Ao chegar no local onde seria a aula, percebo que já havia começado. Ando na direção do grupo de mulheres formado no centro da sala e ao chegar percebo uma senhora vestida com um kimono de karate e com o cabelo preso estilo Maria Chiquinha, deve ser a professora. Puxo meus filhos para que eles fiquem na minha frente e observo a senhora andando de um lado para outro na frente do grupo dando as dicas de auto defesa.
- Então, você está andando na rua e de repente você ouve: --- ela dá um assovio. --- " Hey, gostosa! Belo traseiro!" , " Hey, mamãe! Por que você não vem aqui sentar no meu rosto, huh?" --- ela se aproxima de um garotinho que está acompanhado da mãe no grupo e o interroga. --- Hey, garotinho, tá afim de ganhar uma grana fácil?
- É, claro! --- o garoto responde.
- Não! Não! Você não quer esse dinheiro! --- diz e volta para a frente do grupo. ---- Auto preservação numa cidade de predadores. É o que vocês irão aprender aqui. Vamos conhecer nosso bandido. --- aponta para uma garota no fundo da sala vestida com uma fantasia de lutador de sumô e um capacete de hockey na cabeça. Ela parece estar nervosa e levanta a mão meio trêmula acenando para nós.
- O-oi.
Após ela nos cumprimentar, a senhora dá um rosnado e avança correndo na direção da garota que arregala os olhos e levanta as mãos para cima. A senhora a empurra contra a parede fazendo com que ela se choque com a mesma e coloca o pé no abdômen da garota.
- O que... --- a senhora a interrompe.
- Fique quieta! E não diga uma palavra a não ser que esteja no script. --- ela retira o pé de cima da garota e continua com a aula. --- Comecem a cena oito.
Uma das mulheres do grupo finge que está andando pelas ruas tranquilamente, a garota da fantasia começa a segui-la toda desajeitada por causa que a roupa dificulta seus movimentos. Solto um risinho. A garota está toda atrapalhada com o script na mão tentando dizer suas falas, quando de repente ela o deixa cair e quando olha para baixo se descontrola e cai. Dou outra risada. Ela se levanta e volta a seguir a mulher.
- Hey, gostosa.... OUCH! --- quando ela se aproxima a mulher lhe da uma cotovelada, a joga no chão e em seguida lhe da uma chave de braço.
- Agora situação três. --- diz a professora sentada em um banco na lateral da sala.
Agora a garota finge ser um pedreiro e fica fazendo movimentos de marteladas com um martelo de brinquedo nas mãos. Uma outra mulher aparece e passa ao lado da garota.
- Hey, gata. Isso deveria ser ilegal.
A mulher para de caminhar e se volta na direção da garota pegando o martelo de suas mãos e martelando a cabeça da coitada, dá um chute nas partes baixas e garota cai pra frente, a mulher então dá um pulo e cai batendo com o cotovelo nas costas da garota que solta um gemido de dor.
- Cinco! --- a professora diz.
Agora a cena é um tanto quanto hilária. A garota agora finge ser um médico ginecologista e está consultando uma mulher. A mulher está deitada sob um suporte, como se fosse uma maca, com as pernas abertas e a garota está entre elas.
- Sra. Ramez, isso me parece candidíase e... --- a garota olha o script e suspira. --- Um incrível par de peitos...
A mulher prende as pernas em volta do pescoço da garota e a joga no chão, em seguida pulando em cima dela.
A professora encerra as sessões e volta para a frente do grupo.
- Em nosso último exercício, demonstrarei o que eu chamo de "oceano de raiva". Fiquem firmes porque nós iremos a fundo. Todas nós, mulheres, desenvolvemos um reservatório de ressentimento e raiva. E esses reservatórios se unem para formar um oceano. E esse oceano está disponível para todas nós usarmos. Ele possui o poder coletivo de todas as mulheres que já foram vítimas de um comentário sexual inconveniente; que ganharam menos por um trabalho que fizeram melhor que um homem; --- apontou para uma mulher vestida de mecânica. --- Uma ancestral que foi escrava; --- apontou para uma mulher negra. --- uma colhedora de arroz; --- apontou para uma japonesa. --- Ou, simplesmente, ser posta em nível baixo na hierarquia. --- apontou para uma índia. --- Um marido que a enganou, a traiu e mentiu para você, ou você, ou você.... --- e foi apontando para as mulheres no grupo. Então uma se pronunciou ao ser apontada.
- Eu sou lésbica.
- Me encontra depois da aula. --- disse a professora e continuou seu discurso. ---- Toda essa raiva está presente em todas vocês agora e sempre. --- eu comecei a lembrar das cenas de Brad me traindo e uma raiva começou a me dominar. --- Eu preciso de uma voluntária. --- ninguém se manifestou, então eu levantei a mão sob protesto dos meus filhos.
- Mãe! --- entreguei minha bolsa a Megan e caminhei na direção da professora que fez sinal para que eu fosse até lá. --- Mãe, não!
A professora pegou em minha mão e me levou em direção a garota.
- Agora você vai relembrar sua história e liberar esse oceano de raiva sobre o nosso bandido.
- Eu poderia ir ao banheiro?
- Cale-se, bandido! Diga para ele se calar. --- diz a professora se direcionando a mim.
Olho nos olhos da garota e digo em tom baixo.
- É... Cala a boca.
- De novo. Bom, mais alto!
- Cala essa boca! --- digo firme.
- Agora diga a ele o que quer dizer.
Puxo o fôlego e imagino Brad ali. Cerro os punhos e minha respiração se acelera. Os gemidos de Brad naquele vídeo começam a ecoar em minha mente e lágrimas de raiva começam a brotar em meus olhos.
- VOCÊ É UM MONTE DE PORCARIAAAA!!! VAI TRANSAR COM SUA PIRANHA CHEIA DE DOENÇAS NO INFERNO!! --- a professora recua com uma cara assustada. --- POR TODA A ETERNIDADE, ENQUANTO O DIABO QUEIMA VOCÊS COM METAL QUENTE E PONTUDO, E SUFOCA VOCÊS DOIS... COM FÚRIA DERRETIDA!
- AGORA, LIBEREEE!! --- diz a professora
E então eu corro na direção da garota que arregala os olhos e dou forte chute no meio de suas pernas.
- Isso! hahaha --- ouço Dean e Megan dizerem. Continuando indo para cima da garota com chutes e socos.
- Agora um gancho! --- diz Dean empolgado com a cena.
- Tem alguma senha de segurança que eu deveria saber? --- diz a garota apavorada com o meu ataque. Continuo dando socos e a empurrando com toda a minha fúria. --- Aí, aí, aí... Espera aí... --- então a derrubo e fico por cima dela distribuindo socos em sua barriga.
- Minha vida não era para ser assim... --- começo a chorar cessando aos poucos minha sequência de socos em sua barriga e então deito a cabeça em seu peito começando a chorar descontroladamente. Quando eu cesso completamente os socos, a garota começa a passar a mão com cautela sobre minha cabeça, acariciando os meus cabelos e dizendo:
- Tudo bem. Tudo bem. Está tudo bem.
Levanto meu rosto e olho para o seu, agora livre da viseira do capacete, e percebo que a conheço de algum lugar.
- Eu não te conheço?
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CAMILA POV
Após aquele massacre no Centro da Mulher, estou no Café sendo zoada pelo meu melhor amigo que está experimentando bigodes falsos para a sua apresentação no teatro hoje.
- Não sei como apanhar de mulheres todo dia você vai entender o sentido da vida.
- Estou ajudando as pessoas. Estou contribuindo para o mundo. Ao contrário de um ator. E, aliás... Eu também sou mulher, só que com algo a mais.
- O que... Cara, eu represento a vida como ela é, tá? Como um... espelho... --- vejo que a mulher de hoje mais cedo chega ao Café com seus filhos e vou em sua direção deixando Andrew falando sozinho. ---- Um espelho de teatro...
- Mãe, estou morrendo de fome! -- diz o garoto.
- Você vive com fome... --- a ajudo passar pela porta com o monte de sacolas que ela carregava e ela me encara. --- Oi... Nossa, olhe pra você! --- diz olhando para os machucados em meu rosto. Aquele capacete mais me machucou do que protegeu.
- Ah... Não... Não está tão ruim quanto parece... --- me viro para as crianças, envergonhada com sua aproximação.
- A minha mãe lamenta a surra que ela te deu. --- diz o garotinho em tom debochado.
Volto para trás do balcão.
- Obrigada, Dean! --- diz a mulher em tom de repreensão e caminha em direção do balcão.
- Não se preocupe com isso. --- digo a ela e me viro para o garotinho. --- Sua mãe não me arrebentou...
- Acontece que eu passei por muita coisa...
- Mãe, posso comer aquele bolinho? --- pergunta o garoto que agora sei que se chama Dean.
- Agora, não! E-eu passei por muita coisa que nem percebi o quanto me afetavam... --- se abaixou para pegando um vasinho com um cacto dentro e me entregando. --- Isso é pra você... Minhas desculpas.
- Não se preocupe.
- Eu que escolhi! --- disse Megan toda orgulhosa.
- Eu ajudei! --- acrescentou Dean.
- Se cair com a cara nisso você pode morrer. --- diz Megan de forma simples me fazendo encará-la abismada.
- Ah... --- observo o vasinho em minhas mãos.
- Olha, eu estava pensando em aceitar a sua oferta... para ser babá. --- a mulher me encara e Andrew que eu nem notei que tinha se aproximado, levou as mãos a boca. --- I-isso-o é... se ainda-a estiver-r de pé.
- É... na verdade eu não faço isso há muito tempo...
- É, já que o contrataram no Centro da Mulher, achei que... você deve ser confiável. --- Me lança um sorriso.
- Acho que... posso subir lá... após o trabalho um dia, por algumas horas...
- Pode ser na quinta-feira?
- Ela tem um encontro. --- diz Megan interrompendo nosso diálogo.
- Com um cafetão. --- completa Dean.
Faço uma careta e olho para o garotinho. A mulher me olha com uma cara sem graça e nega olhando para o filho.
- Onde você aprendeu essas coisas? --- fala de maneira nervosa, sem conseguir me encarar. Vejo seu rosto ruborizando e acho aquilo completamente fofo, apesar do momento constrangedor.
- Olívia, da escola, me ensinou. Ela é a minha vadia. Brincamos no recreio.
- Nossa... - diz a mulher totalmente constrangida com a atitude do filho.
- O que houve com o pega-pega? --- pergunto tentando descontrair o clima.
- Pois é... --- diz dando um sorriso nervoso e puxando os filhos para fora do Café.--- Então, às 19h está bom?
Dou aceno seguido de um sorriso nervoso.
- Ótimo. Obrigada. --- dá um sorriso e vira para encarar seu filho enquanto saem do Café. --- E você, mocinho, vamos ter uma conversa séria...
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