Um mês havia se passado desde o incidente da festa. Ainda rolam os cochichos e boatos da noite na cadeia e dos envolvidos. Hades di Angelo chegou enfurecido na delegacia e tirou todos nós de lá, mas não antes de nos ameaçar e comunicar todos os responsáveis sobre que aconteceu. Todos nós recebemos os nossos castigos, ou quase isso. O pai da Rachel havia ameaçado colocá-la em um internato, mas ela o convenceu a não fazer isso. Eu passei um dia na prisão como consequência dos meus atos, de acordo com minha mãe. Luke foi solto, mas não foi castigado. Seu pai, Hermes Castellan, levou na boa. Na sua visão, nós somos jovens e estamos na idade de fazer besteiras, assim como ele já tinha feito também. E sem nenhuma surpresa, todos sabem que ele ainda faz. Porém o ocorrido não chegou aos ouvidos da senhora Castellan. Drew ficou sem seu carro. Nico, também. Assim como também ficou sem qualquer meio de transporte, tendo que pegar carona comigo durante um tempo. Piper foi posta em aulas de etiqueta e bons modos. Quando Jason e Leo riram, Hefesto Valdez e Beryl Grace no exato momento os colocaram também, perdendo toda a graça. Os dois fecharam a boca e também a cara. Grover teve que cortar a grama da sua casa e da vizinhança por um mês. Frank Zhang e Hazel Levesque receberam ordens de não poderem tornar a se encontrar até tomarem juízo, nenhum dos dois respeitou muito essa regra.
É setembro, o clima quente anuncia aos alunos um verão vantajoso. Alunos sentam-se ao ar livre e aproveitam o Sol. Meninas vêm cada vez mais de vestidos frescos e leves. Os caras aproveitam a oportunidade para se exibir para as garotas enquanto disputam uma partida de basquete. Alunos marcam encontros nas praias, e nos finais de semana, viagens à Costa Oeste. E meu primo, Nico di Angelo, não é, com certeza, um desses.
- Cara, eu odeio o verão! - O gótico se queixa mais uma vez.
- É, eu acho que nós já entendemos na décima quinta vez que você falou isso. - Luke lhe dá um tapinha nas costas. - Apenas relaxe e curta o Sol.
Nico levanta o dedo do meio para o Castellan.
- Segue o conselho do Luke, emo.
- Emo é o teu rabo, Solace. - Will apenas revira os olhos. Está de pé, de braços abertos, com a cabeça jogada para trás. Quem o vê de longe pode pensar que o garoto está fazendo um culto ao Sol e, quem o conhece, também pensa exatamente isso.
- Pode ter certeza que ele não é, Garoto da Morte.
- NÃO. me. chama. de. GAROTO DA MORTE! - Will revira os olhos novamente. Nico acha incrivelmente irritante a habilidade que o Solace tem de o irritar facilmente. Ele já deve ter se queixado disso comigo umas duzentas vezes.
(...)
- Galera, preciso de ajuda. - Valdez chega encabulado e com a boca franzida. Parece estar com problemas.
- Ah não, Leo! Não me diga que você prendeu o zelador de novo na sala dos professores.
- Não, Hazel, não é nada disso. Ah, e naquela vez não conta. Ele queria me dar uma detenção por, vejam só, estar correndo no corredor!
- Mas, bom... isso tecnicamente não pode. - Piper prende uma mecha de cabelo atrás da orelha. Será que ela percebe que sempre faz isso quando quer aliviar uma situação ou algo que fale?
- Piper, Piper... sempre querendo ver o lado bom das coisas. Mas eu acho que, na minha humilde opinião, se não pudesse correr no corredor, ele não deveria se chamar corredor!
- Isso faz sentido. - Jason deixa seu hambúrguer por um instante.
- O que você estava querendo nos dizer antes dessa super interessante história sobre você, o zelador e o corredor? - Rachel entra no assunto. - O que você fez?
Leo ergue as sobrancelhas e abre os braços como se estivesse de frente para uma platéia. Ele é sempre dramático.
- Estou com uma super dúvida!
Lá vem...
Ergo uma sobrancelha para o magricela. Qual é a besteira da vez? - Então? - Leo sorri e levanta mais os braços.
- O que vem primeiro: a galinha ou o ovo?!
Antes de debochar do Leo, viro o rosto para o meio do refeitório onde algo chama a minha atenção. Ela vem toda apressada e desengonçada com a bandeja enorme nas mãos. Luke ao meu lado também nota.
- Só eu sinto cheiro de problema vindo dessa cena?
- Ela vai para o chão, com certeza. Logo, logo. Ou ela vai escorregar, o que eu acredito, ou alguém, percebendo o mesmo que estamos percebendo, vai assustá-la. - Noto que não sou o único a observá-la. Todos já estão prevendo confusão.
Todos na mesa também viram o rosto para ver o que eu e Luke estamos vendo.
- Não é isso, cara. Olha lá. - Luke vira o meu rosto na direção das pessoas que vêm atrás da Monstrinho. - Isso não vai prestar.
- Isso não vai prestar. - Concordo. Drew, Nancy e Jessica vêm sorrateiramente com sorrisinhos no rosto e com cara de quem vai aprontar uma.
É quando, de repente, a Monstrinho escorrega sozinha em uma embalagem largada pelo chão. Sua bandeja vai pelos ares. Há um profundo silêncio enquanto todos assistem o espaguete, que é o menu do dia, voando. Voando em direção à Drew. O espaguete atinge com força sua cabeça, a sujando toda de molho. O grito que espero vir de Drew, não vem. Isso é pior.
Nancy e Jessica estão boquiabertas. Leo está boquiaberto. Luke ao meu lado ri enquanto eu estou surpreso olhando a cena. Parece levar uma eternidade até Drew reagir, e essa reação vem.
- SUA VADIA! - Drew avança contra a Monstrinho. Rach se levanta por um instante, mas se senta novamente quando Jessica segura Drew, temerosa pela fúria da garota - Me solta, Jessica! - E se volta novamente para a Monstrinho. - VOCÊ VAI SE FODER POR ISSO! OLHA O QUE VOCÊ FEZ, MONSTRO! EU VOU ACABAR COM VOCÊ!
A loira se encontra com as mãos tampando a boca enquanto a morena despeja um discurso autodenominador de vítima que foi atacada por uma garota cínica como a Chase. Mas o discurso de menina injustiçada não se estende tanto, já que passa a atacar os defeitos da Monstrinho e a chamar de verme que cruzou seu caminho propositalmente.
- Não gosto disso. Mesmo sendo a Chase. - Hazel diz.
- Sim, e foi um acidente. - Rachel concorda.
Então quando Jessica solta Drew, Drew ergue a mão para a Monstrinho, que se afasta rapidamente. No instante seguinte, antes mesmo de eu piscar, Thalia aparece segurando firmemente o braço de Drew. Usa botas cano alto, blusão com as mangas rasgadas e calça de couro. Tampa toda a frente que Drew tem da Monstrinho.
- Levanta sua mão de novo para ela e será a última coisa que seus dedos terão tocado por uma semana. - Com os raios de Sol passando pelos vidros das janelas, é bem visível o olhar eletrizante de Thalia em contraste com as mechas azuis em seu cabelo repicado. Isso dá a ela uma áurea assombrosa.
- Me larga, sua merdinha bizarra! - Drew tenta se soltar, mas não consegue.
- Sabe, Drew, acho que macarrão combina muito com a sua cara...
Thalia, que ainda segura uma Drew toda descabelada por ficar se debatendo tentando se soltar, a puxa pelo braço até a direção de Nancy. Então pega com a mão livre o espaguete da bandeja da garota.
- ...Então, se me permite... - A Grace esfrega todo o espaguete na cara da Tanaka. Sinto pena da Drew.
Mas eu não quero me meter nisso.
Todos na Goode já estão acostumados com o jeito da Thalia, mas mesmo assim, o refeitório inteiro ainda se surpreende com a ousadia da minha prima. Drew grita, mas Thalia não a solta.
- Saiba que eu sempre vou estar perto; então, se eu vir você mais uma vez tentando bater nela, eu quebro a sua cara. - Thalia fala olhando diretamente nos olhos de Drew, então a solta com um empurrão.
- O que? Voc...
- E ISSO VALE PARA TODAS AS OUTRAS DO GRUPO! FIQUEM LONGE DELA!
Thalia tem os olhos selvagens, provando que não está de brincadeira. É uma das garotas (ou talvez, A garota) mais temida na Goode. Não me importo com o que a Grace faz ou deixa de fazer, mas sei que quando o assunto se trata da esquisitinha, Thalia vira uma fera. Assume com todas as suas forças a frente de batalha em defesa da Chase. Thalia seria capaz de dar sua vida para salvar a garota. O que não entendo.
E Thalia está pronta para continuar, abre sua boca para começar a falar até que algo inesperado acontece.
Tão rápido quanto veio, ninguém estava pronto.
Em um momento Thalia encarava Drew e, no momento seguinte, Thalia Grace cambaleia para trás com o rosto todo sujo de purê de batata, o acompanhamento do menu do dia. Então é aí que todos ficam mais surpresos ainda, quem mexe com a Grace paga caro. E dessa vez o otário que iria arcar com as consequências seria o idiota ao meu lado.
Apresento-lhes, Luke Castellan.
Thalia olha em todas as direções com sua cara ameaçadora até mirar seus olhos na minha mesa. Como em um daqueles filmes clichês de faroeste, Thalia vira para Luke com uma cara mortífera e Luke o que faz? Ri. Ri. Ri muito. Nico também começa a rir, mas é mais contido, então ninguém escuta.
Thalia se aproxima em câmera lenta na direção do Castellan, sua cara agora é de displicência. Parece uma felina.
Seus olhos cruzam os meus por um breve segundo para logo depois pousarem em Luke.
- Divertido? Acha isso engraçado? Quer fazer de novo? - Então olha ao redor da mesa. - E vocês?
Beckendorf começa a rir também. Thalia está com a expressão mais normal possível, o que significa que boa coisa não vem.
- Andem! Falem! Por que também não fazem?
Silêncio.
Não quero saber da discursãozinha tosca da Grace e do Castellan, estou pouco me importando para o que ela fala. Sou só um telespetador do circo.
Thalia levanta a cabeça erguendo o queixo. - Deixa eu lhes dizer o porquê de não fazer isso...
- ... PORQUE EU VOU FAZER ISSO! - Thalia empurra a cabeça de Luke e Beckendorf em suas respectivas bandejas. Tenho que admitir, é engraçado.
Agora sim Nico cai na gargalhada. Olho de relance na direção da Grace e ela já se afasta andando, batendo com os pés no chão. Não me preocupo em rir da cara de otário do Charles. Luke está com um sorriso lateral, olhando sonhador para a Grace. Provavelmente achou sexy a atitude dela... provavelmente acha sexy o comportamento dela... provavelmente a acha sexy por inteiro. Luke, Luke, Luke...
Por um segundo tudo está bem (bem na nossa medida do possível) até que Thalia é acertada novamente, dessa vez por um bolo fofo. Ela se vira irada e vem na minha direção. Olho para o culpado. Valdez. Ele faz sua melhor cara de surpresa e indignação.
- Percy, eu não acredito, como pode?
Ergo uma sobrancelha. Thalia vem mais em minha direção, lhe mando um sorriso debochado.
Isso a irrita ainda mais.
Quando Thalia está ainda mais próxima, sem que eu perceba, sou acertado em cheio no rosto por purê de batata e macarrão. Thalia fica surpresa, eu fico surpreso. Antes que eu me levante para procurar o babaca que cometeu o ato, Drew parte para cima do babaca do meu amigo.
- NICO! - Nico ri enquanto Drew o empurra furiosa.
- NÃO ERA ELE QUE VOCÊ DEVERIA TER ACERTADO! VOCÊ DEVERIA ACERTAR A VADIA DA THALIA!
Antes que eu possa entrar na briga (claro, não para defender a Grace, e sim, esmurrar o Nico), Thalia se lança em direção à Drew e começam uma briga. Como Thalia é a Thalia, não usa as mesmas táticas de Drew (que são gritar, estapear e puxar cabelo), a lança em direção à mesa mais próxima e começa a torcer seu braço.
A Monstrinho vai para o lado contrário da briga.
E eu vou em direção ao emo do Nico. Quando faltam dez passos para o alcançar, que aliás, sorri sacana me desafiando, percebo um movimento às minhas costas. Me abaixo. O almoço do Luke atinge Nico com força no rosto. Começo a rir acompanhado de Luke. Me viro bem a tempo de ver Rachel acertar Jessica, e Silena a um passo de acertar Beckendorf.
- GUERRA DE COMIDA! - Alguém grita.
A partir daí não existe mais controle.
(...)
Me abaixo, desvio, acerto e vejo uma mistura de cores pelos ares. Tenho que admitir, está sendo divertido.
Subo na mesa à minha frente e lanço em cheio macarrão no rosto do Valdez, que também é acertado pela Hazel e pelo Frank. Sorrio. Está sendo bastante engraçado.
POV. Annabeth
Ethan se encontra na minha frente com um jarro de suco. Não preciso ser um gênio para saber o que ele vai fazer com isso.
Sinto a bebida gelada descer pela minha cabeça e dou dois passos para trás. Ethan já não está mais aqui, está atrás de John, um garoto do grupo de ciências avançadas. Procuro Thalia com o olhar e parece que ao mesmo tempo que eu, ela está pensando a mesma coisa.
Thalia vem rindo na minha direção e mesmo eu estando toda suja de comida, ter estado na presença de Ethan a poucos instantes e ignorando o fato do desperdício de comida sem consciência nenhuma da parte de todo mundo, não posso deixar de rir, Thalia está toda suja e cheia de brócolis na cabeça, o que é cômico porque Thalia detesta brócolis.
- Vem, lerdona, vamos pra casa. - Ela olha ao redor e suspira. - Antes que a coisa fique feia para o nosso lado.
O que eu menos preciso.
- E afinal, eu dei uma bela surra na Tanaka.
(...)
Passo a mão mais uma vez pela calça na tentativa de deixá-la mais limpa.
Giro a chave e empurro a porta o mais silenciosamente possível. Do lado de dentro, a fecho e tranco. Quando me viro, um calafrio me cobre como uma manta.
- O colégio ligou. Na verdade, me mandou um e-mail, no meio de uma reunião. Vou ser responsável por arcar com o prejuízo da sua brincadeira no refeitório da escola.
Engulo em seco, já sinto minhas mãos tremendo e minhas pernas vacilarem. Ele tem no rosto uma expressão de impaciência.
- Então, quer dizer que andou aprontando?
Sua expressão muda, se torna mais amarga, sua expressão vira ódio. Dou dois passos para trás e me choco com a porta. Olho para as suas mãos e sinto lágrimas brotarem no canto dos meus olhos, elas estão em punho. Isso me desespera.
Ele parte pra cima de mim.
Grito quando sinto o primeiro soco atingir a parede ao lado do meu rosto e tempo minha boca.
Sinto a força do seu impacto machucar meus seios por cima do agasalho. Está muito próximo.
- Vou te ensinar como se meter em uma verdadeira briga.
Já tenho as lágrimas descendo pelo rosto quando ele puxa meus cabelos me levando até a sala. A diferença de tamanho me prejudica.
Tento tirar suas mãos de mim, mas é impossível. Patrick me dá um tapa no rosto, me desequilibrando e me fazendo tropeçar nos meus próprios pés enquanto ele me arrasta. Soluço. Meu rosto arde e minha respiração acelera, meu coração falha uma batida. Preciso sair dessa situação.
Quando Patrick me joga no sofá, minha cabeça gira e sinto a tontura e a vontade de vomitar me atingir. Meu cabelo está solto depois do puxão que Patrick me deu, deixando os cachos loiros atingirem meu rosto, tampando minha visão, de forma que não consigo ver quando o primeiro soco atinge meu estômago. Um excesso de tosse vem e me encolho erguendo os braços para proteger meu rosto.
Sentir o segundo soco atingir meu rosto é pior, a dor é paralisante, faz meu nariz começar a sangrar. Recebo outro tapa no rosto e minha visão fica embaçada por uns instantes. Meu choro já não é mais contido. E seu castigo vai ser pior por isso.
- P-por favor, por favor, para... - Pelas brechas dos meus braços e com a visão manchada pelas lágrimas, consigo ver seu olhar hostil.
Tento tirar sua mão do meu rosto quando ele o segura. Seu rosto está diante do meu e meus lábios tremem para falar. Ele cospe em mim, atingindo minha sobrancelha. Fecho os olhos por um segundo.
Mais uma vez ele levanta a mão. Outro tapa estala no meu rosto. Patrick me solta e sinto meu corpo despencar. Os chutes começam. Como o sofá é baixo, Patrick acerta minhas pernas e costelas com facilidade, me levando a me encolher mais para me proteger. Minha boca sangra e peço em preces que isso termine logo.
Tento ficar quietinha para que acabe, mas isso não funciona. Grito, choro, soluço e me humilho. Nada disso adianta. Ele nunca foi de desistir.
- VOCÊ GOSTA DE APANHAR, SUA VADIA? - Um flash de Drew me chamando pelo mesmo nome pisca na minha memória. - FAZ POR MERECER.
Não gosto. Não, nem um um pouco, mas mamãe está morta. Talvez Patrick esteja certo, eu mereça. Eu não deveria lutar contra. Mas seus toques me desesperam e me causam impulsos.
A ânsia de vômito me atinge com mais força e engulo o bolo que se forma em minha garganta. Não consigo respirar. Suas mãos são pesadas. A cada esforço que eu tenho de levantar os braços, meus cortes ardem. Minha cabeça dói. Meus olhos ardem. Meu corpo dói. A vontade de vomitar volta e tento me controlar, consigo sentir o gosto do sangue escorrendo pelo meu nariz e também pela minha boca.
Caio do sofá e vou direto ao chão, a vontade de Patrick de me chutar aumenta. Sinto uma dor terrível assim que escuto um barulho estalado, e a dor de ter uma costela quebrada vem com tudo. Patrick, por algum motivo, para. Não consigo ver seu rosto.
Estou de bruços e meus antebraços fraquejam, me fazendo bater a cabeça de lado sobre o tapete. Vomito e sinto o líquido sujar minha bochecha. O sangue vindo do meu nariz pinga. Me sinto enojada e enjoada comigo mesma, e dessa vez, não pelos mesmos motivos diários.
Vejo os pés de Patrick. Essa é minha última visão. Com as mãos sob os seios e a cabeça sobre o vômito, apago.
(...)
POV. Annabeth
A luz branca me ofusca. Sinto como se eu estivesse acordando depois de um milênio. Minhas costas doem, assim como minha costela e meu quadril. Fecho os olhos. Meus braços estão cobertos por um roupa de manga comprida de hospital. Sinto no meu rosto o que parecem serem curativos. Um bandaid em meu maxilar e uma faixa de gaze cobrindo minha testa.
POV. Percy
Eu que olhava distraído para a máquina de batimentos cardíacos, por pouco não perco o momento em que a Chase se mexe.
A turma de sociologia do professor Maxie está plantada do lado de fora do quarto, temos apenas a visão que a janela de vidro dá sobre o mesmo. Todos olham para Maxie enquanto o professor conversa com a turma sobre a situação delicada da Chase. Sou o único a não prestar atenção.
Mas sei que Maxie tinha proposto ao Sr. D que pudesse levar a turma para visitar "A senhorita Chase, que se encontrava em estado de coma no hospital", e como que por voto, a direção se sensibilizou com o caso e aprovou a ideia do professor.
Thalia também percebeu o momento em que sua melhor amiga havia acordado, e seus olhos elétricos brilharam como se soltassem raios. Estava ali a partir de todo o momento desde que descobriu pelo colégio, mais precisamente, na sala de aula, que sua amiga tinha sido internada com traumatismo. Vi seu mundo desabar junto. Sei que são como carne e unha, yin & yang.
Thalia desde o ocorrido vinha ao hospital para visitá-la. Nico tinha dito que a primeira vez tinha sido horrível para ela, as enfermeiras não permitiram a sua entrada, mas, como uma rebelde que é, foi contra o corpo hospitalar e invadiu o quarto da melhor amiga. E que se Thalia pudesse ver todos as imagens de momentos ruins de sua vida até aquele instante, aquela seria a pior imagem. Ao que parece, a Chase se encontrava com a testa enfaxada, suas pernas e seu quadril encobertos por lençóis. Tinha faixas de curativos enrolados ao redor dos dois braços por completo e seus olhos se destacavam inchados e roxos. Nico também disse que aquela foi a última visão de Thalia antes dos enfermeiros a tirarem de lá.
Depois de dois dias, resolveram liberar sua entrada ao quarto, e desde então não saía de lá sempre que possível, tirando os períodos de aula.
Como ele sabe de tudo isso, não faço ideia.
Pelo canto do olho, vejo o padrasto da Chase observar de longe a movimentação dos alunos que ainda não haviam notado a agitação da sua enteada. Algo nele faz parecer que acha melhor assim, quanto menos atenção, menos questionamentos. Sua única preocupação parece ser Thalia, que não desgruda da Chase, que está cheia de cobertores ao redor a protegendo do frio e contatos. Não entendo a aflição que ele exala, tudo está correndo bem. Thalia não está fazendo nada demais.
POV. Annabeth
Volto a abrir os olhos. Dessa vez com cautela. A princípio levo um susto com a pessoa toda de preto ao meu lado, quase em cima de mim, mas logo percebo que se trata de Thalia e uma mistura de confusão e emoção vêm à minha mente.
- Thalia, da próxima vez avisa com antecedência quando for me acordar me encarando feito louca com esses seus olhos assustadores, que susto! - Escuto minha voz sair rouca e fraca.
Thalia se irrita, mas vejo uma sensação de alívio passar pelos seus olhos. O que aconteceu? O que ela sabe?
- Olha só, escuta aqui! Da próxima vez que eu precisar te acordar lhe encarando com meus olhos assustadores em um quarto dentro de um hospital com você em uma cama hospitalar, eu vou fazer questão de me certificar de que eu te matei direitinho!
Então ela me abraça. Tão forte, mas tão bom, que o incômodo não me importa. Mas meu pulmão logo reclama. A tosse que solto preocupa Thalia, que se afasta e me encara pedindo desculpa.
Aceno que está tudo bem. Mas...
- O que aconteceu? - Minha voz ainda soa fraca. Toco a faixa na minha cabeça, que cobre a minha testa.
Thalia, que a princípio estava calma, contorce seu rosto em uma careta de tristeza. Parece não estar pronta para falar sobre. Isso me assusta e me deixa ansiosa.
Ela começa a falar cautelosamente, mas suas mãos tremem.
- Não se lembra?
Me lembro apenas de ter atingido a escuridão na sala de estar. Aos pés de Patrick. Não quero encará-la agora.
- Houve uma fratura em uma das suas costelas, mas não comprometeu os órgãos internos e, você também bateu a cabeça muito forte e... e com isso, você teve traumatismo craniano. Me disseram um monte de explicações sobre o seu estado e procedimentos médicos, mas tudo o que eu entendi, tudo o que eu consegui entender é que você teve uma espécie de traumatismo craniano leve, fraturou uma costela com a queda e com o tombo ocasionou lesões e hematomas pelo corpo, ao final de tudo isso, acabou entrando em coma. Não um coma induzido, uma sedação, foi seu próprio organismo reagindo à pancada e a levando a um estado de inconsciência. Você sabe o que foi esperar por você durante trê... três semanas e quatro dias?
Sua voz agora é urgente. Tinha começado a falar cautelosamente, mas depois, a medida que contava, se desesperava.
Traumatismo? Fratura? Lesões? Tudo o que consigo pensar está em uma nuvem de confusão. Como assim? Thalia... Thalia sabe o real motivo? O que ela quis dizer com pancada, lesão, queda, tombo? Ela sabe? Ela ficou sabendo? Mas como? Não, não, não, não. Com certeza não. E COMA!? Eu fiquei três semanas em coma?
Três semanas e quatro dias. Vinte e cinco dias. Seiscentas horas. Quase um mês inteiro, imóvel. Meu cérebro dizendo: - Vá, acorde! e meu corpo o ignorando. Minha mente ligada, mas meu corpo desligado.
- Não, você não sabe.
Me viro para Thalia. É doloroso enxergar a maneira como uma lágrima solitária escorre pelo rosto dela.
Aqui percebo. Sou valiosa. Posso não ser para o mundo, mas para Thalia, sou. Uma culpa me atinge pelos momentos que a faço passar. E por tudo o que escondo, e por tudo o que me defende.
A abraço.
POV. Percy
Observo de longe com, tenho que admitir, certa fascinação a maneira diferente como a Chase reage em contato com Thalia. Posso não gostar de nenhuma das duas, mas reconheço um ato de confiança em qualquer lugar.
Vejo Thalia se permitindo chorar. Não de dor ou raiva, e sim, de alívio. Nunca a vi chorar. Nem na separação de seus pais. A Chase realmente a cativou.
POV. Annabeth
- Thalia, preciso te fazer uma pergunta.
Thalia confirma.
- Perdi muita matéria?
- Você só pode estar tirando sarro da minha cara. - Ela me empurra de leve.
- É sério. - Não estou fazendo dramas, recuperar tudo é muito difícil. Ainda mais porque não tenho com quem contar pra pedir emprestado. Thalia não possui todas as aulas comigo, e ela não presta atenção de qualquer jeito. - E provas?
Thalia morde os lábios, mas eles tremem e ela ri.
- Só você mesma, Annabeth! Que nerdzona! - Ela se senta na minha cama pra rir melhor da minha cara. - Mas eu sabia que quando acordasse iria me perguntar sobre isso, mas ainda assim fico surpresa!
Sinto bochechas arderem.
- Já cuidei de tudo, Chase. Assisti todas as aulas e anotei tudo, e as aulas que temos separadas eu pedi o conteúdo aos seus professores. Conversei com todos, suas notas são altíssimas e eles sabem do seu caso. Seu histórico é perfeito, você não será afetada.
- Obrigada, Thalia.
Ela faz sinal de desleixo, mas sorri.
Parece durar uma eternidade, mas só se passaram alguns minutos. Me deito mais confortável na cama e finalmente percebo o tumulto de pessoas do outro lado do quarto, através do vidro. Conheço essas pessoas. Mas o que estão fazendo aqui? Todos estão virados e distantes, distraídos enquanto falam com o adulto responsável, mas há um, um que não presta atenção a nada se não o outro lado do vidro. O meu lado do vidro.
Por um vislumbre vejo outra sombra no quarto, mais alguém no quarto. Congelo. Como um felino, ele vem caminhando.
- Hã... Thalia, será que poderia nos dar um momentinho a sós? Também quero matar a saudade.
Thalia olha para mim, olha para Patrick e olha pra mim de novo, como se não quisesse me deixar, mas entende o lado dele. Enfim, se levanta.
Não quero que me deixe sozinha com ele, mas também não quero Patrick próximo de Thalia. Sinto minhas mãos ficarem suadas.
- Sim, claro. Estou lá fora, qualquer coisa...
Então ela não sabe. O alívio chega rápido ao meu coração. Ela não sabe de nada, não sabe de Patrick.
Com a ausência de Thalia, o quarto fica mais frio. A temperatura desce dez graus.
Passo a sentir minhas mãos tremerem, minha respiração ficar acelerada, uma dor de cabeça e náusea me atingir e, o pior de tudo, as lembranças daquela noite. Ele se aproxima.
POV. Percy
Sinto de repente uma certa apreensão me dominar, mas não entendo o motivo. Fico alerta simplesmente, como se o perigo estivesse à espreita.
POV. Annabeth
Me encolho um pouco, quase imperceptível, quando Patrick se senta na minha cama e passa seu braço ao redor de mim. Faz isso enquanto sorri.
Sussurra:
- Todos nós estávamos preocupados, querida. Assim que ficamos sabendo do tombo que você levou na escada e da fratura, que loucura!
Então era isso. Essa era a versão que todos tinham acesso.
Sua voz continua baixa para ninguém mais ouvir.
- Escuta aqui, órfã de merda, nem ouse chorar ou se afastar, senão... não vai ser sua última vez nessa situação.
POV. Percy
Estranho o modo como a Chase reage ao seu pai. É como se ela tivesse medo de tocar em sua pele. E estranho mais o modo como seu pai se comporta, parece bastante feliz por sua filha ter acordado, mas... ainda assim... tem algo que não está certo ali.
Tem algo muito errado comigo, talvez fosse aquilo que, como é que todos falam? Intuição. Fosse o que fosse, me sinto estranho. Mais alerta. Não gosto do modo como o pai da Chase se debruça sobre ela, não parece passar conforto algum. Mesmo sendo a Monstrinho. Ele consegue ser mais estranho do que ela. Uma família anormal.
Minha vontade é ir lá e arrancar seu pai dali por um motivo tão irracional que até mesmo eu não entendo o porquê.
POV. Annabeth
Sofro em silêncio com sua aproximação. Mais alguém chega no quarto.
- Hã... Patrick, poderia falar com a Annabeth?
Não estranho o modo informal que o doutor e Patrick se comunicam. Claro! Para subornar um hospital inteiro não precisa se importar com formalidade
- Claro.
Assisto Patrick sair do quarto com calma. Me dando uma última encarada antes de fechar a porta.
POV. Patrick
Fecho a porta e me retiro. Sei que posso confiar na garota, que não abrirá a boca, ou no médico, que não precisa de muito para se esquecer da sua ética e honra à profissão ao aceitar um mínimo suborno. Mas a equipe de enfermagem não me traz a mesma confiança. São muitos. Preciso vigiar. Quanto mais privada as sessões, melhor. Sigo pelo corredor.
Um moleque impertinente toma o caminho da cantina do hospital. Pertence à turma que foi trazida pelo professor mais patético do colégio. O garoto faz parte da escola da desgraçada. Não sei o que sabe, ou acha que sabe, mas tenta me intimidar com sua melhor pose de menino rico. Alto, cabelo escuro e comprido, com as mãos no bolso. Ele me encara, possui um brilho um selvagem nos olhos, que são verdes. Devolvo o olhar.
POV. Percy
Não gosto da rápida troca de olhares com o pai da garota no corredor. Seja o que for que está dentro de mim, a sensação aumenta, definitivamente não gosto desse homem.
Vou embora, trombando com o ombro dele ao passar. Tenho outros assuntos a resolver, preciso contar ao Grover que a aposta foi cumprida. Eu e Rachel ficamos, mas ninguém precisa saber.
POV. Annabeth
Me sento.
- Sim?
- Senhorita Chase, irei explicar o seu caso.
Continuou.
- Assim que você chegou, hm... carregada por seu padrasto, estava desacordada, mas verificamos suas pupilas para ver sua dilatação, estavam normais. A senhorita por um instante despertou, mas apresentou dificuldade na fala, na coordenação, estava sonolenta e, sem falar que seu nariz e sua boca sangravam, a levamos à emergência. A senhorita deu entrada aqui com uma costela quebrada e vários hematomas pelo corpo devido ao... acidente. Seu corpo caiu em exaustão, a senhora entrou em coma. Bem... o organismo de cada pessoa reage de forma diferente.
Me sinto nua, desprotegida, como se todas as minhas barreiras estivessem caídas. Ele sabe, todos dentro do hospital sabem, sabem o que sempre acontece dentro de casa. Não se importam. Sinto vontade de chorar.
- ...Na escala de coma Glasgow, uma escala com objetivo de registrar o número de consciência de uma pessoa, a senhorita alcançou nove pontos na medida, levando em conta que o total é quinze, você teve coma intermediário/ moderado. Abertura ocular: você só abria os olhos por estímulo doloroso, tendo como grau nível 2; melhor resposta verbal: nível 2, sons incompreensíveis, grunhidos, gemidos, nenhuma palavra concreta; e por fim, melhor resposta motora: nível 5, estímulo doloroso. No total nove, na linha, por pouco não sendo grave, até porque o trauma foi fechado.
Tenho quase nenhuma noção das coisas que fala, mas o médico prossegue.
- Annabeth, você ficou aqui tempo suficiente para consertá-la. Você ficará bem, cuidamos dos seus ferimentos e das fraturas. A nossa equipe teve um trabalho árduo com a senhorita para que ficasse apresentável para a sua turma.
Me encolho com a súbita mudança de humor e trago meus pulsos para o mais perto de mim.
- Dependendo do seu estado de saúde, poderá ser liberada hoje. Adeus, senhorita Chase.
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