Com os cabelos ainda molhados do banho da manhã, HanBin entrou na cozinha e sentou-se no banquinho que SoRi havia feito questão de lhe emprestar. Enquanto comia cereais com banana, também mandados por ela, depois que vira que seus armários se encontravam vazios, começou a ler distraidamente o que estava escrito na caixa de cereais. Segundo ela, até mesmo um ignorante em questões de cozinha, aparentemente ele próprio, seria capaz de preparar uma tigela de cereais com banana. HanBin havia decidido não tomar aquilo como ofensa, mesmo não se considerando tão ignorante assim em matéria de cozinha. Afinal, havia conseguido preparar uma salada na noite anterior, não havia? Tudo bem que SoRi fizera maravilhas com aqueles legumes e os pedaços de frango, mas isso era um mero detalhe. De fato, ela cozinhava muito bem. Do jeito que as coisas estavam indo, ele acabaria deixando de lado os sanduíches rápidos que estava acostumado a preparar para si mesmo. Pensativo, olhou na direção da sala e franziu o cenho ao avistar o esquisito sapo de bronze segurando uma lâmpada de néon de formato triangular. Ainda não estava muito certo de como SoRi o convencera a comprar aquilo, e nem de como ela o levara a pagar à sra. Gong uma boa quantia por uma cadeira reclinável de segunda mão, da qual a mulher estava querendo se livrar. E com razão. Afinal, quem diabos iria querer ter na sala de casa uma cadeira reclinável com detalhes em verde e roxo? No entanto, lá estava a cadeira em sua sala. Felizmente, apesar da horrível aparência, ela era bastante confortável. Mas quando se possuía uma cadeira e um abajur, claro que também precisava de uma mesa. A sua era um modelo Chippendale, e estava precisando desesperadamente de uma reforma. Mas, como SoRi salientara, por isso mesmo é que seu preço havia sido uma barganha.
Por acaso, ela tinha um amigo que restaurava móveis por hobby, e que poderia resolver aquele problema.Também por acaso, tinha uma amiga que era florista, o que explicava a presença daquele vaso com belas margaridas sobre o balcão da cozinha. Um outro amigo, pelo visto ela tinha uma legião deles, pintava cenas das ruas de HongDae e as vendia em uma calçada. Não seria interessante colorir um pouso as paredes do apartamento com algo assim? Sugerira SoRi. Ele respondera que não queria colorir nada, mas, mesmo assim, lá estavam três aquarelas originais "colorindo" sua sala. E ela já havia começado a falar em tapetes. Não entendia direito como ela conseguia aquilo, pensou, voltando a se concentrar no desjejum. Simplesmente, ficava falando sem parar, até convencê-lo a tirar a carteira do bolso e comprar alguma quinquilharia. Mas ambos estavam conseguindo se manter em seus próprios espaços. Se bem que no sábado ela havia "invadido" seu apartamento com baldes, esfregões, vassouras e só Deus sabia mais o quê. Se ele ia mesmo morar ali, dissera ela, o lugar deveria ao menos ser limpo. Por isso, ele terminara passando três horas de uma tarde chuvosa limpando o chão e as janelas, quando deveria estar escrevendo. Naquele dia, SoRi quase fora parar em sua cama. Por muito pouco, ele não a deitara na cama e a seduzira, quando ela ficara boquiaberta com o estado em que se encontrava o quarto. SoRi era desejável até mesmo quando ficava brava. Ao ver toda aquela bagunça, ela começara a lhe dar um verdadeiro sermão a respeito de como ele deveria zelar mais por seu local de trabalho que, pelo visto, também era o lugar onde ele dormia. Por que diabos mantinha as cortinas fechadas daquela maneira? Por acaso gostava de cavernas? Tinha alguma objeção religiosa quanto a ajeitar lençóis de cama? Em meio ao discurso inflamado de SoRi, ele a abraçara de surpresa e a fizera se calar com o mais prazeroso dos métodos. E se, a caminho da cama, eles não houvessem tropeçado em uma verdadeira montanha de roupas usadas, duvidava que eles houvessem terminado a tarde indo à lavanderia. Apesar das inconveniências, a atitude de SoRi tinha lá suas vantagens, admitiu ele. Gostava de se ver em um lugar limpo e arejado, embora quase nunca notasse quando este se tornava bagunçado. Gostava de se deitar em uma cama forrada com lençóis limpos e perfumados, embora a idéia lhe parecesse ainda melhor diante da possibilidade de compartilhá-la com SoRi. Além disso, era realmente difícil encontrar motivo para reclamar ao abrir os armários da cozinha e vê-los repletos de mantimentos. Tomou um gole de café, lembrando-se de que deveria perguntar a SoRi por que o seu sempre ficava com aquele sabor esquisito, como se faltasse alguma coisa.
Então pegou o jornal, e foi direto à seção de tiras cômicas, para ver o que ela havia feito dessa vez. Leu por alto, franziu o cenho, então recomeçou a ler a tira com mais atenção.
-x-
SoRi já estava trabalhando. Deixara a janela do estúdio aberta, já que, aparentemente, a primavera havia decidido deixar a cidade com uma temperatura mais amena. Uma brisa deliciosa estava entrando no ambiente, juntamente com o inevitável ruído vindo da rua. Depois de desenhar as medidas dos quadrinhos no papel, deixou a régua de lado, passando a se concentrar no que iria desenhar no primeiro deles. Inclinando ligeiramente a cabeça, olhou para o quadrinho com ar pensativo. Ele tinha o dobro do tamanho daquele que iria aparecer no jornal, dali a alguns dias. Já tinha mais ou menos em mente o que iria desenhar. O cenário, a situação e o tema que iriam preencher aqueles cinco quadrinhos e dar ao leitor do jornal a oportunidade de rir um pouco durante o desjejum. O esquivo sr. Misterioso, agora conhecido como Kim, encontrava-se em sua caverna, escrevendo um grande roteiro para o teatro. Com seu jeito irresistivelmente másculo e sexy, se encontrava tão concentrado em seu próprio mundo que estava alheio ao fato de HaYi se encontrar escondida na saída de incêndio, utilizando um binóculo para tentar ler o que ele estava escrevendo. Aos poucos, começou a esboçar os primeiros traços de sua interpretação profissional de HanBin. Por uma questão de estilo, tinha de exagerar certos detalhes na aparência e nas atitudes dele. O porte alto, o corpo atlético, o rosto atraente e o olhar penetrante, tudo servia de base para seu trabalho. O lado bem-humorado das tiras vinha quase sempre do detalhe de ele não saber o que fazer com as coisas que HaYi "aprontava". Quando a campainha tocou, SoRi pôs o lápis atrás da orelha, em um gesto automático, imaginando que YuRa se esquecera de pegar a chave.
Ao se levantar, tomou um último gole de café, antes de se encaminhar para o andar de baixo.- Já estou indo - falou, ao se aproximar da porta.
Ao abri-la, sentiu o coração acelerar e teve de se esforçar para conter um suspiro. HanBin estava com os cabelos úmidos do banho e sem camisa. "Ah, meu Deus, veja só esse peito...", pensou ela, mal resistindo ao impulso de passar a língua pelos lábios. Ele estava trajando um jeans desbotado e se encontrava descalço. O rosto... Ah, aquela seriedade sempre a encantava, embora parecesse intimidadora.- Oi - cumprimentou-o, com um sorriso.- Ficou sem sabonete para o banho? Quer um emprestado?
- O quê? - HanBin franziu o cenho. - Não, não é isso. - Ele se esquecera de que estava apenas parcialmente vestido.- Quero lhe fazer algumas perguntas a respeito disso - declarou, mostrando o jornal.
- Claro. Entre. - Seria mais seguro, pensou SoRi. YuRa chegaria a qualquer momento, e pelo menos a impediria de "atacar" HanBin, em algum momento de fraqueza. - Por que não se serve de uma xícara de café e sobe até meu estúdio? Estou trabalhando e o andamento dos quadrinhos está indo muito bem.
- Não quero atrapalhar, mas...
- Não vai atrapalhar - falou ela, por sobre o ombro, já começando a subir a escada.- Há canela em pau em um potinho ao lado da cafeteira, se quiser pôr um em seu café.
- Eu...- "Oh, droga", pensou HanBin, indo se servir do café e decidindo pôr um pedacinho de canela na xícara.
Nunca havia subido aquela escada antes, pois nunca fora até ali enquanto SoRi estava trabalhando. Ao passar pela porta do quarto dela, rendeu-se à curiosidade de parar um instante e olhar para a grande cama forrada com um lençol cor de marfim e cheia de almofadas brancas. Abaixo dos ferros trabalhados da cabeceira foi onde ele se imaginou segurando as mãos dela, enquanto finalmente fazia tudo que desejava fazer com ela. O perfume feminino que vinha do quarto o fez respirar mais fundo. Um perfume adocicado e sedutor, próprio de ambientes femininos. Ela mantinha pétalas de rosas secas em uma tigela transparente, um livro sobre a mesinha-de-cabeceira e algumas violetas no peitoril da janela.
- Encontrou tudo?
HanBin se sobressaltou.- S-sim. Ouça, SoRi... - Ele entrou no estúdio. - Meu Deus, como consegue trabalhar com todo esse barulho?
Ela mal levantou a vista do papel.- Que barulho? Ah, esse. - Pegou outro lápis e continuou desenhando, como que esquecida daquele que se encontrava atrás de sua orelha. - Gosto de ouvir música enquanto trabalho, mas passo a maior parte do tempo sem ouvir nada.
O aposento tinha uma aparência eficiente e criativa, com suas diversas prateleiras repletas de instrumentos para desenho e pintura. HanBin reconheceu uma aquarela do amigo de SoRi pendurada em uma das paredes, e a elegância estilística da mãe dela em dois outros trabalhos pendurados na parede oposta. Em um dos cantos, via-se uma escultura de metal de formato complexo, algumas violetas no peitoril da janela e um confortável divã cheio de almofadas próximo a ela. O modo como SoRi ocupava a sala, porém, não transmitia um aspecto de eficiência. Sentada à mesa de desenho, com as pernas cruzadas sob o corpo, exibindo parte dos pés com as unhas pintadas de rosa claro, o lápis atrás de uma orelha e duas argolas de tamanhos diferentes na outra, ela era a própria imagem do inusitado. Perigosamente sexy, pensou HanBin.
Curioso, aproximou-se por trás de SoRi e espiou o que ela estava fazendo. Uma atitude que o deixaria furioso se fosse ele quem estivesse trabalhando.- Por acaso, este sou eu?
- Hum... Por que não se senta? Está bloqueando a luz.
- O que ela está fazendo ali? - Ignorando a sugestão, ele apontou o segundo quadrinho. - Está me espionando? Você está me espionando?
- Não diga tolices. Nem há uma saída de incêndio em seu quarto.- Ela olhou para o espelho e fez várias expressões faciais, antes de recomeçar a desenhar.
- E quanto a isso? - perguntou HanBin, mostrando o jornal a ela.
- Isso o quê? Puxa, seu perfume é maravilhoso - disse SoRi voltando-se para ele e inalando seu perfume. - Que sabonete é esse?
- Vai pôr esse sujeito tomando banho nos próximos quadrinhos? - Quando SoRi apertou os lábios, como que considerando a questão, HanBin balançou a cabeça negativamente. - Nem pensar. Achei até divertido quando você começou essa paródia a meu respeito, mas...- Ele se interrompeu ao ouvir a porta da sala se abrir e fechar, no andar de baixo.- Quem é? - perguntou a SoRi.
- Provavelmente YuRa. Então se reconheceu nos quadrinhos? - SoRi parou de desenhar e olhou para ele, com um sorriso. - Algumas pessoas nem se reconhecem neles, sabia? Talvez por não terem autoconsciência suficiente. Mas tive a impressão de que você se reconheceria assim que visse os desenhos. Oi YuRa! Oh, você trouxe o YoungNam! Oi bebê!
- O-oi - balbuciou YuRa.- Deparar-se com um belo homem com o peito nu não era uma questão fácil para nenhuma mulher.- Hum, oi - repetiu ela. - Estamos atrapalhando alguma coisa?
- Não. HanBin veio apenas me fazer algumas perguntas a respeito dos quadrinhos.
- Oh, adorei esse novo personagem - afirmou YuRa - Ele deixou HaYi maluquinha! Mal posso esperar para ver o que vai acontecer em seguida.- Ela começou a rir quando YoungNam soltou um sonoro "Pa!" e estendeu os bracinhos na direção de HanBin.- Ele chama todo homem de "Pa". Meu cunhado não gosta muito quando o vê fazer isso, mas YoungNam nem se importa com as reprimendas do pai. Já está demonstrando que vai ter personalidade forte - acrescentou ela, com um sorriso de tia orgulhosa.
- Entendi. - Distraidamente, HanBin passou a mão pelos cabelos do bebê. - Vim apenas esclarecer algumas coisas a respeito do que está acontecendo nos quadrinhos - explicou ele, voltando-se tando-se novamente para SoRi.
- Pa! - YoungNam repetiu, estendendo os bracinhos mais uma vez para HanBin, com um sorriso sonolento.
- Quão próximo da realidade é o seu trabalho? - indagou HanBin, pegando o bebê no colo, em um gesto automático.
SoRi se comoveu com a cena.- Você gosta de crianças.
- Não. Costumo jogá-las pela janela do terceiro andar sempre que tenho uma chance. - respondeu ele, com impaciência. Então começou a rir quando YuRa lhe lançou um olhar apavorado. - Relaxe, ele está seguro. Meu interesse é saber o que significa isso aqui - acrescentou, apontando o jornal e ajeitando YoungNam no colo.
- Oh, o detalhe da "escala" - respondeu SoRi. - Bem, essa é realmente a primeira parte. As duas conversarão sobre a segunda parte amanhã. Acho que vai ficar bom.
- Eu e minha irmã caímos na gargalhada quando lemos isso essa manhã - comentou YuRa, mais relaxada ao ver HanBin acariciando o bebê já adormecido em seus braços.
- Você desenhou essas duas mulheres...
- HaYi e Luna. - disse SoRi.
- Agora sei quem elas são - respondeu HanBin, estreitando o olhar para ela e Yura - Elas estão falando... Não - corrigiu-se. - Estão classificando a maneira como Kim beijou HaYi alguns dias antes! -bradou, indignado.
- Hum-hum - confirmou SoRi - Então sua irmã se divertiu? - perguntou ela à amiga. - Fico pensando se os homens também iriam entender ou se essa sequência seria mais compreendida apenas pelas mulheres.
- Oh, sim, ela morreu de rir.
- Com licença. - Com o que lhe restava de paciência, HanBin levantou a mão. - Eu só gostaria de saber se vocês duas ficam comentando seus encontros íntimos e classificando-os com notas de um a dez, antes de oferecer isso para o público americano se divertir durante o desjejum.
- Classificando? - SoRi arregalou os olhos para ele, com ar inocente. - Pelo amor de Deus, HanBin, isso é apenas uma tira cômica de jornal. Está levando esse assunto a sério demais.
- Então essa história de "não existir escala" é apenas uma piada?
- O que mais poderia ser?
Ele a observou por um instante.- Não quero correr o risco de, quando finalmente fizer amor com você, ter de passar depois pela situação desagradável de ver meu desempenho ser avaliado nas tiras cômicas do jornal pela manhã.
- Oh-oh. Oh, bem. - YuRa levou a mão ao peito, parecendo embaraçada. - Acho que vou levar YoungNam para tirar uma soneca no sofá lá de baixo.- Dizendo isso, tirou o bebê com cuidado dos braços de HanBin e se retirou em seguida.
- Francamente, HanBin - disse SoRi, rindo e tamborilando o lápis sobre a mesa. - Esse evento seria digno de ir parar no caderno especial do jornal de domingo.
- Isso é uma ameaça ou uma brincadeira? - Quando ela apenas riu, ele se aproximou perigosamente e beijou-a nos lábios. - Mande sua amiga embora e descobriremos logo, logo.
- Não. Não quero que ela vá embora. Foi pensando que ela poderia aparecer a qualquer momento que não o beijei assim que você chegou.
HanBin estreitou o olhar.- Está querendo me provocar?
- Não exatamente - respondeu ela, sentindo a pulsação acelerada. - Precisa ir agora. Depois de tanto tempo de trabalho, encontrei uma distração com a qual não consigo lidar, e essa distração é você.
Sem dar ouvidos ao pedido, HanBin se inclinou mais uma vez e beijou-a nos lábios.- Quando falar disso... - Ele capturou o lábio inferior de SoRi delicadamente entre os dentes e provocou-a com sensualidade. - Espero que sua descrição seja precisa.- Dizendo isso, dirigiu-se à porta e virou-se uma última vez para ela, fitando-a por sobre o ombro.- Sem escala? - perguntou ele, dando-se conta de que até gostara da brincadeira.
Ver seu beijo ser considerado em uma escala acima de dez não deixava de ser lisonjeador. Ao ver SoRi reagir apenas com um impotente gesto de mãos, começou a rir. E ainda estava rindo quando desceu a escada em direção à porta da sala.
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