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História O lado bom da vida - Algo novo


Escrita por: DiaeNoite

Notas do Autor


24. 10. 2015

Capítulo 16 - Algo novo


Fanfic / Fanfiction O lado bom da vida - Algo novo

Estaciono o carro em uma das vagas. Está chovendo e trovejando, e é um caminho longo até o portão da Goode. O capuz não adianta nada, vou me molhar de qualquer forma. 

 São sete e quinze da noite. Agora sete e dezesseis. Estou dezesseis minutos atrasado. Eu poderia estar me divertindo. 

 Afasto o pensamento dos meus amigos se divertindo sem mim e foco o meu olhar no prédio do colégio. Nunca havia realmente parado para observar a Goode. Ela é enorme. E a olhando agora com essa tempestade caindo, ela parece ainda maior e macabra. Ela veio? Só o que me falta ter vindo atoa. Está chovendo e ela parece ser dessas garotas que reclamam de tudo. Não estou com paciência pra isso, definitivamente. Preciso de ar. Abro um pouco a janela e sinto o ar gélido invadir o carro. Sorrio e sinto uns respingos no meu rosto e o vento bagunçar meu cabelo. 

 Acho que não estou bem. 

 Tudo está um tédio ultimamente. Eu sempre consigo tudo o que eu quero, mas por que não me sinto bem? Não entendo. As coisas não têm feito sentido ultimamente, é sempre a mesma merda a qualquer lugar que eu vá. É uma chatice não saber o que estou procurando. O que eu quero? Diversão? Minha cabeça anda explodindo. Eu sinto que há um... vácuo dentro de mim? Isso me faz ter vontade de socar alguma coisa. Por que as coisas não fazem sentido? 

 "Muitas vezes não sabemos o que procuramos, está sempre num futuro distante e nos pega de surpresa, mas sempre procuramos alguma coisa". Agora lembro claramente de Rachel me dizendo isso. Na hora não dei atenção, porque frase enigmática e aleatória é típico de Rachel, mas agora essa maluquice parece fazer sentido. "Uma hora todos caímos." Sinto como se algo estivesse faltando dentro de mim, e isso está me afastando do prazer das coisas que sempre fiz. Das coisas que sempre me deixaram bem. Talvez esteja na hora de fazer algo diferente. Mas estou sempre fazendo isso. Não entendo. 

 Encosto a cabeça no volante e fecho os olhos por um segundo. Preciso de paz.

 Preciso de paz na minha própria mente. 

 Meu celular toca me assustando. Luke.


- E aí, Percy? Você não vai mesmo? O nervosinho de preto aqui está puto porque você não vai na festa do Andrew com a gente para estar aí com a fantasminha. 

 - Olha só, Luke, passa esse celular pro Nico e manda esses dois calarem a boca.

 Ouço Will ao fundo chamar Nico mais uma vez de Garoto da Morte antes de ouvir Luke gritando. Dois minutos depois, Nico está na linha.

 - Eu ainda não acredito nisso. Você não vai mesmo? Achei que você não se importasse com essas coisas. Onde está o Percy e o que você fez com ele? 

 - Eu que não acredito nisso, achei que você fosse o mais reservado e alma velha do grupo. Saberia que eu estou fodido com as matérias e que preciso de nota. 

 - Vou limpar coisíssima nenhuma. Quem sujou foi o ser das trevas ali, ele que limpe. Ô Garoto da Morte, vem dar um jeito nessa sujeira. - Escuto Will gritar do outro lado da linha.

 - Mas não se trata de você, não é pela garota? Hoje você vai perder o seu tempo indo nesse colégio para fazer merda nenhuma. Talvez ela nem vá! Ela tem medo de você. Você poderia mandar ela falar pro Hedge e os outros que você compareceu e fez tudo conforme o combinado...

 - Nico, esse é o correto. Deixa ele, cara

 - Cala a boca, Grover.

 - Nico, esquece. Eu vou e ponto. E além do mais, já falei com a minha mãe. Ela também já está sabendo.

 - O que? Falou com a sua mãe sobre isso? 

 - Olha, eu vou desligar... e você e o Will se entendam ou calem a boca. Tchau.

 - Filho da...

 

Guardo o celular no bolso e encaro mais uma vez a Goode. O que eu estou fazendo? Será que ela veio mesmo? 

 Desço do carro e sinto a água fria cair. Puxo o capuz mais para frente e caminho para a parte traseira da escola onde fica a entrada mais próxima pra quadra. Não há outro carro estacionado por aqui. Isso me faz pensar novamente se ela veio. Puxo a chave que o treinador me emprestou para abrir o portão e entro. É bastante diferente, e igual ao mesmo tempo, caminhar por esses corredores vazios à essa hora. Estou fazendo uma trilha de gotejos até o vestiário. Retiro o casaco ensopado e procuro algo seco no armário. Acho uma camisa branca e um short de treinamento. Retiro a calça molhada e visto as roupas secas. Parando para pensar, eu deveria ter conferido antes se ela veio ou não. 

 Guardo o meu celular no armário e vou pra quadra. 

 Paro diante da cena à minha frente. Ela veio.

 E está sem o seu óculos e com a bola de basquete quicando pela quadra. É engraçado vê-la com uma bola, mas preciso tirar aquilo dela antes que ela faça alguma mer...

 Olho perplexo para a bola descendo a rede. Ela fez uma cesta de três pontos.

 De três pontos.

 Olho para ela. Ela é realmente o que aparenta? Quem é essa garota? Ela tampa a boca e deixa tombar um braço.

 - Cacete.

 Então ela xinga? Isso é novidade. 

 Decido me divertir.


POV. Annabeth 

 - Quatro voltas completas pela quadra. 

 Levo um susto ao ouvir o som da sua voz e olho para ele. Depois de meia hora atrasado, achei que não fosse vir. Ele não está com nada nas mãos, está vestido como nas aulas de educação física, o que me faz ver que minhas roupas estão fora de contexto. Eu não deveria estar aqui sozinha com ele, eu deveria ter inventado alguma desculpa para não vir, é perigoso demais, não há ninguém mais além da gente. 

 Ele me olha com impaciência e lembro da sua ordem.

 Quatro? 

 Olho pra quadra. É comprida e larga. Engulo em seco. Assentio com a cabeça e olho mais uma vez pra quadra, finjo não ouvir ele me perguntando se não é melhor eu tirar o casaco. Vou em frente.

 Eu gostaria de fazer exercícios, são bons para o corpo, para emagrecer e ser saudável, mas não posso. Cada esforço é uma dor em algum hematoma espalhado pelo corpo. Isso só faz com que eu me esgote e acabe piorando tudo. Razão pela qual só me dá mais medo hoje, se eu começar a passar mal, será só eu e ele.

 - Rápido, mas não tão rápido assim, você não está acostumada, vai se cansar mais fácil. 

 Diminuo a velocidade e o vejo sentado na arquibancada me olhando. Isso é muito desconfortável. 

 - Eu vi aqui que você trouxe uma garrafa de água, vou ali encher pra você. Volto logo.

 Aproveito o momento que ele sai e corro para cortar a quadra e chegar do outro lado. Isso me faz ter menos uns bons caminhos pra correr. Continuo.

 - Como você chegou aí tão rápido? 

 Continuo. 

 - Quer saber? Não importa, continue nesse ritmo. Eu trouxe a água, quando acabar está aqui.

 Eu nunca deixo de me impressionar em o quanto as meninas da Goode tem razão sobre a beleza do Perseu. Ele é tão bonito que chega a ser intimidador. É lindo, mas delinquente. É um alguém para eu tomar o máximo de cuidado. 

 Paro para respirar. Estou na minha terceira volta e estou suando demais por baixo do casaco. Minha barriga dói, eu preciso daquela água. 

 Continuo. Olho mais uma vez para ele. Não está me olhando dessa vez. Termino a última volta e vou pegar a minha garrafa. Ainda não estou pronta para falar qualquer coisa com ele, ainda mais estando tão perto. Pego a garrafa e me sento no chão da quadra mesmo, minhas mãos estão tremendo e eu gostaria de estar em outro lugar menos aqui.

 - Você está bem? 

 É irônico ele me perguntar isso já que o próprio e sua turma fazem de tudo para zombar de mim pelos corredores. Aceno com a cabeça.


POV. Percy

 Me sento do seu lado e finjo não notar que ela se encolhe um pouco. Eu não vou fazer nada, ela não parece bem, suas mãos estão tremendo. Relembro da minha mãe dizendo para pegar leve com ela por causa do traumatismo enquanto a vejo mexendo na garrafa de cabeça abaixada. Foi estúpido tê-la colocado para correr tanto.

 - Descansa um pouco da corrida e depois vou te ensinar as regras do basquete e vou tentar te fazer jogar.

 Fecho os olhos por um instante aproveitando a calmaria.

 - E-eu já sei as regras.

 - Bom, poupa o trabalho, assim só vamos ter que colocá-las em ação. 

 Seu coque está bagunçado com algumas mechas caídas se misturando com a franja. Sua nuca está bastante suada. 

 - Não acha melhor tirar o casaco para jo...?

 Ela se afasta tão rápido que levo um susto. Olho para ela não entendendo. 

 Ela está me encarando assustada. Ela... seus olhos são... seu rosto... Não consigo parar de encará-la agora. 

Ela é linda.

Ela...

 Seus olhos são grandes e são cinzas. Cinzas, com uma mistura de um castanho quase dourado perto do preto dos seus olhos, é de uma cor tão bonita que nunca havia visto. Ela tem um rosto de um anjo. Como eu nunca reparei? Seu nariz é pequeno com algumas sardas e a sua boca é bem desenhada. Volto para os seus olhos.

Ela é incrivelmente linda. 

 Devo estar fazendo uma cara de idiota. Ela abaixa a cabeça e sua franja cobre a visão que tenho do seu rosto. Cinzas...

 - Eu... hm, vou encher a garrafa de novo.

 Ela faz um mínimo aceno com a cabeça e eu me levanto. Agora entendo a raiva enorme que Drew sente por ela. Ela é linda. Na Goode há garotas muito bonitas, mas em menos de dez segundos ela conseguiu superar todas elas. Encho a garrafa e volto pra quadra. Preciso ensinar algumas coisas pra fantasminha. 

- Certo, vamos colocar em prática o que você sabe. - Sua roupa não é adequada, mas não comento isso, ela já deve saber. Novamente ela está de cabeça baixa com sua franja cobrindo o seu rosto. Agora sinto vontade de fazer com que ela olhe para mim, mas admito que não me distrairia tanto se ela estivesse com seus óculos. - Quando eu cheguei, vi você marcar uma cesta de três pontos. Por que você mentiu sobre ser boa no basquete? 

 - Não sou, foi pura sorte. - Sua fala é baixa e contida de ouvir. Nenhuma novidade. - Eu... estava tentando. 

 - Hm, vamos tentar de novo eu e você. - Espero que isso dê certo. - Me passa a bola. 


POV. Annabeth 

 Minhas pernas não param de doer. Faz tempo que não me exercito tanto. Meu casaco está me esquentando tanto que sinto vontade de enlouquecer e tirá-lo de mim aqui mesmo na frente dele. Fizemos alguns arremessos com a bola, fomos de lá pra cá na quadra, ele me ensinou algumas técnicas, mas esse realmente não é o meu esporte, é o do Perseu. Cada vez que a bola quicava o chão, seus movimentos eram bem calculados e sua expressão ficava mais séria, mesmo quando era eu quem tocava a bola. Consegui pegar alguns movimentos que ele fazia, mas quando eu o olhava em busca de respostas, sua expressão, antes séria e concentrada, mudava para algo que eu não sei definir o que era. Ele desviava seu olhar para outro lugar como se eu tivesse feito alguma pergunta idiota e depois voltava a olhar para as minhas mãos e a bola, e evitava o meu rosto. Evitei o máximo possível cometer alguma besteira que o deixasse impaciente. 

 Quando volto para a quadra depois de ter enchido novamente a minha garrafa, escuto algo como "Só pode ser brincadeira" quando ele se vira e olha para mim. Não que eu precise da opinião dele, ou queira o agradar, mas me sinto mal ao ouvir o que ele pensa de mim tão descaradamente como se eu nem estivesse aqui. Eu não deveria ter vindo. 

 - Por hoje é só, não vou forçar a sua barra, ainda lembro da sua temporada no hospital.

 Paro e me viro ao escutar o que ele falou, sinto um calafrio descer pelo corpo. Isso foi alguma piada? Pela primeira vez decido encarar diretamente Perseu. Seu semblante é sério e não há nenhum traço de ironia no seu rosto, mas ele olha de uma forma tão intensa que desvio o olhar para baixo e guardo a garrafa na minha mochila. Ainda consigo sentir seus olhos em cima de mim e nos meus movimentos pelo canto do olho. Isso é uma droga. É uma droga estar aqui, é uma droga ter de estar treinando, é uma droga ter de ouvir o que ele fala.

 - Eu conheci o seu pai no hospital. Sabe...? No dia que o Maxie levou a turma.

 O que? 

 Continuo mexendo na mochila, mas de forma muito mais lenta enquanto escuto cada palavra que sai da boca dele com um choque. Ele o que? 

 - ...É um cara com uma cara nada simpática. Parece ser de poucos amigos. 

 Já sinto minhas mãos tremendo e meu coração sair pela boca. Conheceu? Conheceu como? O que ele quer dizer com isso? Várias cenas passam pela minha cabeça e nenhuma delas é boa. O que ele falou com Patrick? Eu estou ferrada, Patrick tem andado muito calmo e estranho, é por isso! Ele está guardando alguma coisa para mim. Isso não é nada bom, é mais do que preocupante. Me controlo para que eu não chore, se começar, não vou conseguir parar. Droga! O que eles falaram? 

 - ...não chegamos a conversar, nem mesmo nos falamos, mas eu notei que ele...

 Paro o que estou fazendo para escutar o que ele diz. Não chegaram? Meu coração parece que vai explodir. Sinto um alívio descer pelo meu corpo. Mordo o lábio com força e fecho os olhos para evitar lágrimas. Estou de costas pra ele enquanto ele fala sobre como foi esse dia e me sinto melhor por saber que ele não pode ver o quão duro foi ouvir cada palavra. Me levanto e tento fechar a mochila que emperra. Bufo. 

 - Também está sendo um saco pra mim ter que estar aqui, sabia? Eu estou tentando ser gentil, e eu não costumo fazer isso, então seria muito bom que você tentasse também. 

 Levo um susto com sua mudança brusca e inconscientemente acabo dando dois passos pra trás. Ele está irritado. Eu sabia que isso ia acontecer, eu sabia... eu... ele não faz menção de chegar mais perto e suas mãos estão soltas, mas meu coração está a mil. Não foi a minha intenção irritá-lo, mas agora a merda já está feita. Ele faz uma cara de sarcasmo enquanto olha para mim e balança a cabeça, ergue as sobrancelhas e me olha à espera de alguma coisa.

 Estou pisando em ovos.

 Engulo o bolo que se forma em minha garganta antes de continuar. 

 - Ele... não é meu pai.

 Sua expressão suaviza e ele franzi o cenho. Espera que eu continue. 

 - É meu padrasto.

 Ele não fala mais nada, mas consigo perceber que está pensando sobre isso. Desço os olhos do seu rosto para a sua camisa molhada de suor. Suas mãos estão na cintura e sua cabeça está virada para o lado distraidamente, seu cabelo está uma bagunça pelas tantas vezes que ele o jogou pra trás para que não caísse no rosto. Desvio o olhar, seu corpo é lindo e indefectível. 

 Ele é o meu contrário. 

 - Não acha melhor deixar sua mochila no seu armário? 

 Que mudança de assunto.

 Talvez ele esteja certo, não tenho carro, está chovendo e vou ter de andar um pouco até pegar um táxi pra casa com uma mochila de pano com apenas uma garrafa e coisas inúteis. Melhor guardar no meu armário mesmo. Perseu está impaciente clicando uma caneta que eu nem sei de onde ele tirou, já que seu short não tem bolso. Sua regata está grudando nas suas costas e seu cabelo está bem molhado. Acompanho uma gota de suor escorrer da sua nuca até sumir pela blusa branca. Ele tem ombros largos e seu corpo é totalmente proporcional como se fosse desenhado. Acompanho o movimento e o leve flexionar do seu braço ao mexer no cabelo. Nem eu que me considero uma ótima desenhista teria criado uma silhueta tão perfeita quanto é a do Perseu.

 - Minhas roupas estão molhadas, então vou ir com essa mesma pra casa. Te acompanho até os armários, preciso guardar essa bola no meu. 

 Levo um susto com o som da sua voz. Ele me pegou distraída. Jogo a mochila nos ombros e o sigo. Eu estava mesmo analisando o Perseu? Que vergonha. Ele é bonito sim, mas tenho outras coisas para pensar. Preciso voltar à razão e não elogiar quem me maltrata. Agora entendo o cérebro desmiolado das líderes de torcida. O que um rostinho bonito não faz com as pessoas... Ainda assim é perigoso e impertinente, tenho de ter cuidado com ele e... merda, esqueci totalmente dele. Como posso ter me esquecido dele falando dele? Não posso me esquecer da sua irritação há minutos atrás quando eu acabei não prestando atenção quando ele delicadamente tentou ser gentil comigo. Ele gosta de ser venerado, sente a necessidade de ser notado. Talvez esse seja seu defeito mortal.

 - Vai caber no armário? 

 No momento que falo sinto vergonha. Saiu tão baixo que não sei se repito para ele ouvir. 

 - O que? 

 - Vai... caber no armário? 

 - O que? 

 Lembro de Thalia me falando mais cedo sobre Perseu ser lerdo. Agora devo concordar com ela. Só um pouco. Ele realmente não me ouviu ou só está fazendo piada com a minha cara? 

 Ele se vira para mim com uma cara de confuso. Depois de tanto tempo evitando encará-lo e agora o olhando cara a cara, não sei se devo desviar os olhos ou manter contato. 

 - O que vai caber no armário? 

 Como assim o que vai caber no armário? Não é óbvio? 

 - A bola...

 - Hm, vai sim.

 - O armário não é muito pequeno? 

 - Não o meu. 

 Privilégios do poder. 

 Vou em direção ao meu armário e o vejo virar o corredor à esquerda e seguir para ir em direção ao seu. Guardo o que tenho que guardar. É para eu esperá-lo? Está tudo tão quieto que o tic tac do relógio na parede está me assustando. Está escuro também. Não que eu tenha medo do escuro, mas estar sozinha com ele nesse colégio enorme e quase sem iluminação me dá arrepios. Tenho no meu bolso, assim como o Jackson, uma cópia das chaves da entrada pela lateral e das portas que levam até o ginásio. Mesmo assim, só há eu e ele, e poucos lugares para onde correr caso eu precise.


- Isso é alguma punição por alguma outra merda que você tenha feito no teu colégio? 

 Sinto o cheiro muito forte de bebida próximo ao meu rosto. Sua mão esquerda puxa forte meu cabelo para trás enquanto ele fala muito perto do meu rosto, sua outra mão está machucando o meu pulso, tão forte que não consigo soltá-lo. Quero empurrá-lo para longe, mas sei que se ao menos tentar o afastar com a mão livre, ele revidará com um forte tapa, ou um soco. Quero tirar suas mãos pesadas de cima de mim, mas não há nada que eu possa fazer que o pare. Fico com a minha mão livre suspensa ao ar próximo de tocá-lo, mas sem o fazer. Quero muito o afastar, mas estou contra a parede, e mesmo se não estivesse, ele é mais forte, seus murros são mais fortes do que qualquer empurrão que eu lhe dê, e ele sente prazer em saber disso. Meu medo o alimenta.

 - Sã-são aulas de ref-forço. - Sinto o meu nariz escorrer a medida que eu choro e minha cabeça dói. 

 - E pode me dizer por que esse horário e em um sábado? Só você e um menino, não é? 

 Seu puxão no meu cabelo se intensifica, mas o que mais me faz encolher é seu olhar de raiva tão perto do meu rosto. Tento puxar meu braço para mais perto de mim, mas ele aperta com mais força. Dói. Dói muito.

 - Ele me pediu que... ai... fosse esse horário. 

 Procuro ser calma e me controlar, mas sempre me apavora o cerco entre a parede atrás de mim me impedindo de fugir e sua musculatura superior de frente a mim. Tudo se torna desesperador. 

 - Pro inferno com isso. Que esse garoto te dê uma lição.


- Ei, vem ver isso. 

 Bato com força as costas no armário. Sua voz e sua chegada me assustam de novo. Estava tão imersa em Patrick hoje mais cedo que não o ouvi chegando. Já está tarde, eu preciso ir. Não quero sentir as mãos de Patrick tocando o meu rosto ou o meu pescoço. 

 - Você vem ou não? 

 Perseu aparece no corredor. Ele é intimidador, até sua sombra é. Ele está com as mãos limpas e soltas, mas por um momento ele e Patrick são um só nesse corredor. Dou um passo para trás. Eu deveria ter ficado em casa, não foi uma boa ideia ter vindo, e se ele quiser descontar toda a raiva que tem por mim aqui? Que idiotice a minha. Estou delirando. 

 Eu quero ir embora. 

 - Aconteceu alguma coisa? 

 Não sei se é a cara que estou fazendo ou o barulho do meu choque forte com o armário que o preocupa, mas ele provavelmente deve estar pensando que eu sou louca. Mas não me importo, preciso ir embora logo. Nego com a cabeça e tranco o meu armário. Minhas mãos estão tremendo. 

 - E-eu preciso ir embora. 

 - Não antes de ver isso. 

 Ele não desiste nunca? Sua frase me assusta, ele sempre é duvidoso. 

 - Não posso mesmo, já está tarde. 

 A distância suficiente que mantenho dele é desfeita pelos passos na minha direção. Um lado meu está muito curioso para saber do que se trata, mas meu lado mais racional diz para ir embora o quanto antes. É mais seguro. 

 - Você tem mesmo que ser tão chata e medrosa? Eu não vou fazer nada, só estou falando para você ir ver uma coisa. 

 É porque eu não sou idiota! Eu tenho ideia o suficiente de quem é você e como você trata os outros, como se só a sua vida e a da sua turma te importasse. Você já me humilhou em frente de uma escola inteira e espera que eu o siga? Já não é o suficiente eu não te denunciar e fingir não me importar? 

 Me controlo para não demonstrar raiva, ou todo o meu plano de não arrumar problemas vai por água abaixo. 

 - Tem uma pessoa me esperando. 

 Ele abre um sorriso de canto em deboche, provavelmente pensando besteiras e já planejando a piada da vez com a minha pessoa. Eu deveria me assustar e me preocupar com isso, mas estou mais focada em dar um jeito de me livrar dele. 

 - Então é isso? A santa sabida a tudo desse colégio está dizendo para mim que não pode ficar porque marcou com alguém para tirar essa roupa? 

 O que? 

 - Me impressiona quem toparia. 

 Suas palavras machucam. Ele fala de uma forma tão clara e convincente que dói. Meus tênis são a única coisa que quero encarar nesse momento enquanto assisto uma lágrima cair e quebrar sobre ele. Eu já deveria estar acostumada. 

 - Eu deixei de estar em uma das festas mais esperadas com meus amigos para estar aqui, e você vem me dizer que quer ir embora porque marcou uma merda de um encontro?

 Ele está exatamente como eu não queria que estivesse. Irritado. Eu não disse isso, não disse nada disso. Eu não posso ficar! Eu não posso contar! Que droga, entende. 

 São mundos diferentes. 

 - Eu esqueci que você não tem amigos, por isso não entende. - Ele não para. Ele não para nunca. - Me surpreende saber como você mantém a Thalia,  e o que tanto ela viu em você. Deve ser por isso que o Luke te largou. 

 - Para, por favor. 

 A verdade dói. 

 Não consigo suportar o seu olhar em mim. Sinto uma ânsia subindo pela minha garganta e corro para a lixeira do corredor. Todo o cereal está voltando. 

 Meu corpo fica mole e sento no chão me apoiando. Tudo está saindo como eu não planejei. 

 Por que me odeia tanto?


- Annabeth, não fique nessa de acreditar que Percy possa ter algum problema relacionado a você, ou que existe algum conflito que faz ele ser babaca assim. Ele faz isso por diversão. Algumas pessoas são assim.

- Mas por que só eu, Thalia? Por que fazem isso comigo? 

 - Porque você é diferente deles. 

 - Diferente como? 

 Ela não responde.


- Você precisa beber água e jogar uma água no rosto para melhorar. Vem, te acompanho até o banheiro. 

 Ele está agindo estranho. Ele não se importa. Não vou com ele até o banheiro. 

 - Eu já estou melhor. 

 - Não ouvi. 

 - Eu já estou melhor. Não precisa. 

 Ele me encara, mas nada diz. 

 Me apoio na parede com uma certa dificuldade e levanto. Estou um pouco zonza mas não posso me dar ao luxo de cair aqui. Ele me encara como se eu estivesse teimando com ele, o que é verdade, mas aqui sou eu por eu. Nunca pensei que eu fosse confrontar Perseu (é o que estou fazendo, certo?), eu não sei o que está acontecendo comigo. O que o instinto de sobrevivência não faz...

 - Se você deixasse, eu poderia ajudar! 

 Dou um grito de susto. Ele grita se assustando com meu grito. Ele tem um ótimo jeito de chamar a atenção, se eu não tivesse me sobressaltado com a sua fala rápida talvez eu tivesse corrido. Que susto. Ele me olha não entendendo nada, mas depois do seu grito, o seu olhar de confusão é um pouco engraçado. Não fala nada.

 - Preciso... ir pra casa.

 Ele sai do caminho da passagem pelo corredor e eu passo. Mais um bom pedaço com pouca iluminação. Pego a chave do bolso e vou balançando para o barulho me fazer companhia e aliviar a tensão um pouco, estou nervosa, sinto meu estômago se embrulhar de novo. Eu estou cansada. Ando mais um pouco e não consigo segurar o que sobe pela minha garganta. Dessa vez vomito no chão mesmo. 

 - Vem, não adianta negar. 

 - O q-que você vai fazer? 

 - Eu nada, mas você vai lavar esse rosto e comer alguma coisa. A máquina de donuts está logo aqui do lado. 

 Eu não quero comer nada. Acho que isso só vai piorar, mas não quero o contradizer mais do que eu já o fiz. Estou abusando da sorte. Ele me oferece a mão, aceito, mas é alarmante porque está quase a ponto de tocar o meu pulso. Ajeito minhas roupas e vou na frente. Sempre o observando pelo canto do olho. Perto de chegar ao banheiro, eu paro, finjo amarrar melhor o meu tênis. Quero que ele vá na frente para ter certeza do que ele possa estar planejando. Devo estar demorando porque ele faz um barulho e me viro para encará-lo. Nunca gosto disso, a maquiagem esconde os hematomas que às vezes tenho no rosto, mas mesmo assim, não confio. A qualquer coisinha ele pode estar olhando para algum machucado e eu não estar sabendo. E agora aí está ele falando pra que eu lave o rosto. Ele me olha estranho e agora percebo que estou parada o encarando. 

 - Algum problema? 

 Sim. Te quero longe. O mais longe possível. Preciso pensar em alguma coisa.

 - É... hm, enquanto eu estou no banheiro, tem como você... ir pegar um donuts pra mim? 

 Abro a minha mochila sem esperar a resposta. Louca para lhe entregar o dinheiro e torcer para que ele aceite e vá pegar um pra mim. 

 - ...Tudo bem.

 Ele aceita o meu dinheiro e sai em silêncio. Foi tão fácil assim? Ele não se incomodou por eu ter feito esse pedido a ele? Eu? Bom, entro depressa no banheiro e coloco água na boca e cuspo repetidas vezes. Desfaço o coque bagunçado e o refaço novamente, olho meu rosto à procura de alguma marca aparente, mas não há nada, só a menina gorduchinha com cara de cadáver me olhando de volta. Caço no bolso o comprimido que eu trouxe para dores em geral e o tomo. Estou cansada, e meu reflexo no espelho me mostra que eu estou parecendo uma drogada. Arrasto o meu corpo e saio. Ele me assusta, já está na porta. 

 - Grover é o que mais adora isso. 

 Vou segurando a comida até ver que ele está me olhando esperando que eu coma. Mordo um pedaço pequeno e ele parece desviar a atenção. Passamos por um corredor e ele para se encostando em um armário. 

 - Coma. Vai melhorar. 

 Não tenho escolha, dou uma mordida. Meu estômago se revira, não por enjoo, mas pedindo por mais. O sabor é gostoso. Dou mais uma mordida, e outra. Não como um há muito tempo, quero parar, mas não consigo e não posso. Ele está me encarando. Antes que eu perceba já comi tudo e me sinto cheia, por mais que meu estômago ainda queira mais. Ele deve estar achando graça, como todos os outros, de ver a gordinha devorando um lanche. O silêncio entre nós é pesado e só me deixa mais constrangida. 

 - Tirando o fato de que você está mais pálida do que o normal, você parece melhor. Vem, vem dar uma volta. 

 Nada faço. Ir com ele é burrice. Ele para e se vira para me olhar, espera que eu o siga. 

 O que eu preciso é ir embora. 

 - Eu não vou fazer nada, você pode vir. 

 Burrice. 

 Suas mãos estão limpas, e o seu rosto tranquilo. Mas por quanto tempo? Ele parece não querer insistir mais, vira e segue pelo corredor pela direita. Não olha para trás. Eu o aborreci. Provavelmente. 

 Aproveito o momento que ele sai e vou direto pra saída. Estou me sentindo envergonhada por estar indo embora dessa maneira covarde e fugitiva, mas preciso ser racional e ouvir o meu bom senso. As chaves tremem na minha mão. Ele vai me odiar ainda mais na segunda-feira. Pensa que eu o fiz vir pra cá enquanto eu mesma, a mais idiota do colégio, estou indo transar com alguém. Ele vai pegar pesado comigo nos intervalos, e seus amigos também quando souberem disso. Eu o contrariei, eu... 

 Eu não posso piorar as coisas. 

 Enconsto a cabeça na porta fria. Eu não quero piorar as coisas. Olhando por outro lado, o que ele faria? Estudamos juntos, o colégio inteiro nos conhece, ele ainda vai me ver na segunda e os professores sabem que estamos aqui. Eu... mas ele pode fazer alguma coisa e tentar me coagir me ameaçando. Sim, ele pode. Ele tem todo o conhecimento de que em uma briga ele ganharia; quem além de Thalia e a dona Mary da faxina iria querer me apoiar e estar do meu lado? Mas droga, eu não quero fugir e mais tarde ser mais humilhada por uma coisa que talvez eu esteja inventando. 

 Volto o caminho que eu fiz com pressa, guardo a chave no bolso e viro à esquerda. Onde ele está? Paro pra tentar ouvir alguma coisa, e escuto, é o som de passos não muito longe, eu sigo. 

 Burrice. 

 - Ei. 

 Ele se vira com surpresa e franze o cenho.

 Burrice. Burrice. Burrice. Burrice. Burrice. Burrice. Burrice. Burrice. 

 Engulo o bolo na minha garganta. - O que você queria me mostrar? 



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