Portanto, já eram quase duas horas da manhã quando ele e SoRi finalmente voltaram para casa. Continuava com aquele gosto horrível do café da delegacia na boca e com aquela dor de cabeça que começara quando o policial lhe fizera a primeira pergunta.
- Foi um bocado excitante, não foi? Todos aqueles policiais e marginais reunidos em um mesmo lugar... A certa altura, notei que a única diferença entre eles era o fato de os policiais estarem uniformizados, por que os rostos intimidadores pareciam todos os mesmos. Por que será que eles insistem em manter aquela expressão todo o tempo? Um sorrisinho não faria mal a ninguém. Foi muito gentil da parte deles me mostrar a delegacia. Você deveria ter nos acompanhado. As salas de interrogatório parecem exatamente como aquelas que vemos nos filmes: escuras e assustadoras.
HanBin tinha certeza de que ela era a única pessoa do mundo que se interessava em fazer excursões por delegacias.
- Estou elétrica - anunciou ela. - Você não está? Acho que não vou dormir tão cedo. Quer alguns biscoitos? Ainda tenho uma porção deles.
HanBin quase ignorou o convite enquanto tirava a chave do bolso, porém a sensação de vazio em seu estômago o fez lembrar-se que não havia comido nada nas últimas oito horas. E aqueles biscoitos eram um pequeno milagre.- Acho que vou aceitar.
- Ótimo! - festejou SoRi, abrindo a porta e tirando os sapatos, antes de se dirigir à cozinha. - Pode entrar - disse por sobre o ombro. – Vou colocá-los em um prato, para que possa comê-los no refúgio de sua casa, mas também não precisa ficar esperando no corredor.
HanBin entrou no apartamento, deixando a porta aberta atrás de si. Não ficou surpreso ao ver um ambiente decorado com cores alegres e com detalhes chamativos. Andou pela sala, mantendo as mãos nos bolsos, enquanto ouvia a voz de SoRi vinda da cozinha.- Você fala demais.
- Eu sei - respondeu ela, colocando os biscoitos no mesmo prato que emprestara antes para ele. - Principalmente quando estou nervosa ou elétrica.
- E alguma vez você já se sentiu de outra maneira?
- Sim, mas isso é raro.
HanBin viu uma série de porta-retratos sobre a estante, vários pares de brincos, um par de sapatos a um canto da sala, um romance sobre a mesinha de centro e sentiu um leve aroma de maçã pelo ar. Tudo aquilo combinava com ela. Continuou examinando os detalhes da sala até parar diante de uma tira de jornal emoldurada e presa à parede.- Vizinhos - leu o título impresso e observou a assinatura no canto direito inferior da tira. Lia-se apenas "SoRi". - Isto é seu? - perguntou, no momento em que ela entrava na sala.
SoRi olhou para o quadro.- Sim, é minha tira de jornal. Não acho que você seja do tipo que lê as tiras cômicas do jornal, ou estou enganada?
Sabendo muito bem reconhecer uma pergunta pessoal quando uma lhe era dirigida, HanBin olhou-a por sobre o ombro. Devia ser o sono, concluiu, que o estava levando a considerá-la tão atraente àquela hora da noite.
SoRi sorriu ao vê-lo pegar um biscoito.- Quer um pouco de leite?
- Não. Você tem cerveja?
- Com biscoitos de chocolate?- Ela fez um ar de quem considerara aquilo muito esquisito, mas mesmo assim foi até a geladeira.
HanBin teve a chance de ver que estava muito bem abastecida quando SoRi se inclinou para examinar seu conteúdo, que também lhe deu a chance de ver o bumbum dela. De fato, só se deu conta de que havia contido a respiração quando SoRi se virou para ele com uma garrafa de Cass Fresh.
- Esta serve? A YuRa gosta.
- Essa tal de YuRa tem bom gosto. Ela tem um namorado?
Enquanto pegava os copos para servi-lo, ela respondeu:- Não, ela não tem, se quiser te apresento, ela é do 2B - explicou ela. - Fui jantar com ela esta noite e com JungMin, o primo excessivamente insuportável de YuRa.
- Por isso estava resmungando quando voltou para casa?
- Eu estava resmungando? - SoRi franziu o cenho, então apoiou-se sobre o balcão e comeu outro biscoito. Resmungar era outro dos hábitos dos quais ela não conseguia se livrar.- É provável. Essa foi a terceira vez que YuRa arranjou um encontro entre mim e ele. Ele é corretor da bolsa. Vinte e sete anos, solteiro e bonito, se você for do tipo que aprecia tipos atléticos e másculos. Tem um BMW, um apartamento aqui por perto, uma casa de praia em Busan, só usa ternos Armani, aprecia a cozinha francesa e tem dentes perfeitos.
Divertindo-se com a maneira como SoRi estava descrevendo o sujeito, HanBin tomou um gole de cerveja e perguntou:- Então por que já não está casada com ele?
- Ah, você acabou de descrever o sonho de YuRa. E vou lhe dizer por que não quero isso para mim. - Ela comeu outro biscoito.- Primeiro, não quero me casar. Segundo, e mais importante, eu preferiria a morte a ter de me casar com JungMin.
- O que há de errado com o sujeito?
- Ele... Ele me cansa! - desabafou ela, com uma careta de desagrado.- Oh, droga, acho que fui indelicada, não?
- Por quê? Soou sincera para mim.
- Sim, estou sendo completamente sincera. - SoRi pegou outro biscoito e o comeu, sentindo-se apenas um pouquinho culpada.- Ele é uma boa pessoa, mas acho que não leu um livro ou foi ao cinema nos últimos cinco anos. Talvez tenha assistido a alguns filmes selecionados, mas não a um filme para se divertir, entende? Tudo que ele sabe fazer é criticar o cinema o tempo inteiro, ou melhor, durante os cinqüenta e nove minutos de cada hora em que não fica falando das aplicações da bolsa de valores.
- Eu nem conheço o sujeito e já me cansei dele.
O comentário fez SoRi rir e pegar outro biscoito.- Ele é conhecido por ter a mania de olhar o próprio reflexo na colher quando está sentado à mesa - continuou ela. - Para se certificar de que continua perfeitamente "irresistível". E como se não bastasse tudo isso, ele beija como um peixe.
HanBin arqueou uma sobrancelha.- Como é isso exatamente?
- Ah, você sabe... - SoRi fez um biquinho arredondado com os lábios e depois começou a rir. - É possível imaginar como os peixes beijam, mesmo que eles não façam isso. Mas se beijassem, seria como JungMin. Quase consegui escapar sem ter de passar pela experiência esta noite, mas YuRa, como sempre, deu um jeitinho de interferir.
- E não lhe ocorreu simplesmente dizer "não"?
- Claro que me ocorreu! Todo o tempo! - SoRi forçou um sorriso, exasperada. - Mas parece que nunca consigo me expressar no momento certo. YuRa me adora e, por razões que até a própria razão desconhece, ela também adora JungMin. Está convencida de que formamos um casal perfeito. E você sabe como é quando alguém que você estima começa a fazer esse tipo de pressão "para o seu bem".
- Não, não sei.
SoRi inclinou a cabeça. Então lembrou-se da sala vazia no apartamento dele. Nenhum móvel, nenhum membro da família...- A situação se torna muito inconveniente por que você corre o risco de magoar alguém, e isso não me agrada nem um pouco.
- Como está sua mão? - perguntou HanBin, ao vê-la massagear as juntas.
- Ainda está um pouco dolorida. Provavelmente terei dificuldade para trabalhar amanhã. Mas tentarei transformar a experiência em uma boa tira cômica.
- Não consigo imaginar HaYi tendo coragem de nocautear um bandido - disse HanBin.
- Ei, você lê minhas tiras! - exclamou SoRi, rindo com satisfação.
- Uma vez ou outra.- Ela era realmente encantadora, pensou HanBin, admirando aquele lindo sorriso e o brilho de divertimento nos olhos. De súbito, flagrou-se imaginando como seria provar o sabor daqueles lábios rosados. Era isso que acontecia quando um homem se dava a liberdade de ficar comendo biscoitos de chocolate no meio da noite na casa de uma linda mulher capaz de fazê-lo ver o mundo sob uma nova perspectiva. Uma perspectiva que, para ele, ainda oferecia riscos.- Não tem o tom irônico de seu pai nem o gênio artístico de sua mãe, mas tem um talento inusitado para o absurdo.
SoRi riu com indignação.- Ora, muitíssimo obrigada pela crítica construtiva.
- Não há de quê. - HanBin pegou o prato que ela havia separado para ele levar.- E obrigado pelos biscoitos.
SoRi estreitou o olhar enquanto ele se dirigia à porta. Bem, ele iria ver quanto talento ela tinha para o "absurdo" ao longo das próximas tiras.- Ei!
Ele parou e olhou para trás.- Ei, o quê?
- Você tem nome, apartamento 3B?
- Sim, eu tenho um nome, apartamento 3A. Kim.- Dizendo isso, levantou no ar a latinha de cerveja e o prato, em sinal de agradecimento, e saiu, fechando a porta atrás de si.
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