História O Outro Lado de Pan - Introdução

Inglaterra,1904

Mãe, quando receber essa carta, não se desespere. Não procure a polícia e não comunique o papai, ele não compreenderia a situação.

A  princípio, estou bem e sinto muita falta de você e dos meus irmãos, principalmente de Vanessa. Me perdoe por ter fugido mãe. Eu não queria causar dor a vocês, minha intenção era o contrário, eu queria que tivessem orgulho de mim, que pudessem saber que sou capaz de enfrentar desafios, mas vivendo em Londres, eu não ia conseguir isso. 

A sociedade me discriminava, me chamavam de idealista, sonhadora, vocês mesmo, minha própria família, desdenharam da minha capacidade apenas por eu ser mulher. Sair de casa foi a chance que me apareceu, mas confesso que foi arriscado e imprudente. 

Minha mãe, eu queria que os motivos que me levam a escrever fossem uma prova de que eu consegui aquilo que me fez partir, porém... as coisas não são tão simples como imaginei. Eu estou presa, fui enganada! Me ajude mãe! Mude de casa para evitar a vigia dele e tire meus irmãos de perto dessa ameaça. Impeça que o destino deles se torne o mesmo que o meu. 

Provavelmente não teremos mais contato e essa carta será minha última lembrança. Sou importante demais pra ele e por isso, estou presa nesse inferno chamado Neverland. Mas você está livre e pode evitar mal pior.

Guarde bem esta carta e procure por um homem no porto chamado Killian. Entregue a carta a ele e peça ajuda, ele saberá o que fazer. 

Te amo e meu coração será sempre de vocês. Minha eterna e verdadeira família.

Katherine Jack Darling

Inglaterra, 1894

Dez anos atrás...

Mais uma tarde de chá, entediante e regrada pela velha educação cordial entre as damas. Eram horas de conversa entre as senhoras granfinas, que se animavam em detalhar umas às outras a origem da renda de seus vestidos importados, graças a boa administração do marido. O bom, belo, ex- nobre  e atual burguês.

O ambiente era sufocante e venenoso demais para mim. Eu não queria ouvir conversas sem conteúdo e intrigas sem fim, eu queria ficar na mesa dos rapazes que falavam empolgados sobre as aventuras das expedições comerciais da marinha, ou o lançamento de uma nova máquina revolucionária à vapor. Mas não. Isso era restrito à jovens cavalheiros, nem tanto assim, que mais tarde saberiam administrar melhor os lucros.

Me sentia asfixiada, eu queria respirar, poder superar os limites, poder voar pra longe. Naquela noite eu entrei no quarto vazio da minha irmã, abri a janela e deixei a brisa invadir minhas narinas, entrando no meu corpo, restaurando a minha alma. Fechei os olhos e acreditei que naquele momento, eu podia voar.