O sol já estava alto quando ele parou de trabalhar, depois que o súbito surto de energia criativa que se apoderara de sua mente finalmente se desvaneceu. Concluiu que aquele fora o primeiro trabalho mais consistente que ele conseguira realizar na última semana, e decidiu comemorar isso caindo sobre a cama com a mesma roupa com que estava vestido. Não demorou muito para começar a sonhar. Um belo rosto com expressivos olhos chocolate se apoderou da maioria das imagens que surgiram em meio a seu sonho. E juntamente com ele, uma voz insistente que parecia não parar mais de falar.
Por que tudo tem de ser tão sério?, ela perguntou, rindo ao deslizar a mão sobre o peito dele.
Porque a vida é um negócio sério. Mas esse é apenas um dos lados da moeda. E há muitas e muitas moedas em nossa vida.
Não vai dançar comigo?
Ele já estava dançando. Estavam no Kwon, e embora o clube estivesse vazio, havia música no ar. Uma música suave e sensual.
Não vou ficar de olho em você. Não conseguirei fazer isso.
Mas você já está.
HanBin apoiava o queixo no alto da cabeça dela. Quando ela inclinou a cabeça para trás e mordiscou-lhe o queixo com sensualidade, ele sentiu um arrepio pelo corpo.
Ficar de olho em mim não é tudo que você quer fazer comigo, não é?
Eu não quero você.
Ouviu-se uma risada leve como o ar.
Acha que adianta negar isso até mesmo em seus sonhos? Pode fazer o que quiser comigo em seus sonhos. Não fará diferença.
Eu não quero você, ele repetiu, já deitando-se com ela sobre o chão.
HanBin acordou ofegante e suando, enrolado entre os lençóis. Depois de alguns segundos, quando sua mente finalmente começou a clarear, não conteve o riso. SoRi era mesmo uma ameaça, concluiu. De fato, a única coisa que parecera mais sensata em seu sonho erótico fora o detalhe de ele repetir que não a queria.
Depois de passar as mãos pelo rosto, olhou para o relógio ainda em seu pulso. Já passava das quatro horas da tarde, e foi somente então que ele se deu conta de que aquela fora a primeira vez que ele conseguiria dormir por oito horas na última semana. Que culpa tinha ele, se seu relógio biológico andava meio maluco? Ao chegar à cozinha, notou que teria de descer e comprar algo para comer.
Tomou um banho e se barbeou pela primeira vez, depois de três ou quatro dias sem fazê-lo. Pensou em comer algo fora, para ter uma refeição decente. Quem sabe assim teria mais ânimo de enfrentar o horror de ter de fazer compras e ver todas aquelas pessoas armazenando carrinhos e mais carrinhos de comida no mercado.Já vestido e sentindo-se mais bem-disposto, abriu a porta. SoRi abaixou a mão que havia acabado de levantar para tocar a campainha.- Graças a Deus que você está em casa.
HanBin não conseguiu deixar de se lembrar do sonho que tivera havia poucas horas.- O que foi?
- Você precisa me fazer um favor.
- Não, não preciso não.
- Mas é uma emergência! - Ela o segurou pelos braços antes que ele pudesse se afastar. - É uma questão de vida ou morte! A minha vida e muito provavelmente a morte de DaeHo, sobrinho da sra. Gong. Sim, porque um de nós vai morrer se eu tiver de sair com ele! Foi por isso que eu disse a ela que já tinha um encontro esta noite.
- E você acha que eu tenho algo a ver com isso porque...
- Oh, não seja ranzinza justo agora, Kim. Não está vendo que sou uma mulher desesperada?! Ouça, ela não me deu tempo de pensar, e eu sou péssima com mentiras. Quero dizer, não minto com muita freqüência, por isso não consigo mentir direito. Ela ficou insistindo em perguntar com quem eu ia sair, e eu não consegui pensar em ninguém mais a não ser você.- SoRi continuou de pé bem diante dele, impedindo-o de sair.
HanBin respirou fundo, tentando se manter paciente.- Vamos deixar uma coisa bem clara, está bem? - disse a ela.- Isso não é problema meu.
- Não, eu sei que é meu. E com certeza teria inventado uma coisa melhor se ela não houvesse me pegado de surpresa, enquanto eu estava trabalhando e pensando em outra coisa.- desesperada, SoRi passou a mão pelos cabelos.- Ela vai ficar me vigiando, entende? Vai querer se certificar de que eu vou mesmo sair com alguém.
Dizendo isso, começou a andar de um lado para outro massageando as têmporas, como que para estimular os pensamentos. HanBin aproveitou o momento de distração de SoRi e começou a seguir em frente pelo corredor.
- Ouça, tudo que terá de fazer será me acompanhar para fora do prédio fingindo ser alguém que está interessado em mim - falou ela, atrás de HanBin.- Poderemos tomar um café, ou algo do gênero, e passar algumas horas fora antes de voltarmos. Sim, porque ela também vai saber se não voltarmos juntos. Aquela mulher sabe de tudo! Prometo que lhe pagarei 100,000 wons por isso.
Ouvir aquilo o fez parar de repente.- Quer me pagar para que eu saia com você?
- Não é bem assim, mas é quase - admitiu SoRi.- Sei que o dinheiro lhe será útil, e acho justo compensá-lo pelo tempo que você vai gastar. 100,000 wons, Kim, por algumas horas. Ah, e eu pagarei o café.
HanBin se encostou na parede e ficou observando-a. A idéia parecia tão absurda que chegava a ser cômica.- Nem um pedaço de torta? - perguntou a ela.
A risada de SoRi foi de puro alívio. - Torta? Você quer torta? Pois terá sua torta.
- Onde está ele? - indagou HanBin, olhando para o bolso dela.
- Ele? Ah... o dinheiro? Espere um pouco aqui.- SoRi entrou no apartamento e HanBin pôde ouvi-la andando de um lado para outro, abrindo e fechando gavetas e armários.- Deixe-me apenas me arrumar um pouco - disse ela, lá de dentro.
- O cronômetro está correndo, garota.
- Tudo bem, tudo bem. Onde diabos está minha... A-ha! Dois minutos, só dois minutos. Não quero que ela fique dizendo por aí que saio com rapazes sem nem mesmo passar batom.
HanBin teve de admitir: quando ela dizia dois minutos realmente eram dois minutos. Quando voltou, dois minutos depois, estava usando um par de sandálias de salto alto, batom cor-de-rosa e um par de brincos de argola. Segundo ele pôde notar, quando ela lhe entregou o dinheiro, os brincos continuavam não combinando. Devia ser uma questão de preferência mesmo, concluiu ele. Uma "inusitada preferência pelo absurdo".
- Ficarei muito agradecida por isso - disse SoRi.- Sei que a situação deve estar parecendo ridícula, mas é que não tenho coragem de magoá-la.
- Se os sentimentos da mulher valem 100,000 wons para você, tudo bem.- HanBin deu de ombros. - E melhor para mim - acrescentou, guardando o dinheiro no bolso de trás da calça. - Agora vamos. Estou faminto.
- Oh, quer jantar? Também posso lhe pagar um jantar. Há um restaurante ótimo no final da rua, onde eles servem massas deliciosas. Tudo bem, vamos começar o teatrinho agora - avisou ela, enquanto se encaminhavam para a saída do prédio. - Finja que não sabe que está sendo observado por ela. Aja naturalmente e segure minha mão, está bem?
- Por quê?
- Ah, pelo amor de Deus, Kim! - respondeu ela por entre os dentes, entrelaçando os dedos com firmeza entre os dele e sorrindo com ar sonhador. - Estamos saindo para um encontro, lembra-se? Nosso primeiro encontro. Faça um esforço e finja que está se divertindo.
- Mas você só me deu 100,000 wons.- A ironia fez SoRi dar uma gargalhada.
- Puxa, você é mesmo "durão", 3B. Vamos saborear uma refeição quente e ver se isso melhora seu humor.
De fato, melhorou e muito. Seria preciso ser um sujeito muito mais mal-humorado do que ele para conseguir resistir ao apelo de uma enorme travessa cheia de espaguete com almôndegas, aliada a companhia de SoRi.
- Maravilhoso, não é mesmo?! - falou ela, gostando de vê-lo saborear o prato com tanta empolgação. Provavelmente o coitado não tinha uma refeição decente havia semanas, pensou ela, lembrando-se do apartamento vazio. Talvez ele estivesse mesmo com dificuldades financeiras.- Sempre como demais quando venho aqui - confessou. - Eles servem uma porção suficiente para meia dúzia de adolescentes famintos, mas acho que é isso que dá um certo charme ao lugar. Toda essa fartura. Depois, termino sempre levando para casa. o que sobrou e comendo demais também no dia seguinte. Mas dessa vez poderá me salvar levando um pouco para sua casa - acrescentou ela, com um sorriso.
- Negócio fechado - respondeu HanBin, tocando a taça de Chianti na dela.
- Sabe de uma coisa? Aposto que há dezenas de clubes noturnos na cidade que se mostrariam mais do que interessados em contratá-lo.
- Hum?
- Para cantar seu rap.- SoRi sorriu novamente para ele, que não resistiu ao impulso de observar aqueles lábios polpudos e convidativos.- Você é muito bom no que faz - continuou ela. - Aposto que conseguirá arranjar um bom emprego logo, logo.
Divertindo-se com o comentário, HanBin levantou a taça novamente, sugerindo outro brinde. Então a srta. Han pensava que ele era um músico desempregado? Bem, melhor assim.- As oportunidades vêm e vão - foi tudo que HanBin falou.
- Você canta em festas particulares? - Subitamente animada, ela se inclinou sobre a mesa. - Conheço uma porção de pessoas, e há sempre alguém oferecendo uma festa.
- Imagino que isso seja mesmo muito comum no seu círculo social - ironizou HanBin.
- Posso divulgar seu nome, se quiser. Importa-se de viajar?
- E para onde eu iria?
- Alguns dos meus parentes são donos de hotéis - explicou SoRi. - Acho que você não tem carro, certo?
HanBin conteve a vontade de rir, lembrando-se de seu Porsche "novinho em folha" guardado em uma garagem da cidade.- Não aqui comigo - foi sua resposta.
SoRi sorriu, mordiscando um pedaço de pão.- Bem, de qualquer maneira, não é difícil se deslocar.
Por mais divertido que aquilo estivesse sendo, HanBin achou melhor amenizar um pouco as coisas. - SoRi, não preciso de alguém para administrar minha vida.
Ela fez uma careta.- Eu sei. Esse é um dos maus hábitos dos quais não consigo me livrar. - Sem parecer ofendida, ela partiu o pedaço de pão em dois e ofereceu um a ele. - Eu me envolvo demais com as coisas - admitiu. - Depois fico aborrecida quando as outras pessoas se metem na minha vida. Como a sra. Gong, atual presidente do partido "Vamos Encontrar um Pretendente para SoRi". Isso me deixa furiosa.
- Porque você não quer um pretendente - afirmou HanBin.
- Oh, sei que encontrarei um no devido tempo. Vir de uma família grande meio que nos predispõe... A mim, pelo menos.. A querer ter uma também. Mas ainda há muito tempo para isso. Gosto de morar na cidade grande e de fazer aquilo que quero quando eu quero. Detestaria ter de me submeter a horários rígidos, o que, definitivamente, não combina com meu trabalho de criação. Não que o meu trabalho não exija um certo tipo de disciplina, mas sou eu quem a faz, do meu jeito. Como acontece com sua música, imagino eu.
- Creio que sim - anuiu HanBin. O trabalho dele raramente se tornava um prazer, como o dela parecia ser. Mas sua música, sem dúvida, era feita por prazer.
- Ei, Kim - começou ela, com outro de seus sorrisos marotos -, quantas vezes você realmente já se soltou e respondeu a uma pergunta com mais do que três frases curtas em uma mesma conversa?
HanBin comeu o último pedaço de almôndega de seu prato e olhou para ela.- Gosto do mês de novembro. Geralmente, falo muito mais em novembro. É o tipo de mês de transitoriedade que faz com que eu me sinta mais filosófico.
- Três de uma única tacada - brincou ela. - E todas inteligentes. - Sorriu para ele. - Você tem um senso de humor escondido em algum lugar, não tem? - Antes que ele pudesse responder, ela se recostou na cadeira com um suspiro e perguntou: - Quer sobremesa?
- Claro que sim - respondeu HanBin, como se aquela fosse a resposta mais
óbvia.
SoRi sorriu.- Tudo bem, mas não peça o tiramisu, porque serei forçada a lhe implorar um pedaço, depois dois e então terminarei comendo metade dele e provavelmente entrarei em coma.
Sem desviar os olhos dos dela, HanBin fez um sinal para o garçom, com a autoridade casual de um homem acostumado a dar ordens. Aquilo fez SoRi franzir o cenho.
- Tiramisu - pediu ele, sem hesitar. - E dois garfos - acrescentou, fazendo SoRi rir alto. - Talvez entrando em coma, você fale menos.
- Acho que nem assim - salientou ela, ainda rindo. - Falo até dormindo, sabia? Minha prima costumava ameaçar pôr um travesseiro na minha cabeça.
- Acho que eu iria gostar de sua prima.
- HyeRin é maravilhosa. Provavelmente o seu tipo também. Contida, sofisticada e inteligente. Ela dirige uma galeria de arte em Seul.
HanBin notou que estavam quase terminando de tomar a garrafa de vinho. O Chianti era mesmo muito bom, e provavelmente estava sendo a causa de ele se sentir tão relaxado. De fato, não se sentia assim havia semanas. Ou meses. Talvez anos.- Então vai me apresentar a ela?
- Acho que ela iria gostar de você - considerou SoRi observando-o por sobre a borda da taça e apreciando a sensação de leveza que a bebida lhe dera. - Você é bonito de uma maneira meio... Como posso dizer... Meio selvagem, acho. Além disso, tem um bom gosto musical e é bom com palavras. E é auto-suficiente demais para tratá-la como alguém da realeza. Muitos homens fazem isso.
- É mesmo? - HanBin se surpreendeu.
- Ela é tão linda que eles não conseguem deixar de agir assim. HyeRin detesta esse tipo de atitude, por isso acaba sempre tendo de dispensá-los. Provavelmente terminaria arrasando seu coração - completou SoRi, fazendo um gesto com o copo. - Mas a experiência seria boa para você.
- Não tenho coração - declarou ele, quando o garçom chegou com a sobremesa. - Pensei que já houvesse deduzido isso.
- Claro que tem. - Com um suspiro de rendição, SoRi pegou o garfo e provou a primeira porção do doce, com um gemido de prazer. - Só que você o mantém guardado dentro de uma armadura, para que ninguém possa feri-lo novamente - finalizou ela. - Deus, não é maravilhoso? Não deixe que eu coma mais do que esse outro pedaço, está bem?
HanBin continuou a observá-la, aturdido com a precisão com que SoRi tão casualmente o descrevera, sendo que nem mesmo aqueles que diziam amá-lo haviam chegado tão perto.- Por que disse isso?
- Isso o quê? Eu não lhe disse para não me deixar comer mais disso? Está querendo me matar?
- Esqueça. - Decidindo deixar o assunto de lado, HanBin afastou o prato do alcance dela. - O restante é meu - disse e começou a comer.
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