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História O lado bom da vida - Interligações


Escrita por: DiaeNoite

Notas do Autor


História em 24/10/2015.

Bônus: capítulo com POV da Sally.

Capítulo 15 - Interligações


Fanfic / Fanfiction O lado bom da vida - Interligações

Acordo assustada. Não lembro desse momento há meses. Mantenho a calma para não chorar. Sei que se eu começar, não vou conseguir parar. Não há um jeito de fazer essa dor sumir do peito, mas tem como trancá-la lá dentro. Quando mamãe morreu, ela levou uma parte de mim junto. E não é muito fácil assim conter as lágrimas ao lembrar disso.

São quatro da manhã e agora já perdi o sono. E essa lembrança continua rodando pela minha cabeça. Patrick também nunca a superou, e ele tem um modo diferente do meu de suportar isso.

Empurro as cobertas e me levanto. Desço para beber água.

Muita escuridão, isso me assusta. Vou tateando a parede até achar o interruptor do corredor do meu quarto, acendo a luz e vou em direção à escada. Vou acendendo as luzes até chegar à cozinha. Pego um copo, abro a geladeira e o encho de água. Só de lembrar que mais tarde terei de me encontrar com um garoto instável, que só pensa em si, meu coração se acelera. Merda. Isso nunca esteve nos meus planos. Ter o Jackson longe de mim já é difícil, agora, ter que ter aulas com ele será impossível. Isso não é justo. É sábado e vou ter que encontrar com ele para jogar basquete, qual é a chance disso dar certo? Por mais que o professor Maxie tenha dito para nos reunirmos hoje para que eu começasse a dar aula de reforço, combinamos que seria melhor começar por hoje as aulas de basquete. Ou melhor, ele combinou. O que mais soou como uma ordem, e não seria eu a desobedecer.

Ouço um barulho no corredor. Pulo de cima da bancada, olho para o relógio. Seis e vinte. Eu fiquei pensando tanto tempo assim? Parto em direção ao quarto o mais rápido possível e me jogo na cama. Me embrulho nas cobertas.  Poderia já estar acabando logo com isso, indo me reunir com Perseu a essa tarde para lhe dar aulas e adiantar o meu lado, mas parece que o seu compromisso ultra-importante, que provavelmente é zoar por aí, foi o escolhido. E Patrick está lá embaixo, o que significa que não vou descer tão cedo.


POV. Sally

Olho mais uma vez para Percy pela porta. Já é crescido e possui uma incrível semelhança com Poseidon, seu pai. Seus traços, agora sérios, encaram concentrados um ponto na parede. Sentado na cadeira com as pernas cruzadas em cima da mesa, ele parece decidido.

O que ele está pensando?

A música está alta, uma coisa que já estou acostumada toda vez que ele está pensativo. Desde pequeno, do seu jeito rebelde e propositalmente revoltado, deixava o rock metal, aquele que julga ser o melhor ritmo para essa situação, nas alturas para enclarecer a mente. Ele sempre foi muito determinado. Como na vez em que estava aprendendo a andar de skate, voltava para casa com os joelhos ralados e completamente sujo. Era um teimoso de onze anos com os cabelos caindo nos olhos, suado e com um sorriso de rebeldia no rosto, sempre sem medo de desafios, sempre corajoso. Dizia que o cabelo sempre o atrapalhava e o cegava de algum obstáculo, passou a sair remando com seu skate de bandana, até um dia aparecer descendo as escadas com o cabelo cortado rente a cabeça. O olhando agora, vejo o mesmo garoto já crescido. Meu menino de dezesseis anos.

- Mamãe?

Sou pega bisbilhotando. Ele me encara com a testa franzida. Fui pega de surpresa.

- Está aí há muito tempo?

- Não muito, filho.

- Aconteceu alguma coisa?

Sorrio. Sua preocupação comigo sempre me deixa comovida.

- Uma mãe não pode mais observar escondida atrás da porta? 

- Contanto que não me pegue em maus lençóis...

Ergo a sobrancelha para ele. - O que?

- Nada não.

- Nem quero imaginar. - Ele ri.

Ele se levanta e se joga na cama. Apalpa o lugar ao seu lado.

- Vem, deita aqui.

Sorrio pelo gesto.

- Sabia que não estava tão grandinho para a hora da história.

- Sempre estou pronto para a história do garoto mais bonito do mundo, filho da mãe mais bonita do mundo.

Bagunço seu cabelo. Me sento ao seu lado.

- O que você estava pensando?

- Vou deixar essa pergunta em aberto, dona Sally. Prefiro guardar a resposta para mim.

- Sabe que sempre que pode se abrir comigo, certo?

- Sei sim, e obrigado.

- Te amo tanto, filho. - Não resisto a tentação de dizer.

- Eu também me amo, mas te amo também.

Puxo sua orelha.

- Convencido.

- Realista.

- Vou lá embaixo fazer um bolo. - Proponho.

Ele me olha sorrindo e vejo ali aquele jeito de sorrir tão puxado de Poseidon.

- Azul?

- Claro.

- Vou te ajudar.

- Então vamos porque estou com fome.

Ele sorri e levanta da cama, me oferece a mão, que aceito e fico de pé. Somos ambos altos, mas não tão parecidos. Tenho olhos e cabelos castanhos. Percy tem olhos verdes herdados do pai, assim como o sorriso e os fios negros. Temos temperamentos também diferentes, mas de acordo com Hazel, prima de Percy, somos parecidos em termos rostos com traços marcantes. Coisa que eu nunca vou falar de mim por aí.

Percy se adianta e abre a porta do quarto. Seu semblante é divertido.

- Primeiro as mães.

Sempre muito atencioso. - Depois os filhos famintos.


(...)


POV. Annabeth

Encaro mais uma vez o dinheiro nas minhas mãos e a lojinha do posto de gasolina aberta.

É o melhor a fazer. É o que deve ser feito.

Minha fraqueza tem me consumido mais, minhas quedas aumentado. Como o desmaio ao pé da porta, ao sair do quarto  hoje mais cedo para ir ver a Thalia. Thalia não precisa saber disso.

Sei que o motivo é a falta de comida, mas não posso parar agora. Me sinto cheia, inchada. Foi como saí do hospital.

Caminho em frente.

Não posso andar por aí desmaiando pelos cantos, mas também não posso me dar ao luxo de colocar a comida para dentro sempre que isso ocorrer. Preciso ter uma dieta e já sei qual será. A partir de agora, só barrinhas de cereal. Pronto, assim. Não engordam e alimentam. A começar por...

Agora.

- Senhora, poderia me dar sete daquelas barrinhas da segunda prateleira? - Peço à vendedora. 

- Um minutinho.

Aguardo a recepcionista buscar. Isso tem que funcionar.

- 3 dólares.

Isso vai funcionar.

Pego o embrulho com certa apreensão. - Obrigada.

Como uma já saindo da loja e viro a esquina. Minha barriga dói. Colocar a comida para dentro não me traz alívio, é como se meu estômago estivesse desprezando o cereal, pedindo por mais. E mais, mais, mais...

Não vou dar ouvidos a ele. É o primeiro dia da dieta, é normal que me sinta assim, ainda não me acostumei. Querendo ou não vou ter que me acostumar, não posso desmaiar por aí e muito menos engordar. Como as líderes da Goode sempre dizem, é preciso ter vaidade. Não sei onde está a minha e nem como conseguir uma, e enquanto eu não acho, as minhas roupas serão o suficiente para me adiar de todo esse momento.

Mas por que eu? Por que não outra? Há tantas pessoas gordas por aí, garotas lindas e garotas feias, garotos lindos e garotos feios, e só eu fui a escolhida? Por quê? Não pode ser só porque precisavam de alguém representando a vítima na história e escolheram qualquer uma. No caso, eu. Tem que haver algum motivo. Uma escola inteira odiar alguém por nada? Não, não acredito.

Alguma coisa em mim desperta raiva, e não é só o meu corpo. A implicância é mais além do que quilos acima do peso ideal. É mais além, muito mais. Então o que é? O que eu tenho que os faz ter tanta raiva de mim? E o que eu tenho que fazer para consertar isso? Se não ter um corpo acima do peso os fará parar de implicar comigo, estou disposta a isso, mas o que mais? O que mais eu preciso fazer para ser aceita e pararem de me encher o saco?

Meu cabelo incomoda?

Foi um dos primeiros alvos nos ataques à minha autoestima. Os insultos de loira burra só não sustentaram por muito tempo devido minhas notas altas e reputação de boa aluna pela escola, mas os cachos passaram a ser alvos de puxão pelos corretores sempre que algum professor não estava por perto. Manter o cabelo sempre preso. Confere.

Meus óculos são motivo de piada?

Preciso enxergar. Não me acostumei com lentes, e na verdade, não preciso a maior parte do tempo de grau, mas hoje eles me servem como uma tela protetora que acabei me apegando. Me dão uma falsa proteção, mas me apeguei a ela. E com óculos ou não, eles sempre notarão ou darão falta, irão zoar. Solução? Indeterminada. Confere. 

Minhas roupas são simples e não seguem a moda? Sim, mas são elas que me impedem do ridículo, de mostrar algo mais gerador de conflito do que roupas fora de moda. Então roupas simples, sim ou não? Sim. Confere.

Minha pele é muito pálida?

Eu nasci assim e qual chance eu tenho de tomar Sol? Seria ignorar o bom senso e me expor mais à chance de ter dedos apontados para as marcas e hematomas, voltando na questão das roupas. E não estamos na Califórnia. Palidez ou hematomas amostra? Palidez. Confere.

Estou cansada de ser esse conjunto em uma escola de garotas futuras capas de revistas, com mães modelos, e garotos riquinhos desrespeitosos, que só se preocupam com o que pensam do quão bom o seu pau deve ser ao foder alguém.

Estou cansada de estar cercada de herdeiros, de filhos de pessoas importantes que só gastam seu dinheiro, ou melhor, o dinheiro dos seus pais, para ferrar com os outros. São oportunistas, fúteis e cruéis, mais além do que qualquer adolescente padrão, porque possuem privilégios. Vivem para insultos feitos uns com os outros para aumentar suas autoestimas. Vivem cercados de fama e beleza, mas não se importam em cuidar do seu interior. Não quero fazer parte disso. São perigosos, são frios e mimados, atropelam tudo e todos quando não conseguem o que querem. É só observar um colégio de futuros herdeiros de uma grana alta como esse que verão a podridão. O dinheiro não compra tudo.

- Ai.

Fico tão perdida nos meus pensamentos que não vejo onde tropeço. Meu pé dói pelo contato com a pedra grande presa ao chão. Sento em um banco e aperto o meu pé. Levanto a cabeça ao me sentir sendo observada.

Um menino loiro sorri para mim do outro lado da rua assim que levanto meu olhar a ele. É magro e bonito, com uma blusa preta dos Beatles que fica um pouco larga no seu corpo. Está encostado ao muro de uma loja de discos. Seus olhos descem por mim me analisando. Ele não para de sorrir um segundo. Volta a me encarar. Desvio o olhar para o meu colo, solto o meu pé e cruzo os braços. Está rindo de mim. Olho para minha calça jeans em busca de alguma sujeira, não há nada aparente, nem no meu tênis. Em um tempo passado, teria me interessado por ele para imaginá-lo em um encontro comigo, mas atualmente tenho nojo de qualquer hipótese que me envolva flertar com alguém ou permitir que toque em mim. Começo a ficar nervosa, ele não para de me olhar, ainda sinto seus olhos queimando em mim.

Pare de me tocar com os olhos.

Deixei meu cabelo solto e agora isso é um problema, ele chama atenção, é bem grande e as pessoas reparam. Pelo menos posso usar a franja e essa cortina de cabelo para cobrir meu rosto. Algum hematoma deve estar aparente, não posso levantar a cabeça. Seguro com mais força os meus braços. Preciso sair daqui.

Não foi uma boa ideia ter sentado aqui. Sinto suor frio descer do meu pescoço ao meu casaco. Ele deve estar me achando muito ridícula, acima do peso em uma calça justa. Ok, agora também estou. Ele está uma rua longe de mim, sorrindo e imaginando coisas humilhantes ao meu respeito, não há como sair discretamente da sua visão, me sinto desprotegida. Sinto vontade de chorar, quero me esconder.

Por favor, não atravesse a rua.

Tomo coragem e levanto os olhos na sua direção. Vejo sua boca mexer pronunciando a palavra "linda". Está debochando de mim. Não aguento mais, levanto e entro no primeiro ônibus vindo. Uma onda de raiva me atinge, mas não vou chorar em público.


POV. Percy

- Mãe, tem uma coisa que eu quero te dizer.

Passo para ela o último copo, ela guarda no armário e seca as mãos no pano em cima da pia. Ergue a cabeça e se vira para mim.

- Sim, filho.

Me encosto na bancada da cozinha. Preciso ser franco.

- Hoje à noite vou precisar encontrar com uma menina da minha turma para cumprir um projeto que temos.

Ela me olha nos olhos e espera paciente eu terminar de falar. Como nós dois sempre fazemos. Cara a cara, abertamente.

- Como a senhora sabe, minhas notas não têm sido as melhores e, ultimamente, minha bolsa garantida pelo basquete, também tem dependido disso, e o treinador Hedge tem me cobrado bastante e consequentemente me punido pelo desleixo. Então ele e meu professor de sociologia decidiram me juntar com uma tal menina, que está tendo problemas com esportes e educação física em geral, para que juntos pudéssemos nos ajudar. O combinado é: eu ajudo ela no que ela precisa e ela me ajuda com as matérias em que minhas notas não tem sido boas.

Suspiro antes de continuar. Meu celular vibra no meu bolso com alguma nova mensagem, mas a ignoro.

- Eu terei que encontrar com ela às sete da noite na quadra da Goode. Foi o que combinei. Sinto muito por estar te contando isso agora.

Ela deixa de me encarar, pondera algo na sua cabeça e pega o último pedaço de bolo azul em cima da mesa e come. Sua demora é desconfortável.

- Ok, mas vá de carro. Também estou preocupada com as suas notas, Percy. Não é porque temos dinheiro para pagar os seus estudos que eu não vou querer que você ganhe por mérito. Pelo menos uma vez. Gostaria que tivesse esse foco. Você é um garoto esperto, não é bobo, mas precisa começar a pensar nas suas responsabilidades.

Assentiu com a cabeça concordando com o que ela me diz.

Ela sorri. A Sally mais divertida está de volta. Não que minha mãe séria seja chata, mas seu modo gentil e bem humorado é melhor.

- Quantos anos essa menina tem?

- Não sei.

- Eu a conheço?

- Não.

- Como ela é? - Penso um pouco. Não costumo olhar detalhadamente para ela. Anabela, eu acho. Está sempre escondida, e quando é vista, é por alguma zoação. Não sei muito sobre ela, só que vive com o pai e coisas básicas da escola. É muito atrapalhada e está sempre cheia de curativos, e que é uma pequena grande gênio.

- Ah, ela é muito amiga da Thalia... - Volto os olhos para minha mãe ao me interromper.

- Da Thalia?

Há muito tempo não ouvimos esse nome ser pronunciado aqui em casa. Não tenho contato com a minha prima, o contrário de Nico e Hazel, que estão sempre aqui. Tanto eu, como minha mãe, não visitamos a casa do meu tio. Esse que não é nem um pouco o meu fã. Quando ele me vê, falta soltar raios com os olhos na minha direção, da mesma forma como Thalia. Minha mãe não volta a pisar naquela casa desde o dia em que fui acusado de ladrão. Eu era apenas uma criança, e de qualquer forma, eu não roubei nada.

- Sim.

Minha mãe me olha como se tentasse descobrir se eu voltei a falar com Thalia. Ela nunca teve nada contra a minha prima, nem mesmo queria que eu me afastasse dela. Mas isso é algo que com o tempo iria acontecer de uma forma ou de outra. Sempre que nos encontrávamos, brigávamos. Eu costumava chamá-la de Cara de Pinheiro. Ela não gostava nem um pouco.

Balanço a cabeça.

- Não falo com Thalia, mas sei que elas vivem grudadas. Essa foi aquela menina que entrou em coma e a turma foi visitá-la.

Ela assente com a cabeça pensando. - Já está melhor?

- Acredito que sim, mas acho que ela ainda deve estar com algumas sequelas. Foi traumatismo.

- Pegue leve com ela, filho. Esse tipo de coisa é muito sério e ela ainda pode estar tendo complicações, nunca se sabe.

Minha mãe sorri maliciosamente e olha para mim. - Ela é bonita?

- Não sei, nunca vi o rosto dela. - O que é verdade. Só tenho vislumbres por trás do seu cabelo e óculos. 

- Mas como assim?

Sua expressão é engraçada.

- Ela é uma loirinha que anda de cabeça baixa com a franja e os óculos sempre lhe cobrindo o rosto. Como eu vou saber como ela é? Acho que tem os olhos azuis e é bastante clara. Ela usa umas roupas compridas e é muito inteligente. É uma baba ovo dos professores e queridinha deles.

- É a famosa "nerd" da escola.

Rio conforme minha mãe percebeu. - É.

Me viro pra ela.

- Espera, a senhora já foi uma nerd?!

- Não! - Ela ri da forma como eu falei. - Eu sempre fui uma ótima aluna, mas não tão ótima. E ei! Eu tinha uma vida social.

- Quer dizer que não tem mais?

Ela franze o cenho e faz uma careta quase fazendo biquinho.

- Você me entendeu.

- Uhum, e que silêncio todo é esse? Cadê a Sophie?

- Ela está dormindo.

- Até essa hora? Aliás, que horas são? Luke vem aqui daqui a pouco.

- Uma e cinquenta e oito. E olha só pra você falando da falta de barulho da sua irmã, você é pior do que ela!

- Nada disso, ela só não me ganha porque é menor.

- Uhum. Vocês dois puxaram tanto... - Ela não termina. Não falamos sobre o meu pai.

Antes que eu possa mudar de assunto, a campainha toca.

Luke.

- O que vocês vão fazer?

- Eu vou acabar com ele no basquete.

- Vão treinar aqui ou na casa dele?

- Não sei. Acho que aqui mesmo.

- Já vi que vou ter de pedir para a Joana fazer comida para uma manada.

- Vai mesmo.

Antes de eu precisar abrir a porta, Luke já está dentro de casa.

- Tá pronto para ser destruído? Não vai fazer drama, vai, peixinho? Vai ser uma cesta atrás da outra. Sou tão rápido que vou fazer essa bola entrar pela sua boca e sair pelo seu rab... Oi, Sally!

Me viro e vejo minha mãe sentada no braço do sofá. Ela está sorrindo.

- Vai fazer o que? - Sorrio em deboche.

- Continuamos essa conversa lá fora.

Pego a bola lançada a mim, junto com a sua mochila. - Não sou sua babá, não.

Luke me ignora na cara dura e se vira para falar com a minha mãe enquanto seguro seus pertences contra a minha vontade.

- Sally, meu pai mandou dizer que você estava linda naquele vestido vermelho na inauguração da sua nova confeitaria.

Como é que é?

Empurro a bola com força para ele e largo sua mochila no chão, que já deveria ter feito há muito tempo. Hermes e minha mãe? Não, de forma alguma.

- Diz pra ele que eu mandei dizer que ela é linda, sim, mas não é para ele.

- Percy!

Mamãe está muito vermelha agora.

- O que? Hermes é um galinha.

- Verdade. - Luke concorda.

- Luke, diz para o seu pai que eu agradeço o elogio, e se quiserem dêem uma passada lá na nova confeitaria. É um convite. 

No que depender de mim, não.

- A conversa está muito boa mas, mãe, se me dá licença, eu preciso acabar com esse aqui lá fora.

Ela ri e se joga no sofá com o controle na mão.

Empurro Luke e corro com a bola para o quintal.


POV. Annabeth

Está atrasada.

Já faz quinze minutos e nada de Thalia.

Ainda me sinto fraca e minha perna direita não para de doer pelo tombo. Não quero apagar aqui. Pego duas outras barrinhas. Vale a pena? Só hoje, não vou pegar mais que essas duas.

Olho à minha volta enquanto mastigo uma delas. O aquário às minhas costas tem um cheiro gostoso de maresia, as crianças com seus pais e mães sorriem ao entrar e sair do lugar. Sorrio junto, é o mais perto do mar que já cheguei atualmente. É seguro, não há como se afogar. Afasto a imagem da minha mãe se afogando no lago. Não é hora de estar pensando nisso, Annabeth. Se controla.

Olho mais uma vez à minha volta, um grupo de garotas e garotos da minha idade ri de algo um pouco longe de mim. Três estão com os celulares apontados para o chão e um mostra o aparelho para uma morena alta que...

Jessica!?

Meu coração parece que vai explodir, quase me escondo. Não, não é ela. A menina ri do menino e fala algo para o grupo. Usa roupas pesadas com estampa de frutas. A Jessica da Goode nunca usaria roupas assim. Decido andar um pouco.

- E o que você vai fazer? Virar sadboy e cortar os pulsos?

Congelo ao ouvir o que a garota fala. Todos riem.

- Mônica, não brinca com esse tipo de coisa, tem gente que sofre com isso. É um assunto sério. As pessoas acabam não suportando o peso do mundo e ferem elas mesmas para se aliviar. - Um menino do grupo diz.

- Peter, existem pessoas com problemas sérios, muito sérios, e você acha que elas estão por aí se cortando? As que não estão mortas, estão por aí tentando mudar essa situação, não piorá-las.

Tenho vontade de esconder os pulsos dentro da blusa, mas não consigo deixar de escutar o que falam.

- Algumas pessoas são mais sensíveis do que outras. Não podemos julgar. - O garoto, que agora sei se chamar Peter, volta a debater com a menina que parece a Jessica. Escuto.

- O que eu sei, é que algumas pessoas acabam se perdendo da realidade e tomam atitudes idiotas. Se fossem se matar, já estariam mortas com um só corte, mas elas não se matam, elas persistem na tentativa de alguém um dia notar e dar a elas um pouco de atenção...

Não.

A garota não entende. Eu não quero isso, eu não busco atenção.

- ...Muitos dos que se automutilam fazem isso por bobeiras. Ah, a mamãe não me deixou sair com os meus amigos, é o meu fim, vou me cortar.

O menino faz menção de interromper, cochicha algo preso à garganta, mas a menina o impede.

- Os que têm problemas realmente sérios precisam entender que não é a solução rabiscar a pele para sempre. No que isso adianta? Alivia o sofrimento? Acaba com os problemas? Não, a resposta é procurar uma verdadeira solução que acabe de vez com o sofrimento. E se não procuram é porque estão acomodados demais com a situação, ou fracos demais para reverter o jogo, e isso acaba se tornando um vício.

Sim.

- ...O que na real é preocupante, é ver que isso se tornou moda. Na internet estou sempre dando de cara com páginas dessas tumblr girls que se cortam e postam "ninguém entende" ou "não entendem o motivo da minha dor" todo santo dia, e isso acaba influenciando e levando meninas de doze à quinze anos a se cortarem achando que esse é o caminho a qualquer mal entendido. O que acaba sendo uma vergonha, e quem se corta por problemas sérios, como problemas mentais ou culpa, até os mais graves, como repulsa de si após um estupro, e que precisam de ajuda, acabam sendo ridicularizados por serem colocados no mesmo meio dos carentes loucos por atenção e não procuram ajuda. Além do mais, esses que dizem "ninguém entende", por que se dão ao trabalho de se expor e serem ridicularizados postando foto dos cortes se ninguém os entende, não é mesmo? O interesse é serem notados e vistos como sofridos e incompreendidos. Diferente dos que sofrem de depressão, que evitam a todo custo serem notados desta forma.

Há um silêncio constrangedor. Engulo tudo o que a menina falou com um choque. Eu...

Eu... eu não...

- É um tema muito delicado, Mônica.

- É um tema que deve-se ser discutido e conscientizado, Peter.

Sinto suor frio descer pela minha nuca e um formigar nos pulsos. Saio o mais rápido para longe deles. Como eu pude ser tão burra? Eu...

- Annabeth!

Viro ao escutar meu nome, assim como o grupinho e outras pessoas próximas. Thalia me grita da entrada do aquário, está com dois sacos do Burguer King nas mãos.

Puta merda.

Vou até ela. Seu cabelo parece mais curto, agora na altura do queixo e mais repicado, e está sem as mechas azuis, estão roxas agora.

- Está atrasada. - Reclamo.

- Acha que eu não sei? Mas foi por uma boa causa. Olha o que eu trouxe!

Boa causa...

Apesar de que essa comida toda vá me fazer mal e me deixar mais cheia, não posso me chatear por isso. Ela pensou em mim.

Passo a mão no repicado mais curto do seu cabelo para sentir a textura. - Gostei do corte.

- Obrigada. Já estava cansada do azul e aproveitei para cortar mais um pouco.

- Ficou bom. O que tem aí?

Olho por alto a sacola gordurosa.

- Ah, eu trouxe dois trios pra gente. Quer comer antes de entrar no aquário?

Evito transparecer a ânsia. - É melhor.

O sanduíche é grande e vem acompanhado de batatas, eu finjo não me importar em como toda essa comida vai parar dentro de mim. Passamos meia hora comendo até Thalia se levantar para jogar nosso lixo fora e me chamar na entrada do aquário. Ela me ajudou a comer a parte que não comi. Quando passa, Thalia tem um cheiro como uma leve brisa, como o cheirinho de terra molhada quando uma tempestade se aproxima.

- Annabeth, você está bem? Sabe... aqueles desmaios... eles voltaram?

Sou pega de surpresa. De lá pra cá, desde a morte da minha mãe, quando tudo mudou, eu passei a ter desmaios e Thalia esteve comigo em muitos deles.

- Hm... estou. Por que está me perguntando isso?

- Annabeth, eu me preocupo com você, você já foi ao médico ver isso?

- Relaxa, Thalia, já passaram. Deve ter sido só uma queda de pressão.

- Mesmo assim, acho que deveria visitar um médico.

- Eu estou bem, Thalia.

Sinto como se eu estivesse engolindo pedras pelo bolo que se forma na minha garganta ao falar isso. Odeio pensar em caso um dia Thalia descubra que minto para ela, que irá embora ao saber.

Entramos no aquário.

- Há uns minutos atrás eu pensei ter visto a Jessica. Foi antes de você chegar. A menina é super parecida com ela, só que não é burra pelo o que eu notei.

- Seria muito azar, Annabeth. Além de ter que ver essa anta no colégio, ainda ver na rua? Se bem que isso é bem a sua cara.

- É um azar ter de ver qualquer um da Goode na rua.

Thalia ri.

- Ah, nem todos. A Rachel é legalzinha, com todas aquelas doações para caridade e aquela boca enorme que não para de cuspir palavras que te fazem sentir vontade de jogá-la pela janela.

- Secretamente você é fã dela, Thalia.

- Eu não, meu pai já fechou um negócio com o pai dela uma vez. Teve um jantar lá em casa e ela foi. Você não tem noção de como ela fala, ela deve conversar até com as paredes!

Sorrio. - Devem ser paredes muito interessantes.

- Talvez sejam. Mas no caso, o que a interessou mesmo foi a atenção da secretária do meu pai. A Dani sofreu tanto aquele dia.

- Eu lembro, você me contou. Ela não calava a boca sobre os quadros que pinta sobre os sonhos dela.

Acompanho os ombros de Thalia descerem com pesar.

- Sim. E também sobre o Percy. Percy pra lá, Percy pra c...

Paro de encarar um peixe grande e cinza na parede ao meu lado e volto a minha atenção à Thalia.

- Essa parte você não me contou.

Ela também para e me encara confusa.

- Não? Não lembro, mas o fato é que ela falava sobre como ele era conhecido, como ele a ajudava, como ele era protetor e um bom amigo, o que ele fazia e... como ele é bonito. - Bufa. - Ela tem um penhasco por ele, ainda não sei como ele não percebeu. Ele é um lerdo.

- Não acho o Perseu um lerdo.

Ele me dá medo. Parece ter a minha idade, mas já fez tanta coisa.

- Isso porque você nunca o viu conversando em uma festa em família.

Só de imaginar me assusta.

- Nem quero. E vocês eram crianças, Thalia. Não conta, isso já faz anos.

- A única coisa que cresceu ali foi a altura, porque nem o pau deve ter crescido. 

Olho para os lados para ver se algum também ouviu isso. Ninguém. Sorrio de nervoso.

- Não é o que já ouvi pelo vestiário uma vez. - Confesso.

- A gente vai ficar mesmo falando sobre o pau do Percy? 

Thalia ri da minha vergonha depois do que fala em voz alta, não consigo deixar de ficar sem graça. Eu o odeio, nunca pensei que ficaria um dia falando sobre o pênis dele como as meninas que já fizeram sexo com ele na Goode.

- A gente pode falar então do quanto os amigos dele são ruins e idiotas como ele.

Thalia me dá uma olhada pelo canto do olho, de repente algo nela mudou. Está... nervosa?

- Perda de tempo. Olha esse peixe! - Sua mudança de assunto nada discreta me deixa confusa.

Pego no seu braço.

- Thalia aconteceu alguma coi...?

- Que bicho escroto, alguém limpou esse aquário?

Ela não se vira pra mim.

- Thalia...

- Annabeth, estou bem, me deixa.

Eu poderia desistir e deixar pra lá, mas algo apita dentro de mim.

- Ok. Onde você estava ontem?

- Por aí. - Sua resposta vem rápido.

- Por aí o resto do dia?

- É.

Se é assim, chuto então:

- Por aí o resto do dia com Luke?

- Não me faça enfiar sua cabeça no aquário, Annabeth.

Ela anda depressa na minha frente para tentar fugir das minhas perguntas. Vou atrás.

- Thalia...

Bato contra ela quando ela se vira rápido demais na minha direção.

- Ok, Annabeth, lembra quando tínhamos sete anos e o Luke disse que tinha uma pinta embaixo do osso do quadril, perto das bolas? Então, é verdade.

Meu queixo cai. Não posso me olhar agora, mas sei que estou fazendo uma cara horrível. Não sei o que pensar, como organizar a confusão que está passando pela minha cabeça agora, mas se eu me concentrar, posso imaginar a bagunça das minhas engrenagens se encaixando. Thalia transou com o Luke? O Luke?

- Thalia, você está me dizendo... me dizendo que...

Não consigo terminar essa frase. Não agora, não na frente dela.

- Sim, Annabeth. Foi isso o que aconteceu.

Não consigo isolar um lado das minhas lembranças. Luke aos sete anos me abraçando e abraçando Thalia, de frente para uma fogueira, com latas de tinta no acampamento de verão, e Luke aos dezessete incentivando o Perseu junto aos outros deles a me envergonhar e acabar comigo na educação física. É muito confuso tentar desvendar qual é o Luke certo, quem ele é de verdade. Mas ao olhar para Thalia, foda-se o resto, ela no momento é quem me importa. Toda a sua rebeldia desaba com apenas um olhar perdido. Ela tem os olhos azuis mais lindos que eu já vi, são assustadores, mas quando ela me olha assim, sem saída, é como se todo o sufoco que ela sente passasse para mim. Me arrependo por ter perguntado tanto, ela ainda não está pronta. Precisa de um tempo antes de me contar e eu cobrei demais, insisti demais. Sou uma idiota.

Além de hipócrita. Logo eu exigindo saber segredos?

- Deixa, não precisa continuar. Vem aqui.

A puxo para um banco de frente para um aquário com cardumes vermelhos. Ajeito seu cabelo para trás. Ela não quer chorar e eu respeito isso. Sei da sua vontade em parecer forte, principalmente na minha frente. Mas ela não precisa disso, dessa bravura toda em mostrar que não se importa, eu sei que ela é forte. Não só eu, mas como também, o resto do mundo. Ao olhar para ela já é de se notar que Thalia é forte. Ela tem toda uma energia que emana dela. Sempre parece estar disposta a derrubar um forte do que demostrar que é cheia de sentimentos. Adimitir então... 

Eu gosto disso nela, mas discordo com ela em achar que ela se torna fraca ao chorar. Porque não, não se torna. Ela não se torna fraca ao chorar. Isso só faz dela mais admirável do que nunca. Comparada a mim, Thalia é uma general. Com choro ou não ela estará pronta para enfrentar o que tiver que enfrentar no dia seguinte. 

Tomo a decisão de tirá-la daqui, do aquário. Thalia nunca foi muito chegada em mares, peixes, aquários e atividades aquáticas. Por mais que ela não costume achar tanta graça como eu em visitar museus, sei que ela ama o museu aéreo de Nova York. Sei que ela tem medo de altura, mas ela não sabe disso, mas também sei que ela ama observar qualquer coisa relacionada aos céus.


POV. Percy

- Se você fizer isso de novo eu vou aí e o alvo vai ser seu rosto.

Luke ri e acerta seu outro tênis em mim. E corre.

- Desgraçado.

Pego seus dois tênis e saio correndo atrás dele. O fedor é tanto que não sei como seus pés não apodreceram. Dou a volta no jardim e entro escorregando e quase quebrando a porta de vidro da cozinha.

- Que isso?!

Joana, nossa cozinheira nas horas vagas, grita pelo susto.

- Foi mal aí, Joana. Não conta para a minha mãe! Luke, seu otário, você está morto!

- Vai nessa! Eu sou mais rápido!

Jogo uma maçã na cabeça do Castellan, mas ele desvia. Tropeço na saída da cozinha e rio alto ao ver Luke derrapar no corredor.

- Meninos, o chão está molhado.

Podia ter falado antes, mas não consigo parar de rir. Tomo o cuidado que Luke não tomou e continuo atrás dele. Ele é mais rápido. Merda. Atravesso a sala atrás dele com os tênis nas mãos. Minha mãe não está aqui ou eu e Luke já teriamos levado um sermão. "É melhor não deixarem sujeiras!". É, lembro perfeitamente de Nico, eu e Luke limpando o chão e as paredes. E de um Nico arrebentado com cacos de vidro. 

Luke no vão da porta fica indeciso em direita/esquerda, o que o atrasa e me dá mais tempo. Ele corre rindo e cambaleando para a área do quintal com a piscina. Passo correndo, por pouco não caindo pelos brinquedos largados no piso pela Sophie.

- TOMA DUCHA!

Sinto um jato d'água na cara e deixo cair um dos tênis e tampo o rosto.

- Eu vou enfiar essa mangueira na sua bunda!

Ele ri e continua com a mangueira ligada. Essa coisa tem uma pressão...

- Olha a boca, sua irmã pode ouvir!

Protejo o rosto e tento me esquivar. - É, Sophie vai saber o que fazer com idiotas como você. Desliga essa merda.

Jogo cegamente o outro o tênis nele. Ele larga a mangueira e corre. Pego o tênis caído e miro bem nas suas costas.

Alvo atingido com sucesso.

- Seu filho da mãe!

Ele contorce as costas e pulo encima dele o empurrando para a piscina.

- Esse aqui é o meu território. - Grito.

- Disse a Pequena Sereia.

Afogo sua cabeça e recebo uma cotovelada.

- Falo nada dessa sua cicatriz aí de quem comprou briga com um gato, ou alguma prostitu... Sophie?!

Luke ergue a cabeça para olhar também.

- Há quanto tempo você está aí? - Pergunto envergonhado.

- Desde ter ouvido vocês falarem meu nome.

Luke aproveita para se desvencilhar de mim. - Essa menina é rápida.

- E o que você ouviu? Olha, não fala pra mamãe que nos ouviu xingando perto de você. Temos um acordo, ou conto sobre seus sacos de doce escondidos no armário e debaixo do colchão.

Vejo-a erguer uma sobrancelha para mim pela afronta da chantagem.

- Relaxa, não vou contar isso para ela. Se eu for contar algo, pode ser sobre a sua outra reclamação lá da sua escola. Algo sobre mau comportamento e beijos com garotas...

O que? Como... como ela sabe dessas coisas?

- Você não... Como você ficou sabendo disso?

Luke ao meu lado me olha esperando alguma resposta que eu não tenho.

- Você andou atendendo os telefones da mamãe de novo? 

Advinho.

- Não, mas vi um e-mail que ela recebeu lá da sua escola enquanto ela foi no banheiro. Apaguei antes dela voltar. Mas enviei para mim uma cópia.

- Eu posso contar isso pra ela.

- Não, não vai. Ou eu vou contar sobre o que era esse e-mail...

- Você não faria isso. - Será que ela está blefando?

- Por 500 dólares eu não faço.

Ok, vamos negociar!

- 300!

- 500!

- 450! - Proponho.

- 490!

- 440!

- 500!

- 490!

- Fechado!

Sim. Sorrio.

Que? O que? Pera...

- Ei!

Luke ao lado joga água na minha cara. - Percy, você perdeu essa guerra... para a sua irmã mais nova que nem sabe o quanto é isso tudo nas mãos dela.

- Você que acha que ela não sabe. E ela nem precisa!

A escuto rir pelo o que falo. Diabólica demais.

- Divirtam-se, garotos. Tchau, tchau. Ah, oi mamãe!

Vejo mamãe se aproximar da piscina com cara de sono.

- Oi, filha. Percy, Luke, deram um jeito no suor.

Sophie sai de fininho me mandando um último olhar cobrador dos 490 dólares antes de sair.

- A gente já está de saída, Sally.

Minha mãe esfrega os olhos e dá um sorriso pequeno antes de voltar para dentro.

- Eu vou pedir para a Joana fazer alguma coisa para vocês comerem. Devem estar com fome. - E se vai.

Saio da água. A bermuda molhada pesa e escorrega pela cintura. Pego a toalha em cima da cadeira.

- Não sou obrigado a ver sua bunda, não, Ariel. Cobre isso. Essa cueca branca aí.

- Não pedi para estar olhando.

Folgado.

- Quer ver uma bunda bem carnuda marca de se encontrar com alguma das suas ex's, ou ficantes, você escolhe.

Luke sai da água, inclina a cabeça e coça o queixo. Quer me contar alguma coisa. Vem uma grande merda por aí.

- Entrando nesse assunto...

- O que?

- Percy, eu fiquei com a Thalia.

Largo a toalha e me viro para ele. Há uma pausa entre nós.

- E você ainda não foi vacinado? Fala sério, onde foi a mordida? - Debocho do seu nervosismo.

Não é algo inacreditável, sei que já foram próximos, e também sei que Luke nutre algo pela Grace. Já vi o jeito como ele olha para ela, e sei que ele acha sexy o seu jeito rebelde com tudo.

- E como foi que isso foi acontecer?

Pergunto para cortar o silêncio.

- Não quero entrar em detalhes, mas nós transamos.

- Ah, isso não é entrar em detalhes?

Ele olha para o chão de um lado para o outro, como se estivesse falando consigo mesmo. Talvez nem esteja me ouvindo.

- Eu não sei o que vem acontecendo comigo. Me sinto diferente. Mas há tempos eu já estava querendo conversar com ela.

- E transar também estava nos planos?

Ele não me escuta.

- Ela está mais trancada em si mesma do que nunca, mas ela me ouviu. Ela me ouviu e parece que ela também queria aquilo.

- Bom, se ela não quisesse, você estaria sendo preso por estupro. 

Ele finalmente me ouve e sua expressão muda de confusão para irritação. Quase tenho vontade de rir.

- Seu grande idiota, estou falando da conversa.

- Relaxa um pouco, ok? Não estou te julgando, não precisa falar montando a guarda.

Luke dá um sorriso fraco mas seu olhar é perdido.

- Não sei como vai ser daqui para frente.

- Mas você conversou o que tinha pra conversar com ela?

Ele pondera. - Não tudo, mas foi um começo.

- Se você precisar de alguma ajuda, conta comigo. Não sei bem como resolver essa história de vocês, mas a gente dá um jeito.

Ele assente com a cabeça e dá um sorriso maior mostrando os dentes.

- Se você soubesse como ela é boa, não implicaria tanto assim com ela.

Credo, não. Que nojo. E ela é minha prima.

Com certeza estou fazendo uma careta para o olhar sonhador e distante dele. - Foi diferente de todas. Thalia é diferente, sempre foi.

- Ainda estou pensando na mordida.

- Eu vou te bater. 

Sorrio.

- Pode tentar. - Mas ele ignora meu desafio.

- Eu não sei como vai ser daqui para frente. Se ela vai falar comigo ou fingir que nada aconteceu.

- É, você não é um bom pretendente.

- Ei!

- Que? - Pesco na memória uma das suas ex's. - Ainda lembro da Megan, filha daquele empresário famoso. Era toda princesinha.

O namoro não deve ter durado três meses, antes de Luke receber um pé na bunda.

- Eu fui um bom namorado.

- Mas não o suficiente para o pai dela. Entre um encrenqueiro como você e um pequeno-e-mais-rico-que-você menino prodígio, para quem o pai dela a empurraria?

Zeus, meu tio e pai de Thalia, não é muito diferente.

- Não foi culpa dela, ela era bem legal e gentil. O pai dela que era um possessivo e oportunista.

- Isso não te lembra o pai de alguém? - Respondo.

Ele olha para mim entendendo onde quero chegar.

- Sei que Zeus é difícil e me odeia, mas você alguma vez já viu Thalia respeitar as decisões dele? Ela não é o Jason.

Bom, Luke não vai desistir. Que Thalia valha realmente a pena para tudo isso.

- Bem, que seja, você tem a mim e não precisa de mais ninguém.

Luke ri.

- Nossa, me beija. Melhor demonstração de amor que já tive a chance de ter, vou até esquecer Thalia depois dessa. Nem um pouco discreto pra cortar o assunto.

Desvio da sua toalha lançada a mim.

- Claro, e ainda tenho um abdômen maravilhoso. Duvido que Thalia tenha um assim.

- Não me deixe esquecer disso.

- Vou te lembrar. - Lanço uma piscadinha a ele.

- Você é um best

- Vou me lembrar.

- Você é um idiota, sabia disso?

- Sou menos que você.

Ele enfim desiste de me atacar e se senta na cadeira ao lado.

- Mudando de assunto. Percy, o Nico sabe que você não vai mais à festa do Andrew?

- Eu falei com o Grover, agora não sei se ele falou para o Nico.

Luke pondera um pouco. Coloca o short e vai em direção à saída da área da piscina. O acompanho. Entramos em casa com o cuidado de não molhar as coisas mais do que já estamos molhados. Minha mãe está nos esperando na cozinha junto à Joana. Dou graças por ter uma mãe que não implica com tudo.

- Ele não vai ficar muito feliz. Você deixar de comemorar com a gente, para ir se encontrar com a Monstrinho, para um trabalho do colégio? Vai achar que você inventou isso. - Luke sussurra só para mim.

- Eu sei, mas é um favor que eu devo à minha mãe. Sei que parece suspeito, eu mesmo não quero ir. Mas fala sério, seria absurdo eu inventar logo essa desculpa para não ir. Por qual outra razão eu ia querer estar com a Monstrinho? - Sussurro de volta meio exasperado.

Pensei que minha mãe estaria na cozinha com Joana, mas não as vejo. Mas há bolo fresco de cenoura e de chocolate, suco de laranja, uva, morango, sanduíches, salgadinhos e sorvete em cima da bancada e mesa. Eu amo minha mãe. Eu amo a Joana.

Luke pega um pedaço de bolo e eu um sanduíche, logo escuto dona Sally pelo cômodo.

- Depois que vocês comerem eu vou precisar que me façam um favorzinho. É simples, só preciso que vão entregar essas duas caixas na casa da nossa vizinha aqui do bairro. É uma senhorinha e é a única casa rosa pink daqui, vai ser bem fácil de achar.

Luke ao meu lado responde um "Pode deixar" de boca cheia enquanto mastiga.


(...)


- Essa casa existe mesmo? Quando sua mãe falou rosa pink eu não levei muito a sério. - Luke para.

- Ela existe e está há uns vinte metros de nós. Vai, levanta essa caixa! - Respondo irritado.

Sou eu quem está carregando o maior peso da caixa.

- Ela é nova aqui. Como não teríamos notado uma aberração dessa?

- Mamãe disse que é uma senhora. - Pontuo antes que ele fale qualquer merda maior.

- Bem doida.

- Isso ela não disse, mas disse que a senhora tem uma sobrinha, e que essa, sim, é bem doida. E que também estuda na Goode, há um ano.

Levamos as caixas até a casa da senhora que descobri se chamar Dora. Quem atende é seu sobrinho, irmão da menina que estuda com a gente. Depois de Luke e eu termos recebido mais de dez cantadas e pedidos para que apresentássemos o condomínio para ele, conseguimos entrar com as caixas. Dora nos convida para comer bolo com ela. Luke aceitou e também se propôs a apresentar o bairro para o garoto. Eu fui embora. Não estou em um momento para gentilezas. Tenho uma festa para ir e em vez disso vou me encontrar com a Monstrinho para treinar basquete.

Dora abre a porta para mim. Agradeço à sua boa recepção e mais uma vez nego o convite de ficar. Preciso ir.

Chuto uma lata jogada no chão pelo trajeto. Estou realmente irritado. Escuto alguém me chamando e olho para frente.

Não basta um, agora outro. Agora o que vem na minha direção em linha reta é uma adolescente cigana, feiticeira ou sei lá o que. Tem o cabelo castanho claro, cacheado e olhos mel, pele morena clara com algumas sardas no rosto. Com o seu quase-manto roxo, blusa comprida vinho, sua saia florida roxa de flores vermelhas, bota marrom e várias pulseiras nos braços e tiara no cabelo, ela parece ter sido tirada de um livro de história de algum autor italiano. A bruxinha é linda, mas parece não ser muito sã.

- É verdade o que dizem sobre você?

É, é italiana. Seu sotaque carregado entrega.

Sua pergunta me estressa. É como se fosse a gota d'água do meu aborrecimento pela situação absurda com a Monstrinho. E agora, mais uma maluca.

- O que? Que eu fodo bem?

Ela franzi o cenho e faz um bico.

- Você precisa mesmo ser um idiota comigo também?

Seu julgamento me cansa.

- Olha só, estou sem tempo para malucos. Dá licença.

Passo por ela, que fica parada me encarando.

- Um dia você verá seu comportamento se virando contra você!

De costas, dou um tchauzinho com a mão.

- Muito bem, aceito o meu destino! Diga-me então o seu nome para que me poupe o trabalho de te procurar para você me dizer que me avisou!

Ela fica quieta. Admito que é engraçado zombar da garota. Deixá-la irritada. Antes de ir a escuto sussurrar bem baixinho "Ah, mas você vai". Se não arranjo tempo para pensar duas vezes quem dirá para cartomantes.



Notas Finais


Cap. editado 12/04/2023.


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