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História O lado bom da vida - Coração não é tão simples quanto pensa


Escrita por: DiaeNoite

Notas do Autor


Muito obrigada pelos comentários no capítulo passado e me desculpem pela demora. Ando tendo que deixar a fic de lado um pouco para resolver outras coisas. (Mas o cap tá grande, hein?)

E falando nisso; gente, sinto muito se eu não puder ler algumas fics recomendadas no privado. É que mal me sobra espaço pra minha, entendem? Aí fica difícil.


História em 02/11/2015.

Capítulo 21 - Coração não é tão simples quanto pensa


Fanfic / Fanfiction O lado bom da vida - Coração não é tão simples quanto pensa

POV. Percy

- Ok, agora podem me explicar exatamente o que foi que aconteceu?

Me sinto em um tribunal. Sr. D é o juiz, eu o acusado, Jason a testemunha e Piper minha advogada. A última estando presente por sua própria vontade. Como é boa oradora e ótima em convencer pessoas somente usando sua voz e sua lábia afiada, e é minha amiga, não me sinto nem um pouco mal por não mandá-la sair.

Enquanto Piper explica, troco um olhar com Jason. Estamos realmente deploráveis. Depois da porradaria, o Grace está com o nariz borrado de sangue assim como eu, e várias escoriações e sujeiras. Parte da sua sobrancelha direita está machucada. E eu, bem, não sei se fui esmurrado por um batalhão ou atropelado por um trator.

Luke está nos esperando lá fora. Não se encontra em um estado muito melhor do que o nosso. Me mexo desconfortável na cadeira e deixo escapar um gemido. Jason troca um olhar complacente de dor comigo. Te entendo, cara. Ai.

 Piper, com a maior cara de pau possível, consegue fazer sr. D acreditar na nossa história fantasiosa. Ethan, pelo o que parece, atacou e tentou afogar uma menina, que eu "pensei" que fosse Piper, junto de sua turma. Eu fui atrás e fui revidar. Luke e Jason foram me ajudar. Piper se intrometeu e acalmou os ânimos assim que viu Jason desmaiado.

 É, é uma boa história.

- Vocês, seus moleques, não serão suspensos. Podem avisar ao seu amigo da cicatriz lá fora que estão liberados. 

 Levantamos. Piper se vira. - E quanto aos outros?

- Averiguarei e eles terão seus castigos.

Tenho certeza que não. Esse cachaceiro não se importa em mover essa bunda preguiçosa pra nada, muito menos para cuidar de seus alunos. 

 - Espero não te ver mais aqui, Perry Johnson. 

 Travo o maxilar. - É Percy Jackson, senhor.

 - Tanto faz.

 Antes que eu possa revidar, Piper sai me puxando porta afora. Assim que saímos, Luke se levanta querendo informações. 

 Talvez ainda me reste alguns minutos para ir atrás da cigana, antes que ela tenha ido embora. Hoje fiquei sabendo que alguns calouros do primeiro ano têm aulas extras opcionais. Talvez ela seja um deles.

 - Vejo vocês amanhã. 

 Me despeço de cada um e sigo em frente. Mancando, claro. Quando minha mãe souber... ai, eu tô ferrado. 

 Em que sala ela pode estar? Me sinto um idiota procurando uma agulha num palheiro. Essa escola é enorme. Paro um garoto baixinho passando pelo corredor. 

 - Ei, você sabe onde estão acontecendo as aulas extras do primeiro ano? 

 Ele me olha de cima a baixo. Parece um pouco confuso com a minha presença repentina, ou com o meu estado. - Hã... acho que estão acontecendo no segundo andar. Se não me engano, umas salas depois do refeitório.

Segundo andar, depois do refeitório. Ok. 

Dou uns tapinhas no seu ombro pela ajuda e me afasto. Sei que é irracional, não me dou por ficar acreditando em castigos espirituais, mas estou irritado, quero umas explicações. O que ela quis dizer com tudo aquilo?

Continuo andando.

Segundo andar, depois do refeitório. 

Segundo andar, depois do refeitório. 

Segundo andar, depois do refeitório. 

Subo as escadas correndo.

Segundo andar, depois do refeitório. 

Segundo andar, depois do refei...

Um aglomerado de alunos me dá um susto. Saem por uma porta rindo e fazendo escândalos. Alguns estão com caras de raiva. 

Sou atropelado por um furacão de saia indo à toda velocidade para longe dos alunos. Olho para o pessoal e depois para a garota atrás de mim já se afastando. Seus cabelos voam atrás de si com violência. Volto correndo.

Coloco a mão no seu ombro, mas ela não para, então me ponho na sua frente e olho nos seus olhos. Minha raiva some. É difícil ficar irritado com alguém chorando.

- O que você quer?!

- Por que você está chorando?

Ela olha para trás, me empurra pro lado e continua andando. Eu, como idiota, continuo seguindo-a.

- Ei, eu só quero conversar.

Ela ri pelo nariz, mas não para de andar. - Interessante, quando eu te procurei para isso, você nem me deu ouvidos.

- Eu estava estressado!

- Você é sempre estressado pra coisas fora do seu interesse.

- Olha, eu fui um idiota, isso costuma acontecer comigo com frequência, mas agora não, só quero conversar. Mas antes, me diz por que você está chorando.

Ela finalmente se vira pra mim. E me dá um empurrão.

- Você sabe muito bem! Você ouviu!

- Ouvi o quê?!

- O que eles falavam! Não se faça de desentendido! Vocês, americanos, vivem fazendo isso.

- Eu... o que? Americano? Do que você está falando?!

- Ora, do que! Acha que não sei porque me trata mal? Aposto que já ficou sabendo! E que também repudia a mim e minha família pelas costas.

- Eu... - Ai meu deus do céu. Seguro os seus ombros e a encaro. - Eu não estou zombando de você, sua maluca. Não tenho ideia do que está falando!

- Do que estou falando?! Ora, da minha família muçulmana! Dos meus pais descendentes sírios! É o tempo todo gritaria de que eu vou explodir uma bomba, de que meus pais são malditos refugiados, de que eu e meu irmão fomos adotados para sermos queimados vivos...!

A solto.

- Eu não sabia.

Ok, me sinto um merda agora. É a segunda garota chorando na minha frente hoje e eu não sei como ajudar.

- Meu irmão e eu temos crenças diferentes dos nossos pais, mas isso nunca nos atrapalhou quando fomos adotados. Vivemos temendo pelos dois. - Ela me olha. Me sinto envergonhado pelo meu país no momento. - Por que é tão difícil nos deixar em paz?

- Porque provocam vocês para que façam algo e eles te culpem. - Ela morde o lábio e cruza os braços sobre a camiseta vermelha.  - Ei, não chora, esquece essas babaquices. São apenas preconceitos vindos de ignorantes. Escuta: meu amigo Nico é italiano, assim como você e seu irmão; Frank é canadense com descendência chinesa, Leo é descendente de latinos, Calipso, uma garota aqui da escola, é de um lugar aí que a gente nem conhece. Acho que é uma ilha.

- Não sei dessas pessoas que você está falando.

- A questão onde eu quero chegar é que escolhemos abaixar a cabeça ou não para críticas. Elas vêm de todo lugar, é inevitável. Mas não me entenda mal, não estou concordando com esses idiotas que fazem isso com você.

Ela balança a cabeça e enxuga as lágrimas. Me sinto um pouco melhor. - O que você queria me falar?

Já que estamos parados no meio do refeitório vazio, aponto para a mesa ao nosso lado. Sentamos.

- Eu estou com um... problema.

- Claro, claro. - Enquanto gesticula com a mão, não consigo não olhar para a sua saia marrom comprida. Meio hippie, meio cigana. - Foi algo que eu tenha dito? Eu falo muita coisa.

Me forço a encarar seu rosto.

- Aquela vez que nos encontramos, você disse que um dia minhas palavras se virariam contra mim. Aquilo foi um aviso, uma ameaça...?

- Um conselho.

- Ok, mas o que você quis dizer?

- Que um dia o mal que você faz aos outros pode voltar para si mesmo. Isso tudo aqui - Gesticula ao nosso redor. - não é nada, é só uma fachada. A fama que você e seus amigos têm, faz com que pensem que tudo gira aos seus redores e tenham o direito de tratar o resto como inferiores.

Agora estou ficando irritado.

- Isso não é verdade! Somos muito amigos. Ter grande influência não é uma coisa ruim.

- É um mundo de aparências, Percy. Vocês confundem influência com controle sobre as pessoas. Sempre tendo o que querem, sempre julgando as pessoas por se acharem superiores...

- A sua intenção é de me irritar?

- Foi você que foi atrás de mim! Eu só estou te dizendo pra acordar antes que seja tarde demais. Saia do seu mundinho.

Ainda não sei o que estou fazendo aqui, cometi um equívoco vindo. Ela não me conhece, não conhece os meus amigos. Somos muito unidos, e ter influência em algo não é uma coisa ruim. Sei que podemos ter errado algumas vezes, como foi o exagero nas brincadeiras com Annabeth Chase, mas não vou ficar aqui escutando alguém dar palpite sobre a minha vida e meu círculo de amizades.

- Olha, vamos parar, ok? - Estava tudo tão bem. - Não queria levar a conversa para outros lados. Eu já estou indo.

- Tudo bem.

Nos levantamos. Ela vai embora, mas se vira na metade do caminho.

- Percy, o laboratório de informática está vazio, acho que seria bom você fazer algumas pesquisas autoajudativas lá. Sabe...? Antes que seja tarde demais. Se me entende.

A princípio, como sempre, não entendo do que ela está falando, mas um arrepio desce pelo meu corpo. Por um momento ela parece saber mais do que aparenta, e também de coisas além da minha compreensão.

E vai embora.

Isso foi bizarro.

Não desço as escadas para ir embora. Minha curiosidade vence. Viro as costas e vou em direção ao laboratório de informática. 

É um pouco longe, mas acho rápido. Abro a porta. Está mais frio aqui por causa da baixa temperatura do ar condicionado. Acendo as luzes. Um mural inteiro na minha frente faz parecer que a temperatura abaixou mais.

"Conhece alguém que sofre bullying?"

A pergunta explode na minha frente. Há várias imagens nele e mensagens de alerta. Me aproximo. Nas imagens há adolescentes; em algumas alguém isolado dos demais, em outras gestos violentos. Meu estômago embrulha. Colado na parte esquerda do mural há um papel, "Consequências na vítima", nele há uma lista:


- Queda de desempenho;

- Exclusão/Falta de interação;

- Mudança nos hábitos;

- Problemas alimentares, físicos ou psicológicos;

- Agressividade repentina;

- Autocrítica severa;

- Negativismo;

- Suicídio.


Paro.

Suicídio.

Eu preciso fazer alguma coisa.

Ligo o primeiro computador mais perto e jogo na janela de pesquisa: "Como ajudar alguém suicida?". Entro em um site de ajuda, ele fala sobre como se recuperar após a morte de alguém. Não. Vou para o próximo. O seguinte fala sobre depressão na velhice. Também não, próximo. A página é de psicologia e lista motivos pelo qual a pessoa pensa em suicídio, acho que estou no lugar certo.

Paro ao ler uma coisa.

"Abuso sexual".

Ela... ela não...


"A vítima pode demonstrar:

- comportamentos fora dos que lhes são comuns;

- mudança de hábito alimentar;

- fraco controle de impulsos;

- profunda dificuldade em estabelecer relações de respeito, admiração e confiança;

- fraco ou nenhum relacionamento com seus pares;

- resistência em participar de atividades físicas;

- comportamentos de automutilação;

- imensa dificuldade de estabelecer vínculos de amizade;


E ainda, se for uma criança ou adolescente:


- medo de adultos do sexo oposto ao seu;

- dificuldade de concentração na escola;

- falta de participação nas atividades escolares e sociais;

- interesse ou conhecimento súbito e não usuais sobre questões sexuais;

- expressão de afeto sensualizada ou provocação erótica;

- frequentes fugas de casa e prática de delitos;

- regressão a comportamentos infantis;


Antes que eu termine, meu celular toca me tirando da leitura. Na pressa acabo atendendo sem olhar e saio da página.


- Percy onde é que você está? 

 

Drew. 

 - Drew eu... me esqueci totalmente. - Droga. - Eu estou no laboratório de informática.


- Tudo bem, te encontro aí em cinco minutos. Me espera.


E desliga. Fico olhando o celular.

Eu poderia dizer não, mas Drew tem algo na voz que sempre me convence a ficar. E de qualquer forma, ela parece mal com alguma coisa.

Ela não mentiu, em cinco minutos já está no batente da porta.

- Uau, é verdade. Fiquei sabendo da briga. Você está detonado.

Como se eu não soubesse.

- Tinha ido pra casa?

- Não, eu costumo ficar até depois do fim das aulas. - Ela parece pensar um pouco sobre alguma coisa. - Por causa das garotas e o grupo da torcida e tal.

Hm.

Mudo de posição na cadeira, desconfortável, dói um pouco, aqui está realmente frio. Onde está o ar condicionado nessa sala para eu aumentar a temperatura manualmente?

Levo um susto ao cair a ficha de onde estamos.

- O que está fazendo aqui?

Não olha para o mural. Não olha para o mural. Não olha para o mural. Não olha para o mural.

- Só... pesquisando algumas coisas.

Ela ainda me olha cabisbaixa. Carrega um olhar cansado. Ainda não se deu conta dos cartazes presos na sala.

- Por que não usou o celular?

Eu... eu não tinha pensado nisso. Não importa, de qualquer forma, o que a italiana me disse me fez querer vir aqui. O que me faz pensar que ainda não sei o nome dela.

- Eu precisava imprimir uma coisa.

Ela olha para a impressora vazia e para o computador desligado, e depois para as minhas mãos, mas não fala nada. Merda.

Mexe no cabelo e ergue as sobrancelhas por um instante e não me encara. Até esse simples gesto nela esbanja sensualidade. Aguardo qualquer coisa que ela vá falar. É um pouco desconfortável esperar. Ou conversar em uma sala repleta de cartazes sobre "Violência estudantil alarmante".

- Vai fazer alguma coisa hoje?

Só me cobrir da minha mãe.

- Não, por que?

- Quer dar uma volta? Sair?

- Ir pra onde? - Me arrependo de ter perguntando. Só olhar para ela e ver como está me faz querer ir para qualquer lugar só para tirar essa tristeza do seu rosto. Mesmo sendo Drew. 

- Qualquer lugar. Só... vamos.

Seu semblante abatido está acabando comigo.

- Sei que não quer que eu te pergunte novamente o que foi que aconteceu, mas você pode me contar.

- Percy, você é o único aqui que eu posso confiar, mas... é algo pessoal. E não quero descarregar em você. Quer dizer, fico grata por você ser meu amigo e ter deixado de me ver como a burra gostosa, como todos me veem, mas não é algo que você deva saber.

- Tudo bem.

Me levanto. Parece que estou levantando três corpos além do meu. Não quero nem ver meu estado.

Drew se contém no meio do caminho e eu paro imediatamente. Estou ferrado, ela viu os cartazes.

- Esse cheiro... Isso é perfume de mulher. Você estava com uma garota?

Annabeth. Mesmo ela tendo levado o casaco, ainda consigo sentir seu cheiro em mim.

Não é ruim ao ponto de Drew ter visto os cartazes, mas a Drew ciumenta está à tona.

- É da Piper. Sabe...? Depois da briga e...

- Hm.

- Vamos?

Ela abre um pequeno sorriso. - Vamos.

- Tem horário para voltar pra casa?

- ...não.

Apago a luz e fecho a porta.


(...)


POV. Annabeth

- ...então da próxima vez eu bato mais forte.

Passo a mão pela janela embaçada do carro e volto a colocar entre as pernas. Estou tremendo. A neblina traz um ar ainda mais melancólico ao carro. Me lembro de responder Thalia.

- E vai ter próxima vez?

Ela sorri em deboche pra mim e revira os olhos. - O que você acha? Se tentar, ele é um garoto morto. 

 Balanço a cabeça.

- E Jason? Sobre o que você estava falando?

Ela solta o ar que estava guardando e relaxa os ombros. Eu tento não mostrar fraqueza na voz ou chorar por desespero.

- Sabe... meu pai anda percebendo que minha mãe não tem feito bem para o Jason. Ela está ficando completamente obsessiva com a fama. Quer dizer, ela sempre foi muito carente e fútil, mas agora parece colocar Jason em risco com os seus escândalos e suas merdas impulsivas. 

 Parte de mim presta atenção em tudo o que Thalia diz, mas outra parte me faz me sentir culpada por ter omitido tudo o que aconteceu hoje e estar pensando nisso.

Se eu pudesse voltar no tempo...

Como eu permiti que isso acontecesse? Eu sabia dos riscos de estar ali, sabia que alguém poderia entrar, sabia de tudo isso, e mesmo assim eu fui. Eu sou uma idiota. A culpa no meu peito está me deixando sufocada.

- Meu... meu pai talvez esteja querendo tirar Jason dela, e se isso acontecer... bem, ele vai vir morar comigo.

Paro de olhar para o retrovisor e a encaro. Irmãos gêmeos opostos e de lados diferentes.

- Você concorda que é isso o que o seu pai deva fazer?

- Eu não sei, eu e Jason não temos contato, minha mãe não gosta de mim e o idolatra, é seu menino de ouro, mas que ela só o faz mal. Não sei o que poderia acontecer caso Jason vá morar comigo. Meu pai e eu finalmente estamos nos entendendo, e com Jason... bem, ele sempre foi o mais querido, o mais inteligente, o mais tudo. Só me pergunto, onde eu me encaixo ali? Eu... eu sou como a minha mãe? 

 - Você não é ela, Thalia. Você é muito mais do que pensa que é. Zeus deveria ver a menina incrível que você é. - Engulo o bolo na minha garganta e continuo. - Ele fica tanto tempo preso em sua sala que acaba se esquecendo de deixar o trabalho em segundo plano. Com ou sem Jason, você continuará sendo a Thalia, e melhor não tem.

Me sinto uma inútil por não saber como ajudar direito.

- Obrigada, acho que só estava precisando ouvir isso.

Não sei ao certo se a abraço ou digo alguma coisa, ou...

- Annabeth, você está me escondendo alguma coisa. - Paro de balançar meus pés. Meu coração parece que vai sair pela boca. - Por que o Percy estava sendo gentil com você?

Me controlo para que eu não fale de maneira suspeita e rápida demais. Preciso fingir que não aconteceu nada além do que já falei.

- Eu já disse; ele estava passando no momento que Mary, a faxineira e minha amiga, me viu nesse estado. Então ela pediu pra ele me ajudar.

Acredite. Acredite. Acredite.

- É estranho, ele não é de obedecer. Fora que você está com o casaco dele. Annabeth, não acha que ele possa estar armando alguma coisa?

Eu sei, Thalia, eu sei. Me afundo no banco, foco o meu olhar para a frente. Não quero chorar, não quero estragar mais ainda nossa conversa com os meus problemas. Thalia é sempre mais animada com outras pessoas, sempre mais feliz, sempre mais... livre. Ela já tem problemas o suficiente, e eu a forço ao limite com os meus. Sou uma egoísta.

A culpa está me matando.

Thalia não merece alguém como eu. Eu a amo, mas não sou uma amiga para ela, sou um peso. Um peso covarde, fraco e incapaz de resolver seus problemas. Aperto os punhos com força, dessa vez com o tecido do casaco do Perseu junto. O que torna tudo pior. Sinto meus lábios doerem ao serem pressionados um contra o outro.


Não vou gritar, não vou contar nada... Eu nunca conto, só quero me ver livre. Só isso. Não vou.

Sua mão pesada tampa a minha boca com tanta brutalidade que me sufoca. Sua outra mão me mantém, parada, presa ao seu corpo.

Pela janela de persiana posso ver os convidados no casarão. Convidados de um magnata, de um dos sócios de Patrick. Não conheço ninguém, não conheço essa casa, estou só o seguindo, eu não vou fugir. Só quero que me solte. Machuca muito. Eu não vou contar pra ninguém.

Suas mãos me apertam com mais força enquanto eu tento tirá-las do meu rosto.

- Um deslize e você vai estar quebrada muito antes de chegar em casa. E eu vou ter ajuda.


- Anna, se acalma, vai ficar tudo bem. Ei, não precisa chorar, estou aqui, okay? Ei, olha pra mim. Annabeth...

- Tá tudo b...

Thalia se desprende do seu cinto e sinto seus braços me rodearem. Está tudo indo por água abaixo mais uma vez.

- Annabeth, olha pra mim. - Não consigo controlar o choro. Uma vez que começa é tão difícil. Fecho os olhos ao sentir Thalia virando o meu rosto na sua direção. Suas mãos alisam meu cabelo. - Vai ficar tudo bem, okay? O que foi que ele fez? Me conta. N-não faz isso comigo, por favor. Eu estou aqui.

A abraço com força e enterro a cabeça no seu ombro. Queria que fosse mais simples do que parece, queria que tudo isso tivesse um fim, queria poder dizer que sou capaz de aguentar. Há horas atrás estávamos saindo do colégio em silêncio, Thalia se controlou em não me interrogar, eu me controlei para não entrar em desespero. Agora tudo está arruinado de novo. Eu sou uma fraca, eu estraguei tudo.


Meu corpo fraqueja ao ver para onde ele está olhando. Não...

Não. 

Não.

Não.

Não.

Meu Deus. Puxo meu braço e escondo meus pulsos. Quero vomitar. N-não... eu... ele...

- Anna...


Aperto meus olhos com força. Por que isso foi acontecer? Por que?

- Annie, vai ficar tudo bem. Calma, respira.


Fecho o armário e pulo de susto ao ver quem está sentado no chão olhando pra mim. Meu estômago se embrulha de medo.

- Eu sinceramente acho que você só pode ser doente para entrar com esse casaco em um calor desse.

Estou hiperventilando, e não é por causa do casaco.

Perseu está aqui, ele vai fazer alguma coisa. Seguro o meu material com firmeza e me apresso para ir direto para a sala. Ele consegue roubar o ar dos meus pulmões só em abrir a boca. Me sufoca.

- Você nunca se esforça em sorrir um pouco? Relaxar? Se divertir? Por isso não tem amigos.

Não chora. Não chora. Não chora.

Não está mais perto, mas ainda consigo ouvir sua voz. Não posso ficar aqui, não posso o esperar fazer alguma brincadeira idiota e tirar o meu casaco.


Eu quero sumir no abraço de Thalia. Me encolher até não existir mais. Eu estraguei tudo. É questão de tempo até que toda a escola saiba.


Seus olhos sobem para o meu rosto, surpresos e me analisando. Me julgando.

- Por que?


- Thalia...

- Xii... estou aqui. - Suas mãos massageiam o meu cabelo com carinho. Eu pareço uma criança pra ela.

- M-me des-culpa.

- Desculpar por o que? Não é sua culpa. É culpa do Ethan, é culpa do Percy, Annie. 

Estremeço. Depois de tantas atitudes machistas e comentários idiotas de Patrick tentando me fazer sentir medo de homens, sempre esperando pelo pior, sempre temendo qualquer ato, ele conseguiu. Já não me sinto segura em nenhum lugar; nunca, nunca tenho paz.


- Eu não vou ser o único, você sabe disso. É esperta em ter medo.

Patrick se vira, mas sei que está sorrindo por ter conseguido causar o efeito que queria em mim. Me encolho no chão. Seguro a barriga. Sangue pinga do meu nariz.


Me sinto louca, totalmente perseguida por todos os lados. E agora a pessoa que mais me detesta no colégio sabe dos meus segredos. Como eu posso ficar calma? Tudo o que guardei, tudo o que escondi está desabando. Não sei o que fazer. Conto pra Thalia agora sobre o que Perseu viu antes que ela saiba pelo colégio? Conto sobre as tentativas de me matar? Mas... mas e se ele não contar nada? E se ele não disser a ninguém, como falou? Thalia... Thalia não pode saber.

A culpa e o medo estão me consumindo.

Me desgrudo dela. Tenho medo de saber como está o meu rosto. Desde que saímos da Goode, tudo o que Thalia sabe é que os roxos que ela viu foram do tombo que levei quando os garotos do time de futebol me surpreenderam. Como sempre mais uma mentira. Ao menos minha franja tampa o pior: minha pálpebra roxa. Essa que Perseu conseguiu ver.

Eu estou nas mãos dele.

- Annabeth, por favor, agora me diz, o que Percy te fez? Não precisa ficar com medo dele, pode me falar. Ele te ameaçou?

- Não, Thalia. Ele não fez nada, já disse. Isso - Aponto para mim. - foi o Ethan.

Ela estala os dedos pensativa. Sei o que está pensando.

Seguro sua mão. - Me prometa que não vai fazer nada.

- Annabeth...

- Thalia.

Ela me olha inconformada como sempre, mas não posso permitir mais violência. Sempre se volta tudo contra a mim depois.

Thalia bufa e vira o rosto. Teimosa.

- Prometa.

- Tudo bem, Annabeth, não vou fazer nada.

- Isso não foi uma promessa.

- É, mais é o melhor que posso.

Thalia se volta pro volante. - Sei que quebraram seu óculos, quer que eu vá com você fazer outro?

Endireito a minha postura e limpo os olhos.

- Não precisa, tenho outros em casa.

Ela dá a ré e voltamos pra rua.


...


Aperto mais as alças da mochila junto ao corpo. Thalia prometeu estar me esperando na entrada do colégio hoje, depois de tudo o que ocorreu com Perseu ontem.

Não quero atravessar os trinta metros, não quero entrar na escola, quero ir pra casa. Já vomitei duas vezes antes de vir pra cá. O medo está me consumindo. Tudo o que consigo pensar é correr. O que está me esperando quando eu cruzar o gramado?

Ando mais um pouco. Paro. Ando mais um pouco. Paro. Sinto o meu rosto molhar, isso está me matando. Nada pode me proteger agora do que seja lá que vem pela frente, mas não posso remediar, uma hora ou outra vou precisar encarar. Preciso tomar coragem.


- Eu não estou planejando nada, não é nenhuma brincadeira de mau gosto, não vou contar pra ninguém. Alguém anda te ameaçando? É... é por isso que Thalia é tão protetora?


Quero esquecer esse momento. 

Me certifico dos meus pulsos enfachados por baixo do casaco mais uma vez. Como se eu fosse acreditar nisso. Minutos não mudaram todo o resto.

Seco as lágrimas e vou em frente.

A primeira coisa que vejo são os quarterbacks do futebol, do outro lado da grande área, nos estacionamentos. Ethan e os garotos de ontem não estão com eles. Eles estão me olhando com raiva. Desvio o olhar. Uma garota passa por mim e me olha fixamente. Sinto o meu sangue gelar. E se como nos filmes, alguma surpresa desagradável estiver me esperando assim que eu entrar?

Vejo Thalia, mas a cara que está fazendo me preocupa mais. O... o que será que ela sabe? Um grupo de alunos sentados nos bancos de pedra me encara e cochicha. Meus olhos voltam a lacrimejar. Vou com rapidez até Thalia, mas me contenho antes de me aproximar. Sua cara suaviza, mas ainda continua estranha.

- Thalia...

- Annabeth, hoje vai ser um pouco mais chato que o normal.

Aperto com mais força as alças da mochila. Não posso chorar, se eu começar, não vou conseguir parar.

- C-como assim?

Ela desvia o olhar para baixo. - Todo mundo já está sabendo de ontem.

Não...

- Sabe como as fofocas rolam por aqui. Ethan e os seus amigos foram suspensos por causa de onte... Ei, ei! Para onde você está indo?

Desço as escadas rápido e passo por entre um grupo de seis pessoas. Eles me olham estranho e abrem caminho. A forma como me julgam só aumenta minha vontade de chorar.

- Annabeth! - Sou bloqueada por Thalia que se põe na minha frente. Tento desviar, mas ela não deixa. - Não deixe que eles dominem a sua vida, você é melhor do que todos esses babacas daqui.

- Eu não posso ficar, Thalia.

Não suporto olhar para o seu rosto. Ela sabe do banheiro? Todos sabem? Todos estão me olhando estranho. Mais do que o normal. Por que Thalia ainda está aqui?

- Eu sei que é difícil, mas se você for agora, você vai viver fugindo.

Como se isso fosse alguma novidade.

- Thalia, o que tem além disso? Além do que você já me contou. - Não preciso explicar muito, ela já entende. Thalia sabe? O que ela sabe?

- Acontece que o Percy se meteu em uma briga ontem. - Franzo o cenho. Onde eu me encaixo nisso? - A briga com os garotos do futebol. Jason e Luke também entraram na briga, foi uma porradaria enorme, todos foram parar nas mãos do diretor Dionísio, mas os três não foram suspensos como o resto.

- Por que? - Não quero interromper, mas a pergunta escapa da minha boca. Em alguma parte da história eu estou envolvida, e torço para que não seja o que estou pensando.


Ele segura meu braço e puxa a manga do casaco, revelando minha mão coberta de roxos. Meu peito parece que vai explodir.

- Vai me contar quem fez isso com você? Foi o Ethan?


- Percy achou que os garotos tivessem atacado Piper e foi tirar a limpo.

O que?

- ...Piper apareceu um tempo depois quando a briga já estava acontecendo. Jason desmaiou e Piper entrou na briga. - Thalia se mexe desconfortável com a menção de Jason. - Algumas pessoas te viram com o Percy ontem, agora estão achando que na verdade ele comprou sua briga.

Porque ele comprou a minha briga. Nunca existiu Piper, e ele sabia disso.

Por isso os meninos do time de futebol me olharam com raiva, eu...

Perseu virá me procurar.

Claro, ele viria de um jeito ou de outro por conta das suas roupas, mas agora ele virá irritado. Por que ele fez isso?

- Annie, calma, você não parece bem. Vem, vamos entrar.

Thalia não pega na minha mão, o que é um alívio, e eu a sigo. Mesmo cedo para o horário do sinal tocar, há vários alunos pelo campo, e eles me encaram quando passo. Subo as escadas atrás de Thalia. Thalia empurra as portas.

Um menino de dread vem na nossa direção. Ele para, me olha, fica sem reação e muito rápido olha para Thalia. Foi rápido, mas eu consigo perceber o desconforto que sente ao estar perto de mim. Como todos os outros. 

- Ainda bem que você chegou. Estamos precisando de ajuda lá no projeto; ninguém sabe mexer em eletricidade como você. - Ela fala para Thalia.

Antes de Thalia se virar pra mim, se virar para o garoto e se virar para mim de novo, para se negar a ir para me fazer companhia, eu me adianto. Eles precisam dela.

- Vai, eu vou ficar bem.

Não tenho tanta certeza.

- Anna...

- Eu vou estar na sala, é vazio agora. Ninguém vai me incomodar. Vai, precisam de você.

O garoto começa a ficar impaciente com tudo isso. Não quero ser o motivo de Thalia perder nota. Ela resiste, mas acaba indo. Me lança um último sorriso pequeno tentando me passar conforto e vai.

Eu posso aguentar. Eu posso aguentar. Eu posso aguentar. Viro o corredor. Eu posso aguen...

O ar escapa dos meus pulmões antes que eu possa dar a volta sem que ele perceba. Perseu ergue os olhos do celular e se desencosta dos armários. Seu olho está tão roxo quanto os meus hematomas. Está com uma aparência de quem foi atropelado. Devagar guarda o celular no bolso e se aproxima. Estou sem saída. Não me importo muito com o que estou vestindo desde que me tampe e não ultrapasse os meus limites. Limites esses que ele já viu. Tento ir contra o impulso de puxar as mangas enquanto vejo suas pernas se aproximando.

- Você veio.

É a segunda vez que ele me diz isso. Acabo lembrando do dia na quadra de basquete.

Ele está esperando que eu fale alguma coisa. O que eu falo? Peço desculpas? O mando ir até a enfermaria? Preciso acabar logo com isso. Balanço a cabeça e tiro minha mochila das costas, preciso entregar logo suas coisas, já são duas roupas suas comigo. As entrego.

- Obrigada.

- Ah, as roupas. Tinha até me esquecido da primeira.

Eu não.

- Então... você está indo pra sala? - Agora não mais. - Você pode olhar para mim, não vou fazer nada.

Me afasto assim que ele se aproxima. Não confio no que sai da sua boca, não confio nas suas intenções. Tudo o que ele me disse ontem não muda nada; ele continua sendo quem ele é e eu seria burra de esquecer tudo o que ele já fez e pode fazer.

Qualquer passo em falso meu, o corpo dele é uma arma mortal. Desde os pés até o que se passa na sua cabeça. E estamos sozinhos. E ninguém me ajudaria nesse colégio além de Thalia, que está longe. 

 Ele solta um gemido de dor e se afasta um pouco percebendo o meu incômodo. Por que está fazendo isso comigo? Pra me confundir? Pra me deixar paranoica? Porque é como estou ficando. Não sei o que fazer, não sei o que falar e como me comportar. Não tenho como saber se está sendo sincero ou está fingindo para me colocar em mais uma brincadeira de mau gosto idiota, mais uma humilhação. Sinto meus olhos arderem. Meu peito dói. Droga, quem é o Perseu certo? 

 - Ei, ei... não vou fazer nada, eu... Certo, vou te dar mais espaço. Está melhor? 

 Não. 

 - Por que você fez isso? 

 Acompanho o seu olhar para o reflexo da janela na sala à nossa esquerda. Está com uma aparência horrível. Ele solta um riso anazalado e dá de ombros numa atitude displicente. 

 Já está acostumado com esse tipo de coisa. 

 - Tá definitivamente menos roxo do que ontem, acredite. Eu melhoro rápido, não vai demorar muito para verem minha cara na melhor forma por esses corredores novamente. 

 Não rio da sua brincadeira. 

 Sua postura descontraída vai tão rápido quanto veio. Agora sua expressão volta a ser um mistério pra mim. 

 - Relaxa, não estou com raiva disso. 

 - Por... - Encaro seus olhos, mas abaixo rapidamente. É intensa a forma como me olha. - Por que você fez isso? 

 - Eles mereceram. 

 Ele sabe do que estão falando pela escola?

 Levo um susto com um sinal tocando e quase dou um pulo. Se ele achou engraçado, não demonstrou. Levanto o olhar. Está com a boca aberta, mas não sai nenhuma palavra. Fecha e abre de novo. Nada. Eu preciso ir. 

 - Eu tenho que ir agora. 

 Não espero a resposta, passo por ele. Seu toque no meu ombro me faz virar. O que ele quer? 

 - Ér... eu... - Espero-o continuar, mas pela sua expressão de perdido, acho que nem ele sabe ao certo o que quer dizer.

 Endireito os óculos e cruzo os braços. 

 - Como você...? É..., quer dizer, quando vamos...?

 Não gosto da direção que isso está levando. Ele endireita sua postura e também cruza os braços. Parece mais velho assim.

 - Nós ainda temos o projeto. - Ele diz.

 Sim. Queria que tivesse esquecido disso. 

 - Pode ser... amanhã e aqui às...? - Sugiro.

 - Pode.

 Estremeço. Vou precisar conversar com Patrick.

 - Que horas? - Pergunto.

 - Qualquer uma.

 - Às duas da tarde? 

 - Sim. Vou trazer meu material. 

 Afirmo com a cabeça e dou um tchau desajeitado. Puxo o capuz para frente e abraço o corpo. Hoje está frio. 

 - Annabeth.

 Me viro. Ainda não estou acostumada a ser chamada pelo nome por aqui. Seus olhos descem por mim e ele sacode a cabeça. 

 - Nada.


(...)


POV. Nico

Não quero tomar nosso tempo de intervalo mais do que já tomei. Thalia me olha tão impaciente que não para de bater o pé.

- Eu só queria pedir desculpa pelo, você sabe, o beijo. E, bom, andei pensando sobre o que você falou sobre a Bianca. Eu... eu estou superando.

Leo anda a passos largos perto da gente e nos olha com surpresa, está todo sujo com o que parece ser fuligem, depois ergue a sobrancelha e sai fazendo uma careta maliciosa. Ainda bem que Thalia não viu. Mas a presença de Leo me faz pensar em algo que ele falou uma vez.

- Estou passando a ver o lado bom da vida.

- Sei eu aceitar suas desculpas agora eu vou poder ir logo embora? - Thalia pergunta.

Ninguém merece.

- Vai, vai poder sim.

- Você está desculpado, Nico. Tchau.

Recebo um tapinha do ombro antes dela ir.

- E Nico.

Me viro. - Que?

- Você está no caminho certo, mas precisa entender as suas emoções.

O que ela quis dizer?


POV. Leo

- Fala sério, Rainha da beleza, eu sou um cara quente.

- É, inflamável. Já viu o estado das suas roupas? - Piper passa a mão em uma das minhas mangas para afirmar seu ponto.

Dakota solta uma risada tão alta e histérica que me pergunto se ele entendeu o que Piper disse, ou o nível de humor dele é mais baixo até que o meu. Qual é o problema desse cara? O que tem nesse suco de uva?

- Temos plateia. E acontece, Piper, que às vezes preciso ficar um tempo longe de formas orgânicas de vida por um tempo. 

 - Tacando fogo em si mesmo? - Jason se intromete.

 - Foi um acidente. E nem me lembre, Jason, era minha jaqueta preferida.

Pobre jaqueta.

- E falando nisso, por que o Percy está com essa cara?

- O que tem uma coisa a ver com a outra?

- Ah, nada, só olhei para o seu rosto arrebentado mesmo. - Touché. Respondo Jason à altura. Uma acusação por outra acusação. 

 - Nossa, valeu. 

 Estalo os dedos na frente de Percy e ele parece acordar. Mas dura pouco, já que volta a fazer cara de paisagem, só que dessa vez na minha direção. Já é lerdo, hoje está pior; mais distraído, mais em outro lugar do que aqui. Não está se divertindo com a gente como normalmente faz.

Se não o conhecesse, diria que está preocupado com algo. E o conhecendo, tenho certeza que está preocupado, e com algo envolvendo família ou amigos próximos.

-Terra para Percy Jackson: alguém na escuta? - Sento no banco à sua frente. - O que rolou pra você estar assim?

- Eu só estou...

O que quer que ele vá falar é interrompido pelo barulho da minha condenação. A voz de Darth Vader chamando meu nome soa pelo refeitório inteiro. Eu sou um cara morto.

Enquanto o pessoal ainda absorve a situação, corro para atrás de Jason e olho por cima do seu ombro. Como o Grace é maior, fracasso, então olho por trás do seu braço mesmo. Calipso vem vindo atrás daquele bode velho com aquele bastão assassino e seu fiel megafone estrategicamente modificado (por que fui fazer isso?). Traidora, como pode revelar minha localização? É muito pedir um descanso?

- Valdez! Parado aí! Você não vai fugir de mim! Eu te pego, hein.

Sem escapatória, saio de trás do Jason e me aproximo do Hedge.

- Treinador, eu realmente preciso...

- Calado! Desde que tem se encontrado com a senhorita Ogígia não tem vindo mais aos treinos!

Não tenho certeza, mas acho que estou corando. Droga, treinador! Seu fofoqueiro. No meio do refeitório ele tira da sua cintura seu megafone de novo. Ah, não...

- PAGUE VINTE FLEXÕES! A vaquinha faz muuuuuuu.

- Isso só pode ser brincadeira.

Ele escuta meu resmungo.

- AGORA!

Calipso, essa traidora, começa a rir às minhas costas. - Vai lá, amor! Mostra pra ele que é capaz!

- Eu simplesmente adoro a discrição de vocês dois.

Todos já estão começando com o burburinho sobre a mais nova fofoca: casal revelado. E eu sou ela.

- Leo Valdez, eu quero esse corpo magrelo no chão. PAGANDO. VINTE. FLEXÕES.

Seria menos dramático se Hedge não tivesse falando através da voz do Darth Vader pelo megafone modificado. O refeitório começa a rir.

Eu sou um idiota.

- Treinador, podemos conversar na quadra?

- NÃO! Já fugiu demais. AQUI E AGORA!

É, Valdez, mais uma vez na boca do povo. Me abaixo fazendo questão de que o treinador ouça todos os meus resmungos e xingamentos. Começo as malditas flexões. 

Um...

Sério, tanto lugar. 

Dois...

Esse bode velho me paga. 

Três...

Eu só queria um descanso, é pedir muito? A oficina tem me dado um cansaço daqueles.

Quatro...

Preciso tirar aquele megafone desse maluco.

Cinco...

Eu estou com fome. Nem sei qual é o almoço.

- Aaah, vejo aqui outro burlador de treinos! Senhor Jackson, O PORQUINHO FAZ OINC, por onde esteve?!

Paro para prestar atenção.

- VALDEZ, CONTINUE! VAI, ATÉ O FIM!

Merda.

- Jackson! Logo você, o capitão do time. Isso é exemplo?

Percy fala baixo, mas consigo entender o que ele fala: - Treinador, eu estou ocupado com um outro projeto.

Automaticamente Hedge muda de posição e balança a cabeça. Aí tem.

- Valdez, está liberado. Jackson vem comigo, quero conversar com você pessoalmente.

Seja lá os segredos entre esses dois, me sinto agradecido. Obrigado, percy, por ter se metido em alguma merda e ter tirado o foco do treinador de mim.


(...)


POV. Thalia

É difícil admitir amar alguém. Principalmente alguém errado, alguém que deveria só odiar, alguém que só faz merda. E é ainda mais difícil admitir para si mesmo que transou com essa pessoa, que se deixou levar por emoções e agora está no fundo do poço.

Eu sou uma traíra assim como Luke. 

Annabeth é uma idiota por ter uma esperança cega de que ele pode mudar. Ele é um babaca com ela e mesmo assim ela acredita nisso. É idiotice.

Annabeth.

Me sinto ainda pior assim. Transei com a pessoa que humilha minha melhor amiga pelos corredores do colégio. Amo a pessoa que humilha minha melhor amiga pelos corredores do colégio. Eu sou tão merda quanto ele. Eu ainda não acredito. Como eu pude fazer isso?

Amor é um sentimento filha da puta.

- Me desculpa pelo atraso.

Levanto os olhos. Meu coração parece que vai explodir. Se é possível, está ainda mais bonito hoje. Escondo as mãos que estão tremendo entre as pernas enquanto ele se senta no banco do outro lado da mesa.

- A gente precisa esquecer o que fizemos. Não era pra ter acontecido.

Sua cara assume uma expressão melancólica e ele desvia os olhos para os guardanapos em cima do folheto do menu.

- Já estava esperando que uma hora ou outra teríamos essa conversa.

- Você sabe bem o que eu estou pensando sobre isso.

- É, eu sei.

Prefiro olhar para as luzes da rua do que encará-lo agora. Talvez se essa noite fosse noite de chuva, isso me acalmaria. É difícil colocar pra fora toda a conversa que vim ensaiando pelo caminho. E é vergonhoso esse incômodo todo.

- Thalia, eu estou mudando.

- E o que eu tenho a ver com isso, Luke? Sinceramente, você espera o que? Que eu te ofereça apoio e te perdoe?

- Thalia, eu sei que é difícil, mas, por favor, acredite em mim. Eu senti tanto a sua falta. Por favor, não vai embora agora.

- Luke...

- Eu sei, eu sou um bosta, e você pode me xingar o quanto quiser, mas eu não quero perder você de novo. Sabe o quanto foi difícil fazer você vir falar comigo? Eu tinha que achar um jeito de chamar a sua atenção.

- Espera aí, o quê? Um jeito de chamar a minha atenção? O que você quer dizer com isso?

Ele tenta pegar na minha mão, mas eu a puxo. Se eu for dizer que também não senti sua falta é mentira. Cada vez que me afastava, mais eu sentia sua falta. Ou como também às vezes ficava me convencendo de que talvez as coisas não fossem como eu pensava. É, é uma idiotice. O amor faz isso.

- Eu sei que foi errado, sei que não estou nem um pouco certo nessa história, mas eu estava desesperado.

- Do que você está falando?

Ele solta o ar que estava prendendo e finalmente me encara. - Da Annabeth.

Eu já deveria saber.

- Eu estou falando da Annabeth.

- Você...?

- Eu assumo a culpa do que eu fiz. De tudo. Eu fui um idiota, com vocês duas. Aquele dia na biblioteca eu fui procurar vocês para pedir desculpas, eu tenho sentido o peso de tudo o que eu fiz de uns tempos pra cá e não estou aguentando. E com toda sinceridade, Thalia, principalmente por causa de você. Todos sabem que eu gosto de você, mas ninguém imagina o tamanho da intensidade. E te ver pela escola me ignorando, agindo como se eu não existisse estava me matando, eu precisava de um jeito de chamar a sua atenção.

- Seu... seu babaca! Você é um idiota! 

Não ligo para as pessoas na lanchonete me olhando, não ligo pra porra nenhuma.

- Não! Por favor, eu não estou me defendendo, só estou me explicando. Eu não posso mais guardar isso, Thalia, não sei quando você vai falar comigo novamente, não sei se terei outra chance. Preciso esclarecer isso de uma vez por todas.

- Tudo bem, eu posso ficar aqui até você falar tudo isso aí que está guardando, mas não espere que eu te desculpe. 

 Não consigo controlar o turbilhão de emoções que está dentro de mim. Estou me segurando o máximo para não perder de vez todo o controle. 

 Se ele soubesse a quantidade de vezes que eu fiquei caçando desculpas para não vir aqui, para não demonstrar que me importo, que quero entender tudo, que... que também quero saber o que ele pensa sobre mim.

 - Eu entendo, não vou te pedir isso, mas posso pedir alguma coisa antes de continuar? 

 Afirmo com a cabeça e o vejo se dirigir ao balcão. As garçonetes e mulheres sentadas o olham quando passa. Luke parece um modelo, e a forma como se move é extremamente magnetizante. Com confiança e charme.

Pego o meu celular. Oito horas.

Um homem entrando na lanchonete me olha fixamente. Já estou acostumada. Quando se tem um estilo como o meu é meio difícil que as pessoas não reparem. O cara se senta na mesa ao lado, mas distante. Luke volta.

- Hambúrguer e batatas fritas continuam sendo o seu prato preferido? 

Acabo deixando escapar um sorriso.

- E por que não pediu torta? Já que é o seu preferido.

- Porque faz muito tempo mesmo que não dividimos uma bomba calórica juntos.

O silêncio que surge entre nós me faz ficar sem graça. Pego uma batata.

- E os refrigerantes?

- Droga, eu esqueci. Vou pegar.

- Não, fica aí, deixa que eu pego.

Me levanto.

Sinto seus olhos me seguirem enquanto vou ao balcão. Peço os refrigerantes. Ajeito minhas roupas e olho para o esmalte nas minhas unhas descascando. Humpt. Me sinto boba por estar me preocupando em como estou. Thalia, para.

Pego as bebidas e volto. Luke está de costas, mas se vira pra mim quando escuta, assim como eu, a música que começa a tocar.

Só pode ser brincadeira.

Sento no banco e passo a coca-cola para ele enquanto Welcome To Paradise toca ao fundo.

- Você lembra quando nós três tínhamos decidido que essa seria a nossa música? Éramos crianças, e mesmo não entendendo partes da letra, a gente tinha raiva e era o suficiente. - Está sorrindo. - E era a sua banda preferida.

- Eu lembro, era A canção.

A nossa canção.

- Era tão fácil fugir e se esconder naquela época. Mesmo que o esconderijo durasse poucas horas.

Não queria levar a conversa para um lado mais triste, mas acabo evando.

- Mas está tudo bem. Eu vejo o lado bom da vida. - Digo.

- Jason me contou umas coisas sobre você e a Beryl. Nada mudou, não é?

Abaixo a cabeça.

- É, nós três temos problemas com as nossas mães.

Pisco. Está incluindo a Annabeth.

Não sei o que pensar sobre isso.

- Você com a Beryl, eu com os surtos da minha, e Annabeth, bem, você sabe.

Tenho que mudar de assunto.

- Luke, você pode me contar agora o que queria.

Ele rouba algumas batatas do meu prato e assente. Agora é a hora da verdade. Me sinto tão nervosa que não consigo comer nada.

- De forma mais direta possível, a verdade, Thalia, é que sou loucamente apaixonado por você e fiz tudo o que fiz para chamar sua atenção.

Meu coração falha uma batida. Nem com todo o meu preparo sei o que fazer. Luke Castellan é um babaca, diz um lado. Eu sou a paixão de Luke Castellan, diz o outro.

Nada pode controlar o calor que se espalha dentro de mim. Quero gritar bem alto.

- Eu... no começo... Olha, Thalia, antes que você me diga qualquer coisa, só quero que saiba que não tenho a intenção de me afastar dos meus amigos.

- Como você fez comi... com a gente? Luke, você diz que sente muito pelo o que fez com a Annabeth e sabe que foi um idiota e quer se redimir, mas quer continuar com aqueles que a fazem mal. O que você quer que eu fale?

Ele passa as mãos pelo cabelo exasperado. - É complicado!

- Não é, não. Eles são uns idiotas e você está com eles porque é como eles.

- Thalia, você não os conhece. Fala isso porque odeia o Percy.

Meu sangue esquenta. Luke consegue transformar emoções em outras em segundos. Meu bracelete coça no meu braço. 

- No começo, Thalia, eu me deixei levar pelos meus novos amigos. Eu era novo ali e todos eram muito legais, o que tinha de mau nisso? Eu me deixei levar tanto que acabei não entendendo o motivo da sua raiva, não percebia as coisas que fazia, até que deixei de falar de vez com vocês. O tempo passou e quando entramos no ensino médio eu percebi o quanto sentia a sua falta. Sabia que você passou a me odiar, nada do que fazia adiantava para você falar comigo. Então... você sabe, passei a provocar a Annabeth.

- Você poderia ter falado com ela.

- Eu tentei, mas Annabeth estava mudada. Na verdade, ela mudou totalmente que eu não reconhecia mais quem ela era.

É, eu sei o quão duro foi passar por isso. Mas já chega, eu preciso de um tempo para pensar, eu preciso ir.

- Luke, já tivemos a nossa conversa. Foi bom esclarecer algumas coisas, mas estou indo agora.

Me levanto. Ele se levanta também e me segue. Deixo o dinheiro no balcão e saio pela porta.

- Thalia, espera.

Me viro.

- Você vai voltar a falar comigo de novo? 

Uma sensação ruim me toma. Eu vou? Depois de tudo o que ele fez? Eu vou cometer mais um erro falando com ele?

- Eu não sei, Luke.

Não espero sua resposta, solto meu braço da sua mão e me viro. Não suporto ver a cara que está fazendo. Isso está me matando mais do que qualquer coisa. Que merda! Eu estou fazendo a coisa certa, por que me sinto tão errada? Essa porcaria de amor não serve para nada, só para confundir. Tudo o que amamos nos destrói. Ou então destruímos o que amamos.

A vontade de gritar só aumenta. Quero chorar também. Luke não vai mudar agora. Mesmo sabendo que o que estava fazendo era errado, ele continuou, ele não mudou. Eu sou uma idiota por ter vindo até aqui, por ter me deixado levar pelos sentimentos e transado com ele, por estar sendo uma filha da puta para a minha melhor amiga. Tudo vai voltar a ser como antes.

O ar fica mais frio ao meu redor. Tudo vai voltar a ser como antes.

O peso de que algo está faltando me faz parar. 

Tudo vai voltar a ser como antes.

Luke vai voltar a ser um estranho pra mim. Só mais um dos alunos pelo corredor que eu devo ignorar.

Preciso fazer uma última coisa.

- LUKE!

Volto correndo, passando pelas pessoas na calçada me olhando estranho. Ele está me encarando do outro lado da rua. Está devastado.

Eu sei o que é isso.

Atrevesso a faixa de pedestres e pulo no seu pescoço e o abraço com força.

Só preciso de um adeus. 




Notas Finais


Quero explicar umas coisas.
Não sei se alguém notou, mas mudei o nome de alguns capítulos. MAS CONTINUAM COM O MESMO SENTIDO, TÁ? haha.

A segunda coisa é que eu tô dando uma ajeitadinha nos capítulos antigos (claro, nada que mude a história, só uma correçãozinha). Eu comecei a fic mais novinha e era muito dramática (muito ainda é pouco para descrever), então agora eu tô dando uma acertada em expressões que não fazem sentido. É só isso mesmo.

E gente, aguardem que ainda vai rolar bastante coisa. Vocês vão ver.
Lembram quando eu dizia no começo da fic que por enquanto era só uma apresentação? E que depois do encaminhar da fic, disse que já estávamos agora sim entrando na história? Então, estamos na segunda fase da fic! (Já faz alguns capítulos, na verdade).

E uma última coisa. É algo que não tem a ver exatamente com a fic, mas acho muito importante falar e me dá um aperto no coração; é:
Nunca deixem de se importar com o mundo, okay? Mesmo que tudo esteja difícil ou não nos atinja diretamente. A gente precisa sempre fazer nossa parte. Mesmo que o resto pareça não colaborar.

Enfim, é isso. Beijos e até o próximo.
Guardo vocês no coração.


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