História Olha o que você fez comigo - Da sua última pessoa,

Eu ainda conseguia perceber todos os detalhes. O café derramando no chão e pingando no azulejo que eu havia acabado de limpar, alertando que você tinha passado por ali, como a tempestade que é. O seu telefone zumbindo em cima do balcão (e eu sabia que era ele). A luz piscando de forma disforme. Meu rosto estava inchado e meus braços doloridos, mas eu ainda conseguia perceber tudo ao meu redor. Peguei o lápis com dificuldade e comecei a escrever:

Era quase como se eu conseguisse ver o momento de minutos atrás se desenrolando de novo, os gritos, os chacoalhos, os socos. O sangue. As lágrimas.

Tudo nessa vida apática e vazia em que vivemos.

Eu não sabia quando o homem bom dentro de você tinha morrido, quer dizer, eu não lembro exatamente o dia, mas eu lembro quando você começou a mudar. Lembro que você sempre culpou as drogas e seu vício aumentava cada vez mais e eu não sabia o que fazer, tanto quanto seu colega de quarto, como seu amante.

O que eu podia fazer? Como eu podia expulsar você dali, quando você simplesmente não queria me deixar? Não queria abrir mão?

Como você tinha se tornado tão violento comigo?

Eu me sentia horrível, um lixo talvez por ser fraco e não conseguir revidar dos seus golpes mesmo sendo um homem, mas talvez eu fosse fraco demais. Talvez o amor que eu sentia por você me avisasse que aquilo era o efeito das drogas, que não era você, que as suas mãos trêmulas e manchadas de sangue eram cegas.

Eu podia ver o vislumbre de consciência passando pelos seus olhos logo depois do que você fazia e depois você sempre murmurou: "Olha o que você fez comigo."

Mas no fundo... Você sabia que não era minha culpa, não é? No fundo, você sabia que as pessoas que você acusava que eu levava para dentro do nosso apartamento não existiam, e nem você entende seus ciúmes obsessivos, já que nem é tão apaixonado assim por mim.

Era apenas pela questão da segurança, não é? Você me queria lá, pra ter pra onde voltar. Para ter alguém que te segure na sua forma mais fodida e te ajude a vomitar, que te alimente pra você não morrer e pra apanhar das suas mãos pesadas apenas para não ficar sozinho. De alguém que você possa transar e descontar sua raiva de tudo, até de si mesmo, alguém que possa te ouvir chorando e dizer que não aguenta mais ficar aqui. Não aguenta mais estar vivo.

Como, Yongguk? Logo você? Alguém que sempre teve tudo, como você pôde jogar seu mundo fora desse jeito? Como pôde desistir da sua carreira em medicina, como você chegou a esse ponto?

Porém sempre foi isso, não é? Você foi um covarde, sempre foi. Mas eu cansei, Yongguk. Eu quis estar ali pra você, mas esse transtorno psicológico, isso não é pra mim. Eu me apaixonei por outra pessoa, assim como o Yongguk que eu me apaixonei foi tomado pelas drogas.

Eu podia sentir a luz piscando enquanto tocava lentamente com a ponta dos dedos na contusão do meu rosto. O telefone tocou e eu respirei aliviado, ainda tinha linha. Estava na hora de ligar para aquele número e me desprender de uma vez disso. Voltei a terminar àquela carta:

De você e das suas mãos violentas demais.

E então, eu te devolvo a afirmação: Olha o que você fez comigo. E a partir de agora… Não irá fazer nunca mais.

Apesar disso, eu te desejo que você fique bem, que você volte a si o quanto antes e recupere sua vida. Nenhum vício ou intensidade vale a pena quando o destino final é a morte.

Da sua última pessoa,
Kim Sihyun.