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História O lado bom da vida - Jogo da vida


Escrita por: DiaeNoite

Notas do Autor


Queria ter postado antes, mas ando sem tempo.

História em 30/10/2015.

Capítulo 20 - Jogo da vida


Fanfic / Fanfiction O lado bom da vida - Jogo da vida


POV. Percy

Onde ela está?


- E então eu a beijei.

Sacudo a cabeça. Mais um encantado pela Thalia. O que esses caras andam bebendo?

- Luke não vai gostar nada de saber disso.

- Vamos deixar isso entre nós. Não é como se eu estivesse apaixonado pela garota.

- Sei.

Nico abre a boca, mas para no meio do caminho e olha para alguma coisa às minhas costas. Me viro. Um garoto moreno do time de futebol está falando alto com um outro garoto. Ambos estão com olhares admirados de espanto. Troco um olhar com Nico e prestamos atenção no que falam.

- ...do que ela fez, então ele quis se vingar. Ethan é bem vingativo. Uma hora ou outra isso iria acontecer e, bem, aconteceu. 

 Não.

- O que ele fez?

- Ele mais uns garotos do time a cercaram quando ela estava passando pelo gramado e a levaram até a fonte.

Desgraçado. Ele conseguiu. Annabeth...

- Carregaram a garota?

- É. Dizem que ela até deixou o óculos cair e ele quebrou. Ethan a segurou de cabeça para baixo e mergulhou a cabeça dela na fonte.

Fecho as minhas mãos com força.

- Mas ela não tem a proteção da punk?

- Tem, mas Thalia não consegue estar sempre por perto. De qualquer forma, esse foi o troco pela piscina.

- Você viu o que tinha acontecido lá?

O garoto do time passa o apoio de um pé para o outro e dá de ombros. 

 - Não, mas dizem por aí que ela caiu na água e culpou o Ethan, dizendo que ele a empurrou. Agora voltando ao presente, eles a soltaram e ela saiu correndo. Ninguém mais viu.

Contra a minha vontade, sinto a mesma angústia que senti com ela no carro naquele dia desagradável. Quero avançar no garoto e socar a sua cara, mas e depois? Como explicaria o surto de raiva? 

 - Nico, preciso ir. 

 - Ir pra onde? 

 Não respondo, me apresso no corredor e desvio dos alunos. Nico vem para o meu lado me acompanhando.

- Percy, para! O que... você vai atrás da garota?

Não sei de onde, mas em um segundo Luke aparece ao nosso lado sorrindo. 

 - Que garota? 

 Esse falatório todo está me deixando mais irritado. Lembro dos dois me falando de como gostam de Thalia e minha raiva só aumenta. 

 - Porra! Me deixem! 

 Eles estancam no lugar e olham um para o outro. Não me importo, não dou a mínima. 

 - A sereia tá irritadinha? 

 Ignoro Clarisse encostada no armário (que por sinal está bastante alta) e passo direto. Ela ri, mas se volta para o namorado. Nico e Luke não me seguem mais.


Paro de lembrar disso.

Já olhei em todos os andares. Subi e desci escadas, olhei pelas salas, no refeitório e na biblioteca. Nada. Provavelmente foi embora. Eu só queria... conversar.

Frank sai por uma porta mais a frente e eu paro, mas ele me nota antes que eu dê a volta. Conversar: tudo o que eu menos quero no momento. Quer dizer, não... não com ele.

- Percy. Calma, cara, que pressa é essa? Tá fugindo de alguém?

Caçando na verdade.

Ah, que ótimo. Caçando Annabeth Chase*.

- Eu estou meio ocupado, Frank.

Frank costuma ser todo bom moço, e nunca é importuno, mas hoje não está facilitando muito as coisas. Me desvio dele e ele segura o meu antebraço.

- Está com algum problema? Eu posso ajud...

- Não é isso, só tenho que resolver uma coisa.

- Claro, claro. Pode ir. Mas qualquer coisa eu estou aqui.

Balanço a cabeça. Ele me solta, mas não deixa de me lançar um último olhar preocupado. É um bom amigo.

- Está tudo bem, Frank.

O asseguro antes de ir.

Viro o corredor e vou olhando através das portas.

- Oi, Percy. Já que está aqui, vem com a gente para o refeitório.

De repente me vejo cercados por garotas da torcida. Tento falar que não vai dar, mas elas são bem insistentes. Desisto, vou com elas. Dou uma última olhada para trás e as sigo.

- Aê, Percy! Chegou.

- Oi, Dakota.

Dakota sorri e então volta a beber seu suco de uva. Sento. Cumprimento alguns garotos do time e o resto da mesa, mas não dou muita atenção, estou com a cabeça em outro lugar. Olho em direção a última mesa do canto do refeitório. Está vazia.

Alguém faz um barulho com a garganta chamando atenção e eu me viro. Luke e Nico estão me encarando.

- O que foi?

- Achou o que estava procurando?

Drew, do outro lado da mesa, me pergunta o que, mas eu sacudo a cabeça deixando para lá. Me viro para ela, está muito bonita, como sempre. Faço uma pergunta silenciosa se ela está melhor. Nico, como o único outro a entender, nos olha. Drew sacode a cabeça não querendo falar, como eu fiz há segundos atrás.

- Que cara é essa, Percy? - Mark, um amigo meu, me pergunta. Já saímos muito juntos entrando em festas de desconhecidos.

- Ele está assim desde que encontrei com ele. - Frank se junta a nós na mesa com Hazel do seu lado.

- Não é nada, gente.

Nico, por cima do copo que está levando à boca, troca um olhar comigo, mas não fala nada.

- Você está muito estranho esses dias. Hoje mais ainda. - Encaro Rachel, que só agora percebi ter um garoto ao lado dela a abraçando. - E cadê Leo?

Ao mesmo tempo, Nico, Jason e Piper abaixam a cabeça. Frank e Hazel olham um para o outro.

- Não mais que esses cinco. - Hazel se levanta e puxa Frank, eu olho para os três que restaram. - Vocês querem nos falar alguma coisa?

- Nada.

- Nada.

- Nada.

Ergo a sobrancelha acusadora para eles. Alguns param e voltam sua atenção pra gente.

- O que vocês estão escondendo? - Jessica pergunta.

- Nada.

- Nada.

- Nada.

Grover ri. - São cabeças ocas ou têm alguma coisa nelas?

- Nada.

- Na...

Piper é a única que não responde, mas para pra rir dos dois garotos junto com o pessoal da mesa. Dou um sorriso pequeno. Se eu não estivesse com a cabeça cheia, talvez eu estivesse aproveitando o momento. Olho mais uma vez para a última mesa. Nem Thalia está nela. Então me viro pra minha. Não é exatamente como muitos pensam, não é só formada por garotos do basquete e garotas da torcida. Somos todos muito amigos, alguns mais do que outros. O que acontece, é que nos destacamos das outras pessoas do colégio. Piper tira sua mão de cima da de Jason e pergunta pra Rachel se o passeio ainda está de pé. O garoto ao lado da última faz uma careta.

- Achei que vocês tivessem desmarcado. Quero sair com você, amor. - Amor?

Rachel fica vermelha e sorri gentil para o cara, que se vira pra Piper e diz que ela está roubando sua namorada. Namorada?

- Derek, só vamos dar uma volta depois da escola. Meu Deus, que garoto ciumento.

- Quando foi que isso começou? - Aponto para os dois, recebendo uma cara feia do namorado.

- Final do mês passado. Eu tinha uma queda por você, Percy, mas não sei se você sabia. - Sabia. A atenção da mesa agora está toda voltada a nós. - Você é bem lerdo às vezes. - Luke se segura pra não rir. Levanto o dedo pro Castellan. - Mas então eu conheci o Derek e me apaixonei. 

 Piper, que é a que mais entende de sentimentos aqui, não se mostra interessada na história, o que é estranho. Jason ao seu lado fica girando uma moeda dourada na mesa.

 Derek segura a mão da ruiva e a abraça possessivamente. 

 - Só seja feliz, Pesadelo Ruivo.

 Ela faz um biquinho, mas seus olhos vibrantes estão brilhando. Mais do que o normal. 

 - E Derek, calma, meu amor, o aperto está forte. - E ri. - Hoje vou sair com a Piper, amanhã a gente sai junto.

 Ele não parece gostar muito, mas se vira para conversar com Mike, irmão de Mark, ao lado dele. Eu finjo prestar atenção no que Grover está me falando. Algo sobre desmatamento na floresta Amazônica. 

 Em certo momento Leo se junta a nós e recebe uma enxurrada de perguntas que ele enrola para não responder. Rachel é a que mais fala. Algumas líderes dão risadinhas por ela falar tanto. Até seu namorado parece estar incomodado. 

 - Rachel, se você não parar de falar eu vou embora. - Derek diz.

 Rach para, o segura no banco e sorri amarelo. Sei que está chateada, mas não quer demonstrar. Eu aproveito a deixa e me levanto. Faltam poucos minutos pra acabar o intervalo. 

 - Vou nessa. Vejo vocês depois? 

 - Percy. - Me viro para Drew.

 - Me espera depois da aula. Quero falar com você. 

 Faço um aceno confirmando e eu vou embora. 

 Onde ela pode estar? Já procurei por todo canto. Uma loirinha no corredor chama a minha atenção, mas não é a certa. Eu quero uma explicação. Por que ela foi embora? Ela estava passando mal e machucada, não tinha mais ninguém pelas ruas. Foi mesmo pra casa? 

 De qualquer jeito, continuo andando. Não quero ir pra aula do pai do Will. Tenho essa aula com ela, mas não acho que a mesma vá aparecer. 

 Passo por um quadro de avisos e, por algum momento que não entendo, lembro de Drew a "xingando" de Annanerd e Nerdbeth. De onde ela sai com tanta estupidez pra arrumar a merda de uns apelidos desses? A vida dela é um filme da Disney onde ela é a patricinha opressora cor de rosa? É infantil. Tudo bem que Annabeth não é lá  muito vaidosa, mas ela também não chega a usar óculos fundo-de-garrafa. Adoro brincar chamando a garota de nerd, mas esse clichê para aí. Tudo tem seus limites. Acredito que nem ela viva para livros e estudos.

 - Viu o estado dela?

- Encharcada. Mas o que me impressionou foi o cabelo dela. Nunca vi solto. Comprido, né?

- Ela entrou justo no banheiro abandonado. Coitada, mais azar do que já tem é possível?

Encharcada? Interrompo as duas meninas conversando pelo corredor.

- A garota que vocês estão falando, para onde ela foi?

Elas me olham surpresa, a mais baixa fica vermelha pela minha presença. Nunca falei com nenhuma das duas, não sei quem são, mas elas provavelmente sabem quem eu sou.

- Ela entrou aqui. - A mais alta aponta para trás de si, para o banheiro fechado com uma placa de manutenção no chão.

- Por que? - A mais baixa analisa a minha postura. Ela não parece ameaçadora vestindo uma saia rodada prateada, uma blusa amarela de manga escrito EXO (seja lá o que isso for) e tênis brancos, além do seu cabelo verde claro. É fofa.  Acho que está pensando que vou fazer algo contra a loira. - ...Está largado, mas é o banheiro das meninas.

 Contorno as duas e afasto a placa.

- Ei! Você não pode entrar aí. Eu vou falar com o...

- Escuta, só quero saber como ela está. - Respondo para acalmar a mais baixa.

Sua amiga está puxando-a pra longe, não querendo me provocar, acho. Mas estou sendo sincero. Não estou com raiva e nem vou fazer nada.

- Você não gosta dela.

- Mas eu preciso falar com ela, preciso... ver como ela está.

A garota olha dentro dos meus olhos e sua expressão muda. Ela se deixa ser levada pela amiga.

- Não digam nada do que aconteceu aqui, ok? - Sua amiga concorda com a cabeça freneticamente e elas somem pelo corretor. 

Olho para os dois lados e empurro a porta devagar, assim como fecho. O lugar é grande, cinza e escuro. Fede a mofo e não tem iluminação.  Sei que tenho que ter respeito por ser o banheiro das meninas, mas na outra divisão do banheiro onde eu não posso ver, depois das pias e espelhos,  ela está vomitando, então me aproximo devagar.

Há uma única cabine aberta no final do corredor  e ela está caída lá dentro. Corro até ela, não está caída, mas ajoelhada e apoiada nas paredes. Seus braços fraquejam, me abaixo e a seguro em volta do peito. Afasto seus cabelos e ela vomita mais. Está trêmula, tentando se apoiar. Me levanto com ela e a apoio firmemente em mim, está úmida e fraquejando. Eu estou no modo automático. Vamos até a pia, abro a torneira, encho a mão e a levo até sua boca, ela bochecha e cospe. Fazemos isso três vezes e ela ameaça cair. A sento no mármore e ela apoia suas mãos no meu casaco. Acabo olhando para um arroxeado na sua pálpebra direita.

Aquele filho da puta fez isso?

Seu rosto está molhado de lágrimas e há mais dois hematomas pequenos nele. Foi tempo o suficiente para os de sábado terem sumido. Esses são recentes.

Ela me encara ainda com água nos olhos. Cristais. É inapropriado para o momento, mas não deixo de ver o quanto ela é linda. É a primeira vez que a vejo de cabelo solto; vão até um pouco antes da cintura e são pesados. Fica ainda mais linda com eles bagunçados desse jeito, moldando o seu rosto.

Ela fecha os olhos e eu volto à razão e seco suas lágrimas. Algo como tinta sai do seu rosto e gruda no meu dedo. 

 Maquiagem. 

 Ela segura minhas mãos, abre os olhos e impede que eu continue. Puxa os braços quando percebe para onde estou olhando. Tarde demais.

- Anna...

- Xii, não fala. N-não fa-fala. Por favor. - Desce as mangas do casaco pelos antebraços e os encolhe junto ao corpo.

Mil coisas passam pela minha cabeça. Isso é doentio. Por que ela fez isso? Não sei o que dizer. Agora está escondendo os pulsos, mas eu já vi. Também haviam mais hematomas nos seus antebraços, bem roxos e feios, alguns esverdeados e outros pretos. Não são de hoje.

- Por que?

Não sei como organizar tudo o que está passando pela minha cabeça. São muitos recortes para pulsos tão finos. Ela não para de chorar; quero dizer que vai ficar tudo bem, mas eu não tenho certeza, nem ao menos sei o que pensar. Por que ela faz uma coisa dessas? Tento me lembrar de coisas da sua vida, mas sei pouco, quase nada.

Ano passado, quando houve uma palestra sobre isso na Goode, eu não dei muita atenção. Discutia com quem vinha tentar amenizar ou romantizar esse tipo de ato. Não há nada de bonito ou romântico, só há a dor, nua e crua. Só emos ou grunges fariam coisas assim. Como isso resolveria os problemas de alguém? Ainda não entendo, mas a garota mais inteligente do colégio, que não é nem um pouco emo, muito menos grunge, está na minha frente e tem os pulsos cortados. Por que?

- Não conta, por favor. E-eu... por favor, juro que faço algo que você me peça, mas n-não conta pa-pa-para os seus amigos. Para... ninguém. Por favor.

- Eu... eu não...

- N-não é o que você está pensando, eu juro que não quero atenção, eu... me desculpa, por favor, não conta pra ninguém. E-eu preciso ir.

Me afasto para que ela desça da pia, mas não quero que ela vá embora. Não agora, não depois de tudo isso.

- Eu... eu quero ajudar.

Ela se encolhe pelo meu toque no seu braço, mas eu não estou segurando para machucar.

- Não vai embora de novo. - Fica. Eu quero entender. - Por favor.

Ela hesita em tocar a mão que seguro o seu braço, e eu posso ver que a pele muito branca dos seus dedos está cheia de hematomas.

- Você não gosta de mim.

O que sai da sua boca me deixa desnorteado, não sei se é uma mentira. O que posso falar? Já fiz muito mal para essa garota, coisas que definitivamente não são legais, mas e agora? Eu a... odeio?

- Eu nunca quis isso, não era pra ninguém saber. Eu já p-parei, n-não faço mais. Por favor, me deixa ir.

- Eu não vou dizer nada disso pra ninguém, eu só quero uma explicação. O que são essas marcas? Quem te fez isso?

Ela aperta os olhos com força e sacode a cabeça. Me sinto impotente. De uns tempos pra cá é a maneira como ela tem me feito sentir.

- E-eu sou uma covarde! E-eu nunca consegui ir até o fim. Fiz muitos por raiva e culpa.

Ir até o fim? Como assim? Culpa? Culpa de que?

- Há alguns em vertical, mas nunca consegui chegar até a veia.

Me arrepio. Com um embrulho no estômago entendo do que ela está falando.

Ela já tentou cometer suicídio.

Solto o seu braço, mas ela não vai embora. Enxuga seus olhos com as costas da mão e continua falando nervosamente. Estou encarando-a, mas não consigo prestar muita atenção no que ela diz. 

Ela tenta se matar.

Algumas das suas feridas são mais profundas, o que significa que chegou bem perto.

- Agora sei que foi idiotice, n-não faço mais. Não... vou fazer de novo, juro. Eu... não é certo com Thalia. Não posso abandoná-la. E-eu só estava cega pela raiva e queria acabar com tudo logo de vez... eu... mas eu tive medo. Muitas vezes...

Suicídio.

A palavra grita na minha cabeça.

Já houve um caso assim de um garoto no colégio há muito tempo atrás, mas ele não era muito conhecido. Tudo foi abafado e esquecido.

E agora, na minha frente, está uma menina que tentou tirar a própria vida muitas vezes. E que não posso ter certeza se ainda tenta ou não. Jamais imaginei isso vir de alguém tão... próximo.

Me repreendo. Próximo não, conhecido. Ela nos evita a todo custo, a escola inteira. O medo que ela sente...

O que foi que eu fiz?

- Eu já aceitei que não sou bem vinda. Por favor, não conta. Por favor... e-eu tenho muito medo de...

Ela se contrai e solta um arguejo ao me sentir passar os braços envolta dela. Tenta se afastar, mas a mantenho aqui. O abraço é desajeitado; ela não me abraça de volta, mas parou de tentar se soltar, apoia as mãos e a cabeça no meu peito e chora. Posso ouvir seus batimentos rápidos.

Afago o seu cabelo e fecho os olhos. Encosto minha cabeça na sua. Ela bate na altura dos meus ombros e tem um cheiro muito bom, fico mais calmo. Ainda posso ouvir o som da sua respiração descompassada.

Não sei quanto tempo ficamos assim. O sinal já bateu e pouco me importo, minha cabeça está um caos. Me sinto completamente perdido.

Seguro o seu rosto e me afasto um pouco para a olhar. Como sempre, ela não me encara diretamente, olha apenas para o meu casaco. Seu rosto não está coberto pela sua franja, agora posso ver cada traço seu, até a pequena cicatriz que carrega no canto da testa. Olhando-a assim, com a franja e o resto do cabelo bagunçados e um pouco úmidos, ela carrega um traço mais infantil; como o de uma criança que foi brincar em uma ventania. O que não combina nada com os seus olhos. As lágrimas parecem pingos de chuva, e seus olhos cinzas são o temporal.

- Está melhor agora? - A forma como ela me olha entrega que ainda está com medo. - Não se preocupe, não vou contar para ninguém.

- Por que está fazendo isso? Você não gosta de mim.

De novo não sei como responder.

Seus lábios estão tremendo e suas roupas molhadas, e a umidade do banheiro piora tudo.

- Toma, veste isso.

Antes que ela recuse, tiro o meu casaco e passo pra ela. Ela, claro, nega e se afasta. Não quero que vá. Me aproximo e insisto. Annabeth acaba aceitando.

- É melhor tirar a roupa molhada.

Mais uma vez um negar com a cabeça. Pelo menos agora está vestindo o casaco. Fica um vestido nela, parece um grande pijama azul escuro, mas está fofa nele, com as mangas encobrindo suas mãos. Ela fica encarando as minhas mãos. Annabeth fica encarando as minhas mãos. Depois de tanto tempo sem saber seu nome e a chamando de Monstrinho, agora é estranho que a chame pelo modo certo.

Queria que falasse mais.

Pego a sua mão e dou um leve puxar pra me acompanhar. Ela ainda resiste em ter esse tipo de contato comigo. - Vem cá.

Annabeth se deixa ser levada até a pia e a coloco sentada nela como antes. Sua mão vai de encontro à sua franja, toda bagunçada e molhada, para ajeitar, mas eu a impeço, já vi o roxo na sua pálpebra. E também já vi os das suas mãos. 

 Puxo a manga para trás, revelando os seus dedos. Frios e cobertos de marcas. Ela treme sob o meu toque e tenta puxar.

- Vai me contar quem fez isso com você? Foi o Ethan?

Nada diz, nem me encara.

- Eu sei que você tem todos os motivos para não confiar em mim, mas, por favor, eu quero te ajudar. - Seus olhos começam a transbordar lágrimas de novo. - Eu não estou planejando nada, não é nenhuma brincadeira de mau gosto, não vou contar pra ninguém. Alguém anda te ameaçando? É... é por isso que Thalia é tão protetora?

Com um susto ela segura minhas mãos com força e um calafrio desce pelo seu corpo. Posso ver o medo nos seus olhos. 

 - Por favor, não conte nada à Thalia! Eu... você... só... Thalia não. 

 - Ela não sabe? 

 Ela nega com a cabeça rapidamente. - Não, não sabe. Não conta, por favor. Não fala nada disso pra ela. Nem dos cortes e dos hematomas. 

 Uma coisa se quebra dentro de mim. Sinto um mal estar. 

 - Thalia não sabe que você tentou cometer suicídio. 

 Seus olhos se arregalam e ela solta as minhas mãos. 

 - Ela me odiaria... ela é a única amiga que eu tenho. Por favor, não conta nada. - A cada soluço seu, sinto algo se apertar cada vez mais dentro de mim enquanto eu caio na realidade. Entendo o que diz. Tirando Thalia, não tem mais ninguém, o colégio a odeia, ela é o alvo de todos. - Por favor.

- Escuta: você precisa acreditar em mim. Seja quem for que estiver te machucando, eu não vou deixar. Você só precisa me dizer quem é. Olha pra mim, eu não sou fraco, posso dar umas porradas no culpado, só você me dizer. E já brigamos juntos, lembra? Você foi muito corajosa no beco.

Ela abaixa a cabeça chorando e seus cabelos escorrem pelos seus ombros finos. A escondem praticamente. Mas depois de tanto tempo presos, não quero vê-los de outra maneira, são volumosos e descem em cachos pesados. São lindos. Ela é linda.

Não vejo outro motivo se não inveja para Drew e suas amigas xingarem a garota. Ela parece uma princesa.

 Estou me distraindo. 

 De novo. 

 - Você não parece be...

 - Eu vou vomitar. 

 Saio da frente e ela corre para o vaso. Seguro seu cabelo no alto. Quando acaba, parece mais pálida do que já é. Afago suas costas enquanto tenta acalmar a respiração. 

 Fazemos o mesmo processo na pia. Três bochechos. Dessa vez me sento ao seu lado no mármore, encostado no espelho. Ficamos em silêncio. 

 Meu sangue esquenta ao lembrar que alguém anda batendo nela. É muito pra engolir em tão pouco tempo, sinto como se tivesse sido jogado como um peão no meio de uma história que eu não sei nada, nem onde é o começo de tudo.

 Mas não posso deixar pra lá. 

 Fala sério, quais são as chances disso ser coincidência? Tantas pessoas no colégio e somos nós dois aqui. Percy Jackson e a Monstrinho. 

 Quero ajudar quem maltratava. 

 Isso só pode ser um jogo de karma que a vida está fazendo. É pior do que um soco no estômago.


- Um dia você verá suas palavras se virando contra você.


Só pode ser brincadeira.

Olho para a garota ao meu lado. Eu... não, eu não acredito nessas coisas. É coincidência. Ou... foda-se. Uma cigana, bruxa, feiticeira ou sei-lá-o-que, me deve algumas explicações.

- Você... não vai ir pra aula?

Fico feliz que tenha falado alguma coisa.

- Não. Qualquer coisa eu invento alguma história.

- Ah.

É engraçado, já estamos aqui há tempos e nenhuma garota entrou. Não que eu esteja reclamando.

- Ouvi uma garota dizer que esse banheiro dá azar.

Ela não responde. - É verdade?

- Se é azarado, deve ser por causa de mim. Sou a única que entra aqui.

Gosto quando fala. Tem uma voz bonita. 

- Ele é só... - Olho ao redor. - bizarro.

- Só está em manutenção. A vida toda.

É chato vê-la prender o cabelo, mas não a impeço. Com o rosto abaixado, sua franja volta a cobrir seus olhos. Ela volta a se esconder. Não quero que pare de falar comigo.

- Por que você fugiu naquele dia?

- Desculpa.

- Não precisa pedir desculpa, eu só... fiquei confuso, e um pouco chateado.

- Desc... - Olho pra ela. - Ah... hm, eu... eu precisava ir.

- Você não tinha um encontro, não é?

- Hã... e-eu...

- Sem problemas. Nenhum de nós queria estar lá. Você chegou bem em casa? 

Ela dá um aceno fraco com a cabeça.

- Ainda está com frio?

- Não.

Está sim. Uma goteira chata começa em algum lugar do banheiro. Entendo porque devem achar aqui assombrado.

- Você fica aqui quando quer fugir lá de fora? - Aponto pra parede.

A princípio ela me olha de esguelha desconfiada. Posso ver seus olhos se movendo num ziguezague avaliando quais são as minhas intenções.

- Não se preocupe, eu não vou contar para ninguém.

Continua calada. Acredito que sim, então.

Todas as suas ações são contidas. Por onde eu começo a me aproximar dela? Não sei quase nada sobre ela, só coisas bobas. Ela tem medo de mim, não fala comigo e sua única amiga, que por acaso é minha prima, me odeia.

Um tocar no meu braço me surpreende e me pega distraído. É de leve, mas mesmo assim, vindo dela, é meio fora do comum.

- É... sei que você não quer q-que eu saia fugida, é que eu preciso ir. - Morde o lábio inferior. - Daqui a pouco o sinal toca e todos vão lotar o corredor para a próxima aula e... você sabe, eles...

- Tudo bem.

Me desencosto do espelho e desço da pia. Ela desce também.

- Vem amanhã?

Ela faz que sim e saímos pela porta. Por sorte o corredor está vazio.

- Meu carro está no estacionamento. Te levo pra casa.

- Perseu...

Nossa. Isso é realmente estranho. Ninguém me chama assim, com exceção da minha mãe quando eu faço algo errado. É...incomum.

- É só uma carona, ninguém vai ver. E pode me chamar de Percy.

- Não acho certo...

- Por que?

- Só... não. E olha, obrigada aquele dia. Eu achei que ninguém fosse aparecer.

Outro calafrio desce pelo seu corpo, desce pelo meu também. Ainda não me sinto bem com isso. Só de lembrar, uma raiva me sobe. Mais tarde, naquele dia, em casa, fiz uma denúncia anônima dos garotos no beco, mas não me parece o suficiente.

- Não precisa agradecer, fiz o que qualquer pessoa deveria ter feito.

Ela cruza os braços e muda o apoio de um pé para o outro. - Mesmo assim, obrigada. Quer dizer, muitos iriam virar o rosto e fingir não ter ouvido nada.

Infelizmente é verdade.

- Não fique relembrando isso, só vai te fazer mal. Eles devem estar presos agora. - Não acredito muito, mas não falo nada. - E quanto à carona, não posso te deixar ir pra casa a pé nesse estado.

A cada passo que damos, ela vai olhando e passando rápido, se desviando das aberturas de vidro nas portas.

 - Vou pedir para Thalia, você pode ir.

Não vou perdê-la pela terceira vez.

- Eu vou com você. Sabe em qual sala ela está? - Ela faz que sim e vai me guiando pelo corredor. - Chegando lá, deixa que eu chamo. Ver você nesse estado e do meu lado pode fazer com que as pessoas na Goode comecem um boato maldoso.

- Tudo bem.

Andamos um pouco até chegar à sala onde Thalia está. Bato na porta. Sr. Brunner aparece no portal e eu sorrio.

- Percy? - E então olha pra Annabeth e sua expressão muda. - O que...?

- Não posso falar agora. Ela não está bem e precisa ir pra casa, será que o senhor poderia liberar a Thalia?

Thalia que conversava com uma garota atrás dela, se vira com a menção do seu nome. Todos na sala passam a prestar atenção. A confusão no seu rosto não acompanha a curiosidade dos alunos.

- Thalia, Percy tem algo pra falar com você, e se sua decisão for sim, estará liberada.

Sr. Brunner volta à sua mesa e a Grace se levanta devagar, olha para garota que antes conversava, fala alguma coisa e vem na minha direção. Todos ainda a acompanham com o olhar. Annabeth se mantém encostada na parede, longe dos olhares da turma. Thalia sai da sala.

- O que você quer, Percy? - Saio da frente. - Annabeth?

Seu olhar de raiva passa para surpresa e então para raiva de novo. Antes que ela parta pra cima de mim, Annabeth a puxa. 

 - Não é nada disso que você está pensando.

Fecho a porta enquanto Annabeth lhe conta o que aconteceu, ocultando a parte do banheiro.

- É claro que te levo pra casa, me deixa só pegar as minhas coisas.

Ficamos nós dois no corredor. Agora é a hora que me despeço.

Não sei como vai ser daqui pra frente, como vai ser amanhã.

- Thalia já vai te levar pra casa. - Tenho pouco tempo. - É, não sei como te dizer isso, mas não precisa mais se preocupar comigo daqui pra frente. Vou te deixar em paz.

Ela me encara e cruza os braços. Não sabe como responder. Só preciso de um motivo para a procurar amanhã.

- Me devolve o casaco amanhã.

Thalia volta.

- Pronto, vamos.

Troco um último olhar com ela por cima do ombro de Thalia. Vou embora.


(...)


Atravesso o mar de alunos apressados para irem pra casa. Ethan está rindo junto a mais cinco amigos do seu time. Todos altos e com porte atlético. Eu vou apanhar.

Não me importo. Ignoro Luke e Jason me chamando às minhas costas e interrompo Ethan e seu falatório. Meto um soco na sua cara.

Ah, eu vou apanhar.




Notas Finais


Não sei o que vocês mais querem: ver Percabeth ou Patrick morto

*Chase, do inglês, significa caça, perseguição, conquista.


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