História O Inlíbido - Reabilitação

  Em sua vigésima tentativa de andar na rua, Jully martelava na própria cabeça os conselhos da sua psicóloga, "conte até dez" ela dizia, a contagem chegava na casa das centenas e não funcionava.
  O receio a fizera vestir-se de jeans e camiseta larga como um garoto, o cabelo loiro e sedoso de que tanto cuidava agora era um corte médio que não chegava nem aos ombros.
  Reabilitação social, afundada em cobertores no cantinho de sua cama parecia ser uma boa ideia, a realidade era bem diferente, sequer passar a porta da frente da casa foi algo fácil.
  Não chegaria a lugar algum se continuasse fugindo, daria a volta no quarteirão, era mais que o suficiente, e quase impossível para ela.
  Deu os primeiros passos sem desgudar os olhos da casa, como se ela pudesse sumir em um piscar de olhos, escolheu o horário de almoço por que ali, um condomínio fechado, não teria ninguém na rua e, por sorte, estava certa.
  A confiança voltando as poucos, deu a volta na esquina sorrindo para si mesma, mas travou quando viu um rapaz alto andando na sua direção.
  O cérebro travou, o corpo invejoso fez o mesmo, a visão dela começou a ficar levemente turva, já não via um garoto, via o pesadelo que viveu três anos antes, a mente ameaçou desmaiar e o café da manhã lutava para voltar pela garganta.
  Aos poucos acalmou-se, mas em sua cabeça uma sirene de aviso berrava dizendo que ela devia fugir, as pernas não se mexiam, o rapaz continuava andando, calmo como se estivesse fazendo-a sofrer de propósito.
  Ele passou, sem dizer nada ou nem mesmo esbarrar o braço, os olhos escuros olhando sempre para frente como se ela não existisse.
  Após longos dois minutos a garota recuperou o controle, temia olhar para trás, continuou em frente, mais outros minutos andando passo-a-passo e terminou a volta, entrou na casa e se escondeu no quarto, o coração pulsava loucamente, tão cedo não sairia de novo.