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História O lado bom da vida - É a minha festa, e eu choro se eu quiser


Escrita por: DiaeNoite

Notas do Autor


Aviso: capítulo bem pesado.


Os capítulos dessa história são tão grandes que eu me pergunto se vocês se incomodam de ler a bíblia versão fanfic hahaha porque tá enorme. Pelo menos compensa a minha demora.

OBRIGADA PELOS COMENTÁRIOS DO CÁP PASSADO ❤
BEM VINDOS NOVOS LEITORES! Não sejam tímidos, falem comigo. Prometo que não mordo.


24. 10. 2015

Capítulo 18 - É a minha festa, e eu choro se eu quiser


Fanfic / Fanfiction O lado bom da vida - É a minha festa, e eu choro se eu quiser

Não sei quanto tempo tenho até que ele saia do vestiário e venha atrás de mim, então saio correndo para o mais longe possível da Goode até achar um táxi. Já parou de chover, mas está mais frio do que antes. 

 Me xingo por não ter trazido o celular. Quero falar com a Thalia, quero ligar pra ela. Ela sabe que eu viria e deve estar preocupada, mas também é a única que eu posso contar para me acalmar. Minha única amiga.  

 Choro com mais vontade. Eu me odeio. A única amiga que eu tenho, a pessoa que se importa comigo, não sabe que eu minto pra ela e escondo coisas dela. O que ela faria se descobrisse tudo? Se descobrisse a verdade. Estou enlouquecendo. Tudo o que eu queria agora era ter um lugar para onde ir, um lugar para ficar sozinha, longe de todos e chorar. Um lugar sem que Patrick me encontrasse e me trouxesse de volta.

 Eu odeio a minha vida! 

 Eu me odeio. Eu me odeio. Eu me odeio. Eu me odeio.

 Queria ser outra pessoa. Lembro de tudo ainda muito perfeitamente. De quando começaram as humilhações no ano passado, alguns meses depois da minha mãe ter morrido e Patrick se tornar um cara violento, de quando tudo mudou. Eu mudei. No começo não dei muita atenção para as brincadeiras de mau gosto, achei que fossem palhaçadas bobas e infantis de pessoas idiotas e egocêntricas, estava mais desesperada em saber como esconder as marcas no meu corpo que Patrick deixava, mas elas não pararam. As brincadeiras se tornaram humilhações pesadas, eu passei a ser a piada do colégio, e a cada vez que eu reagia era como se eu estivesse dando mais motivação para as garotas da torcida virem implicar comigo e rir às minhas custas. Depois de um tempo, o pessoal mais riquinho e conhecido do colégio se juntou às meninas e as humilhações ficaram cada vez piores. Recebiam mais apoio de outros e ninguém se importava em pensar se eu me sentia desconfortável com o que faziam comigo. Logo a Goode passou a me odiar em peso. Thalia sofria comigo, fazia de tudo para ficar perto de mim e não deixar que eles me incomodassem, mas ela não podia estar comigo sempre, e contra uma escola inteira. As poucas vezes que criei coragem e fui dedurar o que faziam comigo, as consequências foram horríveis, e de qualquer forma não deu em nada, sr. D não se preocupa com os seus alunos, e eu não tenho um padrasto que vá me ajudar. Thalia tentou, tentou com empenho fazer com que todos pagassem, mas Zeus nunca deu muita importância para o que sua filha fala.

 Thalia ficou mais inconsequente e agressiva com todos quando eu parei de estar indo para o colégio, ela já estava desconfiada o bastante de que algo pudesse estar acontecendo comigo por eu estar diferente desde a morte de Athena. No começo entendeu que era o luto, mas depois não passou e eu só piorei. Ela não sabia do que Patrick fazia, mas sabia que eu tinha mudado. Ficou tão protetora que chegava a ser perigoso, queria estar comigo sempre e saber como eu estava. Patrick precisou muitas vezes manter o autocontrole e se mostrar um (fingido) padrasto tão preocupado com a minha saúde mental depois da morte de minha mãe, que não deixava que entrassem em casa para me "incomodar". Poucas vezes Thalia conseguiu entrar, e com o tempo, ela entendeu que não podia mais me visitar. Minhas desculpas ficaram cada vez mais bem feitas e convincentes, eu me tornei uma ótima mentirosa, mas Thalia não deixou que tudo passasse assim.


- Annabeth o que está acontecendo com você?

Thalia vem atrás de mim pelas escadas, descendo com tanta rapidez que não me atrevo a descer mais um lance para o primeiro andar. Entro no quarto e fecho a porta. Thalia empurra do outro lado me impedindo. 

 - Vai embora, Thalia! 

 Ela empurra a porta com mais força e eu saio do caminho. Agarra meus braços e me sacode, apertando com força. 

 - Annabeth, olha pra mim! O que está acontecendo? Você está bem mais magra, anda cobrindo o rosto, está... está com esse olhar de loucura na cara! 

 Me desvencilho dela e enxugo as lágrimas. Ela tenta se aproximar, mas a afasto. 

 - Anna, olha... sei que está sendo difícil, ok? Mas vamos dar um jeito. É depressão que você tem, não é? Eu vou te ajudar, v-vai ficar tudo bem. Você precisa comer, descansar um pouco e ignorar aqueles desgraçados do colégio, e...

 - Não é isso! - Me odeio por ter falado de uma forma tão rude, mas não estou sentindo a mínima vontade de me esforçar em ser gentil. - Está tudo bem, ok? Eu só...

 - TUDO BEM?! Annabeth, olha pra você! O que você está fazendo com você?! Está deixando que aquelas garotas controlem a sua vida! Fica se escondendo nessas roupas e nesse cabelo, não tem saído mais...!

 - Thalia, chega! Vai embora! 

 A empurro para a porta, mas ela me empurra de volta. Seus olhos estão vermelhos de raiva, assim como os meus. Me empurra de novo. Caio na cama. Ela sobe em cima de mim e tenta me imobilizar, arranho seus braços e a empurro pra cima. Ela volta de novo. 

 - Você está se drogando?! 

 Livro uma das mãos e dou um tapa forte no seu rosto, ela me dá outro e eu a empurro para o chão. 

 - SAI DAQUI! 

 - NÃO! QUERO SABER O QUE TEM ACONTECIDO COM VOCÊ! 

 Desço da cama e afasto os travesseiros pro chão, pego o despertador e o lanço com raiva na parede. 

 - VOCÊ ESTÁ FICANDO LOUCA! EU NÃO ESTOU DROGADA! QUE MERDA! EU SÓ PRECISO FICAR SOZI...!

 - EU A LOUCA?! - Quero quebrar, quero destruir. Sinto uma raiva enorme dentro de mim que preciso botar pra fora. Jogo ao chão tudo o que vejo pela frente. - VOCÊ ESTÁ AGINDO MUITO ESTRANHO! COMO ACHA QUE EU ME SINTO AO OLHAR PRA VOCÊ E NÃO VER A MENINA SAUDÁVEL, ORGULHOSA E BRINCALHONA QUE VOCÊ ERA? AGORA ESTÁ AGINDO ASSIM, COMO MALUCA, SE ESCONDENDO DO MUNDO E ME TIRANDO DA SUA VIDA! 

 - SE VOCÊ NÃO SE SENTE BEM AO OLHAR PRA MIM, THALIA, DEVERIA IR EMBORA COMO TODOS OS OUTROS!

 - NÃO FOI ISSO O QUE EU QUIS DIZER! FAMÍLIA, ANNABETH, FAMÍLIA! - Sento na cama exausta. Largo o abajur na minha mão. - Nunca se esqueça disso.

 Antes que eu diga alguma coisa, a porta é batida com violência. 

 - O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI?! 

 Me encolho ao som da sua voz. Patrick entra e nos encara com raiva. Quero dizer para Thalia ir embora, mas não consigo soltar uma palavra. 

 - Que gritaria é essa? 

 Thalia se adianta e olha pra mim, diz que já está indo embora e que nos vemos no colégio. Não me mexo, sinto minhas mãos tremendo. Quero que ela vá embora o quanto antes possível, as coisas aqui não vão ficar nada boas. A vejo indo embora e encaro a destruição no meu quarto. Tenho medo do que vai acontecer agora.


Mais tarde, um mês depois, Patrick ainda sentia raiva por Thalia. Tive de explicar a ela que não poderia mais entrar na minha casa, que devido à gritaria, Patrick não ficou contente por eu tê-la por perto como amiga, dizendo que ela me levava ao mau caminho e que não estava me fazendo bem. Foi doloroso no começo, a todo custo Thalia tentava ir até ele para tentar reverter as coisas, mas por sorte, nunca conseguia. O tempo passou e ela se acostumou à ideia de que ele me deixou continuar sendo sua amiga, desde que ela não pudesse me visitar e eu a visitasse com moderação. Aos poucos já podíamos sair juntas.


Coloco a mão na cabeça e olho para os meus dedos. Sangue. Cambaleio para um lado e tento olhá-lo no rosto através da tontura. Meus olhos estão pesando para fechar, mal posso mover o corpo sem exigir um grande esforço. Tudo pesa, e na minha boca sinto o gosto de sangue. 

 - Chega, por fav... - Cambaleio para frente e seguro a cabeça para evitar as dores e o zumbindo nos meus ouvidos. Tudo está girando e fora de foco. 

 - Thalia não se cansa? Até quando você vai ficar sendo amiguinha dela e ignorar o fato de que ela pode saber de tudo por causa dos seus deslizes? Uma hora está vendo um roxo, noutra já vai estar tomando a casa. 

 Tento pensar em uma forma de me desculpar e responder o seu comentário, mas nada me está vindo com clareza. Ele se aproxima, olho pra cima a tempo de o ver agarrar meu braço. Caio de joelhos. Ao meu redor tudo gira enquanto ele me levanta novamente, seu aperto é forte. 

 - Você sabe que se contar para alguém o que acontece aqui, sofrerá as consequências. E se não sabe, já está avisada! - Me encolho ao som de sua voz. 

 Perco os sentidos por uns segundos e sinto o meu colchão se chocar com força contra as minhas costas, bato com a cabeça. 

 - Ai.

 Minha visão está turva, mas vejo Patrick colocar as mãos por baixo da camisa e retirar o cinto. Eu estou na cama e... não. Não... isso não... Afasto os edredons com chutes e me arrasto até encostar as costas na cabeceira da cama. A tontura volta com mais força e sinto meu nariz sangrar pelo esforço. Tudo, menos isso. Por tudo que é mais sagrado, isso não. 

 - M-ME DESCUL-P-PA, EU NÃO VOU ERRAR DE NOVO! POR FAVOR!

 Agarro com força a luminária ao meu lado e a usarei como arma. Calafrios descem pelo meu corpo. Quero muito vomitar. 

 Ele ri. - Não, eu nunca tocaria dessa forma em uma coisa tão nojenta como você. Esse seu corpinho não me serve de nada. Não se preocupa, princesinha, você só vai receber o seu castigo.

 Sinto a primeira cintada ser dada no braço e solto a luminária, depois mais uma nas pernas, onde o vestido não cobre. Protejo o rosto. Mais uma nos braços, nas costas, na coxa. 

 Se tivesse um jeito de sair daqui. Qualquer jeito...

 Sinto seu peso afundar um pouco a cama e me afasto com repulsa. Seus dedos vão para o meu pescoço. Seus olhos castanhos são a última coisa que vejo antes de apagar.


Não me importo. Choro por tudo. Choro por Patrick, choro por não conseguir ter amigos, pelo meu corpo, por ser órfã, pelas garotas que me odeiam na Goode, por... Perseu. Por Perseu fazer da minha vida um inferno e depois querer que eu seja legal com ele... por tudo, choro por tudo.

 Atravesso o cruzamento com raiva e seco as lágrimas que descem pelo meu rosto. Estou cansada. Eu quero sumir.

 Já me meti em tanto problema que não sei se há volta por onde eu vim. Quando eu finalmente acho que estou deixando tudo bem, alguma coisa acontece. Parece que nunca há uma saída. Meu pulso esquerdo arde, o que torna tudo pior ainda nesse momento, me faz lembrar de mais algumas besteiras que eu faço.

 Depois daquele encontro com Thalia no aquário e ter ouvido tudo o que aquela garota morena disse, eu me sinto envergonhada, me sinto idiota e infantil. Como vou esconder esses cortes e essas cicatrizes para sempre? Por que não pensei nisso antes? Uma hora alguém pode acabar vendo e destruindo a minha vida de vez. Lá vai a menina maluca que se corta. E não há nada que eu possa fazer, eles estão certos. Por que eu fui começar com isso? Isso não é a solução para os meus problemas, isso só mostra o quanto eu sou fraca. Vão... vão me chamar de dramática e me ridicularizar, m-me confundir com aquelas pessoas que a garota do aquário citava. Ninguém pode saber, ninguém... ou todos vão rir às minhas custas. Eu sou uma idiota. 

 Não há nenhuma merda de táxi por aqui e eu nem sei que horas são. Há essas horas Perseu já deve ter saído do vestiário. Me apresso em virar a esquina e andar mais rápido. 

 Paro.

 A alguns metros de mim, três garotos estão rindo e sussurrando do outro lado da rua. A cena é estranha, um deles está fumando enquanto os outros estão se empurrando. Uma sensação de mal estar me sobe pelo corpo, me viro na direção que vim e volto a andar depressa. Preciso fazer outro caminho. 

 - Ei! 

 Ando mais rápido. Ouço passos atrás de mim. Finjo não ouvir que estão me chamando e ouço som de corrida. Corro.

 Mas que porra...!

 Droga. Droga. Droga.

 Corro o mais rápido que posso, meu coração parece que vai sair pela boca e não posso me dar ao luxo de olhar para trás. Por que não tem um táxi por aqui?! Merda! 

 Tenho que voltar para a Goode. 

 Me afasto a tempo de não encostar no garoto que me alcança e para na minha frente. Bato as costas em um corpo atrás de mim. Saio de perto. O terceiro se junta ao grupo. 

 - O q-que v-vocês querem? Eu não tenho nada de valor, só o car...

 - Tá, tá. Tá legal. Cala a boquinha. - Acompanho trocarem olhares cúmplices entre eles, estão dando sorrisinhos. Tremo dos pés à cabeça, é como se a temperatura tivesse abaixado mais alguns graus. Eles não são fortes e não estão armados, talvez se eu os atingir ganhe mais tempo de fugir, não posso ficar aqui esperando o pior que eles vão fazer. Chuto a virilha do que está vestido de preto e soco com força o nariz do garoto ao meu lado. E volto a correr. 

 - Filha da puta! 

 Ele está chegando perto. Ele está chegando perto. Ele está chegando perto. 

 Atrevesso para o outro lado da rua e ele vem correndo atrás. Merda! Por que aqui não está passando a droga de um carro? Desvio de uma poça na calçada e uma mão cobre a minha boca e me puxa pra trás. Bato contra o seu peito. 

 - Você não vai fugir de mim.

 Mordo a palma da sua mão e ele me levanta pela cintura, seu aperto faz os meus hematomas na coluna doerem. Me debato e chuto o ar. Estou sendo arrastada. 

 - SOCORRO!

 Quatro, cinco, dez vezes? Não sei, perco a noção do quanto estou gritando por socorro, e ninguém aparece. A esse momento já estou chorando descontrolada. Ele está me levando para junto dos outros. 

 Por favor, alguém...

 - ME LARGA! TEM POLICIAIS POR PERTO, VOCÊ NÃO SABIA? ELES VIRÃO AQUI!

 - Por acaso acha que eu sou idiota? Que eu não conheço a área? 

 Arranho os seus braços sem parar. Sinto o impacto na minha bunda quando sou jogada no chão diante dos outros dois, me afasto. Não há nenhuma pedra por perto que eu possa usar para machucar. O mais sério, vestido de preto, o ruivo, me puxa pelo braço para encarar o seu rosto. 

 - Ela tem cara de ser virgem. 

 Eles riem e o mais alto se aproxima. 

 - A gente pega leve. 

 Não...

 - Fico imaginando os gemidos dela. Como devem ser? 

 Ele olha para o meu moletom enquanto o mais baixo deles, o de camisa azul escuro, fica fazendo sons de gemidos. 

 Me solto da sua mão com brutalidade. Vou para a direita e o loiro se coloca na minha frente. 

 - Tirem o casaco dela. 

 - Não! 

 Tento fugir e o garoto gemendo avança na minha direção no mesmo momento que um outro prende os meus braços para trás. 

 - Oh! Oh! Oh! Para! Para, por favor! Devagar!

 Um deles imita súplicas e eles riem, um chega a derramar lágrimas dos olhos. Não é o momento de chorar, não posso simplesmente aceitar e chorar. Preciso fugir, é a distração que eu preciso, o meu momento. Piso com força no pé do garoto que me segura e impulsiono com força meu pé para trás, para as suas bolas, pela segunda vez. Ele grita e eu estou solta. Me jogo para o lado, para trás, na direção contrária aos outros garotos. E corro. 

 Começo a correr e ouço os outros dois se aproximando. Estamos nisso mais uma vez, mas não posso desistir. Não sou rápida, tenho que me esconder. Preciso de um táxi. Preciso encontrar um...

 Sou jogada no chão. Um deles está montado em mim. Não consigo ver quem é, meu rosto está colado no asfalto da rua e minha franja é uma cortina. 

 Pense, Annabeth. Pense. 

 Sinto o gosto do sangue da minha boca e meu corpo mais pesado. Fecho os olhos. Acho que estou perdendo os sentidos. 

 - Olha, eles estão duros, eu estou sentindo. Tem grandes tetas, hein, loirinha. Nem cabem nas minhas mãos! 

 Abro os olhos e sinto a minha cabeça girar. Estou de pé, o terceiro es-stá com a mão por baixo do meu casaco. 

 - Para, por favor. Não faz isso. 

 - Olha, já começou com os gemidos e nem chegamos na melhor parte ainda. Eu sabia, vai gemer muito. 

 O menino na minha frente aperta o meu maxilar. - E você vai odiar isso. - Fecho os olhos para não derramar as lágrimas, mas ainda consigo ver a crueldade nas suas palavras. 

 O garoto que me segura com os braços atrás das costas passa a segurar firme a minha cintura. Ele ignora os meus arranhões nos seus antebraços. 

 Segure o choro, Annabeth. Pensa, pensa, pensa.

 Sou sacudida em direção ao seu tronco e erguida. Me soltar não adianta, chuto o ar na tentativa de me por no chão. Não funciona. 

 Mas eu prefiro relutar e relutar a ter que dar o meu corpo a eles. 

 Histeria ou não, chuto, arranho, me balanço e grito por socorro. 

 - É uma das melhores partes, loirinha, ninguém vai te ouvir. Andar sozinha por uma rua deserta às onze da noite em um sábado de chuva, o que estava pensando? 

 O garoto que está na minha frente fala. Quero lhe acertar um chute. 

 - E mesmo se te ouvissem, quem te ajudaria? Vivemos no mundo real, o mundo fora da fantasia onde coisas assim acontecem o tempo todo, vem e vão, e nada muda. As pessoas não mudam. Elas irão, simplesmente, ouvir e ignorar, porque é assim que funciona. E sempre será. 

 Não chora, não chora, não chora. 

 O garoto que me prende continua passando uma de suas mãos nojentas por dentro da minha blusa, dentro do meu sutiã. 

 Não chora, não chora, não chora. 

 Suas mordidas e beijos no meu pescoço me ferem. 

 Ainda com nojo, controlo o meu corpo, finjo desistência. Eles precisam acreditar que eu não vou mais lutar, para assim afrouxarem o aperto me dando a chance de os atacar quando estiverem despreparados. Mas droga, são três! Como vou fazer isso? 

 Preciso me acalmar... preciso me acalmar... não posso demonstrar desespero, é isso o que eles querem. Esses abutres procuram diversão no meu sofrimento. 

 - Se comportou, é? 

 Nojo. 

 Dessa vez quem me segura é o garoto de camisa azul escuro, ele me prende com os braços para trás conforme fizeram antes, mas agora mais alertas, o que de qualquer maneira é inútil. Estou tonta e eles não vão cair no mesmo truque novamente. O ruivo que eu chutei avança e me dá um tapa na cara.

 - Nós até pegaríamos leve com você, garota, mas depois do mau comportamento, você vai desejar morrer enquanto lembrar desse dia.

 Quem me segura ri de um modo nojento atrás de mim. Sei que estou chorando muito, mas não ligo mais. Eles sabem que eu estou apavorada.  

 O loiro afasta o amigo e se coloca na minha frente mais uma vez. Ele tem cada olho de uma cor, um castanho escuro e outro mel. Mordo seu lábio quando ele tenta invadir a minha boca com a sua língua. Ele se afasta com a boca sangrando e sorri, e então levanta o meu casaco na altura do meu pescoço e arfa. Não consigo ver direito através das lágrimas, mas tenho certeza que não é o meu sutiã que o espanta.

 - Pelo visto não fomos os primeiros. Andou servindo de saco de pancada pra quem, loirinha? 

 - P-p-por favor, m-me deixa ir...

 Ele ri e puxa o meu sutiã, eu grito. Suas mãos massageando os meus seios fazem eu me sentir impotente. Sua pele em contato com a minha me dá ânsia. Eu não acredito que isso está acontecendo comigo, eu não moro em um lugar perigoso, não era para isso estar acontecendo, pensei que aqui houvesse segurança, mas parece que a realidade é outra, isso não existe pra mim, eu sou uma garota. 

- Estão duros. 

- Para... por favor. O-o que vocês querem? Eu tenho dinheiro. Para...

 - Não queremos o seu dinheiro, queremos diversão. 

 Eles riem e o de trás coloca a mão dentro da calça fazendo movimentos que prefiro não ver, enquanto o outro continua apertando meus seios e chupando o meu pescoço. Ele está me assustando. Me esperneio tentando me desviar dele, mas ele segura o meu rosto com uma mão e com a outra me puxa com força em direção ao seu quadril, onde eu consigo sentir o quanto ele quer me... me...

 Ainda estou com os braços puxados para trás pelo terceiro deles que me segura. Não são fortes, tampouco enormes, mas têm mais força do que eu. Me sinto completamente indefesa à mercê dos três. Tanto tempo estive tentando evitar problemas, evitando garotos, pra ser tocada dessa maneira suja. Eles não aparentam ser pobres, parecem ter um pouco mais que a minha idade e usam típicas roupas de marca. São filhinhos de papai. 

 - Ajoelha a cadela. 

 - Me solta!

 O que me segura me empurra pro chão, fazendo meu casaco descer junto, tampando a visão dos meus seios, e o que está na minha frente levanta meu queixo com força para encará-lo. Se eu estivesse com as mãos livres lhe daria um soco no saco, que está bem próximo do meu rosto.

 - Você não quer piorar as coisas, quer? Faz o que eu mandar. Coloca na boca, e chupa. AGORA.

 Ele solta o meu rosto de um modo rude e começa a desabotuar a sua calça. Tudo o que faço é chorar, estou sem saída. Me sacudo tentando me soltar. Me recuso a fazer isso. Caso eu amanheça morta, já consigo imaginar as manchetes nos jornais: "Annabeth Chase, 16 anos, encontrada morta após ter sido estuprada na volta para casa depois de um trabalho escolar no colégio Goode High School". Fatos adicionais? Eram três. Outra objeção? Não irão acreditar que eu esteja voltando esse horário de um trabalho escolar, e me chamarão de puta e dirão que eu estava procurando.


POV. Percy 

 Se eu não soubesse que ela tem medo de mim, diria que é maluca. Ao menos ela fugir não foi estranho, diferente do que aconteceu hoje. Ainda não caiu a ficha de que estávamos lá, juntos, como se fôssemos dois amigos. Depois de ter voltado, chamado e procurado pela Monstrinho, sei que ela foi embora. Fecho a última porta e saio da Goode. Já parou de chover, mas pode voltar a qualquer momento, continua frio e agora não tenho o que me deixar quente, já que minhas roupas estão molhadas no armário do vestiário. Atravesso o estacionamento e entro no carro. Bem melhor, mais quente. No mesmo momento que entro vejo o meu celular vibrar com uma nova mensagem, o pego. Drew. 

 - Humpt. 

 Há duas fotos que ela me mandou mostrando seu penteado e seu vestido. Drew parece a Kendall Jenner, só que com traços orientais. Embaixo está o resto da mensagem. "Percy aonde vc esta??? Voce n vem??", "Leo bebeu demais de novo e ta fazendo vergonha mais uma vez", "Jason e Piper foram ajudar ele haha mas alguem chegou antes pra surpresa de todo mundo foi a Calipso :-| Leo agr esta em choque", "Vou aproveitar a festa bj percyto". Dou uma resposta vaga sobre o meu castigo e saio da conversa. Odeio a maneira como Drew fica usando o diminutivo ou querendo parecer meiga pra chamar atenção. Isso não combina com ela. Às vezes parece que ela se incorporou na Harley Quinn, mas com um toque pessoal totalmente irritante.

 Aproveito que estou com o celular na mão e ligo para a minha mãe.


- Percy? 

- Oi, mãe. Liguei para avisar que já estou voltando. É. Sim, saí mais cedo. Não, não, ela já foi. É claro que deu tudo certo, se esqueceu? Sou Percy, o seu filho, o que poderia dar errado?

 Ouço a sua risada do outro lado da linha, o que me faz rir também. A última vez que disse isso, eu esqueci a Sophie dentro de um shopping. Sally tem motivos suficientes para se preocupar quando eu digo que está tudo bem.

 - Okay, o que poderia dar errado, não é mesmo? - Ri.

 - Mãe, a senhora quer que eu leve alguma coisa? Aproveita que eu já estou na rua. 

 - Não, filho, tem tudo aqui. E qualquer coisa é só eu pedir comida pelo aplicativo. 

 - Sim, sim. Eu vou desligar agora.

 - Tudo bem. Te amo.

 - Também te amo. Tchau. 

 

Guardo o celular, ligo o rádio e dou a ré.

 É um pouco antes do que eu achei que fosse voltar pra casa, ao menos minha mãe pode não surtar tanto. Mudo a estação de rádio e um barulho estranho chama a minha atenção, presto atenção na música, escuto de novo. Desligo o som. Não é na rádio. Um pouco longe de onde estou talvez. Diminuo a velocidade e olho ao meu redor. Não, não, confusão é o que eu menos quero no momento, prometi à minha mãe que não daria mais preocupação a ela hoje. 

 - Me solta!

Anabella? Sinto minhas orelhas esquentarem e acelero o carro. Mil imagens do que pode estar acontecendo passam pela minha cabeça. Enquanto dirijo, vou olhando de um lado para o outro à procura dela. Acelero. Novo Elíseo* é um bairro tranquilo, mas não consigo não imaginar o pior. A Mostrinho estava há alguns minutos junto comigo no colégio, e agora parece estar sob perigo. Viro o carro em uma esquina na direção que veio o som e o que vejo faz um ódio me subir à cabeça. Acelero o carro e os quatro param com o susto, olham na minha direção, o farol iluminando seus rostos. Anabella se solta e mete um soco com força nas partes de baixo do garoto à sua frente. Desço do carro. Chuto no estômago o primeiro que vejo e soco o segundo. Parto na direção do que segurava Anabella, que correu para longe, e o empurro. Levo um chute nas costas, caio e me viro para o garoto atrás de mim no momento em que ele me dá um soco de direita. Não são lá muito grandes, mas são três. Me jogo no seu tronco e o empurro no chão enquanto o loiro me dá um chute na lateral. 

 - VAGABUNDA! 

 Eu e o garoto loiro olhamos para o terceiro que está tampando um dos olhos, está sangrando. Há três cortes feios em lateral, seguindo desde sua sobrancelha esquerda, até sua bochecha direita. A Mostrinho empurra com força o garoto magrelo, que bate com a cabeça na parede. O menino ao meu lado me dá uma joelhada e o loiro o ajuda me dando murros. Dou uma rasteira no loiro, me levanto e chuto com vontade os desgraçados caídos na minha frente. Ouço um barulho de um estalo e me viro pra trás, a Mostrinho está caída com a cabeça no chão. O garoto olha para mim e então para os seus amigos caídos e se acovarda na parede levantando os punhos. 

 - Entra no carro, Chase.

 Dou um cruzado, depois dois de direita, o pego pela gola do casaco e o empurro com vontade para a parede. O barulho que faz entrega que ele quebrou alguma costela. Chuto o seu saco e as suas mãos protegendo o rosto vão para baixo, uso o cotovelo com força para atingir o seu maxilar.

 Já fiz vários esportes, tenho experiência com lutas. Normalmente eu teria piedade, mas em saber que são uns estupradores, não tenho nenhuma. 

Os outros dois se levantam e se ajudam. Suas roupas de marca de antes agora estão esfarrapadas, junto com os seus respectivos orgulhos. São dois, mas não são muito grandes, eu dou conta deles, eu sei disso, eles também, mas mesmo assim vêm. Estupidez. 

 - Anabella, entra logo na porra do carro!

 Largo o amigo deles, que cai no chão. Os dois olham preocupados. Ao menos, são lixos leais. Sinto meu sangue quente correndo pelas minhas veias. O primeiro ataca e tenta me meter um soco enquanto o segundo me atinge por trás. Anabella está chorando ao fundo, seus soluços são de machucar, mas não posso me virar para olhá-la e ver como está. O loiro pega um pedaço de pau no chão e me acerta no braço, arde. O pego pelas pernas e o jogo na caçamba de lixo atrás dele, ele desmaia. Menos dois. Tem sangue em mim e não posso dizer se é meu ou não, mas não sinto dor. A adrenalina está correndo pelo meu corpo. Me viro para avançar no último.

 - Vem pagar de heróizinho pra cima de mim e ela vai se machucar.

 Ele está agachado ao lado de Anabella, segurando o pescoço dela, enquanto ela, também agachada, está tampando os ouvidos e olhando diretamente para o chão. Está tremendo muito. Está em choque.  

 - Você é nojento. 

 Quase pergunto o que ela tem a ver com tudo isso, mas me contenho. Ela foi o motivo de eu estar aqui.

 - Vai embora. 

 Olho para os seus dois amigos demaiados que ele se recusa em deixá-los. 

 - Não tenho medo de você. 

 Ele aperta mais o pescoço da garota e ela se engasga, mas ainda continua da mesma maneira. 

 - Por que você não para de ser medroso, deixa ela e vem aqui? 

 - Porque não sou idiota. Vai embora. 

 Avanço mais rápido do que ele, que solta Anabella para se proteger. 

 - Covarde! 

 Não paro até ver seus olhos se revirando e ele caindo no chão. Minhas mãos estão tremendo, assim como os meus braços.

 Anabella continua encostada no meu carro com as mãos nos ouvidos, mas está de olhos fechados e murmurando "não" repetidas vezes. Seu rosto tem um corte e está sangrando. Isso estava aí há muito tempo? 

 Me agacho ao seu lado e tento tirar delicadamente suas mãos da sua cabeça.

 - Ei, olha pra mim, já passou... está tudo bem agora, você está bem. 

 Preciso me manter calmo, por que isso está me assustando tanto? Eu não sou um medroso.

 Seus lábios estão tremendo e sua pele está muito gelada. Ainda força as mãos tampando os ouvidos e fechando os olhos com força. Não sei se esses três estavam sozinhos ou não, podem fazer parte de uma gangue. Preciso tirá-la daqui.

 Seus murmúrios pararam, mas ela não abre os olhos. Toco com o polegar uma marca arroxeada na sua bochecha, perto de sua orelha, e ela estremece. Tem mais algumas nas suas mãos, assim como a marca dos dedos que o garoto deixou no seu pescoço. Sua boca está avermelhada de tanto que ela morde os lábios que estão tremendo. Limpo algumas lágrimas que estão caindo e se misturando ao sangue que escorre do seu nariz e sua testa. Ela está sozinha e sem celular, preciso fazê-la entrar no meu carro. 

 - Vai ficar tudo bem, ok? Vai ficar tudo bem. - Acho que estou falando mais para mim do que pra ela. 

 Me afasto um pouco e tento fazê-la ficar de pé. 

 - Vem, vam...

 - Me larga! 

 Ela se desvencilha de mim e tenta me empurrar para trás com os braços. Está me encarando assustada e se encostando o máximo possível no carro, para longe de mim. Seu grito é cortante na rua vazia, não sei quanto tempo temos até alguém aparecer. O choque passou, mas ainda consigo ver o medo nos seus olhos. Sei que o que vou fazer não melhora muito as coisas, mas mesmo assim o faço.

 Me aproximo mais devagar, ainda agachado, e seguro cada lado do seu rosto com as mãos, limpo as lágrimas se formando nos seus olhos e não ligo para suas mãos segurando as minhas, por cima, arranhando a carne. É o medo. Olho nos olhos dela, a água faz parecer que são de cristais.

 - Eu não vou fazer nada, vai ficar tudo bem, sou eu, o Percy. - Sei que isso não resolve nada, ela me odeia, e seria boba se não odiasse. Eu sou um problema para ela. "Percy" e "tudo bem" na mesma frase não combinam. - Os três estão desacordados, a qualquer momento podem acordar e não sei se tem mais deles. A gente precisa sair daqui. Nós...

 Seu choro e seus soluços machucam, são de... de... partir o coração. Sinto como se algo tivesse sido quebrado dentro de mim, e não é uma coisa boa. Ela segura com força as minhas mãos. Como suas mãos são frias...

 Eu... eu n-não sei o que fazer, não era para isso nunca estar acontecendo. Eu... eu não gosto dessa garota na minha frente, assim como ela não gosta de mim. Como isso foi acontecer? Por que isso foi acontecer? 

 Me levanto, não posso ficar aqui de choramingos e reclamando da vida. Nunca deixaria alguém passar pelo o que ia acontecer com ela se eu puder evitar. Mesmo que a odeie. 

 - Você vem comigo, eu vou te tirar daqui. - Seguro os seus braços que estão me empurrando. - Calma, está tudo bem, vai ficar tudo bem.

 Seguro de leve seus antebraços e a faço ficar de pé. Ela olha de um lado para o outro na rua e depois para os três garotos, seus olhos vão rápidos num zigue-zague analisando a cena. Ela abre a boca para falar algo, mas perde a força nos joelhos. A seguro pela cintura e lhe dou apoio, abro a porta do carro e ela reluta. 

 - Eu estou te ajudando, não vou fazer nada. Acredite em mim, eu estou falando sério, não é nenhuma brincadeira. 

 Ela continua não gostando, mas sua fraqueza volta e eu a coloco com cuidado no banco do carona e fecho a porta. Vou para o outro lado e entro. Bom, aqui está mais quente, mas não é com isso que estou incomodado. Ela está o mais longe possível de mim como se eu fosse atacá-la, está grudada na porta do carro encolhida. Está tremendo sem parar e não posso dizer se é de frio ou medo. Acho que os dois. Pego uma camisa minha jogada no banco de trás e passo para ela, que recusa. Ela é miúda e encolhida dessa forma parece mais... vulnerável. 

 - Não se preocupa, é só por causa do frio. - Ela continua negando. Não posso forçá-la, deixo a camisa ao seu lado. Nela vai parecer um vestido. 

 Avanço com o carro sem saber exatamente aonde ir. Acho melhor ir pra Goode. 

 Tudo aconteceu muito rápido e nem sequer tive tempo de pensar no que houve. Olho pra ela que está muito quieta pelo canto do olho. Ela está olhando pela janela, imóvel, escondendo as mãos entre os braços cruzados, protegendo o corpo. O tecido do casaco é espremido entre os seus dedos pelo aperto que ela dá, seus pés estão inquietos e ela morde o lábio inferior com tanta força que faz careta, e então passa a morder a parte interna das bochechas. Sei o que ela faz, está tentando não chorar e chamar atenção. Pelo canto do olho, ela olha para mim e um calafrio desce pelo seu corpo. Medo. Vira o rosto completamente para a janela, para que eu não veja as lágrimas que estão descendo. 

 - Eu...

 O que eu falo? Há alguma coisa que deva ser dita agora? Se tem eu não sei. Não sei por onde começar. Não consigo olhar pra ela sem lembrar do que estava acontecendo antes de eu descer do carro.

 Eles estavam rindo enquanto ela chorava e se afastava. O garoto ruivo estava com a mão dentro da calça se masturbando e o loiro na sua frente puxava seu queixo na direção da sua calça semi aberta, pronto para se despir. O terceiro, de casaco azul, a segurava com os braços para trás enquanto falava coisas no seu ouvido. Posso sentir o nojo que ela sentiu e sinto vontade de descer do carro e bater a cabeça deles no chão até rachar. 

 Desvio o olhar para ela pelo canto do olho. Ela foi muito corajosa, e violenta. O garoto de azul tinha um nariz sangrando, e possivelmente quebrado, antes mesmo de eu ter chegado. Depois, quando se soltou, ela não esperou nada depois do susto, meteu um soco na virilha do loiro, correu e quando foi pega, lutou com o garoto. Fez três cortes no seu rosto e depois atingiu a cabeça dele na parede com tanta força que o deixou sangrando e desorientado. Foi surpreendente, podia esperar toda essa reação de amigas minhas, mas não da Monstrinho, que sempre foi morta e pacífica demais. Não deveria estar surpreso, ela é uma garota inteligente. 

 Preciso levá-la para casa, ela não está bem, é o mínimo que eu posso fazer pra Mons..., chega, Anabella. Minhas mãos estão tremendo sobre o volante e eu não paro de sentir algo se apertando dentro de mim. Me sinto sufocado e desesperado. Preciso me acalmar, não posso demonstrar tudo isso, ela já está com medo, ela já tem medo de mim, se eu ficar todo estranho com ela dentro desse carro ela pode interpretar de forma errada e se assustar mais. Mas a sensação de aperto não para...

 Se controla, Percy. Isso é... isso é... O que caralhos isso o que eu sinto é? Olho pra ela apertando os olhos fechados com força e segurando seus braços cruzados ao ponto de rasgar a pele com as unhas. 

 Preocupação. 

 - Veste essa blusa, eu ficaria melhor se você a vestisse. - Ela nega rapidamente, ainda com os olhos fechados. - Anabella, eu...

 - O MEU NOME É ANNABETH!

 Paro o carro bruscamente pelo susto e... e... não sei o que fazer a vendo chorar descontroladamente! Seus soluços são altos, como se ela estivesse se afogando, o que me faz lembrar do seu afogamento, ela se debatendo. Meu estômago se revira. Estou aqui impotente enquanto uma garota que foi quase estuprada chora no meu carro. O carro de quem ela odeia, o carro de quem a odeia. Eu...

 - Certo. Ann... Annabeth, olha pra mim. Abre os olhos. - Tudo o que ela faz é puxar as pernas para o banco e abraçar seus joelhos. Suas mãos inquietas arranham a palma da mão. Isso só me assusta mais, n-não sei o que fazer, se eu tocá-la agora ela ficará desesperada.

 - Já passou. Ei..., Annabeth, estamos seguros. 

 - N-não pa-pa-ssou!

 Não sei o que ela quer dizer, mas dirijo o mais rápido pra Goode. As coisas passam correndo às nossas janelas. Tudo o que não precisamos agora é de um acidente, mas sou bom no volante. Assim que chego, me viro para ela, precisamos resolver logo tudo isso. 

 - Annabeth, estamos seguros agora, eu vou te levar pra casa, mas antes vamos à delegacia. 

 Seus olhos se desgrudam das suas pernas e ela levanta a cabeça me olhando assustada. 

 - N-não, delegacia não. Por favor. 

 - Ei, vai ficar tudo bem, eu vou estar com você. 

 - Não. Por favor. 

 - Por que? - Entendo que está com medo, mas precisamos. Eles não podem ficar à solta. 

 - Só... não. 

 Para de chorar. Para de chorar. Não chora. Eu estou enlouquecendo. 

 - Sei que está com medo, mas não vai fazer isso sozinha, eu vou estar lá com você. Se não fizermos isso, esses garotos vão ficar livres e poderão atacar outras garotas. Eles precisam ser presos, nós...

 Seu corpo tomba para frente e ela se segura no painel do carro. Tento ajudar, mas ela protege o rosto com a outra mão e se encolhe. Se protegendo de mim.

- Abre a porta. 

 - Anna...

 - DROGA! ABRE A PORTA! ABRE ESSA PORTA LOGO! ABRE...!

 Destranco a porta e ela se joga na calçada tremendo. Dou a volta e seguro sua cabeça enquanto ela vomita. Seu vômito me preocupa, é a terceira vez hoje, está desidratada e sem nada no estômago, fora ainda o abalo que foi passar pelo o que passou. Logo vai desmaiar por fraqueza. 

 Okay, sem delegacia. Depois faço uma ligação anônima denunciando os agressores no beco.

 Por algum acaso dizer que vai ficar tudo bem a deixa mais nervosa, então não digo. Pego o meu celular e ligo para a minha mãe enquanto a vejo sentar na calçada e colocar as mãos na cabeça. Deve estar doendo. Me repreendo. Claro que está doendo, ela bateu a cabeça no chão. O celular toca três vezes antes da minha mãe atender.

 

- Percy, aconteceu alguma coisa? 

 - Mãe, só estou ligando para avisar que vou demorar um pouco. Vou parar em uma lanchonete, eu encontrei uma... amiga da Goode. - Annabeth continua imóvel.

 - Você parece estranho, você está bem? 

 - Eu estou sim, mãe. Vou desligar, era só isso. 

 - Tudo bem. Quando você chegar em casa me explica melhor.


Como sempre, minha mãe tem o dom de ver mais além do que as coisas aparentam. Desligo e tento lembrar de alguma lanchonete mais próxima daqui que esteja aberta, ela precisa realmente comer alguma coisa ou vai apagar. Talvez de repente até possa haver uma farmácia aberta para comprar alguns comprimidos pra dor. Abro com cuidado a porta do carro para não bater nela sentada ao lado. Pego o blusão do banco e volto pra calçada. Paro na sua frente e me abaixo até estar à sua altura. Ela desvia os olhos da rua para mim, está muito quieta e com o olhar perdido, não reage, o que é mais preocupante. Coloco minha blusa por cima dos seus ombros como uma manta. Ela se mantém parada encarando cada movimento. Por estar tão perto, vejo mais um roxo no seu rosto, no seu queixo. Não toco, mas não lembro de ter visto esse antes. Ela vira o rosto e se levanta, segurando a blusa envolta do corpo.  

 - Nada que envolva a polícia. - Sua voz está rouca e arrastada. Ou tem medo de entrar em uma delegacia e denunciar ou está se escondendo da polícia. Quem é essa garota? 

 - Tudo bem.

 A ajudo a entrar no carro e vou para o outro lado. Amarro a minha blusa como uma capa envolta dela, para que ela não precise ficar segurando. Ela continua não reagindo. 

 - No caminho para a sua casa tem alguma lanchonete? Você precisa comer alguma coisa.


POV. Annabeth 

 Fico quieta. Ainda não sei muito bem o que dizer para me livrar dessa. Eu já gritei, esperniei e bati nele, e ele ainda não devolveu nenhuma das minhas ações. Sinto que a qualquer momento vou estourar o limite do quanto ele pode me aturar. E se isso acontecer? O que eu faço? 

 - Já sei para onde vou te levar. Vou te levar à Cornucópia, ainda está aberta, o pessoal vai sempre l...

 Sei o que ele acabou de notar, e é o mesmo que eu acabei de pensar. Não preciso que ele termine a frase. Seria engraçado se não fosse tão assustador. Perseu Jackson indo comer com Annabeth Chase, é o que todos iriam testemunhar. 

 - Ou não, por causa do dia... e do... horário. Ah, não. Não. Está vazio, com certeza, eles estão na festa. 

 É engraçado vê-lo lutando contra as palavras para tentar convencer a si mesmo. Tentar convencer a si mesmo que ninguém o verá perto de mim. Fugindo do meu poder de alastrar toda uma má fama pra sua reputação, Perseu? Achei que você fosse o super confiante que se mostra por aí.

 Paro de pensar sobre isso e controlo a careta que faço. Não quero dar motivos para que ele comece uma briga comigo. 

 - Sei que isso não tem nada a ver com o que falamos, mas, como você aprendeu aquilo de arrombar lugares? 

 - Luke. 

 Ele me olha de esguelha, mas não comenta nada. Está tentando me distrair, e agora está se perguntando quando Luke fez isso. Luke sabe dessas coisas, consegue fazer com que portas, cadeados e até mesmo cofres se abram com muita facilidade. Se não fosse rico, talvez fosse um criminoso, as pessoas nem perceberiam que foram roubadas. É rápido, discreto e muito bom quando o assunto é sair e fazer longas viagens. Lembro de quando ele ensinava a mim e a Thalia como invadir lugares para nos escondermos. Sempre com um sorriso malicioso e olhos travessos. Os Stoll não chegariam nem perto do quanto Luke já aprontou.

 Ai.

Passo as mãos nas têmporas. Minha cabeça ainda dói. Estou me sentindo vulnerável a qualquer coisa à minha volta. Meu corpo está tão dolorido que mal consigo aguentar o peso dele. Me encosto à porta e cruzo os braços, chuto sem querer algo leve no chão do carro. Uma bola de papel amassada. 

 - Chegamos. 

 Chegamos. 

 - Me diz, estamos muito longe da sua casa? 

 Mais perto, muito mais do que eu gostaria. Preciso ir embora.

 - Estamos... perto. 

 Olho para ele. Está tentado ver por dentro da lanchonete pelas janelas, pra ver se alguém conhecido está lá dentro.

 - Você... pode me dar o dinheiro? Eu vou l...

 - Não vou te deixar ir sozinha. 

 Droga, Perseu.

 - Não, eu vou com você. 

 Está olhando com desconforto em volta da lanchonete e por fora do carro. Tenho que fazer alguma coisa. Ele desce do carro, fecha a porta do seu lado e vem abrir a minha. 

 - Tudo bem, e-estou um pouco cansada. Você... pode ir, eu fico no carro. 

 - Não quero te deixar sozinha aqui.

 - Está tudo bem, vou ficar dentro do carro. 

 - Mas...

 - Pode ir, eu deixo as janelas fechadas. 

 Ele não gosta muito, mas parece ceder. Franze as sobrancelhas, olha mais uma vez à nossa volta e comprime os lábios. 

 - Janelas e portas fechadas. 

 Assim que sai, olho dentro do carro, tenho uma ideia. Não posso deixar que ele me leve até a minha casa. Não posso deixar que ele saiba onde é a minha casa. Não basta o que é a merda da minha vida na Goode, nas mãos deles, ele traria o inferno para a minha casa. Mais do que já é. 

 Pego a bolinha de papel do chão e desamasso. Nada muito importante, só um peixe desenhado. Procuro algo para escrever pelos compartimentos. Aqui tem que haver uma caneta. Mexo até que acho uma e pego. Escrevo no papel explicando que fui embora, e também peço desculpas, e também agradeço por ter me trazido aqui. A esse ponto já estou chorando e não sei quanto tempo eu tenho até que ele saia da Cornucópia. Guardo a caneta e coloco o papel em um lugar à vista. Desço do carro apressada e caminho o mais rápido possível. Preciso chegar em casa.

 Ainda estou com medo, muito mais agora, mas tenho que fazer isso, para o meu próprio bem. E que ridículo seria imaginar Patrick vendo Perseu chegar comigo. As coisas ficariam muito feias. 

 Corro até ver a minha rua e chegar em casa. Passo pelo jardim e abro a porta. Subo as escadas louca para chegar ao meu quarto. 

 - O que significa isso? 

 Bato contra a parede pelo susto. 

 Não...

 Patrick desce os olhos pelo meu corpo. Meu Deus, não, eu... eu esqueci. O casaco do Perseu continua sobre os meus ombros e minhas roupas encontram-se em um estado deplorável. Ele mira o meu pescoço. Sei que está vendo a marca de dedos que o garoto do beco deixou. 

 - O que aconteceu com você? 

 Olho para cima para limpar os olhos das lágrimas que caem. Suas mãos estão cerradas. Sento encostada na parede com as pernas dobradas para cobrir meu corpo. Fecho os olhos e protejo o rosto. 



Notas Finais


*Novo Elísio: eu inventei esse bairro de Nova York. É fictício, só para a história.

Uma coisa que quero falar com vocês é:
Eu pensaria duas vezes antes de amar ou odiar qualquer personagem dessa fic.


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