Primeiro dia de aula.
Acordo cedo, não consegui dormir direito. Na verdade... mal dormi. Volta às aulas. Essa realidade me assusta mais do que deveria assustar qualquer aluno do ensino médio. Não quero voltar para a escola. Não é tédio ou preguiça, eu só sinto...
Me levanto.
Não quero pensar mais na escola para não desistir. Não sei se aguento mais um ano na Goode High School. Não existe indício de que tudo será diferente nesse novo ano escolar. Pensar tudo isso só me deixa mais ansiosa. Eu não criei esperanças de um novo começo durante todo o recesso; eu não quero fama, não quero elogios, não quero mais solidariedade, eu só quero poder passar despercebida. Eu quero ser esquecida.
Me arrumo pouco a pouco, coloco uma camisa simples, com estampa de coruja, por cima dos machucados e visto uma calça folgada de amarrar verde escuro. Calço os meus tênis e visto o moletom em cima da cama. As mangas são justas nos pulsos, escondem todos os ferimentos e cores dos antebraços. Meu cabelo está ainda mais longo e o louro não é mais tão claro como na infância e nem escuro como gostaria. Os cachos estão mais pesados e cheios. Prendo meu cabelo em um coque alto e confiro a arrumação da minha mochila.
Já com tudo pronto, me permito olhar mais uma vez o que me causa incômodo.
Encarar o espelho para ver se está tudo okay é como ter um flashback de lembranças ruins. É uma ação simples, mas é extremamente desagradável.
Monstro.
Gorda.
Mal-amada
Chega. Ainda tenho algumas horas antes de me preocupar com isso agora. Patrick já fez esse trabalho durante o fim do ano letivo. Já fiz diálogos mentais demais sobre a hora em que esse momento chegaria. Entre decidir qual dos dois lados é o pior, a minha única certeza é que o lado dentro de casa com o meu padrasto gera dor física, não só emocional. Engulo o medo, por enquanto.
Ajeito a franja mal cortada e o meu óculos. Parto em direção à escola.
(...)
Há mais gente esse ano. Não só por serem novatos, mas pela quantidade volumosa de novatos. Também vejo rostos conhecidos. Me afasto do centro. Há mais meninas juntas às líderes de torcida esse ano, todas à caráter: cabelo e pele impecáveis, sorrisos brilhantes, beleza e charme de celebridade hollywoodiana. Mais gente para eu me preocupar. E é estranho encontrá-las, ainda é cedo.
Provavelmente porque estão esperando os novos alunos para analisá-los.
Sei que Thalia chegará tarde. Me esgueiro pelos cantos até a entrada. Eu poderia ter pintado o meu cabelo de castanho, seria o suficiente para afastar o reconhecimento imediato das pessoas e ter mais discrição. Não sei por que só pensei nisso agora, tive meses inteiros para poder criar essa opção. Afasto esses pensamentos que já não me servem mais e vou para a biblioteca.
(...)
Resolvo sair depois de meia hora. Preciso pegar o meu horário na secretaria. Ela está vazia, o que é um alívio, então só apanho com rapidez e sigo para a primeira aula.
Sou uma das primeiras a chegar, só perdendo para Connor Stoll, que dorme tranquilamente na sua carteira, Miranda Gardner, uma defensora do meio ambiente, junto com sua irmã, Katie Gardner, e uma possível aluna nova, com seu rabo de cavalo alto e suas incríveis unhas extravagantemente roxas, mechendo em seu celular.
Ocupo o lugar em uma das primeiras carteiras, encostada ao lado da grande janela com vista para o campo. Aqui os professores têm um campo de visão mais apurado. Vêem tudo.
Logo o sinal toca para o primeiro tempo. Mantenho minha cabeça virada na direção do campo do lado de fora da janela, mas não consigo evitar que minha imaginação devaneie sobre quando o inferno começará, conforme a sala começa a encher. Em um azar, viro a cabeça para o outro lado justamente quando ele entra na sala. Volto a olhar para a janela com rapidez. Meu coração parece que vai sair pela boca. Seguido por seus amigos e as líderes de torcida, Perseu vem sorrindo. Está ainda mais alto esse ano, e seu cabelo preto também está maior. Mantêm a pele bronzeada de sempre. Para a minha sorte, não sou notada por ele, mas Drew me viu.
Drew Tanaka me viu.
Não, por favor. Esse ano, não.
- Olha, quanto tempo! Se não é nossa amiga quatro-olhos! - Drew me anuncia com uma falsa animação. Consegue assim, atrair toda a atenção da classe para a minha humilhação. Sei que para os novatos isso é confuso, ainda mais com esses apelidos quase inocentes, mas para os veteranos é um prato cheio. Não...
- E aí? Como vai, Fantasminha? - Luke se aproxima. Agora é um dos jogadores de basquete da Goode. É quem mais alivia nas ofensas. Mas com essa turma, tudo é muito discreto perto dos professores.
- Olham, vejam só! A anã cresceu dois centímetros! - Fala rindo, Travis Stoll, e consequentemente, fazendo todos do grupinho rirem também. Eu gostaria que estivesse dormindo como o seu irmão.
Não respondo, mantenho a minha cabeça abaixada e tento não prestar atenção. Felizmente o professor chega interrompendo toda a sessão de piadas e fazendo todos irem para os seus lugares. A grande maioria vai para as últimas carteiras no fundo da sala.
A aula se mantém normalmente, e eu adoro as aulas de história do Sr. Brunner, ele não permite piadinhas de mau gosto com os alunos no seu tempo, e eu me sinto grata por isso.
O intervalo vem depois das aulas seguintes e, de lei, espero até que todos saiam para que eu possa sair.
Sou surpreendida por eles assim que saio pela porta.
- Pronto, agora podemos dar as boas vindas para você. - E é o Jackson quem fala dessa vez. Um arrepio desce pelo meu corpo. - Sentiu saudades, Monstrinho?
É como se alguém tivesse jogado um balde de água fria nas minhas costas. Sinto outro arrepio correr do final da minha coluna até a minha nuca, me faz espremer os dedos dos pés dentro dos sapatos. Tento ignorar seu comentário, mas não consigo. Acho que ninguém suporta essa ideia de levar seu fardo.
- Monstrinho, onde você compra essas roupas? - Drew volta a me atacar. - Ou você acha no lixo?
- Deixa ela, Drew. - Agora é Nico di Angelo quem participa, um dos melhores amigos do Perseu. Às vezes imagino que seu ódio por mim seja maior do que o de todos do grupo, mas não sei dizer o porquê. Não sei porque parece me odiar tão mais além que todo mundo da sua turma, nós nunca trocamos uma palavra além das brincadeiras de mau gosto que faz comigo. - Não vê que é presente de avó? - Então todos começam a rir.
Tento passar por eles, mas alguém coloca o pé. Caio indo direto ao chão. Minhas mãos se arranham no concreto pelo atrito. Sinto vontade de chorar, mas não posso dar esse gostinho a eles. Será pior. Me levanto e passo direto para a biblioteca. Gostaria de saber onde Thalia poderia estar, não quero mais passar esse dia sem ela. Ando apressada pelo caminho até encontrar outro grupo famosinho que também não me suporta: os garotos do time de futebol americano da escola. A diferença é que esses populares, sendo comandados por Dylan, não se dão bem com a turma do Perseu, são rivais. Os jogadores de futebol do colégio são caracterizados por ter, assim como os jogadores de basquete, um porte atlético e forte, e são muito explosivos. Mesmo que distante deles, sinto uma extrema vontade de me encolher quando passo. Esse grupo fala poucas ameaças, eles atacam primeiro. Ethan Nakamura me olha com um sorrisinho zombeiro, como se estivesse aguardando por esse reencontro durante suas férias inteiras. Seu olhar sobre mim sempre é hostil e malicioso, como se tivesse um truque guardado esperando por mim para cair nele. Sei que me considera um lixo e uma cobaia para o seu sadismo. Resolvo passar mais depressa sob o olhar daqueles garotos, sigo caminho para a biblioteca.
- Bom dia, Dona Ella. - Ella, a bibliotecária ruiva, adorável e magricela, me dá um sorriso de volta. É uma senhora bem simpática e inteligente.
- Bom dia, minha querida, chegou uns ótimos livros sobre arquitetura na sessão seis.
Parto em direção à sessão indicada. A leitura é um dos meus passa-tempos preferidos, é mais um vício que começou como hábito também. Minha mãe sempre lia comigo desde pequena. Fico o intervalo todo aqui me distraindo e fugindo da realidade até tocar o sinal avisando volta às salas.
Prendo o livro que escolhi sobre arquitetura greco-romana entre as pernas e ajeito o meu cabelo antes de virar o corredor para o acesso à sala. Quando termino e viro à direita, me deparo com Perseu por acidente pela segunda vez no dia, mas não dá mais tempo de retornar o caminho, ele já me viu. Ele ri pelo meu susto e apanha meu livro antes que eu o segure firme.
- N-Não é meu.
Tento pegá-lo de volta, mas o livro é erguido acima da sua cabeça, onde não alcanço.
- Vem pegar. - Ele diz.
Não vou me humilhar mais, e me descuidar, em ficar na ponta dos pés para pegar o livro, ele sabe muito bem que não vou conseguir, só quer assistir tudo isso.
- Por favor, me devolve. - Digo mais uma vez. Tento dizer em alto e bom som, mas na verdade sai quase inaudível, soando extremamente fraco. Eu não me orgulho.
- O que? Não entendi nada do que você disse, Monstrinho.
- O livro. P-por favor, m-me devolve. Ele não é meu.
Repito, dessa vez mais alto.
- Por favor.
Perseu me ignora e passa a encarar algo atrás de mim. Me viro assustada. Uma garota bonita recolhe seu material dentro do armário. É morena, de pele negra, alta e com um corpo sonho de consumo dos adolescentes: magra com curvas. Me lembra uma atriz famosa, mas não me lembro quem.
Quando ela nota estar sendo observada e por quem, seu olhar muda. Ela fecha a porta do seu armário e dá um pequeno sorriso discreto para o Perseu. Escuto o livro cair no chão e vejo Perseu ir atrás da garota. Essa facilidade toda entre os dois me irrita, não por seja lá o que vão fazer, mas pela interação social parecer tão fácil pra todo mundo nessa escola, menos pra mim. Vou para a sala e sento no meu lugar. Assisto a aula de inglês ouvindo comentários indescentes vindo dos garotos do fundo sobre a professora.
Presto atenção no resto das minhas aulas, só perdendo o foco em um certo momento quando sinto meu celular vibrar no meu bolso, indicando nova mensagem. Abro o visor discretamente, não permitindo que o professor de matemática perceba o que estou fazendo. Mensagem de Thalia avisando seu motivo da falta. Estava com preguiça. Hunf. Como sempre, Thalia. E eu preocupada com algo que poderia ter acontecido.
Com o sinal indicando o fim das aulas, saio de sala. Para muitos sendo libertação, mas não pra mim.
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