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História Nem por Meio Milhão de Libras! - Pernambucana com orgulho


Escrita por: Okaasan

Notas do Autor


Oi, pessoal.

Aproveitando a febre da inspiração, mais um capítulo. :)

Sobre a foto desta jovem guarani, quero salientar que a coloquei como capa APENAS para mostrar o que percebo do tom de pele, nariz e boca de Rin. Ela não é necessariamente IGUAL a esta moça.

Capítulo dedicado com carinho à minha amiga da linda Recife, @EllieSilva! Sua linda!

Boa leitura, perdoem eventuais erros.

Capítulo 12 - Pernambucana com orgulho


Fanfic / Fanfiction Nem por Meio Milhão de Libras! - Pernambucana com orgulho

Irani Tibiriçá se espreguiçava em sua cama de dosséis. Havia tido uma noite de sono tranquila e reparadora; sentou-se devagar e pegou a foto da Virgem Maria, que ela costumava levar para todo lado, e fez uma prece à sua maneira:

— Ave-Maria, cheia de Graça, o Senhor é convosco. Me ajude a aprender a falar inglês, pelo amor de Deus. Bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Eu tô ficando biruta de conviver com esse povo maluco que só fala em inglês e espanhol. Peço à Senhora uma graça pra essa família. Eu gosto muito da Iza e do seu Toga, agradeço por ter mandado eles me tirarem do abrigo. Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte. Me dá paciência pra aturar esse filho deles que é um porre, ô cabra chato da moléstia! Amém — e fez o sinal-da-cruz, iniciando em seguida a oração do Pai Nosso.

A morena nasceu na Ilha da Assunção, em Cabrobó, pequena cidade pernambucana. Sua mãe havia morrido de chagas quando ela era pequenina, de forma que não havia lembrança alguma na mente de Rin. O pai, um humilde ñandeva que possuía um barquinho pesqueiro, não esteve muito presente, pois tinha que trabalhar duro para prover o sustento da casa.

Apesar da extrema dificuldade financeira, Rin não se lembrava de ter sido deixada com fome ou desprovida de roupas. Ela frequentava a escola pegando diariamente o ônibus municipal de transporte escolar que levava os alunos para o centro de Cabrobó. Desde pequena, a jovem executava bem todos os serviços domésticos para aliviar um pouco a carga do pai, que chegava à noite no lar, estourado. Todavia, Rin tinha as melhores lembranças de seu velho pai, e, até então, único amigo, que sempre tinha uma história para lhe contar.

Foi em uma festa de São João que Rin viu pela primeira vez a roda de capoeira. Ela tinha dez anos e imediatamente pediu ao pai que a deixasse aprender aquela arte marcial tão cheia de musicalidade e lirismo. O velho índio, sabendo o quanto a filha lhe era dedicada, acabou por procurar o Mestre capoeirista minutos antes de o ônibus voltar para o povoado.

O Mestre Kouga Cotegipe, também indígena pertencente à tribo dos trukás, era um moreno não muito alto, porém corpulento e jovial. Usava um rabo de cavalo alto o tempo inteiro e era difícil haver um cidadão cabroboense que não o conhecesse. Kouga tinha uma esposa, a contramestre Ayame, que o acompanhava na maior parte das aulas e o substituía quando ele precisava se ausentar.

Foi assim que Irani se inscreveu nas aulas de capoeira e as frequentou religiosamente, sendo apelidada de Rin pelo Mestre e demais colegas. Foram cinco anos de aprendizado e amadurecimento para a jovem que, infelizmente, em um dia de chuva, perdera seu amado pai para o rio São Francisco. O homem havia ido pescar e fora tragado pelas águas traiçoeiras.

Abandonando, então, a Ilha da Assunção, Rin se foi para Cabrobó a convite de Kouga e Ayame, que a estimavam bastante. Ela era já uma adolescente muito bela e prestava alguns serviços na vizinhança como forma de conseguir renda (serviços estes que iam de manicure até atividades pesadas, como capinar chácaras e plantar milho), para não ser pesada ao casal. Os anos se passaram até que, então, um casal extremamente simpático aparecera na porta da escola, abordando a jovem indígena com uma proposta de emprego na Turquia. Seria modelo, disseram eles.

A notícia foi recebida na casa de forma desconfortável. O casal não queria que Rin os deixasse, até por acharem estranha a dita proposta, porém Rin era bastante independente aos quase dezessete anos. Mesmo as lágrimas de Kouga e Ayame não foram capazes de demovê-la de seu intento de ir trabalhar “na Europa”.

E ela, então, deu seu primeiro passo ao que seria um típico rapto de mulheres para prostituição em terras europeias. Entretanto, por um milagre a polícia britânica a encontrou com mais dezesseis moças e meninas antes que chegassem ao receptador da ‘mercadoria’.

Agora Rin Tibiriçá estava ali, dentro da mansão que pertencia a um parente em segundo grau da Família Real britânica. Em todo caso, eles eram todos humildes e pareciam gostar dela... Menos o filho único dos Ferguson.

A morena foi até o banheiro e fez sua higiene matinal, tomou um banho e vestiu-se em seguida com sua calça velha e a camiseta escolar. Estava sonhando com um bom café recém-coado enquanto abria a porta que dava para o corredor.

— Ah, esqueci de prender meu cabelo.

Ela, então, voltou rapidamente para dentro do quarto e prendeu os cabelos de qualquer jeito com uma caneta. Distraída, saiu do cômodo sem olhar para os lados e trombou com John Sesshoumaru, que vinha devagar pelo corredor em direção à escada para fazer seu desjejum. Os dois gritaram de susto.

No afã de se proteger da trombada, Rin espalmou as duas mãos no tórax nu do loiro, que estava vestido apenas com um short. O peito de Sesshoumaru era largo e seus músculos eram bem definidos, já que tanto ele quanto Naraku Octavio passaram a praticar exercícios físicos regularmente após o transplante renal. Seus cabelos meio bagunçados, a barba por fazer, os olhos azuis surpresos... A jovem corou; ele era insuportável, sim, mas lindo. Pena ser tão intratável.

Por sua vez, Sesshoumaru pôde ver mais uma vez o rosto moreno e juvenil da indígena. Desfocado, sim, mas nem tanto. Estranho... Ela lhe pareceu mais bela agora do que da primeira vez em que se encararam.

Essa garota... Por que ainda está aqui? Se ela demorar muito por aqui, Naraku pode realmente tentar algo com ela. Não que eu me importe, mas... Quanto custa uma passagem de avião para o Brasil? Merda, eu não me importo!

Enfim, ele resmungou um palavrão e se afastou dela repentinamente, virando o rosto para o outro lado. Ia seguindo em silêncio para frente até que ouviu o seu nome sendo chamado por Rin, do jeito estranho que só ela chamaria:

— Ô, Ses-shou-ma-ru! Espera aí! Stop!

— Eu não quero falar com você — retrucou ele, em espanhol, para impedi-la de se aproximar. Rin, porém, não se importou e se postou decidida perante o loiro já incomodado, que estava perigosamente próximo à escada.

— Peraí, macho. Não é pe-ri-go-so você des-cer a es-ca-da sozinho? Espera eu cha-mar Iza pra te ajudar — replicou Rin, devagar. O loiro não entendeu tudo, mas notou que ela se referia à escada.

¡Déjame ir! — exclamou ele, ríspido. — Yo tengo dos piernas.

— Não deixo não, tapado! Não tá vendo que você cai nessa escada?!

¡Fuera del camino, MACACA!

A resposta enfurecida da jovem foi um súbito rabo-de-arraia que derrubou o grande homem no corredor, longe da escada. Logo Toga Ferguson saía de um dos quartos, preocupado com a gritaria do filho, que se levantara de chofre e agora olhava para todos os lados à procura de Rin, temendo avançar contra ela e cair de novo. O homem estranhou ver o filho sozinho.

— Filho, o que foi isso?!

— O que foi isso, pai? O QUE FOI ISSO?! FOI ESSA ÍNDIA AMALDIÇOADA QUE ME DERRUBOU NO CHÃO!

— Ah, o senhor tá aí? — exclamou a mocinha, surgindo de um dos quartos; ela tinha ido procurar por Izayoi. — Ó, seu Toga, ele tava indo sozinho pra escada. Tentei convencer ele a vir comigo, mas ele me chamou de macaca. A culpa não é minha!

— Pai, desapareça com essa criatura da selva daqui, antes que eu fique maluco!

— Calma, meninos, não é assim que...

— Tá falando de mim, é, seu poste? — revidou a moça, se aproximando dele. — Seu Toga, eu não machuquei ele, meu pé só empurrou ele pro chão. Não fiz pra machucar e sim pra tirar essa peste de perto da escada. Só que, se esse cabra não parar de me chamar de macaca... Rá... Não tenho peninha de seu-ninguém! Falou besteira, toma rasteira!

— MANDA ELA CALAR A BOCA, PAI! — e o loiro, aproveitando que Rin voltara ao seu campo de visão, deu dois passos rumo à morena, que automaticamente se pôs em posição de luta.

— TÁ ME CHAMANDO DE QUE AGORA? — retrucou Rin, já bem irritada. — VEM ‘NI’ MIM SE TU FOR HOMEM!

— EU VOU TE MATAR, ÍNDIA COMEDORA DE CACHORRO!

— CHEGA! — explodiu Toga, enfurecido. — OU VOCÊS DOIS SE COMPORTAM, OU QUEM VAI DAR UMA SURRA EM CADA UM SOU EU!

Sesshoumaru e Rin se viram obrigados a cessar a balbúrdia. Toga, com raiva, era absurdamente intimidante. Então, ele se virou para a morena.

— Rin — disse Toga, mantendo a amabilidade para ela e falando pausadamente. — No es necesario agredir Sesshoumaru. Él aceptará su buena voluntad... ¿ESTÁ CLARO, JOHN SESSHOUMARU? — finalizou ele, já ameaçador, para o filho, que o olhava abismado.

— Mas, pai, ela...

— Desça as escadas com a moça e, se eu ouvir um só pio, vou pedir a ela que lhe dê outro golpe de caratê brasileiro — afirmou o dono da casa, estreitando os olhos.

Frustrado, o filho único de Toga Ferguson deu alguns passos vacilantes em direção à brasileira que, mesmo sem querer, tomou-lhe a mão e colocou-a sobre seu ombro, caminhando para a escada.

Sesshoumaru, inexplicavelmente, corou.

 

***

 

Os sábados de Ann Kikyou eram costumeiramente agitados.

Ela alternava a lavagem de roupas com o irmão caçula, fazia visitas evangelísticas a um asilo de Wetherby, cuidava do jardim e da pequena horta no fundo do quintal, preparava a lição da escola dominical (lecionava para a classe de juniores) e ainda tirava um tempinho para estudar música em seu velho teclado Yamaha. Naquele sábado, Raymond Inuyasha ficaria o dia quase todo fora, envolvido com a reforma da cantina da igreja.

Tardezinha — roupas lavadas e penduradas, jardim e horta devidamente tratados, lição pronta, ida ao asilo com sucesso. A moça agora retirava cuidadosamente seu teclado da caixa de papelão e o posicionava sobre um pedestal. Ela tinha certeza de que, tocando, esqueceria o pesadelo diabólico que tivera naquela madrugada. A música lhe fazia um bem imenso e um de seus objetivos de vida era poder fazer um curso para aprimorar o pouco que aprendera sozinha.

— Agora somos nós — comentou ela, abrindo sua pastinha de partituras. — Eu vou aprender a tocar esta música de qualquer jeito.

E Kikyou começava a dedilhar o instrumento, tentando tocar corretamente uma de suas músicas prediletas que, a seu ver, era dificílima. Ela não conseguia executar Nostalgia, de Yanni, com ambas as mãos. Se contentava, então, em tocá-la com a direita apenas, deixando para usar a esquerda somente quando estava com tempo suficiente — o que era o caso, no dia em questão.

A melodia acalmava a jovem. Logo ela se decidiu e experimentou tocar a canção com ambas as mãos, mas não conseguiu coordenar os acordes. E Ann Kikyou repetiu a execução de Nostalgia por mais algumas vezes, até que se cansasse. Sorriu para o teclado.

— Hoje pelo menos eu consegui tocar mais rápido.

Mudou a página da pasta e começou a tocar Barcarolle, acompanhando o compasso com a ponta do pé, passando logo para Clair de Lune. Tão enlevada estava que mal se deu conta de que o sol estava se pondo.

— Puxa, eu preciso preparar o jantar... Inuyasha deve estar perto de chegar.

Ela não tinha a menor possibilidade de saber que suas peças de piano favoritas também integravam o repertório musical de certo psicanalista espanhol.

 

***

 

A quilômetros dali, Naraku Octavio se permitiu ser puxado por Kanna Thompson para perto do lago Serpentine, no Hyde Park. A pequena irmã de Kagura tinha oito anos incompletos, olhos castanho-escuros, cabelos loiros e um grau moderado de autismo. Seu vocabulário era mínimo e ela tinha extrema dificuldade de se relacionar com outras pessoas que não sua irmã e o psicanalista, que realizava um trabalho de reabilitação consigo. E havia Sesshoumaru; Kanna não se acostumava com ele pelo fato de vê-lo pouco, mas Naraku informou a Kagura que vê-la dizendo ocasionalmente ‘tio John’ era um enorme progresso.

O espanhol, naquela tarde, não estava se sentindo muito bem; seu corpo parecia pesado e sua cabeça doía. Mas nada disso importava ao ver o olhar agora muito vivo da pequena Kanna acompanhando os pedalinhos no Lago. Havia pouco movimento do Hyde Park naquele sábado.

— Kanna, quer ir pedalar com o tio Naraku? — indagou ele, afável.

Ela não respondeu. Naraku resolveu levá-la assim mesmo, deduzindo que seu olhar para o Lago era de interesse — o que, de fato, era. Kagura interveio:

— Mas, Mr. Naraku, e se ela enjoar com o balanço?

— Não precisa se preocupar, cariño, o importante é aproveitarmos a vontade dela de curtir uma volta no pedalinho. Isso é muito bom. Deixe a toalhinha dela comigo.

A mulher deu um sorriso satisfeito ao ver a menina apontando com o dedo para o pedalinho. Kanna estava realmente interessada em ir.

— Vou fotografar vocês.

— Muito bom, fotografe. Vou arrasar com essa pequena diva no Instagram! — riu o espanhol, disfarçando uma tosse em seguida, e trazendo Kanna para perto de si. — Vem, princesa...

Pedaiiiinho — murmurou a menina.

— Oh, ouviu isso, Kagura? — perguntou ele, em alta voz, entusiasmado. — Ela está tentando dizer ‘pedalinho’! Parabéns, cariño!

— Parabéns, meu anjo! Olha aqui para mim, vou tirar uma foto! — respondeu Kagura, alegre.

Em instantes os dois estavam devidamente instalados no pequeno veículo e deslizavam suavemente pelo Lago, enquanto Kagura Thompson os olhava com afeto e melancolia. Ela adoraria ter um homem que amasse a ela e à pequena Kanna, que não era fácil de cuidar devido às suas limitações cognitivas. Porém, sabia que o tal homem não poderia ser Naraku Octavio, pelo simples motivo de ela não conseguir nutrir por ele um sentimento que não fosse fraterno, por vezes até mesmo filial. Não foram poucas as vezes em que eles se trataram como pai e filha, apesar dos meros oito anos de diferença etária e do episódio do sexo a três.

Tanto Naraku quanto Kagura eram vitimados por uma carência afetiva gigantesca.

Rindo e brincando com Kanna, o espanhol se sentia um tanto inconformado. A mãe daquelas meninas era um monstro, abandonando-as daquela maneira. A loirinha ao seu lado demandava muitos cuidados; se não fosse o desvelo da mais velha, talvez Kanna sequer estivesse viva agora. O moreno não compreendia como era possível uma mãe ser tão cruel...

Como a minha, que me largou num orfanato... Não pude conhecê-la, sequer sei seu nome. Nem quero saber, na verdade. O importante é que hoje estou bem, tenho minha vida estruturada, tenho amigos... Mas...

A sensação de ser um solitário no mundo, sem laços de sangue com alguém, o deixava mais triste do que ele gostaria. Involuntariamente, o homem se abraçou, com frio.

O passeio transcorria tranquilo, apesar do crescente mal estar do espanhol, que falava cada vez menos. Os três agora pararam para que Kanna visse os cisnes. Kagura dizia algo, mas Naraku estava totalmente aéreo agora.

— Mr. Naraku, está me ouvindo?

— Humm? Oh, perdóname. Estaba distraído.

— Eu perguntei se você quer suco. Kanna está com fome, então achei que poderíamos parar aqui para fazer um lanche.

— No, gracias. Más tarde, cariño.

A moça o deixou com seus muitos pensamentos. O psicanalista não era difícil de decifrar; se começasse a falar em espanhol o tempo todo, era sinal de que estava com a cabeça cheia.

Ele sentiu um ligeiro calafrio, piorando a dor de cabeça que estava sentindo desde cedo. Distraído, não notou que a pequena Kanna o apontava com o dedo.

— O que foi, Kanna? — indagou Kagura.

— Tio Nanaku — afirmou a garotinha, olhando fixamente para o espanhol, encostado em uma árvore.

— Ah, meu bem... Deixe o tio quietinho, ele...

Qué frio... — murmurou ele, se encolhendo.

— Tio Nanaku dodói — completou Kanna. Era uma criança extremamente observadora e notara desde mais cedo que o ‘tio’ não estava bem. Kagura se acercou dele e, antes que pudesse ser impedida, tocou a testa suada do homem, que a olhou feio.

Hey, estoy bien — resmungou ele. — Exagero...

— Está queimando de febre. Quando ia me contar? — ralhou a mulher.

No... No, estoy bien... — e ele espirrou.

A secretária de Naraku era discreta e muito prática. Digitou uma mensagem de texto para a pessoa que sabia lidar com tal tipo de ocorrência, enquanto conduzia o patrão e sua irmã para se sentarem em um banco de pedra.

Quinze minutos depois, John Sesshoumaru aparecia no parque com Byakuya, tão apressado que colocou a mão sobre o ombro do motorista sem se importar se as pessoas iriam perceber sua visão subnormal. Os recém-chegados mal deram um cumprimento. Naraku parecia surpreso.

— John? Byakuya? Vieram passear também? Vocês formam um lindo casal homoafetivo. Byakuya deve ser o seme...

— Não seja idiota, hispânico nojento. Kagura, Kanna, oi.

Sesshoumaru estendeu a mão em direção ao borrão colorido que era seu amigo e viu que ele, de fato, estava muito quente. O espanhol entendeu a inferência e olhou feio para a secretária, que lhe devolveu o olhar desafiador.

— Kagura, não precisava chamar John.

— Cale a boca, seu viado arrombado. Vamos agora mesmo para o St. Mary.

— É só um resfriadinho, Mister Magoo. Com uma aspirina deve melh-

O loiro não pensou duas vezes e agarrou a orelha de Naraku, arrastando-o consigo e ordenando a Byakuya que lhe indicasse o caminho; o motorista, então, levou a outra mão de Sesshoumaru ao ombro e ambos se foram. O espanhol protestou veemente, mas não houve jeito; lá se foram os três homens, juntos, para fora do Hyde Park. Sesshoumaru se virou em direção a Kagura e exclamou:

— Não se preocupe, Thompson, vamos só deixá-lo no hospital e já voltamos para pegar você e Kanna!

Okay — respondeu ela, já voltando a se sentar com a criança, que agora apontava o dedo em direção ao carro. — É, Kanna, o tio estava dodói e precisou ir tomar uma injeção, entendeu?

— Injeção — repetiu Kanna. — Tio Nanaku. Tio John gritando.

— Sim, ele grita, faz um barulho... — riu a mais velha.

Bya cool¹.

— Quê?

— Brrrrrrrl — fez Kanna, reproduzindo o som que o bebê de uma turista fazia ali próximo a elas. Kagura ficou um tanto intrigada; sua irmã geralmente não prestava atenção em pessoas com quem não convivia. Aquele “Bya cool” era um tanto insólito.

 

***

 

— Mrs. Cameron, por favor, eu não posso aceitar...

Sàmhach²! — respondeu Sandie Cameron, andando decidida com Andrew Miroku pelo segundo andar do Westfield Stratford City, um dos shoppings mais importantes do país. O rapaz acabou perdendo a paciência e estacou, abruptamente.

— Mrs. Cameron, eu me recuso a receber qualquer coisa que você comprar.

— Mas por que, Miroku?! Eu não te entendo! — fez ela, inconformada. — Vem, vamos pelo menos nos sentar neste banco antes que o povão nos atropele.

O casal se sentou no banco; Miroku estava rubro e inquieto.

— Vai me deixar te dar umas roupas novas ou não? — indagou a escocesa.

— Já lhe disse que não posso aceitar, espero que me compreenda.

— Não, não compreendo. Qual é o problema em receber um presente? É alguma doutrina da sua igreja?

— Não é nada disso... — volveu ele, agoniado. — Olha, Mrs. Cameron, por que a senhora não me deixa voltar para casa? Eu... Eu não me sinto bem aqui.

A moça piscou algumas vezes e ambos ficaram em silêncio; alguns instantes desconfortáveis se passaram até que ela o abraçasse.

— Você... Está pensando em seus irmãos, não é?

— Sim — admitiu Miroku, constrangido. — Entenda, Mrs. Cameron, eu não posso me sentir tranquilo recebendo roupas caras de presente enquanto sabe Deus o que Kikyou e Inuyasha estão comendo hoje. Da última vez em que estive lá, as latas estavam praticamente vazias.

— Verdade?

— Sim, verdade.

— Oh... Eu entendo... — ia dizendo ela, consternada.

— Me perdoe, mas a senhora não entende, Mrs. Cameron. Prefiro ficar maltrapilho a ter roupas boas e ver meus irmãos passando apuros.

Sango olhou profundamente nos olhos azuis do jovem Wright. Tão nobre, até mais nobre do que ela própria...! Ele tinha um quê de meiguice que não se extinguia mesmo quando estava sério. Quando deu por si, ela já o beijava.

— O... O que foi... — fez ele, aturdido, ao apartar-se dela.

— Você é uma gracinha. Vem — e ela se pôs de pé. — Tive uma ideia.

— Qual ideia? — perguntou o rapaz, seguindo-a.

— Vamos voltar. Acho que posso te dar um presente diferente.

Não restou a Miroku uma alternativa senão a de seguir Sango para fora do shopping.

 

***

 

Em St. Mary, Naraku estava reclinado sobre um leito, aborrecido, enquanto Sesshoumaru estava sentado ao seu lado, ouvindo o noticiário da TV. O espanhol odiava ter febre; o fato de ter apenas um rim que não era seu fazia com que o mínimo sinal de infecção colocasse em polvorosa a família de Sesshoumaru e também Kagura, que controlava meticulosamente seus remédios.

O jornalista falava sobre mais um caso de rapto de bebê em algum hospital de Chelsea. Os dois amigos se olharam instantaneamente, preocupados. Sesshoumaru ia pegando o telefone, mas o espanhol foi mais rápido e ligou para Ferguson Manor, sendo atendido no primeiro toque.

— Toga?

— Octavio? Graças a Deus, meu filho. Você está bem?

— É claro que estou, vocês é que são exagerados. Era só uma febrinha boba, nem sei para que me aplicaram Prednisona³... Já tomo essa p**** todo dia... AI! SESSHOUMARU! — gritou ele, após levar um cascudo certeiro na cabeça e ter o aparelho confiscado.

— Octavio, o que aconteceu?

— Sou eu, pai. Esse viado está mentindo para o senhor, ele está com 39 graus e meio de febre e a imunidade baixa. Mas o médico diz que ele não corre perigo, pois não há outro sintoma de rejeição do rim.

— Ah, que ótimo! Não sabe o quanto fico mais calmo...

— Naraku é como uma barata, pai. Ele não morreria nem se lhe dessem veneno. Mas eu quero saber de Izayoi. Estávamos vendo o noticiário e...

O nobre ficou em silêncio por alguns instantes antes de responder.

— Ela está no quarto, deitada. Já lhe dei um chá.

— E... Como foi dessa vez? — indagou o mais jovem, inquieto. Sesshoumaru era estúpido com todos, mas tinha um coração afetuoso para com os seus, e Izayoi não era exceção. O espanhol agora estava sentado rigidamente na maca, atento à conversa.

— Não foi diferente das outras. Ainda bem que Rin estava com ela e...

— Elas estão juntas?

— Sim, até agora. Rin tem uma habilidade incrível para cuidar das pessoas, John. Foi ela quem me chamou quando Iza começou a chorar.

Sesshoumaru passou a mão pelo rosto, amargando um sentimento de frustração.

— Pai, por que o senhor não nos deixou matar o filho da p*** que roubou o filho de Izayoi?

— Sesshoumaru, de que iria adiantar? A criança acabou morrendo mesmo. Aquele pérfido bandido está preso, vai pagar por esse pecado na próxima reencarnação.

— Reencarnação, pai? De novo esse papo?

— John, é nisso que eu creio. E, por favor, não vamos entrar nesse assunto. Agora me deixe ir ver Iza. Ligo para vocês mais tarde.

E a chamada foi encerrada. Sesshoumaru voltou para perto do amigo, devolvendo-lhe o aparelho.

— E então, Sesshoumaru?

— A índia está com ela. A crise foi igual às outras, Naraku. Mas, segundo meu pai, tudo está sob controle.

O loiro não estava disposto a contar para o amigo que seu pai o OBRIGOU a aceitar a gentileza da jovem indígena, que havia realmente se preocupado com ele, e descer a escada segurando no ombro dela. Foi uma experiência nova e um tanto traumatizante, visto que, mal desceram todos os degraus, Rin se distraíra e se afastara um pouco rápido demais, levando Sesshoumaru a cair com estrépito no chão. Resumindo: o loiro implorou para que seu pai mudasse seu quarto para o andar de baixo.

Alheio a todas estas recordações, o rosto de Naraku estava duro de ódio.

— Se eu pudesse — murmurou ele, soturno — mataria o desgraçado com requintes de crueldade. Será que não há como nós dois irmos a Madrid e...

— Você sabe que não, Naraku. O meu pai sempre descobre as coisas que planejamos fazer, parece até ler nossos pensamentos!

— Quem sabe se pagarmos alguém para matar o desgraçado na cadeia...

— Também já pensei nisso. Não é tão fácil quanto parece. E pode nos trazer complicações. Mas, se eu pudesse...

Ambos se aquietaram por um momento, até que o loiro indagou:

— Octavio...

— Diga.

— Quem é Kikyou?

— O QUÊ?! — o espanhol solavancou o corpo com o susto e a agulha que levava o medicamento até sua veia saiu do lugar, inchando-lhe a mão. — P****, a agulha saiu. Agora eu vou ficar com a mão arroxeada por causa desse carajo. Chame alguém para consertar, John.

— F***-se a sua mão. Quem é Kikyou, Naraku, é alguma travesti?

— Por que está me perguntando isso, seu merda? — volveu o outro, realmente irritado.

— Você dormiu no carro e chamou por esse nome duas vezes. Parece nome de japonês. Aposto que é um viadão oriental, daqueles do pinto pequeno, que deve ter te deixado na mão e você não me contou.

— Vá se f****, Sesshoumaru.

— Ui, a bicha ficou nervosa? — uma sobrancelha do loiro se ergueu, enquanto ele tentava entender a raiva do amigo. — Não vou sossegar enquanto não descobrir quem é esse Kikyou.

— Dá um tempo, carajo, isso não é da sua conta!

Vendo que a irritação de Naraku crescera exponencialmente, John Sesshoumaru começou a rir.

Damn it[4]! Eu PRECISO descobrir quem é a pessoa que conseguiu, ou melhor, está conseguindo te tirar do sério!

 

***

 

Já era noite quando Raymond Inuyasha chegou a casa, exausto. Ann Kikyou o esperava com uma sopa de legumes e pão. Era uma refeição modesta, mas os irmãos Wright já estavam acostumados. O moreno a abraçou sorridente, com um vasilhame de plástico nas mãos.

— O que você trouxe aí, Inu?

— Trouxe bolo de aveia, Miss Evelyn mandou para você — respondeu ele, alegre.

— Puxa, que bom, mano. Hoje a sopa não tem carne, eu... — Kikyou baixou a cabeça. — Não tive como comprar.

— Mana, não tem problema — foi a resposta do caçula. — Graças a Deus temos uma sopa! Já está de bom tamanho.

— Mas você trabalhou o dia inteiro...

— Eu gosto. E eles não iriam deixar os voluntários com fome, sua boba... — e Inuyasha enfiou a mão pelos fios da franja da irmã, bagunçando-os, ao que ela protestou, rindo. Enquanto o rapaz foi tomar um banho, Kikyou tentou não ficar lembrando da ausência de carne em sua sopa de legumes. Logo, Inuyasha retornava à cozinha e ambos se sentavam à mesa. Iriam começar a dar graças pelo jantar quando ouviram o ruído de chave abrindo a porta da sala.

— Andy? — estranhou a jovem, vendo o irmão entrar meio esbaforido na sala, sendo seguido por um entregador de mercado. Inuyasha ainda estava com a colher na mão.

— Aqui, por favor — dizia Miroku, indicando a mesa da sala para que o entregador colocasse ali pacotes de compra. Um, dois, três...

— M-Miroku, o que... O que significa isso?! — indagou Kikyou, a mão no peito, estupefata. Enfim, o entregador terminava sua tarefa e se despediu dos irmãos, indo embora.

— É n-nosso, Ann — afirmou ele, com os olhos rasos d’água. Inuyasha o abraçou e desatou a chorar, emocionado. — Eu ganhei uma g-gorjeta por uma corrida extra...

— Meu Deus! — exclamou ela, se atirando nos braços dos dois e soluçando. — Eu iria d-dar sopa sem carne p-para o seu irmão agora mesmo, Andy... Que dádiva do céu!

Os Wright choraram comovidos e celebraram a boa nova por alguns instantes.

Meia hora depois, Sandie Cameron, sentada sobre os degraus do micro-ônibus de Miroku, estacionado na rua de trás da casa dele em Wetherby, viu seu companheiro se aproximar, vagarosamente, com os olhos avermelhados.

— Como foi?

— F-foi tão... Não sei dizer — respondeu ele, a voz embargada.

— Pobrezinho... Não chore — murmurou ela, se levantando e lhe abraçando de forma casta e singela. — O pior já passou.

— E-eu vou pagar à s-senhora, Mrs. Cameron, eu...

— Ah, dá um tempo, Andy. Se tentar me pagar, juro que não falo mais com você. Você disse que não aceitaria um presente em roupas, então imaginei que aceitaria uma compra de comida... E, já que combinamos que você será meu motorista particular, então... Se você não vê como presente, veja como pagamento adiantado.

— K-Kikyou vai poder se despreocupar de c-compras de mercado por uns dois meses... — e ele recomeçou a chorar e a abraçar Sango, feliz. — Se você visse os olhos d-dela, Mrs. Cameron...

A escocesa, contudo, se pôs a beijar todo o rosto do rapaz. Logo eles embarcaram e voltaram para Coventry, onde, naturalmente, Sango impediria Miroku de ir embora e o casal passou a madrugada inteira desfrutando do corpo um do outro.

 

***

 

1 — Bya cool: ‘Bya legal’, que é como Kanna entende o nome do Byakuya.

2 — Sàmhach: ‘Quieto’, em gaélico escocês.

3 — Citei o nome deste medicamento aqui, mas tenho sérias dúvidas se o procedimento é esse. Caso alguém que estude Medicina/Enfermagem/whatever saiba, favor informar para que eu corrija o trecho. ;-)

4 — Damn it: P**ra!

 

 


Notas Finais


Volto depois para editar estas notas.
Obrigada, leitores, e obrigada, @EllieSilva, pelo auxílio! <3

~Okaasan


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