera. Fernando não era fã de fotos, mas eu sempre conseguia convencê-lo a tirarmos apenas três fotos a cada vez que nos encontrávamos, e por isso tínhamos tantas fotos de recordação. Fotos sorrindo, fazendo careta, e até mesmo fotos em que estávamos espontâneos, e essas eram as minhas favoritas. Havia uma em especial que eu sempre sorria quando a olhava, e a admirava por longos minutos. Uma foto tirada por Carolina em que Fernando e eu estamos sentados à mesa sozinhos. Por algum motivo eu estava com a cabeça deitada sobre o meu braço, olhando para Fernando. Ele estava com uma das mãos em meu rosto, e também me olhava, sorrindo.

               Como era de se esperar, me peguei sorrindo olhando a foto. Com cuidado eu a tirei do álbum e voltei a me sentar no sofá, ainda admirando-a. Aquela foto merecia um porta retrato especial, ou até mesmo uma moldura para ser pendurada à parede. Mas, por que eu faria isso? Qual seria a finalidade de ter uma foto com Fernando em minha parede, sendo que nem estávamos conversando mais? De repente olhar para aquela foto me trouxe uma sensação ruim, e novamente a tristeza me dominou. Eu precisava realmente dormir, e aproveitando o retorno do desanimo, me levantei na intenção de ir para o meu quarto. Mas, por algum motivo olhei para a correspondência que eu havia pegado mais cedo, e resolvi dar uma olhada.

- Contas... Contas... Contas... Propaganda de cartão de credito. – Bufei enquanto olhava as cartas.

               Mas, entre tantas contas e coisas inúteis, algo me chamou a atenção. Um envelope em branco, um pouco maior do que os outros. Procurei saber quem o enviou, mas não havia outro nome a não ser o meu, na parte detrás. Curiosa, rasguei o envelope e tirei o conteúdo que havia dentro dele. Logo de cara percebi que se tratava de um convite de casamento, e por um instante tentei me lembrar de algum conhecido que iria se casar. Ninguém veio em minha mente, e para matar a curiosidade, abri o convite com cuidado. A primeira coisa que vi foram nos nomes que estavam à frente, e foi justamente nesse momento que senti minhas pernas bambearem e meu coração disparar. Arregalei os olhos e aproximei o convite do meu rosto, me certificando de que não estava bêbada o suficiente para imaginar coisas. Mas, pelo visto eu não estava imaginando, e aquilo era realmente verdade.

 

“Fernando e Marianne

juntamente com nossas pais e familiares convidamos para o nosso casamento...”

 

               Não quis ler o restante. Não tive coragem de continuar lendo aquilo. Parecia um pesadelo, e eu desejei profundamente que estivesse desmaiado no sofá e isso realmente fosse um sonho ruim. Mas, quando ouvi o meu celular tocar em cima da mesa tirando a minha atenção do convite, percebi que eu estava mais acordada do que nunca. Joguei o convite sobre a mesa e me apressei em atender à ligação, sem ao menos olhar quem era.

- Alo?

               Fez-se silencio por um instante, até a pessoa do outro lado da linha responder.

- Oi, Lety. Sou eu.

               Meu coração disparou imediatamente. Era Fernando.

- Fernando?

- Sei que está tarde... Você estava dormindo?

- Não. – Respondi ainda em choque.

- Ah... Que bom. Eu estou ligando para saber se você recebeu o convite.

               Então era mesmo verdade. Aquela droga de convite de casamento era mesmo real. Eu não conseguia acreditar, por mais que tudo indicasse o contrário. Não conseguia imaginar Fernando, o meu Fernando, meu melhor amigo, se casando. Com alguém que eu nem ao menos conhecia. Com alguém que... Não era eu. Um pensamento mesquinho e egoísta, já que a idéia de nos casarmos jamais passou pela minha cabeça. Mas, naquele momento, qualquer coisa parecia melhor do que acreditar que ele iria se casar.

- Sim... Eu recebi. – Respondi com a voz embargada, tentando não parecer tão desanimada e decepcionada. – Acabei de vê-lo.

               Fernando ficou em silencio por um tempo.

- E então... O que achou?

- Eu não sabia que deveria achar alguma coisa. – A frase saiu mais grosseira do que eu pensei.

- Eu sei. Eu deveria ter te contado antes...

- Não é essa a questão.

- Eu sei que temos muito o que conversar, mas eu... Realmente gostaria que você viesse.

               Não pude evitar em soltar uma risada sarcástica.

- Você está falando sério?

- Sim, muito sério.

- Fernando... Isso não vai acontecer.

- Eu sei que não nos falamos há algum tempo...

               “Algum tempo” é bondade sua.

- E sei que nos afastamos, mas é muito importante para mim que você esteja aqui por que... Eu quero que você seja a minha madrinha.

               Aquilo só poderia ser brincadeira. Uma brincadeira de muito mau gosto. Como Fernando tinha coragem de me pedir algo do tipo?

- Fernando, eu estou juntando todas as minhas forças para não ser grossa com você. Então vou resumir tudo o que eu estou morrendo de vontade de te dizer em apenas uma palavra: Não.

               O ouvi suspirar.

- Eu sei que te devo mil desculpas ainda. Sei que devo desculpas por várias coisas, aliás. Mas acredite ou não, sua amizade ainda é muito importante para mim, e nada me faria mais feliz do que ter você ao meu lado nesse momento.

               Egoísta! É isso o que você é! Um egoísta!

- Você é a única pessoa que eu faço questão que esteja aqui comigo, e... Eu... Realmente estou ficando louco com tantas coisas. Eu preciso de você, Lety.

               Por mais furiosa que eu estivesse, eu não conseguiria resistir àquilo. Fernando estava claramente tenso, e eu jamais o vi daquela maneira. Temi que se mais uma vez eu negasse o seu pedido, aquela fosse realmente a ultima vez que nos falávamos. Eu não queria ter que passar mais um ano sofrendo por isso, e principalmente não queria me sentir culpada pelo que não fiz. Eu não era assim.

- Ainda está aí?

- Sim. – Respondi escorando-me à mesa. – Eu posso te dar uma resposta depois? Ainda preciso pensar com clareza e digerir toda essa história de casamento.

- É claro. Isso é melhor do que nada. Eu aceito.

- Tudo bem.

- Mas quero que saiba que eu já comprei a sua passagem, e ela está reservada para daqui a dois dias.

- O QUE? – Perguntei perplexa. – Você enlouqueceu? Eu não posso largar tudo e viajar. Eu tenho um emprego, Fernando!

- Eu sei, mas também sei que seu chefe é flexível e que você está fazendo hora extra nesses últimos meses. Pelo que me disseram, você tem uma semana de folga por isso.

- Quem é que te falou isso?

- Não importa. Só... Pense com carinho. Vou esperar sua resposta.

               Suspirei impaciente.

- Certo. Eu... Te ligo assim que tiver tomado uma decisão.

- Tudo bem. Foi bom falar com você, Lety...

               Apertei o celular com tanta força que me espantei que ele não estourou em minha própria mão.

- Digo o mesmo. – Respondi com frieza.

- Até logo.

- Até.

               Fernando desligou o telefone e eu joguei o meu celular sobre a mesa, furiosa. Precisava desabafar aquela raiva de alguma maneira, mas como? Eu não tinha certeza se estava realmente com raiva, magoada, decepcionada ou surpresa. Era muita coisa para uma só noite, e eu sentia que iria explodir à qualquer momento. Eu precisava de um conselho, e rapidamente peguei o celular, procurando pelo nome de Márcia nos contatos recentes. Torci para que ela não estivesse no bar ainda, do contrário eu teria que esperar até o dia seguinte para tomar essa decisão, e eu obviamente não conseguiria dormir.

- Alo?

- MÁRCIA!

- Ei! O que foi? Aconteceu alguma coisa?

- Não. Quero dizer, sim!

- O que foi, Lety? Você não chegou em casa ainda?

- Já, não é isso. É que... Eu recebi um convite.

- Convite?

- Sim. De casamento.

- Quem te pediu em casamento?

- Não, Márcia! Não foi um convite para eu me casar com alguém. Recebi um convite para ir à um casamento.

- Ah! – Ela riu. – Isso é bom, não é? Você esta precisando sair mais. Inclusive, perdeu o fim da noite. Carolina ficou com um cara lindo e...

- O convite é do Fernando!         

               Márcia ficou em silencio.

- Do Fernando?

- Sim!

- Fernando vai se casar?

- Sim... – Foi ainda mais difícil admitir isso.

- Com quem?

- Adivinha...

- Ah não! Não! Ele vai se casar com a tal Marianne?

- Sim! – Respondi desesperada. – E o pior de tudo é que ele quer que eu seja sua madrinha! Ele acabou de me ligar e disse que já comprou minha passagem para daqui a dois dias! DOIS DIAS, MÁRCIA!

- Calma... Vamos pensar com calma. Ele ligou para você pedindo para ser a madrinha dele?

- Isso.

- Mesmo depois de tudo?

- Exatamente! Ele quer fingir que nada aconteceu, mas... Isso é impossível!

- Mas, temos que admitir que ele ter te ligado apenas para fazer esse convite foi uma demonstração de que isso é realmente importante para ele.

- Ele pareceu um pouco transtornado, eu não sei... Foi por isso que disse que iria pensar. Eu não consegui negar mais uma vez, porque ele parece realmente precisar de mim.

- Então aceite!

- Mas eu não posso simplesmente aceitar! Não depois de tudo. Eu... Não sei como vou reagir...

- Você só vai saber se tentar, Lety. Além do mais, é uma ótima oportunidade para dizer para ele o que sente, e impedir esse casamento.

- Márcia, você enlouqueceu? Não vou fazer isso!

- E por que não? Vai deixar ele se casar?

               Não respondi.

- Você precisa ir e arrumar uma oportunidade de falar tudo o que sente. Que sofreu por ele durante um ano inteiro e que não suportava mais ficar longe dele. E que o ama!

- Não exagere, Márcia!

- É claro que você ama! Ou então não teria entrado nessa depressão profunda.

- Eu não posso dizer que o amo sem ter certeza disso.

- Você não precisa dizer que ama, então. Mas ao menos precisa ser sincera sobre o que sente.

               Caminhei pela sala, pensativa.

- Eu não sei... Não sei se vai ser uma boa idéia.

- Lety, esse é o meu conselho. A decisão é sua, mas... Pense bem para não arrepender depois. Dessa vez pode não ter volta.

               Parei de andar e encarei o convite sobre a mesa.

- Agora preciso desligar, o taxi chegou e eu ainda tenho que encontrar a Carolina e o Antonio. Nos falamos depois!

- Ok.

- Beijo!

- Outro.

               Márcia tinha toda a razão. Se eu não aceitasse o pedido de Fernando, poderia me arrepender pelo resto da vida. Encarei o meu celular por alguns minutos e enfim procurei pelo numero de Fernando. A decisão já tinha sido tomada.  



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