História O Coelho Branco do Rei - 04 - palavras

  - olá, como tem passado coelhinho? - Haran foi o primeiro a falar.

  Ambrael não respondeu, apenas correu até o outro e o abraçou. Precisava saber que se fato não havia pegado no sono e começado um sonho. Era massivo e sufocante está tanto tempo lá sem nada para fazer ou alguém para falar.

  - estou me sentindo sozinho! - as palavras saíram como uma reclamação.

  Haran se surpreendeu tanto com a forma a qual o pequeno agiu como também sua inesperada declaração. Não que fosse impossível de alguém se sentir só estando apenas ali por tanto tempo e sem contato com quase ninguém, ele era a exceção. Mas aquele garoto sempre fora muito reservado com seus próprios pensamentos e sentimentos, era surpreendente ele está sendo tão aberto do nada. Talvez essa tal solidão estivesse abrindo suas celas.

  - então meu pequeno, há algo que eu possa fazer por você? - apesar do tom doce usado, estava claro que havia um limite para o que ele poderia pedir. Jamais devia tentar, sequer dá a parecer que queria sair dali.

  Ambrael sorriu minimamente falhando um pouco o abraço, se fizesse aquilo de forma correta podia melhorar e muito sua situação, era isso que sua intuição lhe dizia. Sair dali não era opção, mas há um milhão e meio de meios termos possíveis.

  - você sempre vem aqui... - fez uma pausa - mas nunca fica. Fique aqui! Passe mais tempo comigo! - tomou certa distância para olhar nos olhos do outro.

  Haran estava sério, aquela criança não sabia o que estava dizendo isso era claro, mas como negar? Não era algo tão difícil, não era ruim. Apenas um pedido inocente, mas também um fato. Será que queria se apegar tanto aquele pequeno ser? Ou devia?

  Se abaixou até está na mesma altura do outro, era só uma criança, era como pensava, era isso o que via. Sorriu fechado por um momento antes de responder.

  - se é o que quer, passaremos mais tempo juntos..

  O garoto assentiu sentindo como se um peso tivesse saído de suas costas, era exaustivo o que havia passado naqueles dias. Mas agora acabara por descobrir algo. Pela primeira vez podia se sentir valorizado após tanto tempo, aquela pessoa a sua frente não o conhecia e mesmo assim lhe dava atenção. Lhe dava um lugar, sentia que poderia viver assim, quem precisa lutar contra o mundo quando se pode ter o melhor dele? Enquanto aquele rapaz o olhasse daquela maneira sentia que estaria bem.

  "É bom não se sentir um mau..."

  - Humm.... Também quero mais livros - riu, ele tinha um riso lindo e era a primeira vez que Haran o via - já terminei há algum tempo os que estão ali - comentou distraído enquanto olhava na direção onde se encontrava várias estantes enfileiradas e repletas de livros dos mais variados tamanhos, alguns deles estavam até em outras línguas.

  Haran não sabia se estava mais encantado com a beleza daquele ser ou o fato de ter lido aqueles livros, era impossível alguém de sua idade os compreender, mas ele estava agindo como se fosse perfeitamente normal conseguir lê-los e compreende-los. Por acaso seria algum tipo de génio?

  - se você os quer, então amanhã mesmo terá seus novos livros.

  O mais velho puxou novamente o mais novo até que o tivesse completamente envolvido em seus braços e começou a acariciar as mechas claras de seu cabelo fino. As vezes, ele queria que seu mundo fosse apenas aquele quarto, onde insistia em manter aquele garoto escondido e oculto. O mesmo sequer tentara sair, aceitou aquele lugar tão bem e isso era absoluto fora do normal.

  A noite seguiu calma, não tão fria e mesmo assim também não havia calor. O quarto era sempre bem arejado e a brisa invadia brincalhona pela varanda, bagunçando vez por outra as folhas postas sabre algum criado mudo. Mas o conteúdo dos mesmos não passavam de desenhos que mais pareciam repetidos e estes só adquiriram valor quando seu modelo não se encontrava presente. E esse não vinha a ser o caso.

  - por quê me mantém aqui?.. - pela primeira vez Ambrael conseguiu perguntar.

  - como assim? Não gosta daqui? - Haran questionou analítico.

  - não é isso.. - o mais novo chegou mais para perto do outro e pós a cabeça sobre suas pernas a fim de com isso quem sabe receber mais um carinho. Talvez fosse culpa da solidão, talvez a falta de afeto de seus parentes. Mas também poderia ser apenas algo de sua própria natureza. Ele queria atenção.

  Ambos estavam sobre a cama enquanto apreciavam tanto a brisa noturna como também a companhia alheia. Eram assim que normalmente passavam  tempo: jogando conversa fora sobre assuntos desconexos e aleatórios. O mais velho sempre se dispunha a explicar sobre tudo o que o outro queria e o indagava, desde as variados espécies de flores a política, estes eram dois dos seus assuntos favoritos e que mais se identificava.

  - então por quê essa pergunta? - pós-se a acariciar os fios longos do cabelo daquele pequeno.

  - bem.. - suspirou - você não me conhece... Nunca antes havia me visto. Você não tem motivos para querer cuidar de mim e... Você está cuidando de mim...

  Cuidar não seria bem as palavras na cabeça de Haran, mas havia um certo sentido nas palavras. Ele não possuia qualquer obrigação com Ambrael e mesmo assim não estava disposto a deixá-lo por aí, o que era provável que o levasse a morte.

  Mas aquele garoto era forte, ele já havia visto isso uma vez com seus próprios olhos, tinha provas para sua convicção. Tinha algo de diferente nele e este fora o primeiro fato a encanta-lo, seguido de muitos outros. A resposta seria apenas, fazer isso por quere fazer.

  - se estou 'cuidando' de você, é porquê quero. Apenas quero, ainda não sei explicar direito - respondeu enquanto observava a pele pálida da bochecha do garoto.

  - mas e se você deixar de querer? - ele se revirou um pouco até poder encarar Haran - você vai me contar se não quiser mais cuidar de mim, não é?

  - você não tem que pensar tanto sobre isso meu pequeno - de não estava gostando muito daqueles questionamentos.

  - tenho sim! Não quero me tornar um peso para você. - parou por um instante perdido em seus pensamentos, em tudo que sempre achara ser o mais correto - se um dia se cansar de cuidar de mim... - ele deu um fraco sorriso na tentativa de passar segurança em suas próximas palavras, tanto para si quanto para quem as ouvisse  - me diga.. E eu irei embora. Tudo bem?

  Não, não estava nada bem. Haran encarou os olhos perolados da criatura que escolhera esconder para si. Aquela fora a primeira vez que Ambrael disse algo desagradável aos ouvidos do mais velho. Era como um tinido insuportavelmente irritante depredando sua audição. Aquelas poucas palavras, eram a prova de que aquele garoto havia ficado um bom tempo por conta própria e que já havia lidado com algo desse tipo. A prova da independência que era capaz de ter, a prova de que ao contrário de algo morto que compramos em algum lugar por aí, ele não vinha com rótulo e dentro dele morava um infinito de possibilidades. Ele era uma pessoa afinal, apenas um garotinho, mas com sua própria mente.

  - querido coelhinho... - inclinou-se até que sua testa tocasse a do garoto - isso nunca vai acontecer. Eu jamais vou querer manda-lo embora e aonde quer que eu esteja, você sempre terá seu lugar!