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História O anjo de vidro - Capítulo XXII - Sallietur


Escrita por: Greenselves

Notas do Autor


QUASE QUE NÃO DÁ TEMPO DE POSTAR - amanhã eu vou pra praia e lá não tem internet

Boa madrugada galera, feliz dia do quase comeback do exo sem o Yixing que me deixa numa situação de to rindo mais to preocupada, fazer o que, seguir o baile e chorar iludida assistindo os teasers que as fãs fizeram do Lay. Eu to um caquinho. Mas tem Lay no cap, pra nossa alegria <3

Eu sei que prometi que postaria no mês passado ainda, mas pelo visto eu sou um mentirosa. Na verdade eu culpo a escola, por que eu faltei demais e tive que dar um jeito de consertar tudo kkkkk - cada k é uma lágrima, jesus.

Esse capítulo também não ficou grande, mas ele já estava previsto assim, eu que pirei achando que ia dar bastante coisa. Pensei em juntar com o próximo capítulo, mas achei que ia ficar mais interessante não. E eu também não queria esperar ahsahsahshas

Boa leitura, chuchus <3

Capítulo 23 - Capítulo XXII - Sallietur


Fanfic / Fanfiction O anjo de vidro - Capítulo XXII - Sallietur

Capítulo XXII - Sallietur

<Salgado>

 

Casa nº 121.

 

- Você vai fazer um buraco no chão se continuar andando de um lado para o outro, Cathy – disse meu tio, ao pé da escada.

Olhei para ele e dei um sorriso amarelo por ter sido pega de surpresa. Já fazia um bom par de minutos que eu estava andando em círculos no espaço entre a sala e a cozinha, tentando organizar os pensamentos sem sucesso. Havia tanta coisa para pensar e tão pouca capacidade de resolução...

- Ahn... desculpa? – Falei a primeira coisa que me veio na cabeça.

Meu tio riu. Ele tinha um sorriso muito bonito, mas sua risada engraçada deixava tudo menos glamoroso. Fazia parte de seu charme, de qualquer forma.

- Está se desculpando por quê? – ele perguntou indo até o balcão da cozinha.

Dei de ombros, sem realmente saber o porquê de ter me desculpado. Jongdae deu de ombros também e puxou duas xícaras. Ele geralmente não se importava quando eu não queria dizer alguma coisa. Quando eu não tinha resposta sobre algo, ele mudava de assunto até eu responder alguma coisa. Era uma psicologia estranha.

- Você parece preocupada – seu tom estava sério. – O que houve?

Ergui os olhos para ele, que me encarava esperando o veredicto. Eu não o via desde o natal passado, mas ele não tinha mudado em nada. Talvez tivesse ganho as primeiras rugas no canto dos olhos, mas isso era comum para quem sorria bastante. Com seus trinta anos recém completados, Kim Jongdae, para mim, parecia o mesmo dos meus cinco anos de idade. A única diferença era que agora eu não o via chorar mais pelos cantos. Ele costumava fazer muito isso depois da morte da minha mãe. Essa, provavelmente, era a memória mais viva que eu tinha dele.

- Algumas coisas que aconteceram nessa semana – suspirei.

Ele encheu de água as xícaras que tinha pego e colocou em cada uma dois saquinhos de chá. Imediatamente, me lembrei das porcelanas se despedaçando na casa de Baekhyun no dia da festa. Quase pude sentir Sehun me puxando para longe dos cacos. Não foi preciso muito para que essas lembranças me levassem à outras lembranças da noite na casa do Kris, fazendo com que minhas bochechas esquentassem um pouco. Eu só não sabia se era de raiva ou de vergonha.

- Garotos? – Jongdae tentou adivinhar, rindo em seguida por conta da careta que eu fiz.

Garotos. Garoto. Sem o s. Anjo da guarda, para ser mais correta.

Só que isso não era algo que eu podia contar para ele.

- Não! – Tratei de negar rapidamente. – Eu não tenho tempo pra isso, você sabe que eu ainda tenho algumas... crises. – usei meu suposto problema como desculpa.

Meu tio ergueu as sobrancelhas e retirou os saquinhos de chá das xícaras.

- E você sabe que uma coisa não tem nada a ver com a outra, não é? – Ele insistiu. – Sua mãe também me dizia que não tinha tempo, mal pisquei e ela apareceu casada – torceu o nariz.

- Você fala como se não aprovasse – foi a minha vez de fazer graça. – Vai me dizer que não gosta do meu pai agora, quase vinte anos depois?

Ele revirou os olhos.

- Catherine, você sabe que eu amo o seu pai – ele riu. – Mas não posso dizer que não senti ciúmes quando recebi a notícia.

- Você ficou tão chocado assim? – Perguntei curiosa.

- Sua mãe não me contava tanta coisa assim nessa época, ainda não éramos próximos – meu tio explicou. – Só ficamos realmente amigos quando eu fui morar com vocês.

Fiz que sim enquanto adoçava o chá. Meu tio tinha morado na minha casa durante um ano e meio antes da minha mãe morrer. Continuamos morando com ele quando fomos à Seul para que ele fizesse sua faculdade e para que ficássemos longe da cidade por um tempo.

- Então você precisou se adaptar rápido.

- Não foi muito difícil – declarou entre um gole e outro. – Seu pai é incrível e havia você. Crianças são o meu fraco, você sabe.

- Será? – ironizei.

- Não sei... – ele fingiu pensar – sou o enfermeiro chefe da ala infantil, o que você acha?

- Não acho nada! – Ri.

Jongdae fez uma careta.

- Não fale assim com o seu tio! – Ele tentou me repreender, mas sem sucesso.

- Achei que tinha me dito para chamá-lo de oppa – fiz menção à insistência que ele tinha com essa palavra.

- É você quem nunca me chama assim, Cathy – revirou os olhos. – Você é tão parecida com a sua mãe que chega a me assustar. Ela também era um poço de teimosia.

- Eu só sou assim com você – esclareci ofendida.

- Você queria um elogio?

- Eu quero é que o Baekhyun chegue de uma vez, eu já estou ficando cansada de esperar – contei.

Ele sorriu vitorioso, pensando ter descoberto o motivo da minha preocupação. Contudo, aquilo era apenas metade do que me afligia.

- Ah, então é por isso! Você tinha me dito que não era um garoto... – fingiu estar chateado.

- É um garoto, mas não no sentido que você imaginou – expliquei. – Eu e o Yixing vamos ajudá-lo com um assunto hoje.

- Yixing? – ele indagou num tom diferente – É o garoto da risca de giz?

Fiz que sim, bebendo o chá para evitar o contato visual. Jongdae não era o tipo de pessoa que perdia os pequenos detalhes, muito menos os corporais.

- Então você vai vê-lo hoje também? – Confirmei com a cabeça novamente.

- Ele vai nos levar até o píer – contei.

- Sabe, esse Yixing é muito simpático – ele comentou.

- Sim, ele é. Ele trabalhava na padaria antes de ir para a faculdade.

Ele demorou um pouco para fazer algum comentário.

- Seu pai me disse que vocês dois estão saindo.

Quase me engasguei com o chá. Não por meu tio ter descoberto ou pelo fato do meu pai estar contando aquilo para os quatro ventos, mas sim por que eu tinha me esquecido daquele detalhe. Eu estava saindo com Zhang Yixing. Com ele, e não com outra pessoa. Não com o anjo da guarda do meu melhor amigo.

Afinal, que diabos eu estava fazendo, realmente? Em que tipo de enrascada eu tinha me metido?

Não foi preciso muito para que meu tio notasse minha cara confusa.

- O que foi? Eu disse algo de errado? – Perguntou preocupado.

Me ajeitei na banqueta, limpando a garganta para me recompor. Aquela não era hora para surtar. Eu ainda precisava ir até o píer para a operação amorosa que tinha mais chances de dar errado do que certo. Minha carreira como cupido não parecia muito promissora. Também, não era como se eu tivesse muita experiência no assunto.

- O quê? Não, nada. Nós estamos saindo sim. – falei apressada.

Jongdae me lançou um olhar desconfiado, deixando claro que ele sabia que eu estava escondendo alguma coisa.

- Você sabe que não precisa sair com esse garoto só por que o seu pai gosta muito dele, não é? – Disse como quem não queria nada.

- Eu sei, tio.

- Oppa.

- Eu sei, oppa. – fiz uma voz estridente, numa tentativa bizarra de imitar as personagens dos dramas que passavam na tevê.

- Melhor assim – aprovou, orgulhoso.

Em seguida ele tomou um gole de chá, abrindo a primeira brecha da conversa para que eu mudasse de assunto. Eu não queria falar sobre Yixing, pois Yixing me lembrava Sehun e Sehun me lembrava outras coisinhas que só me faziam ficar mais nervosa.

Me lembrava, principalmente, de que não o via desde a festa, há dois dias.

- Você já foi dar uma olhada na praia? – perguntei aleatoriamente. Meu tio não voltava para a cidade natal desde que foi para a faculdade, e ainda não tinha saído de dentro de casa desde que chegou.

Foi a vez dele de ficar desconfortável.

- Eu... não, ainda não – confessou.

- Nós podíamos ir depois que eu resolver meus assuntos com o Baek – sugeri.

- Mas você não vai a algum lugar com o seu quase namorado?

Fingi não ter escutado o título que ele deu a Lay.

- Ele não vai ficar muito tempo, precisa ajudar a avó com alguma coisa – expliquei.

Meu tio pareceu se esforçar para encontrar alguma outra desculpa para não sair de casa. Apesar de ele nunca ter dito nada, eu sabia que existia alguma coisa que fazia com que ele não gostasse da cidade. Eu só não tinha certeza do que era, e muito menos coragem para perguntar.

- Acho que tive uma ideia melhor – disse de repente, parecendo mais à vontade.

- Qual? Desde que não seja ficar em casa vendo o telejornal...

Ele fez uma careta.

- Pare de me chamar de velho, Catherine, eu só ia dizer para visitarmos a sua mãe – disse de uma só vez.

Um silêncio inesperado se formou entre nós, deixando claro que aquela não era uma coisa esperada por nenhum de nós dois. Nos olhos dele eu via medo e ansiedade misturados, como se ir até minha mãe fosse um desejo antigo e reprimido. Como se ele precisasse de mim para fazer aquilo.

E eu sabia que também precisava dele.

- Tudo bem – concordei sentindo meu coração bater mais rápido. – Já faz algum tempo que eu não vou ao cemitério.

- Você não foi no aniversário esse ano também? – ele perguntou surpreso.

Fiz que não, culpada.

- Eu acabei passando o dia no hospital, tomando soro – contei. – Passei a semana inteira de cama.

Ele aquiesceu, consciente de que tudo o que eu estava contando era verdade. Eu sempre ficava debilitada quando o aniversário de morte da minha mãe se aproximava, e raramente conseguia subir a montanha para ir até o túmulo dela. As poucas vezes em que consegui apenas resultaram em mais pequenos ataques de pânico. Esses eram de verdade.

Jongdae me encarou, como se esperasse uma permissão para dizer alguma coisa. Já estava na hora de parar com aquilo. Nós dois sabíamos que não podíamos ficar a vida inteira fugindo do que nos dava medo.

- Ela deve estar se sentindo sozinha – concluiu baixinho.

Logo em seguida ele soltou um longo suspiro, como se estivesse tentando expurgar aquele clima pesado.

- Acha que ela está com saudades? – Soei como uma criança.

- Tenho certeza que sim, Cathy.

Olhei discretamente para Jongdae enquanto ele tomava seu chá, observando o quão mais jovem ele parecia com aquela expressão receosa que carregava no rosto. Ele não era mais um estudante colegial, mas sim um enfermeiro formado e empregado. Entretanto, quando eu busquei seus olhos, ele não parecia ter os trinta anos que tinha. Era como se eu o visse novamente naquela época, quando toda a tragédia da minha mãe aconteceu.

Às vezes, eu tinha a ligeira impressão de que minha mãe era um assunto muito mais sensível para ele do que para o meu pai. Os dois tinham jeitos muito diferentes de sentir as coisas. Enquanto meu tio gostava de relembrar mesmo que fosse doloroso, meu pai preferia evitar o máximo possível. Já eu, nem sabia o que estava fazendo.

Eu estava tomando ar para falar quando minha intenção foi interrompida pela campainha, que fez um pequeno calafrio correr pela minha espinha.

Baekhyun.

Baekhyun e Sehun.

Um pouco mais agitada do que o normal, fui até a porta e a abri de supetão, dando de cara com o frio e Baek todo encasacado. Só o Baek. A decepção veio antes das tentativas de encontrar um lado bom na situação, e meu amigo percebeu.

- Que foi? Vim na hora errada? – Ele perguntou preocupado. Seu tom de voz evidenciava que ele estava ansioso.

Estranhei o comportamento nada convencional. Era visível que algo tinha acontecido com ele no curto período em que não tínhamos nos visto, mas eu estava nervosa demais para perguntar alguma coisa, afinal, a realidade de que eu ia realizar aquela pequena loucura tinha chego em mim só naquele momento.

- Não, eu estava te esperando. – dei passagem para ele. – Quer um chá enquanto o Lay não chega?

- Claro – ele e meu tio se cumprimentaram com um sorriso. – Cathy, você...

Não fiquei sabendo o que ele queria me dizer pois, antes que ele completasse a fala e eu fechasse a porta, o carro de Yixing estacionou em frente à minha casa. De dentro do veículo, o garoto mais velho acenava e sorria, fazendo sinal para que nos apressássemos. Ele tinha um compromisso depois, como eu já tinha dito a Jongdae.

Tudo parecia estar acontecendo em uma velocidade absurda naquele dia. Como se alguém estivesse acelerando o tempo de propósito.

- Bom, fica pra outra hora – Baek se referiu ao chá, voltando a zipar a jaqueta que estava tirando.

Meu tio deu de ombros e riu.

- A carona de vocês não perde tempo – comentou. – Não esqueça a jaqueta, Catherine.

Puxei a peça de roupa que estava no sofá e a vesti. Baekhyun já estava do lado de fora, me esperando.

- Eu ligo quando acabarmos, tio – avisei antes de sair.

- Oppa! – Ele gritou de dentro da casa.

- Oppa. – revirei os olhos, fazendo Baekhyun soltar uma risadinha soprada.

- Vamos entrar de uma vez, está muito frio – o garoto comentou enquanto eu fechava a porta.

- Vai indo, eu só vou fechar a jaqueta... – parei de falar, engolindo a fala. Apesar de suspeitar de que, na verdade, minhas palavras tinham sido roubadas por Sehun.

Virado de costas para mim e para o próprio humano, ele esperava perto da porta do carro. Parado ali, daquele jeito quieto e sem ao menos olhar para mim, parecia que eu é quem não podia ser vista. Como se ele fosse o humano e eu algo que humanos não precisam ver.

O ar gelado fazia com que fosse difícil de respirar. Ou talvez fosse meu coração, tomando mais espaço do que devia.

- Catherine? – Baekhyun franziu a testa, me olhando preocupado. – O que foi? Parece que viu um fantasma.

Mirei meu amigo, encontrando seus olhos castanhos. Senti uma vontade enorme de pedir ajuda a ele. Sacudi a cabeça, tentando parar de pensar em coisas estranhas. Não era hora.

- Não foi nada, Baek. Eu só me lembrei de algo de repente – disse para tranquilizá-lo. Um olhar de desconfiança foi sustentado por poucos segundos antes que ele desistisse de dizer qualquer coisa. Baekhyun não parecia estar no clima para investigar coisas. Ele cheirava a nervosismo e a segredos, assim como eu. E estava embriagado demais com o próprio cheiro para ter certeza se ele vinha de mim também.

- Tudo bem então... – hesitou antes de entrar no carro, logo atrás de seu anjo.

Quando dei a volta para entrar no carro, Yixing sorriu para mim por detrás do vidro dianteiro. Fiz o meu melhor para retribuir, mas tive certeza de que não deu muito certo.  Quando entrei, um choque percorreu meu corpo. O interior do carro estava aquecido, mas eu não me senti aliviada. Era sufocante.

- Aconteceu alguma coisa? – Lay não perdeu tempo em perguntar – Vocês demoraram ali fora.

- Nada não – sorri com algum esforço.

- Tem certeza? – ele insistiu enquanto ligava o carro.

- Tenho – indiquei Baekhyun discretamente, tentando fingir que o problema era com ele. Aquilo pareceu convencê-lo. Ele não era do tipo que insistia.

Eu sabia que não podia empurrar algo como aquilo para meu amigo, mas eu estava nervosa demais para pensar em qualquer outra coisa e, além do mais... não era como se eu pudesse contar a verdade. Contar que, além de nós três, havia mais um par de anjos da guarda dentro daquele carro. Que um deles, em especial, tinha mais a ver comigo do que deveria. E não parecia se importar muito com isso.

Encarei Sehun pelo espelho retrovisor por todo o curto trajeto até a praça do píer, esperando que, mesmo sem intenção, seu olhar encontrasse o meu. Não aconteceu. Talvez o caminho fosse muito curto. Talvez ele tivesse olhado nos curto instante onde Lay falou comigo e me fez desviar a atenção do espelho. 

Talvez aquela fosse a forma dele de me dizer que achava melhor esquecer. Ou quem sabe já houvesse esquecido. Eu não gostava de pensar nisso, mas pensava mesmo assim.

Quando Yixing parou o carro na beira mar, mais longe da praça do que eu achei que pararíamos, o solavanco do carro embrulhou meu estômago. Eu não havia comido direito, e todas aquelas ideias me atormentando não pareciam estar ajudando em nada. Minhas mãos tremeram quando fui abrir a porta, e uma pequena tontura me atingiu assim que pisei na calçada cheia de mosaicos. De alguma forma, o vento gelado vindo do mar fez com que eu me sentisse melhor, mesmo queimando a pele do meu rosto.

- Uau! – Exclamou Yixing, do meu lado. -  Já faz algum tempo desde que eu vi esse lugar cheio de alguma coisa.

Concordei silenciosamente, observando a praça repleta dos brinquedos e barracas que compunham o parque de diversões itinerante que não vinha para a cidade desde o ano retrasado. Ao lado do píer, aqueles esqueletos de metal e tinta desgastada pareciam um cenário macabro sem nenhuma pessoa andando entre eles. O tempo cinzento e os restos de neve não ajudavam muito também.

- O que exatamente a gente vai fazer aqui? – Baekhyun perguntou, curioso. Eu tinha me esquecido de que havia explicado muito mal o que aconteceria hoje, pelo simples motivo de que nem eu sabia.

Troquei um olhar rápido com Lay, que piscou para mim como se estivesse se divertindo muito. Ele sempre parecia estar se divertindo.

- Vai ter um concurso de fotografia na faculdade e eu me inscrevi – o rapaz tirou uma câmera bonita de dentro da mochila que carregava. – Então achei que vocês e o parque poderiam ser meus modelos.

- Aah! – Exclamou Baek. – Mas como vamos fazer isso? Está fechado, não podemos entrar.

- E quem disse que precisamos entrar? – Yixing devolveu com um sorriso. – Eu só preciso de vocês dois na praia com o parque e o píer no fundo.

- Isso não vai ficar meio triste? – Meu melhor amigo opinou.

Eu ouvia a voz deles soando ao fundo, como se eu não estivesse por perto. Meus ouvidos estavam concentrados demais esperando uma voz que não era a deles soar. Meus olhos, encaravam o mar, teimosos.

- Exatamente! – O neto da dona da floricultura pareceu muito satisfeito com a percepção de Baek – O tema do concurso é melancolia. O que melhor do que uma praia vazia em um dia cinzento?

Baekhyun olhou para mim boquiaberto com a percepção de Lay. Não era preciso muito para notar que aquele universitário era incrível.

- Como você consegue pensar nessas coisas? – ele perguntou.

- Eu não sou bom só em fazer bolos! – Yixing riu depois de travar o carro – E, além disso... tenho meus incentivos. 

Baekhyun soltou uma risadinha estranha que eu sabia que era para mim.

- Vamos? – sugeri, sabendo que, quanto mais cedo terminássemos aquilo, mais rápido eu provavelmente iria em uma direção diferente da de Sehun.  

Ele fazia meu coração apertar.

Ficar no mesmo lugar que ele e ser tratada daquela maneira estava me deixando agoniada, preocupada. Aquilo era muito diferente de quando eu precisava fingir com esforço que ele não estava por ali. A sensação era a mesma que eu senti nas centenas de vezes em que tentei me comunicar com os outros anjo da guarda antes. Era como se ele simplesmente não estivesse me vendo. E eu sabia que ele me via. Sabia.

- Eu vou na frente para ver onde é seguro pisar – Lay avisou, indo na direção da trilha cheia de neve que cortava a restinga.

Antes de me seguir, Baekhyun olhou para a rua, como se procurasse alguma coisa.

- O que foi?

- Nada não – me ofereceu um sorriso amarelo que eu não quis questionar.

Pisando nas pegadas de Lay, fomos atravessando o tapete de neve que tinha sido deitado ali naqueles dias e deixou a praia branca. Agradeci por ter me lembrado de calçar as galochas que tinha ganho no último natal que passei em Seul. Quando olhei para trás instintivamente para procurar Sehun, vi que ele olhava para qualquer lugar em que eu não estivesse. Com Baekhyun não era diferente. Ele parecia muito interessado na avenida.

Eu me sentia estranhamente sozinha, apesar de não estar.

Olhei para frente e vi que Yixing sorria enquanto nos esperava, sincero e feliz em ver que eu me aproximava. Havia ele também. A cidade inteira provavelmente já sabia que a filha do padeiro estava saindo com garoto chinês prodígio. Mas então, por que eu sentia havia algo de errado naquilo? Por que eu me sentia tão desonesta?

Por que eu não admitia de uma vez que eu não tinha a mesma vontade de antes de estar com ele?

No fundo, eu sabia que só estava esperando que as férias dele acabassem e ele voltasse para Seul, por que não tinha nem coragem nem motivos plausíveis para dispensá-lo. Motivos esses que, eu sabia, diziam respeito a mim, e não às justificativas que eu poderia dar a ele. Sehun, apesar de todos os pesares, era tão inconstante quanto o tempo, cheio de chuvas e secas. Como uma daquelas tempestades onde há muito barulho e pouca água caindo do céu. Se eu não me decidia, Sehun nem parecia tentar.

A terrível sensação de que para ele tudo não passava de um capricho me perseguia quase como a minha própria sombra. Cada vez mais perto.

Olhei para ele uma última vez, prometendo não fazer mais isso. A jaqueta preta que ele usava quase me fazia esquecer das asas brancas que estavam por baixo dela. O vento apressado bagunçava seu cabelo castanho escuro sem dar descanso. Eu quase não podia ver seu rosto. Naquele instante, Sehun me pareceu dolorosamente bonito. Bonito e Arrependido. Por que, não importava quantas voltas eu dava, aquele era o único resultado que eu encontrava no final da trilha.

Ele só podia ter se arrependido.

Eu sabia que a pior parte era que eu nem ao menos conseguia encontrar desculpas para dizer que não.  Quanto mais eu tentava procurar algo que fosse positivo, mais eu via a quantidade de coisas que não deveriam ter acontecido e aconteceram. Mais eu notava que eu tinha mais culpa do que pensava. Que Sehun tinha vários motivos para ser daquele jeito.

E mesmo assim, senti aquela queimação estranha no estômago.

Aquela de quando estamos com raiva. Quando somos forçados a aceitar algo que não queremos acatar.

Eu entendia a coisa certa, mas não queria fazê-la.

Não sabia se batia nele ou virava as costas.

No fim das contas, acabei virando. Lay e Baekhyun estavam me chamando.

- Alô? Cathy? – Baekhyun me chamava em seu tom típico: estridente.

- Oi – Respondi, olhando confusa para eles, esperando.

Os dois se entreolharam, mais confusos ainda. Foi ali que entendi que eles provavelmente estavam me perguntando uma porção de coisas enquanto eu estava ocupada colocando toda a minha mágoa nas costas de Sehun.

- Você não ouviu nada, não foi? – Baekhyun fez uma careta preguiçosa – O que você tem hoje?

- Vocês falaram alguma coisa? – Ignorei a segunda pergunta.

Yixing fez que sim, ainda sorrindo. Ele tinha uma paciência inumana.

- Eu acho melhor começar tirando fotos suas sem o Baekhyun – indicou a câmera que estava pendurada no pescoço. – O que acha?

- Tudo bem – concordei. – O que você quer que eu faça?

Lay tomou algum tempo me observando antes de responder.

- Está vendo aquela parte da praia ali? Bem no meio? – Apontou com a mão coberta por luvas de lã cinzenta.

- Acho que sim.

- Você pode ir andando em linha reta, para deixar as pegadas. Quando chegar lá eu dou mais algum comando – piscou.

Olhei para a neve lisa e tentei afastar a imagem de um tombo. Eu precisava fazer aquilo enquanto Chanyeol não chegava, e ele provavelmente só chegaria dali a pelo menos meia hora.

Meus pés estavam muito gelados.

Eu ainda estava me perguntando se tudo aquilo tinha alguma chance de dar certo quando a voz de Lay me disse para parar e continuar de costas para eles, olhando para o parque, que agora estava bem mais perto. Ele também parecia solitário.

- Deixa que eu digo... – a voz de Baekhyun soou muito abafada – Olha pro mar! – Ele gritou em seguida.

Tentando não cair, me virei para a água cinzenta que quebrava as ondas na estreita faixa de areia que ainda aparecia entre ela e a água. Era quase sempre daquele jeito, mesmo quando não estávamos no inverno. As águas geladas da cidade estavam repletas de sardinhas e outros peixes que nunca paravam de ser pescados. Às vezes, no auge do verão, algumas pessoas se aventuravam tomando banho de mar, mas era raro. Eu tinha a impressão de que uma nuvem enorme cobria aquele lugar permanentemente. Era provável que meu professor de geografia já tenha explicado sobre isso em sala, mas eu não me lembrava.

Havia muitas coisas das quais eu não me lembrava. Acho que só lembramos do que queremos esquecer.

- Pode olhar pra cá! – Baek continuou a fazer as vezes de alto falante me orientando nas novas manobras – Agora se abaixa!

Uma vozinha chata reclamou sobre as instruções lá no fundo, mas foi sufocada rapidamente. Afinal, com quem eu iria reclamar? Eles estavam à uns bons dez metros de mim, e eu já estava abaixada. Eu não podia ficar gastando o pouco empenho que eu tinha reclamando.

Abracei meus joelhos tomando cuidado para não acabar caindo sentada na neve. Um suspiro longo e mais desanimado do que eu gostaria de admitir fez uma nuvenzinha de vapor se formar na minha frente, interrompendo o trabalho árduo que o ar frio fazia por ali. O inverno mal tinha chego, mas eu já desejava que ele fosse embora. Temperaturas baixas nunca foram boas para o meu ânimo. Meu pai me dizia que eu era como uma planta, precisava de sol e umidade o tempo todo, caso contrário, murchava. 

E, ali, no meio daquela imensidão branca, eu me sentia daquele jeito. Como uma flor murcha.

Cansada de encarar a neve, ergui o olhar para a avenida, onde duas pessoas andavam apressadas pelo pequeno calçadão que fazia divisa com a restinga. A pouca luz do sol me atrapalhou por um momento antes que eu reconhecesse aquele cachecol vermelho e aquelas asas brancas.

Mal enxerguei que eram Chanyeol e Tao quando caí para frente, salva de dar com a cara na neve gelada por conta das minhas mãos, que apoiaram meu corpo. Que diabos eles estavam fazendo ali? Eu tinha toda a certeza de ter combinado com Chanyeol de mandar uma mensagem dizendo que ele podia aparecer.

Sua aparição prematura não estava nos planos.

- Cathy! Você está bem? – Yixing perguntou meio aos berros, já a caminho de onde eu estava.

Em outro dia eu teria rido dos tropeções que antecederam a chegada de Lay, mas eu estava com as mãos e os joelhos molhados. Tudo o que eu queria era sair dali e ver no que aquele desencontro ia dar.

- Ah não! Você caiu com os joelhos! – Exclamou preocupado enquanto me ajudava a levantar. – Eu tentei dizer ao Baek que você poderia cair, mas ele nem me deu a chance, estava bem animado. Você não se machucou, não é?

Yixing puxou minhas mãos e começou a secá-las com as luvas que estava usando antes. Ele era sempre muito atencioso. Devolvi um pequeno sorriso de agradecimento antes de responder.

- Não -  neguei. – Só não estou sentindo os meus pés por causa do frio.

O rapaz olhou para baixo, encontrando o que podia ser visto das minhas galochas. Depois de dizer alguma coisa que eu sabia que não era coreano, levou uma das mãos até a nuca, incomodado.

- Eu não devia ter deixado você aqui por tanto tempo – disse arrependido.

- Bom, esse não é o nosso maior problema, Yixing – comecei.

O neto da florista me olhou sem entender e, num gesto rápido, indiquei a direção de onde ele veio. Quando ele se virou, enxergou o que estava acontecendo antes às suas costas. Em seu passo típico, Park Chanyeol caminhava com seu anjo da guarda pela mesma trilha que tínhamos seguido por meio da neve antes. O cachecol vermelho tremulava com o vento, assim como as mechas castanhas, que estavam todas bagunçadas. Seu destino era um só, e o esperava com mais calma do que eu tinha previsto. Mesmo à distância, eu conseguia ver que Baekhyun não parecia tão surpreso assim.

- Pensei que o Chanyeol fosse aparecer depois – foi tudo o que Lay me respondeu.

- Acho que só nós dois pensávamos isso – insinuei o que provavelmente tinha acontecido.

- Você acha que o Baek já...

- Tenho certeza – não pude evitar me sentir um pouco frustrada. – Se nós soubéssemos que eles já iram se encontrar, não precisaríamos ter passado por toda essa neve.

Yixing voltou a olhar para mim, a expressão confusa ainda dando as caras. Ele estava ainda mais perplexo do que eu.

- Não acredito que ele não te disse nada – comentou.

- Nem eu – senti a careta se formar. – Não acredito que nenhum dos dois me falou sobre isso.

- Você está brava? – Me perguntou num tom curioso.

Fitei mais um pouco meus dois amigos antes de respondê-lo. A cena de Baekhyun e Chanyeol olhando um para o outro era parecida com a abertura dramática de algum desenho japonês que eu já tinha assistido.

- Está muito frio agora para eu gastar minha energia assim – suspirei cansada. – Posso fazer isso em casa.

- Boa escolha – concordou. – Vamos pelo caminho que viemos ou abrimos um novo?

Olhei para ele, que era escoltado por seu anjo feliz. Naquele curto intervalo, lembrei do quão fácil era para mim saber como alguém estava se sentindo. Bastava espiar seu anjo de relance, e a resposta vinha na mesma hora. Tentei me lembrar se já tinha flagrado o anjo da guarda de Yixing sem um sorriso no rosto, mas tive a certeza que não quando olhei para seu humano. De todos nós, ele era o que tinha mais sorte.

- Vamos pelo mesmo caminho, - comecei a andar, fazendo com que ele se apressasse ao meu lado – vamos fazê-los passar um pouco de vergonha por terem nos enganado – pisquei para ele.

Lay soltou uma risadinha abafada e colocou uma das mãos no meu ombro, me fazendo estranhar o peso extra.

- Eu sabia que você diria algo do tipo.

Não demorou muito para que Baekhyun e Chanyeol percebessem que estávamos nos aproximando. Como duas crianças que sabem que fizeram algo de errado, eles ficaram esperando numa postura tensa, os olhos grudados em nós. Ao lado de Chanyeol, Tao abriu um sorriso caloroso que eu não tinha o prazer de ver há algum tempo. Sehun estava mais atrás.

- Você caiu? - Tao foi o único a falar, preocupado. – Está tudo bem?

Fiz que sim com a cabeça, sem me preocupar com possíveis perguntas, que acabaram nem vindo.

- Oi Chanyeol – cumprimentei – você por aqui?

 As orelhas dele, que já estavam vermelhas, pareceram ficar ainda mais. Baekhyun, por sua vez, parecia uma pimenta humana.

- Oi Cathy – ele me respondeu meio incerto, completando sua fala com um pedido de desculpas mudo, dito pela movimentação dos lábios.

- Pensei que você tinha me dito que não ia fazer nada hoje, Baekhyun – alfinetei em seguida, vendo meu amigo fazer uma careta por ter sido pego.

- E eu não tinha, é que... – parou sua explicação para encarar o ex-namorado com uma expressão nada amigável – Você não tinha dito que vinha depois? Eu ia te ligar!

Chanyeol, acuado pela acusação repentina, começou a juntar ar para retrucar.

- Eu ia, mas... ah, eu sei lá! Quando vi eu já estava aqui! – Expôs seu motivo que não tinha muito sentido.

Ouvi-los discutir daquela maneira inevitavelmente me fazia lembrar de como tudo era antes. Quando andávamos os três pela praia, falando bobagens e contando alguma coisa recém descoberta. Não havia mágoa suficiente para me fazer ficar irritada por nenhum deles ter me contado sobre terem marcado aquele encontro. Nada me fazia parar de pensar que Chanyeol e Baekhyun tinham algo de especial que a maioria das pessoas que estavam juntas não tinham.

Aqueles dois, eventualmente, acharam o caminho de volta.

E teriam achado, com ou sem a minha ajuda. Porque de nada adiantariam todos os esforços externos se a resposta final fosse não.

- Vocês dois... – comecei ameaçadora, me divertindo com a tensão que voltou a se instalar neles – tomem jeito logo. Já estão me dando dor de cabeça a tempo demais.

Nenhum dos dois respondeu verbalmente. Baekhyun se limitou a me olhar com um semblante ansioso, enquanto Chanyeol sorriu tímido. A julgar pela expressão de Tao, ele parecia confiante.

- Quer ir até o píer, Cathy? – Lay quebrou o silêncio para mim – Acho que ainda tenho algum tempo antes da minha avó me chamar.

- Boa ideia – respondi. – Até mais – acenei para os que ficariam.

Baekhyun ergueu a mão, com uma timidez que eu só via nele em situações muito raras.

- Baekhyun, Chanyeol – Lay se despediu com um aceno de cabeça antes de me puxar para ir. A mão dele estava gelada, mas a minha também.

Não falamos muita coisa enquanto estávamos saindo da praia. Talvez fosse o esforço para não pisar em falso na neve. Talvez eu não estivesse tão à vontade assim. Ou quem sabe fosse só aquele frio. Só sei que, até alcançarmos a calçada vazia de gente, a única coisa que pude ouvir foi o som do mar cinzento. Ali, com a desculpa de que queria espiar Baekhyun e Chanyeol, olhei novamente para a praia, só que não foram a eles que meus olhos buscaram. Minha visão pousou naquilo que me chamava como uma flor chamava uma abelha.

 Foi quando tive a ligeira impressão de que estava sendo observada por Sehun. Coisa que foi embora tão rápido quanto veio.

- Você acha que eles vão se acertar? – A voz de Yixing me despertou da cena que eu não tinha certeza se era real ou não.

- Quem? – Me virei para ele, que tinha os olhos castanhos em mim.

- Como assim quem? – Soltou uma risada melódica – Baekhyun e Chanyeol. De quem mais eu estaria falando?

Abaixei meu rosto por um instante, envergonhada da minha falta de atenção. Lay sempre estava muito perto e muito disposto.

- Desculpa – ri soprado. – Eu estava viajando.

O aperto da mão dele na minha aumentou.

- Tudo bem, eu sempre faço isso – disse sorridente. – Mas você não respondeu a primeira pergunta...

- Sobre eles? – Quis confirmar.

- É. Acha que agora vai?

Olhei para os brinquedos do parque, que quase impediam a nossa passagem até o píer. Dali, eu só conseguia ver pedaços da praia onde estávamos antes, e onde Baekhyun e Chanyeol ainda estavam com seus respectivos anjos. Eu não podia ouvir o que eles estavam conversando, mas os dois pareciam à vontade. Bem diferente de como havia sido durante aqueles meses terríveis, e exatamente como era antes deles. Alguém poderia até me dizer que era só uma esperança boba, mas existia alguma coisa dentro de mim que me deixava muito tranquila quanto àquilo.

Eu confiava nos meus amigos, e sabia que eles tomariam a decisão certa. Seja lá qual ela fosse.

- Acho que tudo vai dar certo – sorri para Lay quando finalmente pisamos no píer. Ele sorriu mais ainda.

Tinham aberto um caminho pela neve para os corajosos que se aventurariam a passar. O vento gelado que corria livremente por aquela área aberta me atingiu em cheio, fazendo meu cabelo bagunçar ainda mais. Não havia mais ninguém ali no píer além de nós dois e o anjo da guarda que o acompanhava.

Ficamos em silêncio, mas ele durou muito pouco.

- Meus parabéns, Catherine! – Yixing me parabenizou aleatoriamente.

Olhei para ele, confusa.

- Parabéns? – Ri – O que foi que eu fiz agora?

Ele olhou mais um pouco para mim antes de me responder.

- Acho que você vai gostar de ver o que está acontecendo atrás de você – segurou em meus ombros e me fez olhar para a praia às minhas costas. – Devia trabalhar como cupido mais vezes.

Não foi muito difícil de entender o que ele queria dizer com aquilo depois que eu me virei. O vento forte que soprava ali queimou meu rosto enquanto eu observava meus dois amigos se abraçando apertado, como se estivessem com medo de um deles desaparecer de repente. Era impossível saber por conta da distância, mas eu tinha certeza de que eles estavam chorando. Se Baekhyun chorava fácil, Chanyeol já estaria chorando antes de ele começar. Quando eles se beijaram, a aura de Tao, que estava tremulante havia tanto tempo, brilhou.

Voltei a ficar de costas, me apoiando no píer com um sorriso no rosto. Eles precisavam ficar sozinhos, já que não puderam fazer isso por tanto tempo.

- Eu já disse que eles ficam ótimos juntos? – Lay se apoiou do meu lado, o vento açoitando nossas costas cobertas pelas jaquetas.

- Não me lembro! – Ri.

- Pois eles ficam – passou o braço por cima dos meus ombros. – Como se sente agora? Sensação de missão cumprida?

Suspirei, aliviada. Eu ainda carregava muito peso, mas aquele, em especial, eu sabia que já tinha ido embora junto com o vento forte que soprava. Um problema a menos, uma alegria a mais. E alegrias eram raras naqueles dias.

- Parece até que meus ombros estão mais leves – respondi sincera.

Ele não comentou imediatamente sobre o que eu disse, e eu podia sentir o peso de seu olhar em mim. Eu já havia notado que Lay costumava fazer aquilo. Ele não olhava na direção das pessoas, ele olhava para as pessoas. E estava olhando para mim também, com aquele sorriso sereno que dificilmente saía dele.

- Você está com cheiro de felicidade – ele se aproximou de mim repentinamente e cheirou meu cabelo, me pegando de surpresa. – E daquela bem sincera.

- Você parece entender bem de aromas – respondi nervosa, sem conseguir olhá-lo diretamente nos olhos.

- Estou ficando cada vez melhor nisso, – ele tirou o braço de meus ombros e levou a mão gelada até meu rosto, pegando uma mecha de cabelo rebelde e colocando-a atrás da minha orelha – mas tem uma coisa em que eu já sou bom. Eu costumo sempre terminar as coisas que eu começo.

Ao perceber o que estava acontecendo, fui tomada por um pequeno desespero que se tornou muito arrastado para o pequeno espaço de tempo onde ele aconteceu. Assistir Yixing se aproximar de mim tão sincero e certo do que estava fazendo trouxe uma enxurrada de puxões de orelha da minha consciência, que me dizia que eu já sabia que aquilo aconteceria se eu não tomasse as providências necessárias. E eu não as tinha tomado, e a consequência estava acontecendo naturalmente. Yixing não sabia de nada. Ele só sabia do que via e do que ouvia de mim e, até onde ele tinha conhecimento, eu não tinha objeções quanto àquilo. Contudo, eu tinha.

A minha objeção tinha nome, asas brancas, e não havia olhado em meu rosto desde a noite de natal. Havia algo de muito cruel em só pensar em alguém que parecia indiferente.

E eu pensava. Não conseguia parar de pensar.

E ali, encarando o rosto sereno de Lay enquanto eu estava naquela confusão enorme, eu fui mais uma vez salva pelo gongo. Em contrapartida à careta engraçada que Yixing fez ainda com os olhos fechados depois de ouvir o toque do próprio celular, tudo o que eu senti foi alívio. Alívio por poder fugir das minhas decisões mais uma vez.  

Lay estava com as maçãs do rosto coradas e parecia um pouco perdido. Tateou os bolsos da jaqueta várias vezes antes de se lembrar de que o celular estava no bolso da calça e virar de costas para receber a ligação. Só então notei que seu anjo da guarda estava com a aura mais brilhante do que o normal. Aquela visão me deixou ainda mais desconfortável e nervosa. Olhar para o ser celestial me fez lembrar ainda mais fortemente daquilo que eu queria deixar de lado. Como é que eu podia pensar em alguém irresponsável que nem sabia o que tinha feito?

Por que eu não parava de pensar em Sehun mesmo quando Zhang Yixing estava na minha frente?

- Wéi? – Quando ele atendeu, tive certeza de que ele estava falando com a avó. Agradeci mentalmente à senhora Zhang por ter ligado exatamente naquele momento.

Voltei a olhar para a praia, flagrando Baekhyun e Chanyeol ainda aos beijos, tão grudados que, não fosse pela diferença de altura, alguém poderia dizer que eram uma pessoa só. Eu não duvidava nada de que, se não fosse inverno, eles estariam jogados na areia à uma altura dessas. Ao lado deles, Tao continuava a brilhar ainda mais forte, com vontade. Quando me viu acenou alegremente, me fazendo corresponder com pressa para não ser pega. Tirando os três, não havia vivalma por ali, o que não me deixou surpresa.

Afinal de contas, aquele era Sehun. Ele ia e vinha sem se importar com as circunstâncias.

- Catherine, você está bem? – Senti a mão de Lay em meu ombro, me despertando.

Só então notei que eu estava visualmente irritada, com os rosto rígido e as mãos apertando a sacada do píer com força.

- Ah! – Relaxei sem graça. – Estou bem, eu só estava tentando me lembrar de uma coisa... Era a sua avó no telefone?

Ele suspirou olhando para o aparelho antes de guardá-lo de volta no bolso.

- A própria – confirmou. – Parece que nossos parentes estão bem interessados em aparecer nesse tipo de situação – passou a mão pelo cabelo.

Inevitavelmente, me lembrei do dia em que saímos e quase nos beijamos em frente de casa. Daquela vez, fui salva pelo meu pai, mas não escapei do que aconteceu depois. Sehun, naquele dia, tinha atrapalhado tudo. Dado a largada para o início oficial daquela bagunça.

- Pois é... – concordei com um sorriso fraco. – Deixa eu adivinhar, a sua avó precisa que você vá até a floricultura.

Ele confirmou com a cabeça.

- Ela precisa que eu a ajude com um carregamento de flores que acabou de chegar – contou desanimado. – A ajudante foi visitar os pais em Daegu, então a minha avó não vai conseguir ajeitar tudo sozinha.

- Então você não pode se demorar mais por aqui – tentei dizer com outras palavras que ele deveria ir logo. Eu precisava ficar um pouco sozinha.

- É, não posso – suspirou. – Você não está chateada, está? Digo, essa é a segunda vez que isso acontece...

- Não precisa se preocupar com isso – o tranquilizei, falando a verdade. - Sua avó precisa da sua ajuda, e ela não sabia.

Ele sorriu adoravelmente, olhando para baixo. Algumas garotas da cidade me bateriam se soubessem que eu estava enrolando Zhang Yixing.

- Eu vou indo, então... – avisou sem muito ânimo. – Eu te envio uma mensagem mais tarde.

- Certo – respondi.

Lay deu alguns passos lentos para trás acenando antes de me dar as costas e caminhar pelo vento por pouquíssimo tempo antes de se virar para mim novamente. Com uma expressão ansiosa no rosto, ele voltou a curta distância e, sem dizer nada, se inclinou para mim mais uma vez, deixando um selar rápido em meus lábios. Não precisei me preocupar com o que dizer ou o que fazer pois, meio segundo após o ocorrido, ele saiu correndo feito um criança em direção ao parque que estava na praça.

Eu ainda estava tentando entender como ele não tinha escorregado quando, no final do píer, Yixing cruzou com alguém que vinha na direção contrária à sua.

Enfiado na enorme jaqueta escura, Sehun vinha com uma cara de pouquíssimos amigos que me preocuparia se eu não estivesse tão brava com ele. Encarando-o sem hesitar, acompanhei seu percurso até que ele chegasse com sua carranca a dois passos de mim.

Mais perto do que antes. Mais longe do que já havia estado.

Sua respiração rápida fazia uma porção de nuvens de vapor no ar. Sustentei seu olhar castanho pela primeira vez desde a festa de natal, vendo-o muito diferente daquele dia. Eu não sabia por que ele tinha resolvido vir até mim depois de todo aquele silêncio, nem qual o motivo daquela careta que ele dirigia à mim, mas não perguntei nada.

Se Sehun quisesse dizer alguma coisa, que dissesse. Eu tinha coisas a fazer.

Puxei meu celular do bolso e deixei uma mensagem para meu tio dizendo que ele já podia vir me buscar para irmos ao cemitério. Jongdae já tinha me respondido quando Sehun finalmente resolver dar o ar da sua voz.

- Nós temos que conversar – começou nem um pouco singelo.

Ergui uma das sobrancelhas. Então agora ele estava mesmo disposto a falar.

- Não sei o que tanto você precisa me dizer só agora, Sehun, mas meu tio já está vindo me buscar – devolvi sem muita disposição.

Ele revirou os olhos, debochado.

- Você vai fugir agora? Com esse seu tio ainda por cima? – O modo sarcástico com que ele falou de Jongdae me incomodou de uma forma estranha. Era como se Sehun soubesse de algo importante sobre ele que eu não sabia. – O que vão fazer, passear por aí? Espero que não aprenda muitas coisas com ele.

Procurei algum sentido em seu último comentário, mas não encontrei nenhum. Sehun não conhecia meu tio, muito menos meu tio poderia conhecê-lo.

- Isso não interessa à você – respondi ríspida, sem dar corda ao que ele disse. – Não deveria estar junto com o Baekhyun? Ou vai continuar pedindo ao Tao para fazer suas obrigações? Achei que você tinha parado com isso. Pelo visto me enganei.

Aquilo pareceu afetá-lo.

- Eu pedi ao Tao um favor – se explicou. – Eu disse que precisava falar com você.

Soltei uma risada desgostosa.

- Eu não sou a sua humana, Sehun, você não tem nada a tratar comigo. Não era assim que você estava agindo? – Alfinetei com raiva.

- Você parecia muito à vontade com aquele garoto antes – o anjo desconversou.

O fato de ele desviar das minhas perguntas quanto ao seu comportamento fez meu coração se apertar. Por que ele não podia me explicar aquilo?

- Eu costumo ficar à vontade com pessoas que gostam de estar comigo – devolvi, vendo-o ficar desconfortável.

Aquilo pareceu ser demais.

- Por que você deixou ele fazer aquilo?! – Perguntou afobado, encurtando a distância e parando bem na minha frente. – Por que você deixou ele chegar tão perto de você, Catarina?!

- Olha só, Sehun, - soltei um riso soprado – por que você está aparecendo agora e me perguntando essas coisas? Por que você não apareceu antes?

Ele ficou em silêncio, os olhos cravados nos meus sem dar descanso, mudo outra vez. Eu estava irritada com tudo aquilo, desde a aleatoriedade dele até a maneira como ele me olhava, esperando em silêncio. Sehun me irritava até o último fio de cabelo, me fazendo sentir uma idiota por esperar alguma coisa de alguém que sabia viver ainda menos que eu.

- Por que você me deixa sozinha pensando em um monte de coisas horríveis e agora está fingindo que se importa, se nem ao menos olhou para mim?! – Minha voz se elevou, farta de falar sozinha, farta de não ouvir explicações. – Se nem veio me procurar?

Fechei os olhos por um instante, respirando fundo, cansada.

- Por favor, não brinque comigo assim – ouvi minha voz sumindo aos poucos.

Quando não escutei mais nada além do mar atrás de mim, senti como se realmente tivesse murchado. Meus pés começaram a me levar dali como uma medida preventiva de socorro, me alertando que aquilo era o melhor a se fazer. Sehun não queria me responder. Ele não estava respondendo. Nada estava dando certo. Não adiantava cuspir todas aquelas palavras ao vento de graça.

Eu estava me sentindo miserável por ainda ter alguma esperança.

Pensei em tudo isso e mais um pouco nos instantes em que tentei ir embora e deixar o anjo da guarda do meu melhor amigo para trás. Tudo o que confabulei comigo mesma antes de ser impedida pelas mesmas mãos que já tinham me segurado outras vezes antes. Antes de dar de cara com os olhos castanhos de Sehun perigosamente tão perto dos meus. Olhos escuros que me perguntavam silenciosamente uma pergunta que, mesmo não podendo ouvir, eu podia ver.

Olhos dolorosamente bonitos, assim como ele.

- Eu me importo, Catarina! – Disse com a voz trêmula, me segurando forte pelos ombros. – Me importo porque não quero que você faça isso com mais ninguém!

E fez aquilo que tinha feito da última vez que nossos olhares se encontraram daquele jeito.

 

Me beijou.

 

~X~

 

Tomara

Que a tristeza te convença

Que a saudade não compensa

E que a ausência não dá paz

E o verdadeiro amor de quem se ama

Tece a mesma antiga trama

Que não se desfaz

 

E a coisa mais divina

Que há no mundo

É viver cada segundo

Como nunca mais”

Tomara, Vinícius de Moraes

 

~X~


Notas Finais


Muito obrigada por ler!

Resumithu: Uma cap sem interrupção de troca de cenas pq eu sou preguiçosa; Catherine abandonada pelo Sehun - aquele cafajeste; Jongdae para alegrar o nosso dia; Jongdae melhor parente que você respeita; Plano volta Chanbaek em ação; Sehun é um mal educado; Cathy com raiva feat. triste; Cathy modelo fajuta; Chanyeol aparecido; Chanbaek combinando coisas na surdina; Cathy e Lay passeando; SÓ VEM CHANBAEK, SÓ VEM; Lay muito galã da novela das oito sim, Deus no céu e Zhang Yixing na Terra; Cathy desesperada; Senhora Zhang muito telefonista sim; Lay foi embora; É MENTIRAA; Lay muito beijoqueiro sim; Sehun muito bravo sim - muita moral ele acha que tem; Cathy falando altas verdades sim; Sehun virando gente sim; Beijoka; finito.

(Nos doramas chineses eles atendem o telefone falando Wéi, antes que eu esqueça)

E eu só queria dizer que AI PELO AMOR DE DEUS OS TEASERS, EU TO MUITO ANSIOSA, KIM JONGDAE ME MATOU E DO KYUNGSOO ME ENTERROU, EU E O CHÃO SOMOS UM SÓ
Eu to tão abalada que já gosto até do cabelo do Baek, parece um muso dos filmes velhos da sessão da tarde, eu adoreY

Eu to SedEnTA pelo comeback. Minhas teorias estavam meio certas, sabia que ia ser bem colorido, amém exo colorido no verão, amém Sehun com cabelo de água de vina e tatuado. Ai, Amém EXo

Desculpa gente, to nervousa.

Adoraria saber o que vocês acharam! Estou ansiosa pra escrever o próximo capítulo (to de férias, amém) e postá-lo, está cheio de informações preciosas!

Até!


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