Brasil, 2015.
POV Rin
— Rin, darling, me dê mais suco de laranja, por favor? — pediu John Sesshoumaru, com aquele timbre de voz que eu sabia ser apenas para mim; afável, amoroso e gentil. Sua mão cobriu a minha sobre a mesa. Ele estava desconfortável. — Vou derreter. Mas que lugar quente!
— Tu ainda não te acostumou, amor? — respondi, colocando mais suco no copo dele.
Estávamos sentados na calçada da Praia do Pontal, no Rio de Janeiro, lanchando perto de uma barraquinha (preparamos os sanduíches e o suco no hotel, só que o suco havia acabado rapidamente). Havia poucas pessoas, afinal, era quarta-feira. Tínhamos completado uma semana de casados.
Com uma trança muito bem feita por mim, Sesshoumaru estava vestido com uma regata branca e uma bermuda do Bob Esponja que ele JAMAIS compraria. Suas demais bermudas foram substituídas por outras de motivos infantis, como Ben 10 e Peppa Pig.
Só podia ser obra de Naraku Octavio. Certamente ele mexeu em nossa mala sem que notássemos.
Contudo, tudo estava muito bem até então — fazíamos o lanche enquanto Naraku e Ann Kikyou brincavam de pular ondas. Apesar de estarmos relativamente distantes, era possível ouvir as risadas dos dois com clareza. Pareciam duas crianças e ele agora a derrubava na água, feliz da vida, e enchendo seu rosto de beijos em seguida.
— Não, e nem quero — disse ele, franzindo a testa suada. — Amor, como vocês, brasileiros, conseguem sobreviver num país tão quente?
— Interessante. Isso me faz pensar em como vocês, ingleses, conseguem sobreviver num lugar tão frio — retruquei.
Ele revirou os olhos. Contudo, sorriu e arqueou uma sobrancelha, enquanto fazia um comentário meio malicioso:
— O lugar é frio, mas nossa história de amor é quentíssima, minha ñandeva[1] selvagem.
Não teve jeito, acabei sentindo o rosto queimar. Mas foi tão engraçado vê-lo afirmar aquilo, já que Sesshoumaru é um homem que não gosta de expressar suas emoções. Ri a valer. De repente, ele fixou os olhos embaçados em minha direção, procurando pela minha mão de novo e a segurando mais uma vez.
Meu coração se enternecia sempre que ele me encarava; era como se ele fosse capaz de ver o interior do meu coração, apesar de estar cego.
— Rin... Vamos para a água? Pagou pelo suco?
— Paguei, Sesshoumaru. Vamos. Tu vai se sentir bem melhor quando der um mergulho.
Eu estava de pé ao seu lado, enquanto ele se erguia e se segurava em meus ombros.
— Estando ao seu lado, sempre estarei me sentindo bem, Rin.
Meus olhos se encheram de lágrimas. Era tão bom receber aquelas doses enormes de amor! Disfarcei a comoção e, após lhe dar um selinho, fomos para a praia. Logo andávamos na areia.
Então, ele se virou bruscamente para a esquerda, soltando meu ombro e agarrando uma bola que ia a toda em sua direção. Usando uma camiseta azul e uma bermuda preta e com um rabo-de-cavalo bem alto, Naraku se aproximava de nós; Kikyou estava sentada sob um guarda-sol, já bem vermelha. O sol estava forte para uma pele branquinha como a dela.
— Cariño[2], já lhe pedi para não fazer isso com Mr. Sesshoumaru... – ralhou Ann Kikyou com ele. Ela estava com os cabelos presos num coque bem volumoso e usava uma blusinha regata com uma bermuda rosa; parecia estar tímida com a roupa. – Não é porque a bola tem um guizo que você pode atirá-la contra ele dessa forma.
— Não precisa ser formal assim nem se preocupar tanto comigo, Ann – replicou Sesshoumaru. – Já me acostumei com as palhaçadas do seu marido maricón[3] arrombado que finge curtir mulheres.
Kikyou ficou ainda mais vermelha e constrangida; Naraku, por sua vez, falseteou a voz e gesticulou exageradamente enquanto replicava:
— Homofóbico... Amor, eu vou processar esse cara. Vamos ficar ricos às custas de John Sesshoumaru! — e, virando-se para ele, declarou: — O mundo é gay, milorde, e isso você verá com seus próprios olhos!
— Se mata, hispânico de merda.
— Amor, pare de provocar! Dê um tempo! – disse Kikyou, enfadada e morta de vergonha. Ela não conseguiu se acostumar ainda às discussões dos estranhos herdeiros Ferguson. Naraku, contudo, abraçou-a e lhe deu um beijo estalado no rosto.
— Não fique tão zangada, mi dulce anjo. Sesshoumaru, seu fresco, pare com o mimimi e jogue comigo. Só trouxe essa bola de cego por sua causa.
— Não quero jogar agora, Octavio. Esse calor está me matando — afirmou meu marido.
— Você é muito fresco, milorde, isso aqui é uma praia! Esperava o que, neve? — foi a resposta brincalhona do outro. — Vem, vamos correr então. A praia está quase vazia e essa água é deliciosamente gelada, cristalina e límpida como a praia de Macarelleta, lá em Menorca[4] — e, teatralmente, Naraku concluiu: — Abra seus olhos para tamanha beleza!
— ¡Vete en culo![5] — resmungou Sesshoumaru, já erguendo a mão para alcançar o ombro de Naraku.
— Qué carajo... Cego ignorante! – riu ele, dando alguns passos em direção à beira-mar enquanto Sesshoumaru o acompanhava, a princípio devagar, depois correndo ao lado dele, confiantemente.
— Ignorantes são meus ovos, filho da p***.
Sentei-me ao lado de Ann Kikyou, que não parava de olhar para eles.
— Nunca vou me acostumar com tantos palavrões, Rin.
— É difícil, mas é o jeito deles, né? — comentei, aceitando um coco verde que ela me oferecia. — São dois birutas.
— Dois o quê? — questionou ela, olhando para mim confusa. Aí me dei conta de que havia falado uma palavra em português.
— Birutas significa loucos, entendeu? — expliquei. Ela riu um pouco.
— Ah, sim... É, tem razão. Mas... Sabe, Rin... Eu nunca havia me sentido tão amada antes, e me impressiona saber que tamanho amor vem de alguém que me detestava tanto, como Naraku Octavio.
— É o nosso caso também. Sesshoumaru me disse ontem que a melhor coisa que aconteceu em sua vida foi essa cegueira, pois, por causa dela, estamos juntos... — comentei, olhando para a mesma direção em que Ann Kikyou olhava com ar de admiração e afeto.
E lá estavam eles, correndo pela beira da praia, atraindo a atenção dos poucos banhistas que ali haviam. Apesar da constante troca de insultos entre eles, eu podia afirmar que meu John Sesshoumaru estava muito, muito feliz. E o Naraku Octavio de Kikyou, também.
Tudo havia começado há um ano e oito meses atrás...
***
1 — Ñandeva: Uma das etnias indígenas brasileiras.
2 — Cariño: expressão espanhola equivalente a “meu bem”.
3 — Maricón: gíria espanhola que significa “gay”. No caso, o nosso Naraku aqui é bissexual assumido.
4 — Menorca: região da Espanha onde há lindíssimas praias.
5 — “Vá tomar no c*”, em espanhol.
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