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História Nem por Meio Milhão de Libras! - "Brindo à casa, brindo à vida; meus amores, minha família"


Escrita por: Okaasan

Notas do Autor


Oi, pessoal. Mais um capítulo!

Corri para atualizar a fanfic logo, para aproveitar a "febre" da inspiração. Às vezes fica muito difícil eu publicar com regularidade: é casa, emprego, marido, filho, outras fics travadas... kkkkkkkkk Enfim, cá estou eu para agradecer a cada um de vocês pela imensa paciência (até porque a maioria de vocês curte a minha pobre e sempre atrasada fanfic "Vulneráveis"). #TodasChoraPeloMalditoBloqueio

A imagem de capa do capítulo foi retirada do Pinterest, créditos ao fotógrafo...

Capítulo cheio de misticismo e tensões para todos os lados.

Boa leitura!

Capítulo 32 - "Brindo à casa, brindo à vida; meus amores, minha família"


Fanfic / Fanfiction Nem por Meio Milhão de Libras! - "Brindo à casa, brindo à vida; meus amores, minha família"

 

Uma lágrima ainda escorria pela face de Ann Kikyou quando ela abria a porta de sua casa. Para sua agonia, seus dois irmãos a esperavam sentados no sofá — Raymond Inuyasha a olhava com braveza, ao passo que Andrew Miroku parecia estar condoído. O caçula tomou a dianteira:

— Onde é que você passou o dia, Ann Kikyou? Você quer nos matar de preocupação?

— Ray... Por favor... — começou ela, sendo interrompida.

— Nem pense em me chamar de Ray! Você nos deve uma boa explicação para ter chegado aqui a essa hora. Que roupa é essa? Com quem você estava? É assim que você dá o exemplo, é?

— Inuyasha, vá com calma. Olhe o estado dela — aparteou Miroku, se colocando de pé e indo até sua irmã mais velha. Kikyou havia abraçado a bolsa e chorava em silêncio. — Ann... Que tal um ensopado de músculo? Fomos nós que fizemos. Você irá se sentir melhor depois que jantar.

A moça olhou para os rapazes, abalada. Temia que ambos a desprezassem enquanto primogênita da família quando ela lhes contasse o sucedido do dia, mas não era de seu feitio mentir. Inuyasha, após alguns minutos olhando para ela, abrandou o tom de voz:

— Você deve estar com fome. Eu vou esquentar o ensopado para você jantar, está tarde.

— Não quero — balbuciou ela, ansiosa por chegar ao seu quarto e se ver sozinha. — Não se preocupem, não estou com fome.

— Bem, se você não está com fome, então... — Miroku puxou-a gentilmente pelo braço, fazendo-a se sentar sobre o sofá velho. — Queremos ouvir sobre o seu dia, mana. E, mais do que tudo, precisamos saber com quem você estava lá fora.

— V-vocês ouviram...?

— Eu queria ter ido lá, mas Andy não deixou — queixou-se Inuyasha, fazendo um bico emburrado. — Queria ter ido para tirar satisfação com o cara que te fez chorar.

— Inu, deixa que eu falo com ela — interveio Miroku, se sentando ao lado de Kikyou. — Sejamos sinceros: ouvimos parte da sua conversa com o tal homem, sim. Mas preferimos não fazer nenhuma conclusão precipitada. Pode nos dizer quem era ele?

A jovem ergueu o olhar magoado para seus irmãos.

— Era... Mr. Naraku Octavio, coordenador do Instituto Craddock.

— Bem que eu notei que aquela voz de ator pornô não me era estranha — rosnou Inuyasha, cerrando os punhos. Kikyou o encarou com estranheza:

— Voz de ator pornô? E por acaso você anda vendo pornografia, Raymond?

— Keh! Não é nada disso... Vamos, vamos, continue. O que vocês estavam fazendo lá fora? Estavam gemendo, depois você começou a chorar. Se ele tiver tentado te forçar a transar com ele, eu juro que vou a Londres arrancar o que ele tem entre as pernas, aquele viado infel-

— Inuyasha... Chega — interrompeu-o Miroku, severo. Aquilo estava acuando a pobre Kikyou. Logo o jovem motorista tocou de leve o ombro da primogênita, dizendo: — Mana, conte tudo.

Assim, a jovem presbiteriana narrou resumidamente, entre um acesso de choro e outro, intercalado com as interrupções de Inuyasha, como conhecera o psicanalista espanhol e o quanto se envolvera sentimentalmente com ele. Omitiu o impasse de seus desejos sexuais despertos pela influência de Naraku, no entanto Miroku era bem sagaz e notou como sua irmã ficava rubra em meio à narrativa. Inuyasha, por sua vez, não facilitava as coisas:

— Ah... Então você o viu na ópera? Bem que eu vi que você chegou diferente. Ele te beijou?

— M-mas que pergunta indiscreta, Inuyasha! — queixou-se Kikyou, morta de constrangimento.

— Se tiver beijado, o que é que tem, Kikyou? — foi a vez de Miroku considerar. — Beijar é um gesto de carinho.

— É óbvio — redarguiu o caçula. — Não precisa ter vergonha, mana. Beijar é normal, não precisa ficar tão envergonhada. Não é como se ele tivesse chupado a sua xaninha.

— INUYASHA! — berrou a jovem, escandalizada.

— O quê? Por que gritou? — súbito, Inuyasha arregalou os olhos deduzindo erradamente o motivo daquela reação de sua irmã: — Mana, ele te deu uma chupada também?! Aquele maldito! Ele vai me pagar por ter feito essas putarias com...

— Já chega! Chega, Inuyasha!

— Ou foi você quem o chupou? Ou, pior ainda... Vocês se chuparam ao mesmo tempo?

— CHEGA! Seu louco! Nada disso aconteceu! — Kikyou deslizou as mãos pelos cabelos, agoniada. — Acha mesmo que eu permitiria que ele desonrasse meu corpo dessa forma?

— Eu não acho... Inu, seu tarado, você só pensa em chupar! Misericórdia — respondeu Miroku, muito sério. — Isso seria demais.

— Pelo menos você me entende — suspirou a moça. Contudo, o motorista acrescentou:

— Mas conhecer esse cara abalou suas estruturas, mana. Você gosta de se masturbar pensando nele?

— MEU SANTO DEUS! EU NÃO MEREÇO OUVIR ISSO! — e, furiosa, Kikyou tomou sua bolsa e foi direto para o quarto, fechando a porta. — E VOCÊS DOIS, CHEGA DE FALAREM DESSAS PERVERSÕES SATÂNICAS DO DEMÔNIO E VÃO DORMIR!

Os dois rapazes foram para a porta do quarto, postando-se ali, intentando prosseguir com a conversa.

— Mas, mana, você fala de um jeito tão extremista... — acrescentou Inuyasha, olhando para a porta fechada. — Não foi o demônio que criou o pênis e a vagina; o tesão e o sexo são criações de Deus também, sabia?

— Não complique as coisas, Inuyasha. Calma, Ann, nós só queremos te ajudar... — afirmou Miroku, um pouco mais sério agora. — Nós ouvimos o que aquele cara te disse, sobre você estar confusa sobre seus sentimentos por ele. É normal você se apaixonar, sentir atração sexual por um homem, se masturbar, transar, essas coisas. Só não é normal você sofrer desse jeito. Pois, como o Inu disse, isso é criação de Deus. E Deus não nos faria com esses desejos apenas para sofrermos com medo de um possível castigo.

— Se você tivesse confiado na gente, teríamos te ajudado a ver que aquele safadão estava apenas querendo te levar para a cama.

— E-ele não me levou para a cama — suspirou ela, voz embargada, dentro do quarto. — N-não aconteceu nada disso. Nós só... Nos beijamos e eu... Me apaixonei por ele. Ou... Não sei, ele m-me deixou tão confusa!

— Sabe, Kikyou — interveio o motorista. — Pode parecer que estamos sendo cruéis, mas a única coisa que queremos de você é sinceridade. Queremos saber se é possível continuar a vê-la como exemplo, como era no passado.

— N-não sei se sou mais um exemplo depois disso tudo... — confessou Kikyou, largada na cama, abraçada a um travesseiro.

— Você vai continuar a ser exemplo para mim se admitir que tem suas falhas e erros, mana — replicou Inuyasha, meio triste. — Eu aceito e perdoo qualquer coisa errada que você fizer, desde que você não seja hipócrita e tente tapar o sol com a peneira.

— Queremos que você aprenda a se aceitar como ser humano com defeitos, Kikyou. Não finja ser o que não é. Nós somos seus irmãos mais novos e precisamos da garota forte e independente que você sempre foi. Mas, se você se afundar nessa hipocrisia do fanatismo religioso, tudo o que vai conseguir é uma doença mental. E duvido muito que Deus vá receber esse sacrifício.

A porta se abriu de novo e Kikyou pôs o rosto choroso para fora.

— Perdoem-me, eu... Eu tenho agido de forma muito ruim com vocês e... C-comigo mesma — murmurou ela, logo sendo abraçada com força pelos dois rapazes.

— Amamos você, Ann — comentou Inuyasha. — Amamos muito. De verdade.

— E queremos muito que você seja feliz — concluiu o motorista.

— Também amo vocês — soluçou a jovem. — V-vocês são os melhores irmãos que Deus poderia ter me dado. Agora... Vamos dormir, estou morta de cansada.

 

***

 

Naraku Octavio sonhava acordado com um momento alegre e colorido de sua terra natal, onde Ann Kikyou sorria para ele, feliz. Chinelos nos pés de ambos, flores nos cabelos dela. O psicanalista a beijava o tempo todo, fazendo-a corar e dar risadinhas.

O céu azul de poucas nuvens era uma visão revigorante. Era verão em León; as pessoas borbulhavam nas ruas enfeitadas para a festa de São Pedro. Um quarteto de ciganos tocava uma canção antiga, Chei Chovorriho. Para surpresa de Naraku, Kikyou começou a dançar, desinibida, chamando-o com um dedo. Os dois se entregaram à melodia contagiante e rodopiaram pela calçada, sem o mínimo medo.

Não havia razão para ter medo, ela o aceitava por inteiro. Ela tinha dito que o amava. Ela dissera, inclusive, que o desejava. O espanhol fechou os olhos, sentindo o coração pulsar forte em seu peito. Kikyou era dele, ele era dela. O toque daqueles lábios suaves e o calor daquele corpo virginal em contato com o seu era a mais doce poesia.

Entretanto, um cheiro estranho de desinfetante de menta invadiu suas narinas; mesmo de olhos fechados, ele percebeu uma intensa claridade a seu redor. Devagar, abriu os olhos e levou um susto ao se descobrir num hospital.

— Ei, o que... — ia dizendo o psicanalista, tentando se sentar na maca e ficando tonto em seguida. Fechou os olhos com força; lembrou-se do perseguidor, da fuga em alta velocidade. — O que aconteceu comigo?

— Graças a Deus, você acordou — soou uma voz masculina que fez Naraku abrir os olhos imediatamente. Sentado numa cadeira ao lado de seu leito, estava ninguém menos que Bankotsu Stewart, seu colega de trabalho e, agora, desafeto.

— Stewart?! O que você está fazendo aqui?!

— Eu estava de passagem por aquela rodovia quando vi o acidente. Prontifiquei-me a aguardar aqui até que você recobrasse a consciência.

— Hmm?! Onde estamos?!

— Wakefield.

O espanhol ficou uns instantes com o olhar perdido; lembrou-se então da perseguição que sofrera e, intrigado e ainda incomodado com a presença de Bankotsu ali, indagou:

— E o outro carro?!

— Que outro carro?

— Tinha um carro me seguindo! Foi por isso que corri.

O escocês encarou Naraku, que estava pálido.

— Não ouvi nenhum comentário acerca de outro carro. E olhe que eu estive presente em seu socorro pelos paramédicos e a polícia rodoviária. Sente alguma dor?

— Não, só estou meio tonto... — e ele se pôs a olhar para o próprio corpo, à procura de ferimentos. Aparentemente, estava são.

— Graças a Deus você não se feriu — reiterou Bankotsu, seriamente, mas com sinceridade. Naraku deu de ombros.

— Eu diria “graças ao air-bag”.

— Não seja ingrato, DeMarco. Você estava a 130 km/h e se chocou contra uma árvore. Seu carro ficou em frangalhos, mas você não sofreu sequer um arranhão. Se não fosse por Deus, você poderia estar morto ou incapacitado.

— Poupe-me. Eu não acredito em nada disso.

— Deveria acreditar depois desse acidente...

— Não, não e não. Por que vocês, crentelhos, são tão insistentes? Você é igualzinho a Kik- — e Naraku se calou antes de dizer por completo o nome da amada. — Digo, vocês são todos irritantes. O ser humano tem livre arbítrio, é livre para fazer o que quer e receber em seguida as consequências pelo que faz. Eu sou livre para crer que sair ileso de uma batida de carro não prova a existência de deus nenhum.

Bankotsu respirou profundamente antes de perguntar:

— Em que se baseia para afirmar a não-existência de Deus?

— Não sou “apenas” eu e sim uma quantidade considerável de pensadores e pesquisadores. Freud, por exemplo, disse que quem acredita num Deus Criador é delirante e não pode ser considerado apto a ser levado a sério.

— Então, devo jogar Einstein e a Teoria da Relatividade no lixo? Einstein cria em Deus.

— Não, óbvio que não.

— Então, me responda: como o universo se originou, do nada?

— Ora — o espanhol fez um muxoxo. — Não tem como o “nada” criar alguma coisa. O universo se originou através do fenômeno Big Bang.

— Hum... Então o universo teve um início. E quem originou a vida no universo? O próprio universo?

— Não me arrisco a dizer tal coisa. Um efeito deve se assemelhar à sua causa; não faz sentido eu dizer que um universo impessoal e amoral criou sequer um único ser humano, complexo, cheio de paixões e loucuras... Mas não quer dizer que há um deus lá em cima que crie pessoas para serem mortas, injustiçadas, sofredoras e depois as mande para um inferno eterno. Se esse deus existe, eu prefiro não acreditar nele.

— Sei...

Bankotsu deduziu que o espanhol afirmava desacreditar na existência de Deus por algum motivo pessoal muito forte.

— Com licença — disse um médico, se aproximando e se dirigindo a Naraku, que agora estava de pé. — Mr. Ferguson?

Ay, que nome cafona... — lamentou-se o espanhol. — , soy yo.

— Está se sentindo bem? Permita-me conferir sua pressão arterial, com licença — e o médico o examinou. — Normal...

— Não estou sentindo nada. Posso ir embora?

— O senhor está liberado. Não houve sequer um ferimento em decorrência da batida.

— Eu vou acompanhá-lo, doutor — afirmou Bankotsu, recebendo um olhar de total surpresa de Naraku.

— Acompanhar-me? Quem, você?! Não precisa, Stewart. Eu posso pegar um táxi.

— O seu amigo pode levar o senhor embora — comentou o médico. — Caso sinta alguma dor, volte para o hospital.

Sem que desse tempo de o espanhol processar todas aquelas informações sobre seu acidente que vitimara apenas o seu carro, o escocês o segurou gentilmente pelo braço e o puxou para fora da enfermaria. Não demorou para que Naraku se soltasse dele, encarando-o com estranheza.

— Mas o que deu em você?!

— Em mim? Nada, só estou sendo sensato. Você acabou de sofrer um acidente, DeMarco, e ficou inconsciente por mais de uma hora. Saindo sozinho a esta hora da madrugada na rua, você pode ficar ainda mais vulnerável.

— Eu não estou vulnerável, seu cigarrón metido a bom samaritano. Só fui pego de surpresa por... — a cabeça do psicanalista pareceu girar e ele teve mais uma vertigem. Fechou os olhos com força, enquanto parava de andar imediatamente, para que não caísse. — P****.

— Venha comigo, seu teimoso — e o professor escocês saiu levando o espanhol desorientado para fora do hospital. — Eu te deixarei em Londres. Seu carro tem seguro?

— Tem... Mas...

— Fique calado, não gaste energia falando. Procure descansar.

Meio atarantado, Naraku se viu aceitando o auxílio de Bankotsu, que o conduziu até seu próprio veículo e o acomodou no banco traseiro. Logo os dois se ausentavam dali, calados e seriíssimos.

— E Jakotsu, Stewart?

— O que tem ele? — replicou o escocês, com cara de poucos amigos, olhando para a rua com atenção enquanto dirigia.

— Pensei que você tivesse notícias dele. Faz tempo que não o vejo.

— Por que eu teria notícias dele?

— Porque vocês têm um caso... Um rolo, sei lá.

— Então, você deve ter notícias de Ann Kikyou também. Afinal, ela é muito importante para você, não é? — retrucou Bankotsu, em tom de troça. Naraku cerrou os punhos, dizendo em voz baixa e perigosa:

— Deixe Ann Kikyou fora da conversa, Stewart.

O semáforo indicou sinal vermelho; o veículo parou. Aproveitando, Bankotsu virou para encarar o espanhol com uma expressão nada amigável.

— Sem problemas. Basta que você deixe Jakotsu fora da conversa também, DeMarco.

Carrancudos e calados, os dois seguiram viagem. Apesar da insatisfação de ter que aceitar a caridade daquele escocês, Naraku se sentia interiormente grato por não estar mais sozinho. Ocasionalmente, analisava os traços do rosto do outro homem — lábios bem desenhados, olhos vivazes e castanhos, nariz bem apessoado, cabelos lisos. Bankotsu era belo e atraente; o incômodo do espanhol cresceu, enquanto ele se perguntava se Kikyou se sentiria atraída por aquele professor. “Esse crentelho filho da p*** é muito mais bonito do que eu”, refletia o espanhol, diminuído.

Por outro lado, o escocês procurava não ficar se lembrando do quanto lhe machucara saber que aquele indivíduo no banco traseiro de seu carro havia desfrutado do corpo de seu grande amor. Bankotsu era evangélico e amava sua religião; no entanto, perdoar era algo bastante difícil para ele. Acudir Naraku após aquela batida de carro e levá-lo para sua casa em segurança era uma atitude cristã, porém dolorosa.

Será que, um dia, conseguirei esquecer isso tudo? Será que poderei ser feliz com Jakotsu, sem nenhum obstáculo entre nós?”, pensava ele, também observando o psicanalista com atenção pelo retrovisor e enfim dando um suspiro de alívio ao vê-lo ceder à exaustão e dormir. Bankotsu se sentia curioso sobre o porquê de o espanhol não ter ainda “atacado” a jovem Kikyou de forma mais agressiva, já que ela era inexperiente e, sem dúvida, uma presa fácil para um sujeito como ele — bonito, sedutor e desinibido.

Se não fosse por Kikyou, eu jamais teria esse olhar mais humano para você, Naraku. Continuo não gostando de você, mas... Hoje vejo que você tem valor debaixo dessa capa de conquistador barato e promíscuo.”

Horas depois, os dois chegavam à Cidade de Londres. Naraku despertou, meio tonto, ao ouvir a voz do colega de trabalho perguntando a ele onde era sua casa. Informado o endereço, Bankotsu rumou para lá, enfim chegando ao seu destino. O espanhol suspirou, aliviado e triste. Aquele escocês era a última pessoa que ele desejava ter como companhia, mas era melhor que ficar sozinho.

— Quer ajuda para descer? — inquiriu Bankotsu.

— Não... Não, eu estou bem, gracias. Posso descer sem ajuda.

Naraku desceu do veículo, olhando perdido para o próprio portão. Forçadamente, se virou para o presbiteriano.

— Por que fez isso, Stewart?

— Isso o quê?

— Você me... Ajudou.

— É meu dever de cristão.

— Mentira, não é nada disso. Você me odeia. Seja sincero, por favor.

O moreno suspirou pesadamente, muito sério.

Odiar é uma palavra muito forte. Não gosto de você. Além de ter ficado com o homem que amo, você constantemente tem magoado uma grande amiga minha. Você não merece Kikyou, DeMarco. Ela é uma garota linda, amorosa e solidária. Contudo, é a você que ela ama. Eu, como cristão e amigo dela, jamais poderia ser insensível a ponto de não tentar olhar para você com misericórdia. Sei também que, apesar de ser um promíscuo, você não é mau. Faria o mesmo por mim, se me visse passando apuros.

— Ah... — fez o outro, azul de constrangimento. A culpa o consumiu: talvez Bankotsu não o tivesse ajudado caso soubesse do que ele havia feito a Kikyou horas atrás. — Então, b-boa noite. Obrigado.

— Disponha. Caso se sinta mal, pode me telefonar — respondeu o escocês, ligando o carro. — Estarei aqui em Londres durante o fim de semana.

Cierto. Ah... Obrigado.

O espanhol deu as costas devagar, quando ouviu Bankotsu exclamar de dentro do veículo que partia:

— Faça as pazes com Deus! Ele nunca quis o seu mal, DeMarco!

Naraku olhou silencioso para o carro que rapidamente sumia de seu campo de visão. Remexendo nas chaves e abrindo o portão de sua casa, o espanhol disse a si mesmo, melancólico:

— Esperei por Deus e pela minha mãe durante mais da metade da minha vida. Nenhum dos dois apareceu para me salvar. Então não sou obrigado a esperá-los mais. Cansei.

 

***

 

Algumas horas antes, Rin Tibiriçá e Shippou Vasconcelos estavam sentados na porta da garagem da mansão onde a brasileira vivia. Já bem mais serena e calma, a morena ouvia o ruivinho cantar algumas das músicas brasileiras novas que ele aprendera consigo. Ele, dessa vez, estava sem o violão.

— Amei “Pescador de Ilusões”, Rin, até aprendi os acordes. Quando estiver com o violão, vou tocá-la para ti.

— Ah, que bom, Shippou! Eu vou adorar. Gosto muito de O Rappa — sorriu a morena, estalando os dedos. — “Valeu a pena, ê ê, valeu a pena, ê ê...

— “Sou pescador de ilusões” — completou o jovem português. Ambos riram de satisfação. Logo o olhar de Shippou se iluminou:

— Rin, tu conheces “Mar de Gente”, dessa mesma banda?

— “Mar de Gente”? Tô lembrando não.

— É assim... “Brindo à casa, brindo à vida, meus amores, minha família... Atirei-me ao mar, mar de gente onde eu mergulho sem receio...”

Rin colocou o queixo sobre as mãos, apreciando a voz do amigo e a letra da canção, sem deixar de sentir certa melancolia por Shippou. Ele era órfão e morava sozinho, deveria sentir falta de familiares; por mais que o ruivo se envolvesse bastante nas atividades religiosas, sempre teria aquele momento de solidão, pensava a brasileira.

— “Essa é a luz que eu preciso: luz que ilumina, cria e nos dá juízo... Essa é a luz que eu preciso...” — e assim Shippou cantou a canção toda, enquanto Rin lhe sorria para disfarçar a comoção.

— Essa música também tem “ê ê”, né? — riu ela.

— “Aiôa ê ê, aiôa é”... Sim, tem.

— Sabe o que eu acho, Shippou?

— Não. Diga-me.

— Acho que esses caras deve ter se inspirado pra fazer essas letras na escola, quando aprendiam as vogais...  — e eles riram juntos do aparte bobo. — Ah, Shippou, canta aquela “Maria e o Anjo”?

— Tu gostas mesmo dessa canção, hum? — indagou ele, divertido com o jeito espontâneo da jovem.

— Gosto muito. Eu amo Nossa Senhora, ela é massa demais!

Massa? Como assim? Massa é macarrão, não?

O carro de Sir Anthony Ferguson acabava de chegar no local, levando os jovens a ficarem quietos. Ele e Izayoi acabavam de descer, tendo o nobre solicitado antes a Jaken que colocasse o carro para dentro; os três tinham ido ao Centro Espírita de Paddington. Nesse momento, Shippou se pôs de pé, comentando:

— Rin, minha hora é chegada. Devo partir, já se faz tarde. Terça-feira tu e Kohaku estarão conosco, não é?

— Se Deus quiser. Enquanto eu estiver morando aqui, quero ir rezar com vocês toda semana.

— Boa noite... É seu amigo, Rin? — soou a voz do nobre ali ao lado deles. Ele parecia um pouco preocupado com algo e Rin o percebeu.

— Boa noite, queridos — disse Izayoi, se aproximando. A bela espanhola estava com as escleras dos olhos avermelhadas como quem havia chorado há pouco; ela estendeu a mão para Shippou. — Eres tú o líder da comunidade católica onde nuestra chica frequenta?

— Bem, sim... Meu nome é Shippou, senhora e senhor — disse o ruivinho, olhando de Izayoi para Toga. — Prazer em conhecer-vos.

— O prazer é nosso — respondeu o loiro, gentilmente. — Rin, por que não o convidou para entrar?

— Não, obrigado. Estava de saída...

Izayoi havia fixado os olhos em Shippou de maneira indisfarçada, analisando cada detalhe do rosto alvo com sardas. O rapaz corou, envergonhado; contudo, não se podia dizer que o jovem português achava ruim. Aquela mulher tinha um brilho próprio e incomum, o que atraiu também a atenção dele. Rin e Toga se entreolharam, aturdidos; aquela troca de olhares ostensiva era muito estranha.

— Err... — começou o ruivo, tímido. — Com vossa licença, preciso voltar para casa.

— Você... Pode vir sempre que quiser, meu querido — afirmou Toga, tentando amenizar o clima denso e dando um aperto de mão em Shippou. — Vamos gostar de recebê-lo.

— Ah... Madre de Dios — sussurrou a espanhola, como que saindo de um transe. — S-sim, meu querido, venha nos ver mais vezes. É uma pena que já esteja indo embora.

A mulher estendeu a mão para Shippou, a fim de cumprimentá-lo; no entanto, algo saiu de seu controle e ela o surpreendeu vivamente ao envolver o baixinho num abraço terno e afetuoso, do qual ambos se apartaram um tanto emocionados. Ainda mais envergonhado por sentir aquele estranho nó na garganta, o ruivinho se despediu brevemente de todos e montou em sua moto, partindo em seguida.

Então os olhares recaíram sobre Izayoi, que parecia um tanto espantada ainda, lágrimas umedecendo sua face consternada. Incomodado, Toga pegou em sua mão:

— Amor, acho que precisamos ir lá para dentro.

— Eu... Eu não s-sei o que houve — admitiu ela, chorando. Rin interveio, perguntando, enquanto caminhavam para dentro da propriedade:

— O que aconteceu, afinal?!

— Iza recebeu... Uma mensagem psicografada na reunião. A carta diz o que aquele senhor do lar de idosos havia dito: que seu filho está vivo, neste país.

Mensagem psicografada?!

— Sim, querida. Psicografia é o dom de registrar por escrito as mensagens de uma pessoa desencarnada, ou melhor, morta.

— Já ouvi falar disso — admitiu a morena. — Lá no Brasil tinha um velhinho que recebia essas mensagens e cartas... Ele usava uma boina. Esqueci o nome.

— Chico Xavier — afirmou o loiro. — Nós temos os livros dele. Admiramos muito o trabalho de caridade que ele fazia.

— Foi ele que mandou essa carta? — indagou Rin, curiosa.

— Não, Rin, não foi o Chico — murmurou a espanhola, comovida. — Foi o próprio pai do meu filho...

 

***

 

No dia seguinte, na residência da família Wright, Inuyasha foi o primeiro a se levantar; tinha marcado uma aula de reforço para uma menininha do quarteirão. O jovem moreno, plenamente feliz por estar com seus dois irmãos em casa, teve uma ideia e, assim que terminou de se arrumar para sair, resolveu fazer um agrado para Miroku e Kikyou.

A jovem presbiteriana, apesar da mágoa e da confusão sentimental que estava experimentando, dormira profundamente um sono sem sonhos e acordou razoavelmente descansada. Levantando-se, Kikyou fez sua higiene matinal e sorriu largamente ao ver que o caçula preparara “carrinhos” de pão francês decorado para o desjejum da família. Inuyasha havia cortado rodelas de tomate-cereja para as rodas, fatias de queijo como as placas do carro e um ovo cozido como condutor. Uma “tampinha” de pepino ia no topo do ovo, como se fosse um chapeuzinho, e o arranjo todo estava pregado com palito de dente; acompanhando, um suco fresco de toranja. Miroku, que também acabara de se levantar, chegou à cozinha e bateu palmas para o irmão.

— Mas que criatividade, Inu! Adorei!

— Keh! Eu só quis brincar um pouco com vocês. Nem é isso tudo — replicou o caçula, meio tímido.

— Mas é verdade — concordou Kikyou, se aproximando de Inuyasha e afagando de leve seus cabelos. — Ficou uma gracinha, Inu, parabéns. De onde você tirou essa ideia?

— Da internet. A gente está precisando rir mais nessa casa, sabe?

A mais velha revirou os olhos, sem conseguir reprimir a risada. Sentou-se à mesa, observando o cuidado com que o caçula analisava seu material pedagógico e a forma como estava vestido. Kikyou tentou não dar ouvidos à vozinha insistente em sua cabeça que lhe forçava a ver que seu garotinho se tornara um adulto. Alheio a tudo isso, Miroku vinha do banheiro e se sentou à mesa também.

Inuyasha já havia comido seu desjejum, no entanto acompanhou de bom grado a pequena oração em ação de graças de seus irmãos mais velhos. Eles tinham o costume de orar juntos todas as manhãs à mesa; isso fortalecia seus laços de afeto. Miroku olhava divertido para seu “carrinho” de pão e demorou um pouco a comê-lo, fazendo piadinhas e provocando risos nos outros dois. Era tão bom estarem juntos como antes — os três se sentiam mais leves.

— Inu — afirmou Miroku, depois de finalmente haver devorado seu pão. — O que é que você está fazendo que ainda não pediu emprego em uma escolinha ou creche?

— Andy, ele é um administrador... Como daria certo um administrador lecionando para crianças? — aparteou Kikyou. Inuyasha deu de ombros.

— Ah, eu não sei se seria um bom professor de creche. Acho que gostaria mais de ser alfabetizador, sabe? Seria muito gratificante. Eu adoraria trabalhar com o pré-primário¹.

A moça ficou surpresa. Não sabia que seu irmão gostava da área de ensino; imaginava ela que as aulinhas particulares de reforço de Inuyasha eram somente um “bico” para ele.

— Inuyasha... Você gosta de dar aula?

— Se eu gosto?! É a minha paixão, Ann! Simplesmente a melhor profissão do mundo. Sinto que nasci para isso.

— Eu sempre pensei que Administração fosse o curso mais adequado para você.

Raymond Inuyasha, já de pé, olhou profundamente para Ann Kikyou. Não queria magoá-la, mas precisaria ser sincero. O costume de anotar todas as suas emoções trouxera a ele um maior conhecimento de si mesmo e, aos poucos, uma segurança maior em si. Procurando usar as palavras certas, o caçula disse:

— Eu sei, mana. Eu sei que você quis me ajudar da melhor forma. Só que minha vocação é outra.

— Acha que eu errei? — disparou ela, se sentindo minúscula.

— Mana...

Os dois irmãos se olhavam intensamente; Miroku observava a cena, receoso, temendo que Inuyasha respondesse algo que magoasse a primogênita. No entanto, Inuyasha deu um sorriso contido, porém sincero:

— Keh! Claro que não, sua boba. Hoje tenho um curso superior de uma graduação importante, feita em uma das melhores universidades do Reino Unido, porque VOCÊ acreditou que eu seria capaz; me fazia acordar cedo para estudar, deixava de comprar coisas para você por preferir comprar livros para mim.... Bem... Aqui estou eu. Cheguei até aqui por sua causa. Posso não ter vocação para administrador, mas consegui algo grande na vida. Graças a Deus e a você, mana.

A jovem saltou da cadeira e se lançou nos braços do irmão, emocionada. Os dois rapazes correram a consolá-la, vendo que Kikyou estava extremamente sensível dadas as circunstâncias.

— Ultimamente e-eu ando tão chorona... Me perdoem — ciciou a jovem.

— Não seja boba, mana. É uma fase. Vai passar.

Inuyasha beijou o rosto de Kikyou, sendo imitado por Miroku e saindo enfim para a rua. O motorista tinha coisas a resolver também. A jovem ficou em casa, cuidando de limpar a mesa e lavar a louça. Como os dois garotos haviam feito uma boa faxina no dia anterior, não havia muito o que fazer e a primogênita poderia desfrutar de alguns instantes de folga.

Só então ela voltou ao quarto, pegando o smartphone que o espanhol havia lhe entregado. Kikyou achou meio estranho que a imagem de bloqueio da tela do aparelho fosse uma foto estilizada de Michael Jackson. Seus olhos percorreram o menu em busca do que ela mais queria: o player de música. Abrindo-o, a jovem teve a grata satisfação de ver que havia mais de trinta canções de Yanni, o seu músico favorito. Ouviria aquelas músicas com o maior prazer mais tarde.

Logo encontrou a galeria de fotos e, antes de clicar no ícone, enrubesceu. Provavelmente o rosto de seu amado estaria ali. Suspirando, Kikyou tomou coragem e começou a olhar as fotografias de Naraku. Até então, havia registros dele com a família: a madrasta, a menina brasileira, John Sesshoumaru, Kagura e, principalmente, uma menininha loira que não sorria. Ver o brilho no olhar do psicanalista naquelas imagens pueris não deixavam de ser um consolo para Kikyou, que suspirava ao ver aqueles sorrisos.

— Ele tem uma boca meio grande — comentou ela, divertida e cheia de saudades.

A seguir, havia uma sequência de fotos de Naraku sozinho em um cômodo que Kikyou reconheceu como o quarto dele. Sério, sorridente, fazendo caretas, colocando uma mecha de cabelo sobre a boca e fazendo bicos... A moça acabou rindo.

— Gente, ele é muito moleque... Parece até que não cresc- IIIIIIIRC! — berrou, apavorada. A foto da sequência mostrava Naraku muito bem arrumado e maquiado num local que lembrava um escritório; entretanto, ele abrira o zíper da calça e expusera seu pênis rijo, grosso e tão branco quanto suas mãos, trazendo no rosto uma expressão artificial de inocência; ou seria distração?

A primeira reação de Kikyou foi colocar o celular virado para baixo na cama e levar a mão ao peito, assustadíssima. Como seria possível que ele tinha coragem de fazer uma foto tão pervertida?

Porém... a curiosidade crescente lutava por espaço dentro da jovem presbiteriana, que, olhando para o smartphone como se este fosse um animal peçonhento, virou-o. Lá estava a mesma imagem, descarada. Suando frio, Kikyou comentou:

— Deus, me perdoe. Eu não sabia que tinha essa... Essa coisa pornográfica aqui. Tomara que não tenha mais... — e o dedo da moça deslizou pela tela; seus olhos arregalaram-se ao ver que havia, SIM, muitas outras fotos íntimas de Naraku no aparelho. — Mas será possível?! Isso é... Um absurdo! Esse pervertido pecador...

Absurdo que ela devorava com os olhos, até que as fotos do álbum terminaram. Havia outra pasta com um nome simplório — filtros. Trêmula, Kikyou constatou que eram apenas fotos íntimas, incluindo a nudez total do antigo proprietário do aparelho, que exibia o sexo e o orifício anal sem um pingo de pudor. Ela se pôs a olhar foto por foto, reparando em cada parte do corpo de Naraku exposto ali. A pele que parecia ser macia e sedosa, os glúteos pequenos e firmes, as coxas torneadas, os ombros largos, a cicatriz nas costelas... O olhar, que mais desconcertava a jovem, vívido, dominante e sedutor. O espanhol não era exatamente musculoso, mas seu corpo depilado era todo definido.

— Senhor... — balbuciava a moça, enfeitiçada. — Ele... Ele é tão... Oh, my God! Isso é coisa de Satanás!

Um vídeo que apareceu a seguir mostrava o espanhol se masturbando e sussurrando luxúrias. Pelo teor do que Naraku dizia, aquilo tinha sido feito para um homem. Contudo, não foi suficiente para fazer com que Kikyou desistisse de assistir (e se excitar) com aquela descoberta. A jovem nunca havia visto a nudez de um homem adulto; mesmo quando houve o incidente do flagra de seu irmão recebendo sexo oral da namorada no sofá, ela não lhe vira as partes pudendas.

De repente, eis que agora aquilo estava sendo esfregado em sua cara. Assustador, revoltante e, como não poderia deixar de ser, prazeroso para a moça, que não entendia o porquê de se sentir tão atraída por aquele homem.

— Como ele consegue ter esse poder sobre mim...?!

— “Agora relaxe enquanto eu enfio essa rola no seu c* apertadinho, viado gostoso... Ohhh... Vai, geme pra mim, está gostando do meu c******?” — rosnava o rapaz no vídeo, manipulando o pênis e, por fim, introduzindo dois dedos no próprio ânus, levando Kikyou a dar um grito de agonia. Em segundos ele atirava a cabeça para trás e atingia o ápice, exprimindo sua satisfação em alta voz, ao passo que os jatos de seu sêmen atingiam sua barriga e tórax. O vídeo chegou ao fim e Kikyou acabou desligando o aparelho, tremendo dos pés à cabeça.

— Eu... Eu preciso de um banho frio — lamentou-se ela, correndo para o banheirinho da casa. Afoita, jogou para longe de si o pijama e se enfiou debaixo d’água. Temerosa, a jovem tocou o próprio sexo e viu que estava lambuzado de fluidos; ela soltou uma imprecação de revolta. — Não posso permitir que isso aconteça... Eu... Eu não posso pecar, não posso...!

 

***

 

Vendo que não conseguiria dormir, Naraku decidiu não tomar outro comprimido de Rivotril e saiu de casa, indo a pé mesmo para Ferguson Manor. O espanhol ansiava por um ombro amigo depois das suas últimas tempestuosas vinte e quatro horas.

Pouco tempo depois o psicanalista entrava na propriedade, doido por sua família. Deparou-se com seu antigo tutor que telefonava para alguém e, ao vê-lo, exclamou:

— Meu Deus, Octavio! Estamos te ligando há horas! O que aconteceu?!

— Nada, papá — murmurou ele, que tinha até se esquecido de colocar seu cartão SIM no smartphone velho que guardava em casa. — O meu celular... Deu um defeito. Foi isso.

— Bem, que bom que você chegou. Estávamos te esperando. Já fez seu desjejum?

— Já.

— Tomou seus remédios?

— Sim.

— Então, venha. Estamos reunidos aqui na sala de estar.

— Reunidos para quê? — inquiriu o espanhol, franzindo o cenho. De fato, lá estava Izayoi sentada numa poltrona com um papel nas mãos, Rin sentada no tapete e Sesshoumaru sentado na cadeira de balanço. Jaken e Byakuya estavam presentes ali também. Confuso, Naraku cumprimentou a todos e se sentou no sofá ao lado do amigo.

— Amém, irmão Naraku, aleluia — saudou-o o loiro em voz baixa, zombeteiro. — Jesus te ama, já deu seu dízimo hoje?

— Vá se f****, seu filho da p***.

— Ei, parem com isso — ralhou a espanhola, fazendo com que ambos ficassem em silêncio. — Eu pedi para que vocês estivessem aqui porque precisamos conversar sobre algo muito importante.

— Você está com olheiras, Iza, o que houve? — perguntou Naraku, condoído.

— Vou explicar, cariño, espere um pouco... — ela pigarreou e levou um lenço aos olhos já úmidos. — Como sabem, eu tive um único filho que me foi roubado, há trinta anos... E, recentemente, um senhor protestante que eu costumava visitar teve uma experiência sobrenatural onde os espíritos de luz lhe disseram que meu filho estava vivo.

— Posso continuar, mi amor? — pediu o marido. Ela assentiu com um gesto de cabeça. — Desde então, Iza e eu temos feito preces e mais preces a Deus para saber se essa informação era verdadeira ou não, já que isso dilacera a alma dela e também a minha, já que não suporto vê-la sofrer. Aí, ontem, estivemos na casa espírita e, para nossa surpresa, uma médium psicografou a mensagem do pai do filho de Iza...

Naraku e Sesshoumaru fizeram uma expressão de estranheza e ceticismo; Rin pôs a mão sobre o coração, enquanto Jaken e Byakuya, que acreditavam em espíritos desencarnados, se mantiveram quietos e atentos ao que dizia o patrão. Izayoi chorava em silêncio.

— Vou ler. Posso, Iza?

— Sim, querido.

A voz límpida de Toga Ferguson preencheu o ambiente da grande sala. A mensagem dizia o seguinte:

 

Que a Graça e Paz de nosso Senhor Jesus Cristo e o amor de Nossa Senhora sejam com todos.

Meu nome é Takemaru Gonzales, fui um clérigo enquanto estive vivo, na cidade de Oviedo, Espanha. Recebi a grandiosa oportunidade de vir ter com vocês, mais especialmente, com a prezada noviça Izayoi.

Minha nobre Izayoi, eu faleci pouco tempo depois de terem excomungado e expulsado você do convento. Até aquela época, meu coração era endurecido pela maldade e eu não me compadeci de você por ter recebido a sentença dolorosa por um pecado que foi muito mais meu do que seu. Cheguei inclusive a deflorar outras noviças, sendo que, em uma dessas minhas delinquências, uma delas (a noviça Tsuyo, que era sua amiga) estava munida de um canivete e não teve medo de usá-lo contra mim.

Após sentir tamanha dor em meu ventre, tudo se escureceu e despertei num lugar horrendo, cheio de malignidade e angústia. Havia pessoas gritando de dor por todos os lados e então notei que estava no purgatório. Ali fiquei por um bom tempo, sentindo a dor aguda da navalha que me havia cortado em vida. Todos os meus delitos passaram por diante de meus olhos. Confesso que gritei e chorei muito, pedindo a Deus por piedade.

Num belo e alegre dia, porém, anjos do céu me resgataram daquele local horrível e me levaram para um lugar vívido e cheio de luz. Cuidaram de mim e de meus ferimentos; passaram então a instruir nas obras de Deus e só então pude perceber o quanto eu tinha sido um sujeito vil e mesquinho na Terra. Pude conhecer pessoas incrivelmente generosas e uma delas, o nosso querido padre Francisco (você deve se lembrar dele, era o nosso melhor pároco), chamou-me para uma conversa na qual ele me fez pensar no quanto te prejudiquei. Ali, com o coração quebrantado, chorei muitíssimo e implorei pelo perdão do Senhor. Padre Francisco orientou-me a pedir perdão a você pessoalmente e, depois de algum tempo me preparando para tal, recebi essa grande chance. Infelizmente não sei quem é nosso filho, e, ao que parece, você também não sabe, não é verdade? Mas não se preocupe, com certeza os anjos da guarda estão cuidando bem dele. Não desista de encontrá-lo; assim que descobrir onde ele está, eu daqui de cima farei de tudo para protegê-lo dos espíritos inferiores.

Aqui deixo os meus mais sinceros pedidos de desculpas; espero ardentemente que o amor que Deus colocou em seu coração seja grande para me alcançar e me perdoar, não importa quanto tempo demore para isso. Você, prezada Izayoi, é uma alma muito pura. Fico feliz ao saber que conseguiu um esposo de bom coração e uma família unida. Que as bênçãos de Deus e da Virgem Maria possam acompanhar o seu lar e os seus queridos.

Com sinceros votos de felicidade,

Takemaru Gonzalez

 

O silêncio reinava na sala após a leitura da carta. Engolindo o choro, a espanhola retomou a palavra.

— Quero que vocês me ajudem a encontrar meu filho... Por favor. Posso contar com vocês?

À exceção de Naraku, que estava lívido, todos os demais presentes murmuraram um “sim” para Izayoi. Lentamente, o espanhol se pôs de pé e encarou a mulher com uma expressão indefinível no rosto.

— O que foi, cariño? — perguntou ela, confusa.

— Eu não concordo com nada disso. Se você quer gastar dinheiro e tempo correndo atrás de uma mentira, não serei eu a impedi-la, Izayoi.

A rispidez daquelas palavras chocou todo mundo, inclusive o próprio Sesshoumaru, que protestou:

— Mas que p**** é essa, Naraku?! Veja lá como fala com ela!

— Naraku... — fez a espanhola, atônita. — C-como pode dizer uma coisa dessas?!

— DIZENDO! Eu não ligo para nenhuma das suas convicções religiosas, não me intrometo nelas, mas dessa vez passou da conta. Enfim... — ele deu um sorriso sem humor. — Quem sou eu para lhe dizer algo, não é, Iza? Você é adulta, é responsável por suas decisões. Só não me meta no meio dessa palhaçada...

— Octavio! — ralhou Toga. — Você não tem o direito de tratar Izayoi dessa forma!

— Sei que não tenho... Na verdade eu não tenho direito a p**** nenhuma nessa vida — e ele saiu rapidamente de dentro da sala, deixando a todos extremamente atônitos. Rin teria saltado sobre ele e lhe dado uma surra se não estivesse chocada demais para sair do lugar. Sesshoumaru, porém, não foi tão severamente abalado como a jovem indígena e se pôs de pé.

— Vou atrás dele.

— John, é melhor não... — interveio seu pai. — Vocês vão brigar...

— Não tem problema. Eu preciso conversar com ele.

— Mas tu nem sabe pra onde ele foi, Sesshoumaru — opinou Rin, ainda nervosa, as mãos no peito.

— É claro que eu sei, Rin. Eu o conheço mais do que qualquer um de vocês. Não se preocupem. Iza, não o leve a mal.

— Ele n-nunca tinha feito isso comigo — lamentou-se ela. Rin a abraçou, buscando confortá-la.

— Posso acompanhá-lo, Mr. Sesshoumaru? — perguntou Byakuya, solícito.

— Não precisa. Ele não saiu da mansão, posso ir até onde ele está sem ajuda.

E, meio devagar, Sesshoumaru se esquivou dos móveis e saiu pela porta da sala, indo para o lado oposto do quiosque onde Rin treinava capoeira. Ao norte da propriedade, que dava uns dez minutos de caminhada rápida, havia um lago artificial cheio de peixes com um caramanchão florido ao lado.

O local bucólico era raramente visitado, a não ser pelos empregados, por Izayoi, que gostava de rezar ali e por Naraku, que adorava se sentar no gramado e apoiar os cotovelos sobre as rochas do murinho de concreto, ficando assim a olhar os peixes; acalmava sua ansiedade. Por inúmeras vezes Toga o encontrara dormindo ali quando, dezesseis anos atrás, ele se ocultava atrás do muro após fazer uma travessura.

John Sesshoumaru não precisava ser guiado até o local tão bem conhecido por ele; doze minutos depois chegava ali, avistando um borrão negro e vermelho (a camiseta do espanhol) no chão junto ao lado. Lá estava Naraku, sentado no chão, olhando para os peixes.

— Por que fugiu para cá, viadinho?

— Vá chupar o c* do Jaken e me deixe em paz, seu filho da p*** arrombado do c******.

— Eu não, chupar c* é especialidade sua e não minha. Que merda foi aquela com a Iza?!

— Não te interessa.

— Interessa, sim, seu p****, Izayoi é minha madrasta. Eu não te entendo: você a idolatra, mata um por causa dela e, quando ela diz que precisa de você...

¡Carajo!

Sesshoumaru usou um tom de voz mais brando. Naraku parecia meio fora de si; engoliu em seco diversas vezes até começar a se justificar.

¡Vete en culo! Como você quer que eu concorde com aquele monte de mentiras de espírito?! Alma desencarnada do padre... Você acredita naquilo agora?! Um monte de merda!

— Octavio... — replicou o loiro, sobrancelha arqueada, sem entender o que estava provocando aquela ira no amigo. — Eu NÃO acredito em nada daquilo. Mas, p*** que pariu! A Iza é uma pessoa maravilhosa que eu amo! Ela tem direito de crer no que ela acha que é certo; aliás, VOCÊ vive dizendo isso para mim, ou já se esqueceu? Essa sua reação não parece a de quem não crê.

— Você cheirou blush vencido, seu merda?! Sair procurando um filho que supostamente está vivo a essas alturas é um disparate, um absurdo! Daqui a pouco Iza aparece aí com um infeliz saído dos quintos dos infernos achando que é o filho dela...

Sesshoumaru se sentou diante do psicanalista, que fugiu do contato visual.

—E daí?! Se ela aparecer com um suposto filho, não é problema seu!

— VÁ PARA A P*** QUE TE PARIU, SESSHOUMARU! SE ELA ACHAR O TAL FILHO PERDIDO, ELA NÃO VAI MAIS QUERER SER A MINHA MÃE!!! — berrou Naraku, enfim perdendo o controle e socando a água do lago.

O loiro estacou, totalmente surpreso. O tempo pareceu voltar diante de si quando o espanhol explodiu numa crise de choro inconsolável, se encolhendo e tapando as orelhas com as mãos, respirando de forma hiperventilada. Exatamente como fazia assim que fora adotado e tinha acessos de síndrome do pânico. Sesshoumaru não entendeu bem o porquê de Naraku ter uma crise daquele porte depois de tantos anos sob controle, mas sabia que eram instantes de sofrimento intenso para o amigo. Suspirando, puxou o espanhol para si, deitando a cabeça de cachos bagunçados em seu colo, meio desajeitado.

Exatamente como faziam há dezesseis anos atrás.

— Você é um merda mesmo... Aposto um braço que você não tomou o Rivotril hoje — sussurrou o loiro. — Chore aí, filho da p***. Eu não sabia que você tinha esse medo louco, mas... Cara, você é muito burro. Izayoi te ama, ela jamais iria deixar você de lado se encontrasse o tal filho desaparecido.

— Mãe, mãe... E-eu não q-quero ficar sozinho, não quero, n-não quero... Não me deixa aqui, mãe... — ululava ele, desorientado. — Mãe, mãe, mãe, mãe...

— Você não vai ficar sozinho, viado idiota! Ah, c******! Para que insisto nisso? Ele não está me ouvindo mesmo.

De fato, Naraku não o ouvia. Imerso na dor que seu descontrole lhe trouxera, o espanhol chorou por longos e penosos minutos no colo do amigo, até dormir. Vendo que o corpo e a respiração do outro se normalizaram, Sesshoumaru encostou seu celular no rosto para enxergar o teclado numérico.

Ele não queria ter de ligar para Rin, mas seria obrigado a isso. A voz da jovenzinha disse: “hello”.

— Rin, sabe onde fica o caramanchão onde Izayoi gosta de rezar? — indagou ele, sem rodeios.

— Ah... Sei sim, por quê?

— Naraku não está muito bem. Eu preciso de ajuda para socorrê-lo. Mas não é para dizer a ninguém, entendeu? Nós mesmos podemos resolver isso, Izayoi e meu pai já estão cheios de problemas. Venha o mais rápido que puder.

— T-tá bom — volveu ela, meio assustada, encerrando a chamada.

Poucos minutos se passaram até que a jovem brasileira chegasse até ali e levasse um susto ao ver o espanhol desacordado sobre as pernas de Sesshoumaru. Este, meio constrangido, disse:

— Ele está bem, a crise já passou. Mas não pode ficar sozinho aqui. Preciso que você tome conta dele até eu voltar.

— Mas pra onde tu vai, macho? O que aconteceu com ele?

— Preciso conversar com meus pais, Rin. Cuide de Octavio por enquanto, ele teve uma crise de pânico. Prometo que não demoro.

O loiro olhava suplicante para a morena, que, sensibilizada, se colocou de joelhos também ao lado de Naraku, cuja cabeça era colocada agora sobre seu colo. Sesshoumaru se pôs de pé e, agilmente, se ausentou dali, coração pesado.

Ainda muito aturdida com tudo aquilo, Rin se pôs a trançar a cabeleira do espanhol fragilizado.

No fim das contas, ninguém era livre de problemas naquela casa...

Brindo à casa, brindo à vida... — entoou ela baixinho, triste.

 

***

 

¹ — O pré-primário, no Reino Unido, equivale às séries iniciais do nosso Ensino Fundamental. Inuyasha deseja ser professor alfabetizador, ou seja, ele quer trabalhar com o primeiro ano.

 

 

 


Notas Finais


"Pescador de ilusões": https://www.youtube.com/watch?v=9GhWFIgaqL0
"Mar de gente": https://www.youtube.com/watch?v=3KmWIz-OOvI
Look do Miroku indo dirigir o carro da Sango: https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/originals/79/3b/a1/793ba10358546de9002ba67bc7f45c8b.jpg
Look do Inuyasha indo dar aula: https://tudocommoda.com/wp-content/uploads/2016/04/colete-renner.jpg
O celular que Naraku deu a Kikyou: http://www.techtudo.com.br/tudo-sobre/galaxy-note-4.html
Lago artificial da mansão: https://i.ytimg.com/vi/WYkC-O1sDQs/maxresdefault.jpg

Inuyasha e Miroku dando uma dura na Kikyou =O #TodasFicaImpressionada

O atendimento do Naraku foi superficial porque, confesso, eu tive um baita bloqueio para escrever aquela cena. O debate entre ele e Bankotsu foi breve não por bloqueio e sim porque o parágrafo ficaria gigantesco se eu fosse esmiuçar os argumentos de ambas as partes! #TodasCorre

Enfim, a Kikyou descobriu o que é uma nude... #SemComentarios #NaravaraGrossa #QuaseRolouUmaSiririca =O

Sobre a carta psicografada, optei por descrever uma narrativa mais católica (afinal Takemaru era católico). Segundo o espiritismo, uma alma que vai para o plano espiritual é conduzida para ambientes que lhe são mais comuns. Por isso o pai do filho perdido da Iza é levado para um local onde há outros padres. Amigos(as) espíritas que seguem a fic, caso eu tenha escrito algo errado é só me avisar que eu corrijo, ok?

Tensão entre Naraku e Izayoi! Sobre o acesso dele, é simples: ele passou parte da noite sem dormir, muito tenso e não tomou o remédio. Infelizmente deu nisso: um ataque de pânico.

Sobre Sesshoumaru pegar o Naradiva no colo, vejo como normal... Eles brigam muito, mas o cuidado do loirão delícia para com o espanhol vida-louca é verdadeiro.

Rin, o que você tem achado de tudo isso, minha filha?

Beijos, queridos da Mamãe! Preciso terminar "Vulneráveis". Nem eu suporto mais essa demora... #TodasSeLamenta

~Okaasan


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