História O Outro Lado de Pan - Redoma de Vidro

Mais uma manhã fria e cinzenta em Londres. Um mês após o estranho sonho com o garoto dos olhos castanhos.

Fui até o espelho e encarei a imagem sem ânimo. Meus olhos estavam vermelhos e irritados, meu nariz inchado e pedindo por cuidados. Que beleza! Minha alergia havia voltado!

Londres era uma cidade muito bonita e chamava a atenção por suas construções trabalhadas e seu alto desenvolvimento, infelizmente o avanço da cidade tinha suas consequências. Os dias eram escuros e secos, uma neblina cobria a cidade e o pó sempre se acumulava pelos móveis. O carvão era a principal matéria - prima das fábricas e nos últimos anos o desenvolvimento do trabalho fabril havia crescido. 

Papai estava muito satisfeito com o "boom" da cidade, pois isso significava investimentos e transações. Meu pai era banqueiro e tinha um importante papel social, minha mãe era muito prendada, sabia costurar, cozinhar, dançar, tocar piano e claro, escrever. Minha mãe era uma incrível contadora de histórias, quase todas de sua autoria, porém nunca publicou nada. Meu pai não gostava que ela se intrometesse em assuntos políticos e de trabalho. Achava que publicar seus contos poderia ser mal interpretado pela alta sociedade.

Eu gostava muito de ler e ouvir as escritas de minha mãe e achava muito injusto não poder ser compartilhado esse talento devido aos caprichos do meu pai e da sua hipócrita reputação social, tudo o que eu não seria, era ser submissa as conjunturas sociais, igual mamãe.

Desde pequena eu era diferente das outras meninas. Quando eu era menor, minha mãe tomava a leitura de mim, me ensinava tarefas do lar e as vezes comentava um pouco sobre cultura clássica, eu, sempre curiosa, perguntava o além da minha conta e mamãe dizia para ter autocontrole, saber a aceitar apenas o necessário e apresentado a mim. "Os homens não gostam de mulheres bisbilhoteiras minha filha! Aprenda a calar e consentir.", dizia ela me reprendendo. Eu detestava ouvir aquilo. Era tão injusto! Eu não me importava com a opinião dos homens, eu só queria saber o "porque" das coisas. Com o tempo fui aprendendo a descobrir as respostas para as minhas dúvidas sem perguntar a minha mãe. Havia muitos meios, mas o meu favorito eram os livros. Neles havia o conhecimento de tudo e o melhor, para poder acessar esse conhecimento eu não dependia de ninguém com seu olhar julgador, apenas do bibliotecário ou do dono da livraria. Isso era ótimo!

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Depois que me arrumei, desci até a copa para fazer o desjejum.

- Bom dia senhorita Katherine! Deseja o que para seu desjejum? Chá de capim cidreira com limão e mel, ou uma iguaria brasileira, o café?

- Bom dia Mila! Acho que vou querer o café, com canela por favor.

- Mas de modo algum!! - disse minha mãe, censurando a empregada com o olhar - Da onde já se viu. Café logo cedo! Mila, por que ofereceu isso a minha filha? Devemos valorizar o nosso produto nacional, sem contar que os torrões de açúcar estão muito caros, econo...

- Mila, me veja o café sem açúcar, com canela e leite. Traga uns biscoitos amantegados também.

Falei interrompendo o sermão desnecessário da minha mãe. Mila assentiu com a cabeça enquanto deu um sorriso de canto se retirando do ambiente.

- Katherine!! Onde estão os seus modos!? Não me interrompa!

- Bom dia pra vosmicê também mamãe! 

- Não mude o foco. Você deve me respeitar! Hoje você tem aula de violino, espero que esteja pronta. E bom dia.

- Estou sim mamãe. Já tenho o repertório ensaiado.

- Bom. Daqui duas horas vamos sair de casa e passar no boticário. Preciso comprar algo para melhorar sua alergia. Você está com uma aparência desagradável.

Nesse momento, Mila chega com a bebida quente espalhando o aroma pelo ambiente. Ao lado da xícara de porcelana, sobre o píres, três pequenos biscoitos, sobrepostos um no outro.

- Obrigada Mila!

Ela se afasta e permanece ao lado da porta, aguardando ordens posteriores.

- Está bem mãe. De fato, preciso melhorar minha saúde.

Encerramos a manhã. 

À tarde treinei uma música nova com meu mestre. Tocar era uma das poucas coisas que me davam prazer, embora eu apreciasse muito mais ouvir outra pessoa tocando. 

Minha vida era uma grande redoma de vidro.