1. Spirit Fanfics >
  2. Olhos cor de Sol >
  3. Capítulo Único: Frescor de brisa e cheiro de amanhecer

História Olhos cor de Sol - Capítulo Único: Frescor de brisa e cheiro de amanhecer


Escrita por: kaisooisreal

Notas do Autor


Então, antes de tudo: essa fanfic é um presente.
Jinnie, foi previsível, eu sei. Mas depois de pensar nas possibilidades que eu tinha tão longe e com zero grana...eu preferi fazer algo que eu sei que faço ao menos um pouco bem...e bom, eu te conheci pela escrita. Nada mais justo te presentear com ela de novo.
Como você sabe, estou um dia (quase dois, dependendo do quanto mais essa internet de merda me deixar estressada por não conseguir postar) atrasada; você sabe os motivos. Mas por bem ou por mal, eu estou aqui <3
Obviamente ficou gigante (tava maior, eu tirei algumas coisas. E dava pra ter tirado mais ainda, mas foda-se), não precisa ter pressa pra ler; é um presente, não um fardo.
Ah, e eu poderia ficar falando viadagem aqui até amanhã, mas isso é Spirit e ninguém merece nota desse tamanho.
Eu vou parar de falar, por que né.
Feliz aniversario, princesa.

(Outras pessoinhas que estão lendo isso: oi. Desculpa o excesso de atenção pra uma pessoa só, mas tecnicamente essa fic é pra ela)

Boa leitura.

Capítulo 1 - Capítulo Único: Frescor de brisa e cheiro de amanhecer


Se você tivesse apenas um dia...o que faria?

 

Meu irmão sempre me disse: “Hyung, você não sabe viver a vida”. Esse comentário continuamente me incomodou um pouco, afinal, aquele pirralho era três anos mais novo que eu, o que ele sabia sobre viver bem ou mal?

 Mas, diversas vezes, eu me via inclinado a concordar com TaeHyung. Não que aquilo me incomodasse muito, mas qualquer um que olhasse notaria que o mais novo dos Kim era definitivamente mais...ativo na vida.

Tae acreditava em coisas como “amizade verdadeira”, “amor eterno” e “memórias felizes”, era sempre a alegria de onde quer que fosse. Já eu...digamos que nunca me importei com os “felizes para sempre”. Nada é eterno, tudo acaba uma hora ou outra, e não vale a pena se entregar de corpo e alma em algo que não vai durar.

Nunca havia me incomodado com aquela bronca frequente de TaeHyung, não verdadeiramente. Eu sabia que não tinha sua vontade brilhante de viver inteiramente, mas convivia com isso, sem o menor problema, então não havia por que me preocupar. Até aquele dia.

 

O celular estava vibrando na cômoda. A luz azulada parecia uma invasão alienígena no quarto escuro. O barulho assemelhava-se ao som de dez tratores derrubando o prédio.

Abri parcialmente um dos olhos, mirando o objeto inconveniente do outro lado do quarto. Suspirei, com o cigarro entre os lábios, tomando um pouco de coragem antes de desencostar as costas da cabeceira da cama, onde eu estivera sentado de qualquer jeito desde umas quatro da manhã.

Me levantei, espantando Monster, meu gato preto, que dormia sobre minhas coxas. Sentia as costas latejarem pela posição incômoda anterior, e apaguei o tabaco no cinzeiro do criado mudo. Andei preguiçosamente até a cômoda, sentindo o estômago vazio, mas sem a menor vontade de comer.

- O que foi? – Atendi, com a voz rouca por ter ficado muito tempo sem falar desde que acordara.

- Hyung? Já estava acordado? – A voz grave sempre animada de Tae soou, e eu apenas fechei os olhos, me apoiando na cômoda.

- Já.

- Ótimo, então não se esqueceu, não é? – Sua voz ficou um pouco ansiosa, apesar de animada, como uma criança.

- Claro que não. – Contive uma tosse, mas Tae com certeza notou. – Já está pronto?

- Estou na frente de casa. – O garoto respondeu, animado. – E te esperando, hyung.

- Mas... – Olhei meu relógio de pulso, com dificuldade pela falta de iluminação do quarto. – Ainda não são nem cinco horas. Vocês não tinham combinado as seis com JiMin?

- Adiamos para as cinco, hyung. Eu te mandei uma mensagem. – O garoto explicou, não parecendo muito incomodado com minha falta de interesse. Sua animação parecia maior. – E se você ainda estiver sem camiseta, com o cabelo feito um ninho e fumando seus cigarros horríveis na sua toca de ogro, vai se ver comigo.

Olhei para minha janela, cujas cortinas agora permitiam que o começo da luz da manhã entrasse no quarto. Eu estava exatamente como descrevera Tae, mas ele não precisava saber disso.

- Chego aí em quinze minutos.

- Acho bom. – O garoto parecia sorrir. Acho que é impossível se ter uma relação ruim com TaeHyung. Ele está sempre sorrindo. De qualquer forma, eu gostava muito do garoto, e ele era o único ser no mundo que me convenceria a acordar de madrugada na minha folga para dar carona a ele e seu amiguinho até o dormitório da nova faculdade. – Tchau hyung.

Desliguei a chamada, sorrindo pequeno, e olhei para meu quarto com um suspiro. Fui até a janela, abrindo a cortina, e mirando a cidade que se estendia como um mar enevoado até o horizonte, de onde o astro rei surgiria preguiçosamente a qualquer momento, e desde já mandava pequenas pinceladas de luz sobre cada canto da floresta de concreto.

Pisquei pela luminosidade depois de mirar diretamente o ponto branco que se revelaria o sol, e baixei os olhos para a praça que havia ao lado de meu prédio. Meu apartamento ficava no décimo terceiro andar, e observar as coisas daquela altura era simplesmente incrível.

Não havia ninguém ali àquela hora. A pseudo luz do sol sequer chegava a algumas partes do gramado. Tudo tinha o ar úmido da neblina de outono.

Tinha os braços recostados no parapeito quando notei, perto de uma das árvores grandes que havia ali em baixo, uma figura que não havia visto antes. E eu tinha certeza de que havia olhado ali um segundo atrás.

Semicerrei os olhos, me inclinando mais um pouco sobre o peitoril da janela, a fim de discernir melhor o que estava acontecendo.

Arregalei os olhos, e sem pensar muito, me afastei da janela, pegando da cômoda a camiseta que usara no dia anterior e andando com pressa até a porta do apartamento pequeno que eu chamava de lar há quase dois anos.

Não chamei o elevador. Aquela geringonça velha era extremamente sentimental, e só funcionava quando queria. Sem contar que geralmente estava interditada por algum carrinho de compras abandonado, ou cheio de tias gordas e trabalhadores suados. Vale acrescentar que as tias cheiravam pior que os trabalhadores.

Assim, desci os treze lances de escadas até o térreo, e quase corri para chegar à portaria. Mirei, um tanto ofegante – ou muito. Qual é, eu era um jovem sedentário de vinte anos de idade e fumante, que havia dormido por umas quatro horas naquela madrugada, e descera praticamente correndo aquelas malditas escadas sem nem ter tomado café da manhã – à frente, atravessando a rua sem muito cuidado, visto que o trânsito ainda estava calmo por ali.

Meus passos eram um pouco mais acelerados que o normal para uma caminhada no parque, mas não havia ninguém ali para notar isso. Me aproximei sem muita cautela, apesar de diminuir o ritmo de minha pisada à medida que chegava mais perto.

Observei-o. Estava de pé ao seu lado, e ele se encontrava deitado, com o flanco direito sobre a grama orvalhada. Seus braços estavam sobrepostos de forma harmoniosa à frente de seu rosto no chão. Suas feições delicadas eram tocadas por um feixe de sol singelo, e seus cílios longos guardavam suas bochechas rosadas, ressonando em seu sono leve.

Mirei-o de forma embasbacada por um momento. Usava uma larga camiseta branca de mangas compridas que lhe cobria até metade das coxas, e seus pés estavam descalços. Os cabelos castanho cobre caíam de forma bonita sobre sua testa, tocando levemente o gramado abaixo de si.

Me abaixei um pouco, na intenção de tocar seu ombro, para tentar acordá-lo, mas antes que pudesse fazê-lo, ele se moveu um pouquinho, torcendo o nariz e soltando um pequeno grunhido fraco.

- ...um dia. Só um dia... – Foi o que entendi de seu balbucio quase inaudível. Havia congelado na ação de tocar-lhe o braço, e hesitei em fazê-lo. Pelo menos agora eu sabia que o moleque estava vivo.

Arrumei a postura, suspirando enquanto analisava o jovem abaixo de mim. Era realmente bonito, e não parecia ser um moribundo. Franzi o cenho, balançando o corpo para frente e para trás enquanto considerava se realmente precisava fazer algo sobre aquilo.

Quer dizer, ele devia ter uma família, não? Alguém que pudesse ajudá-lo, que o estivesse procurando.

Estalei a língua, colocando as mãos nos bolsos da bermuda e dando meia volta. Era um estranho dormindo na praça. Provavelmente estava de ressaca, ou algo assim. Alguém tão jovem não poderia estar sozinho no mundo.

Suspirei.

- Ei... – Me encontrava agachado ao seu lado, com a mão em seu ombro. Claro que não conseguira dar nem três passos para longe. Talvez YoonGi tivesse razão quando dizia que eu era uma manteiga derretida, mas eu não podia simplesmente deixar o garoto lá. – Ei, você está bem?

O menino se encolheu um pouco, soltando mais um grunhido preguiçoso. Não sabia de onde viera o sorriso que nasceu em meus lábios com a suavidade de uma brisa, e logo me certifiquei de fazê-lo sumir.

Balancei o garoto outra vez, sem violência, chamando-o com voz calma, mas um tanto afobado. Ia me atrasar para pegar Tae, mas não conseguia pensar direito sobre o que fazer com aquela criatura.

Ele era bonito demais, jovem demais, delicado demais, e estava indefeso demais também. Não era nem sequer considerável simplesmente deixá-lo ali.

- Ei... – Chamei outra vez, tocando hesitantemente seu rosto, na tentativa de me fazer ouvir. – Quem é você? O que está fazendo aqui?

Esperei pacientemente até ouvir outro grunhido, imaginando que seria o único que receberia, como das outras vezes. Porém, tive uma resposta diferente do garoto descalço; vi suas pálpebras tremerem, e sua boca se abriu, respirando de forma mais ativa. Ele estava acordando de vez.

Me inclinei sobre si mais um milímetro, um pouco ansioso. De certa forma, queria saber sobre aquele garoto, queria vê-lo acordado.

O mundo pareceu se calar quando seus olhos se abriram, me mirando, grandes, com a curiosidade de um filhote recém-nascido ao mundo. No mesmo instante, a luz cálida do sol atingiu toda aquela praça. Não: atingiu tudo, refletindo no branco das moradias a luz matinal. Um novo dia havia começado.

Olhei para ele sem reação, completamente pasmo. Seus olhos piscaram, fazendo seus cílios longos deixarem um carinho gentil em suas maçãs do rosto, e seguiram me encarando em sua profundidade.

Seus orbes negros eram profundos, e ilegíveis. Ali, pareciam dançar cores que eu não saberia nomear, porque elas não eram de fato cores; pareciam fios de sensações, como adormecer no frio, ou correr ao vento.

A profundidade negra não era negra, mas ao mesmo tempo, sim, o era; só havia uma cor ali.

Mas enquanto eu mirava suas íris mais e mais, me foram passadas sensações que eu não sabia ser capazes de se passar só pelo olhar; neblina fosca, quase sumindo. O brilho gentil dos primeiros raios de sol. O calor tocando a pele como um sopro gentil de aconchego. Sentia como se, se respirasse fundo, pudesse aspirar o ar fresco da manhã, a brisa dos dias de verão, e ver o verde das árvores se unindo ao azul do céu limpo. Ali havia o laranja do entardecer, e a tristeza da despedida da luz ao fim do dia. E levava com ele toda a energia dos novos dias que sempre viriam a começar.

Sol. Seus olhos tinham cor de sol.

Não fazia sentido, mas essa seria a descrição que eu daria para aqueles orbes, que pareciam tão cheios de vida que seriam capazes de observar tudo e mais um pouco, de levar cada rastro do dia e do mundo para sua imensidão bonita, colorida, infinita.

- ...É você. – Sua voz foi um sussurro, e ele ergueu a mão para tocar meu rosto. Porém, não parecia ter forças sequer pra isso. – Eu...só tenho um dia...pode me ajudar?

- O qu- Ei... – Mas o garoto havia fechado os olhos novamente, num suspiro, e agora ressonava baixinho, como se seu sono fosse uma fina folha de seda, que o cobrisse de minha confusão por mais um pouco. Olhei para ele, aflito, e ainda meio desnorteado. Suspirei. – Não dá pra te ajudar se você ficar dormindo o dia todo.

Mas outro daqueles sorrisos rebeldes surgiu em minha expressão. Olhei para o desconhecido com simpatia que não era minha, e me ativei na tarefa de colocá-lo no colo.

Aquela boa vontade também não era minha, mas o dia mal havia começado.

Não teria nenhum problema, além de estar atrasado.

 

- Você fez o quê? – Tae me olhou, estupefato, do banco de acompanhante. Eu havia pegado o trem e ido até a casa de minha família alguns minutos antes, onde encontrei meu irmão e Park JiMin me esperando. Tae não tinha uma expressão nada boa, mas esperou para me questionar depois que estivéssemos todos no carro de minha mãe, a caminho da Universidade de Seul.

- Deixei ele lá, ué. – Respondi, tentando prestar atenção no tráfego, e não em meu irmão caçula.

- Como assim? Você levou um completo estranho, que encontrou jogado na rua, até sua casa e deixou ele sozinho lá? – O Kim mais novo me mirava como se perguntasse se eu havia tomado minhas medicações naquele dia, mas o ignorei.

- Eu tranquei a porta. – Falei. – E ele não vai fazer nada. Acredite, ele parece mais uma princesa delicada que você.

- Princesa é o seu cu. – TaeHyung respondeu, sem muito sem importar na realidade. – E mesmo assim, se fosse eu, poderia assaltar o idiota que fizesse isso comigo.

- Foi isso que nossa mãe ensinou pra você, TaeHyung? – Alfinetei-o, sem demonstrar emoção. – Estou impressionado.

- Claro que eu não assaltaria, seu idiota. – O castanho bateu em meu braço com leveza. – Mas não sou eu lá. É uma pessoa completamente aleatória e desconhecida.

- Ele não vai fazer nada. – Repeti, parando diante de um sinal vermelho.

- Ah, eu não acredito nisso. – Tae elevou os braços, frustrado. – JiMinnie, pelo amor de deus, chama ele de retardado comigo.

O baixinho de cabelos negros que eu conhecia a quase tanto tempo quanto TaeHyung soltou uma risadinha fina, se apoiando nos dois bancos da frente e sorrindo.

- Tae, a casa é dele. Ele decide quem entra lá ou não. – O garoto falou, de forma relaxada. – Além do mais, esse menino deve ser mesmo muito bonito para o hyung ter amolecido tanto, né não?

Revirei os olhos quando Tae riu alto da brincadeira do Park, mas nada disse. Não teria como explicar a eles por que eu fizera aquilo; eu mesmo não entendia direito.

 

- Obrigado pela carona, hyung. – Tae falou, pulando para fora do carro e olhando para o dormitório que morariam naquele semestre. O garoto parecia querer sair dançando por aí de tanta alegria.

- Vão querer ajuda com as coisas? – Perguntei, acionando o freio de mão.

- Uhum. – Meu irmão se virou para ajudar JiMin a tirar as coisas que estavam no banco traseiro com eles. – JiMin trouxe o quarto inteiro dele aqui, está bem pesado.

- Olha só quem fala. – O Park reclamou. – Não fui eu que trouxe um monte de pôsteres, mangás e bonequinhos.

- Não são bonequinhos! São figuras de ação!

Soltei um riso soprado curto, me apoiando no carro. Prendi um cigarro nos lábios, acendendo-o com calma.

- Essas suas ‘figuras de ação’ não vão de dar uma imagem muito boa de universitário, TaeTae. – Falei, preguiçosamente. – No fim, são mesmo bonequinhos.

O garoto inflou as bochechas, mas pareceu pensar.

- E quem se importa com a minha imagem? Eu sou quem eu sou, e as pessoas vão ter que gostar de mim por isso e nada mais. Sempre foi assim. – Ergui um pouco o cenho. Aquele tipo de coisa era a cara de TaeHyung. – Eu não vou parar de assistir animes e começar a fumar só porque todos fazem isso. Não senhor.

Apenas ergui uma sobrancelha quando o garoto olhou para mim ao falar, e, pegando o cigarro da boca, soltei a fumaça de forma lenta, tragando outra vez sem me importar. Tae sempre fazia questão de mostrar sua reprovação ao meu vício, mas eu não tinha grande interesse iminente de parar. Me acalmava, e não era como se eu dependesse daquilo para tudo em minha vida.

- Muito bem, vamos carregar os bonequinhos repletos de identidade e autenticidade lá pra cima então. – Soltei o cigarro na calçada, e pisei no mesmo.

 

Depois de deixar o carro de minha mãe na garagem de novo, passei na casa para dar um abraço nela. Coitada, a crise do ninho vazio parecia ter acertado-a em cheio, mas eu estava muito mais interessado em voltar para minha própria casa logo.

Acabei tomando café com ela (só tomei café mesmo. Não sentia fome pela manhã), e contei sobre como fora com TaeHyung. Ela me escutou com um sorriso nos lábios, e riu com gosto quando falei sobre o desentendimento que JiMin tivera com o outro colega de quarto deles, Jeon JungKook, um garoto meio estranho, mas que não tinha culpa de JiMin cismar com quem achava bonito. Tae e eu combinamos de nunca mais deixá-lo em paz até que ele admitisse que Jeon era seu tipo.

Quando consegui sair da casa dela (com a promessa de visitá-la com mais frequência), andei sem pressa até a estação, e, ao descer do trem perto de meu prédio, hesitei na frente do elevador, mas acabei por seguir minha tradição e usar a escada. Era um bom momento de meditação na minha vida, quando toda a minha concentração tinha que estar longe da quantidade de degraus faltava para que eu chegasse a meu andar.

Subi, os degraus de concreto eram todos iguais, me deixando tonto enquanto os mirava. Senti meu senso de equilíbrio vacilar, como sempre acontecia quando eu estava ansioso por ter um garoto desmaiado na minha cama, inventava de subir naquela escada e de quebra ficava olhando por onde subia, ficando tonto de tanto cimento amontoado num estreito tão minúsculo do prédio.

É, acontece sempre.

Assim que abri a porta das escadas e saí para o pequeno corredor do décimo terceiro andar, me senti suspirar, liberando um pouco a tensão. Não estava nervoso como alguém estaria com um desconhecido em sua casa; eu havia colocado-o lá, e não me arrependia. Eu apenas não sabia bem o que fazer a seguir.

Qualquer planejamento que eu pudesse ter armado na ação de abrir a porta se esvaiu em vapor quando entrei no pequeno apartamento de dois cômodos.

Os barulhinhos que escutava pareciam risadas, mas tive que olhar dentro de meu quarto, que estava muito mais iluminado que o normal, para confirmar.

Em minha cama, no meio de uma confusão de lençóis e travesseiros, meu curioso ‘convidado’ se embolava, aos risos, com Monster. O gato, sobre o busto do garoto, parecia bastante divertido com a brincadeira, assim como o mesmo, que tinha as pernas compridas erguidas e esperneava enquanto soltava risadinhas.

Ergui a sobrancelha em estranhamento, com um sorriso divertido tomando espaço em minha expressão. Fiquei parado na porta, olhando para os dois, que não pareciam ter me notado de forma alguma.

Me apoiei no arco da porta, cruzando os braços, e observando aquilo com interesse divertido. Pouco depois, o garoto me notou, ainda com o gato sobre seu peito.

- Ah! – Gritou, levantando de supetão, assustando tanto a mim quanto a Monster, que pulou com desespero para longe do menino. – Você! Eu lembro de você...? – A energia de sua fala foi diminuindo à medida que chegava ao seu fim, como se ele houvesse perdido a certeza que tinha ao iniciar oração.

Tombou a cabeça confusamente, como se se perguntasse sobre o que estivera falando, e voltou a me mirar, agora com um olhar parecido com o de um bicho acuado, mas curioso.

- Por que eu me lembro de você? – Os vincos em sua testa voltaram com tanta leveza que sequer formavam uma careta. O olhar meio confuso se misturava com o quase temeroso. – Isso não faz sentido.

- Eu te encontrei. – Falei, escolhendo palavras fáceis e breves, até para não passar ideias erradas ao garoto. – Você estava dormindo na rua, achei melhor te trazer pra dentro.

- Rua? – O garoto tombou a cabeça, parecendo se forçar a lembrar. Não pude deixar de notar que ou ele estava muito atordoado ou tinha algo muito errado consigo. Aquele jeito ingênuo não inspirava uma personalidade como a que eu tinha formulado para aquela figura; que se assemelhava à de um filho de família rica que tentava desesperadamente ir contra o que lhe diziam, e por isso acabara caindo nas aparentemente agradáveis, mas brutais mãos das diambas e saídas noturnas.

- Sim, você estava lá fora. Eu fui ver o sol nascer e... Te vi. – Minha pausa se deveu ao movimento de cabeça que o garoto fez, imediatamente olhando para a janela que eu esquecera aberta em meu quarto.

Vi seu perfil ser destacado pela luz que se tornava cada vez mais forte na alcova sombria, e ele engatinhou até a ponta da cama, logo andando até a vidraça. Ficando de costas para mim, que ainda não me movera da entrada do cômodo, o garoto apoiou-se na janela, olhando para fora com a expressão aos poucos se tornando mais brilhante.

- Estamos tão alto! – Exclamou, entoando alegria. A luz solar por um momento pareceu pulsar dentro do quarto, diminuindo em seguida, quando o desconhecido se abaixou um pouco ao notar Monster entre suas pernas, pedindo por atenção. – Olá, amigo.

Ao puxar o gato para seus braços, o garoto voltou a me mirar, sendo essa a primeira vez que realmente me fitou. Sua expressão era leve, um sorriso lhe estava tatuado nos lábios, e seus dedos acariciavam o bicho gordo em seu colo.

Limpando a garganta de forma curta e sem saber ao certo por que, desencostei o ombro do arco da porta, me direcionando para a sala/cozinha, abrindo a geladeira e retirando o lacre do pote de iogurte que peguei ali.

Como um bom fumante, eu não sentia fome pela manhã, mas, como um bom teimoso, eu me forçava a esfregar na cara de TaeHyung e de minha mãe que minha dieta não se baseava em “café, cigarros e algo leve na janta”. Iogurtes eram leves e me davam uma sensação boa na boca do estômago, assim que era basicamente isso que tinha dentro de minha geladeira digno de minha atenção matinal.

Me virei já com o pote de plástico colado à boca, e sobressaltei minimamente ao ver o garoto que eu acolhera me encarando da porta do quarto. Monster ainda estava aninhado em seus braços, e seu portador me mirava com o olhar analítico.

- Por que tem tantas pessoas lá fora e só nós dois aqui dentro? – Franzi um pouco o cenho, cada vez mais convicto de que aquele garoto não estava aturdido-de-ressaca e sim, tinha algum problema sério. Suas dúvidas pareciam as de alguém que nunca saíra na rua, ou que sequer tivera as experiências mais simples e corriqueiras, como, sei lá, tomar café da manhã.

Eu também não tomava, mas aquele era outro caso.

Limpei a garganta ao ver que o garoto esperava por uma resposta.

- Bom...porque esta é minha casa. Só eu vivo aqui. Lá fora todos podem ir, por isso têm mais pessoas. – Era meio bizarro explicar coisas assim. Nunca esperei ter de explicar para alguém o que significava propriedade privada. Era uma concepção incrustada nas gerações atuais, todos sabiam sobre ela, mesmo sem nunca ter pensado nisso.

- Quer dizer que eu posso ir lá também? – O garoto parecia se esforçar para assimilar minhas explicações cruas. Ele era quase fofo fazendo isso; parecia uma criança.

- Claro que pode. – Respondi, meio hesitante, sentindo quase como se estivesse lhe dando permissão (o que não fazia sentido). – Mas seria bom se comesse alguma coisa antes. E que vestisse calças também.

O garoto baixou o olhar para suas pernas, me fazendo fazer o mesmo. Suas coxas torneadas estavam expostas apenas pela metade, visto que a blusa que usava cobria o resto destas. Em parceria com seus cabelos bagunçados e sua expressão perdida, parecia que ele acabara de acordar – o que não era bem uma mentira.

Agindo como se tratasse de um gatinho arisco – com gentileza, mas hesitação em cada ato – eu consegui oferecer-lhe algo para que comesse. Sem que eu sequer precisasse perguntar, ele pegou o copo de iogurte que eu levava nas mãos e tomou o resto de seu conteúdo, me olhando em seguida com um bigode leitoso, os olhos brilhantes enquanto me pedia por mais.

Assim que, com estranhamento divertido, voltei-me da geladeira com outro iogurte lacrado, o garoto soltou Monster, que miava como um condenado por estar pendurado de forma nada confortável em apenas um dos braços do mesmo, e pegou a embalagem. Ele tomou aquele em questão de segundos também, logo pedindo por outro, e mais um após esse.

- Cadê o gatinho? – Ele perguntou, após eu, com muito esforço, conseguir convencê-lo de que já chega de iogurte e levá-lo até meu quarto, decidido que tirá-lo de casa como ele queria era realmente o melhor a se fazer.

Veja a que ponto cheguei. Saindo de casa duas vezes na manhã minha folga. Mereço.

- O gatinho está com fobia de pessoas igual ao dono dele, e não vai aparecer tão cedo, porque você é uma pessoa. – Respondi-lhe sem fazer muito caso enquanto revoltava meu guarda roupa já muito bagunçado em busca de uma calça que o moleque pudesse usar. – Toma, acho que essa serve.

Assim que me virei para si, com o cigarro entre os lábios, paralisei por um momento, vendo o garoto sorridente sentado em minha cama, com Monster entre os braços.

- O gatinho gosta de mim. – Anunciou infantilmente. – Talvez eu não seja uma pessoa? – Falou mais consigo mesmo que comigo, soltando um riso que preencheu o quarto juntamente de uma brisa fraca, que adentrou o quarto pela janela aberta, parecendo trazer com ela a claridade solar que não fazia jus a uma manhã de outono.

- O nome dele é Monster. – Informei-lhe, me aproximando um passo da cama e atirando a peça de roupa que carregava para o garoto. A calça caiu sobre o rosto do mesmo, fazendo-o soltar Monster para destapar o rosto, resmungando baixinho em protesto.

Seus olhos ávidos que eu tentara evitar o olhar direto desde o início por aquela sensação estranha que sentira ao encontrá-lo me miraram com a precisão luminosa de uma flecha dourada, e aquele meio segundo em que nossos olhos atravancaram pareceram durar décadas, me deixando paralisado novamente, agora com os braços cruzados sobre o peito e o cigarro pendendo dos lábios.

- E o seu?

- Hã? – Pisquei levemente enquanto o observava tirar a peça do rosto e segurá-la entre as mãos que pousaram em seu colo.

- Nome. Seu nome. Isso é importante de se saber, certo? – Tombou levemente o rosto para o lado. Monster havia movido as patinhas para cima do garoto de novo, e agora se aninhava em minha calça e suas mãos.

- Ah... NamJoon. Eu sou Kim NamJoon. – Respondi, acenando com a cabeça afirmativamente à última de suas perguntas. Aquele garoto era estranho. – E você?

- Eu... – O garoto tombou ainda mais a cabeça, fazendo um projeto de bico nos lábios carnudos.

- Você não sabe quem é? – Perguntei após alguns segundos em que ele não me ofereceu resposta. Estava tentando entender que espécie de ser vivo era aquele. Não era possível que não soubesse o próprio nome.

- O que somos sempre foi e sempre será algo de que não temos total conhecimento, NamJoon. – Sua resposta foi solta com naturalidade, como se isso fosse algo que ele estivesse consciente desde sempre. – Mas acho que se fosse para eu ter um nome... Jin. Sim, Jin.

Observei aquela cena com a sensação de que havia visto um batizado naquele exato momento, logo balançando a cabeça minimamente, apontando para a peça de roupa no colo de “Jin”.

- Vista isso. Você queria sair, certo?

O garoto imediatamente arregalou os olhos, animado, e num pulo estava de pé na cama (o que quase o fazia tocar a cabeça no teto), assustando a Monster e a mim.

Depois de algumas dificuldades que envolviam o desequilíbrio do garoto alto em cima da cama e eu circundando-o numa tentativa de apará-lo caso caísse, consegui fazê-lo andar até a sala enquanto o mesmo reclamava que suas pernas estavam sem qualquer oportunidade de livre arbítrio.

Não me pergunte de onde ele tirou esse termo.

Assim que baixei minha atenção para meu bolso e minhas mãos, onde eu revirava o molho de chaves em busca da maldita que abriria a porta, tirei a atenção do garoto por um momento, que se dirigiu à porta com curiosidade arisca, olhando para ela por alguns longos segundos antes de levar a mão à maçaneta e tentar girá-la. Ao ver que a porta não se abrira como se esperaria, ele tentou novamente, bufando frustrado ao olhar para a maçaneta como se fosse tudo culpa dela.

- Ei, espera aí. – Afastei-o com a mão da porta, estendendo a chave até a fechadura, girando-a e enfim abrindo a porta, deixando o caminho livre para que o garoto saísse com olhar confuso.

Me virei e tranquei a porta de novo, guardando as chaves no bolso, bastante consciente de que o garoto me observava. Olhei para ele, passando minha visão por seu todo e sentindo vontade de me socar por ter sido estúpido o suficiente par esquecer de lhe dar sapatos.

- Você não pode ir descalço. – Resmunguei, buscando o molho de chaves novamente no bolso. Mesmo que vivesse com aquele molho no bolso desde o início de minha adolescência (antes com as chaves da casa de minha mãe, depois adicionando a segunda chave do carro dela e após isso as duas chaves de minha atual moradia) eu tinha sérios problemas em reconhecer as diferentes chaves, e o ato de abrir a porta sempre fora um estresse a mais em meu cotidiano.

O garoto rapidamente me entendendo – isso era novidade – se dirigiu à porta de novo, mas uma vez repetindo a ação de tentar abrir a porta, sem sucesso mais uma vez. Seria cômico, se sua expressão não fosse tão frustrada.

- Ai! Por que ela não quer abrir? Abriu perfeitamente pra você naquela hora.

- É porque está trancado. – Expliquei, um tiquinho mais habituado a ter que explanar coisas óbvias a um marmanjo quase do meu tamanho. Achada a chave, enfiei-a na fechadura de novo. – Viu? Prontinho. Aberta.

- Por que as pessoas trancam as casas? – O garoto me perguntou com toda a inocência que fosse possível colocar em tal pergunta. Virei o rosto para si no ato de estar agachado para buscar um sapato que lhe servisse no momento.

- Hã... Pra não entrarem nelas?

- Mas por que não podem entrar nelas? Vocês não acabam ficando sempre sozinhos desse jeito? – O garoto tinha o cenho franzido, claramente confuso, e eu me levantei, com um par de Converses negros nas mãos. Olhei-o com curiosidade.

Eu nunca teria imaginado algo como aquilo, mas sua posição fazia sentido.

- Acho que no fundo as pessoas gostam de ficar sozinhas. – Respondi-lhe, sem muita firmeza, dando de ombros. O garoto pegou o par de sapatos de minhas mãos, passando a vesti-los de pé mesmo, saltitando para se manter de pé. Ele sempre arranjava o pior jeito de se vestir, não?

- Acha mesmo?

- Eu gosto. – Dei de ombros outra vez, desviando o olhar dos seus, que tentaram mirar-me mais diretamente enquanto terminava de saltitar para colocar os tênis.

 

- Jin, se você parar para fazer carinho em cada cachorro que encontrarmos, não vamos nem chegar ao fim do quarteirão. – Apelei, meio cansado ao ver o garoto parando ao lado de um setter irlandês (provavelmente o quinto cachorro que ele fazia amizade desde que saíramos de meu prédio, meio quarteirão atrás) que se animava ao lado do garoto.

- Mas ele é tão fofinho! – O garoto protestou com um sorriso direcionado para mim dessa vez (e não para o cachorro), me fazendo travar minimamente como era quase costume. – Ah, oi amiguinho! Qual o seu nome? – Bufei ao ver que um beagle espoleto se aninhara às pernas do garoto, competindo por sua atenção com o cão maior.

- Pelo amor de deus, Jin!

- Não seja estraga prazeres, NamJoon. – Ele reclamou, infantilmente, sorrindo para o cachorro. – Não liguem para ele. Ele pode parecer mal humorado, mas é uma pessoa boa.

- Como você sabe? – Perguntei, sendo ignorado com sucesso. As donas dos respectivos cachorros, que normalmente iam àquela praça naquele horário riram, parecendo contagiadas pela alegria de Jin.

Observei sem expressão enquanto o garoto brincava com os animais, que pareciam quase venerá-lo, e mantive meu rosto impassível até que ele se despedisse – de cachorros e humanas – e viesse até mim.

- Além de pessoas, não gosta de cachorros também? – Jin perguntou quando voltei a caminhar, sem lhe dirigir sequer um olhar decente.

- São barulhentos do mesmo jeito. – Respondi em descaso, vendo o garoto armar uma careta descontente. – Mas suponho que sejam melhores que gente. – O garoto me olhou curiosamente, eu vi perifericamente. – Eles não mentem. Nem são fúteis, nem nada assim.

- As pessoas são tão ruins assim? – Jin me olhou, um pouco mais sério agora. Mirei-o, logo me arrependendo ao lembrar de seus olhos, e voltando a mirar à frente.

Me mantive sério, sem regalar-lhe resposta por uns poucos segundos, até torcer a boca de leve.

- Acho que isso deve ser uma conclusão tirada por cada um. – Disse, por fim, notando que o olhar curioso do garoto pesava ainda mais sobre mim agora.

- Qual a sua conclusão?

- Cuidado. – Estiquei o braço, bloqueando sua passagem, visto que o garoto estava caminhando despreocupadamente em direção à rua onde a passagem de pedestres não estava ainda autorizada. Jin parou, ainda me olhando, e eu suspirei. – Eu me cansei das pessoas, Jin. Não gosto da grande maioria delas. Mas isso não quer dizer que sejam todas tão ruins assim.

- Quer dizer que o ruim é você? – Sua pergunta foi, como de costume, aparentemente inocente, mas parecendo conter uma natureza muito mais sábia do que se poderia imaginar por trás.

Aquele garoto era estranho.

Sorri de lado, baixando a cabeça de leve, e voltei a caminhar quando o sinal se fechou para os automóveis, e a passagem nos ficou livre.

- Talvez seja isso.

- Hm... – O garoto mirava à frente com um pequeno bico, e eu me arrisquei a olhá-lo com mais que a visão periférica. – Eu não acho que você seja ruim.

- O qu- ei, Jin! – Gritei ao ver o garoto se afastar correndo ao avistar uma banca de vendedores de rua, cheia de bugigangas coloridas e produtos falsificados.

Me sentindo uma pessoa muito azarada pro estar tendo que bancar a babá de uma criança hiperativa na minha folga, andei a passos preguiçosos até um pouco atrás do garoto, o suficiente para não deixar que ele não fizesse nada estranho – ou ilegal, vai saber.

Jin deve ter pegado na mão cada um dos milhões de cacarecos que a senhora quarentona vendia, enquanto conversava com a mesma. A mulher lhe respondia e perguntava com a naturalidade e alegria com que falaria com um sobrinho próximo, e eu tinha quase cem por cento de certeza de que um segundo antes de Jin praticamente saltar sobre sua vendinha, seu rosto portava a pior das carrancas.

- Olha, não é fofinho? – Jin me mostrou (lê-se, enfiou na minha cara) uma pelúcia barata de coelho cor de rosa.

Olhei para o brinquedo e em seguida para o garoto. Se fosse qualquer outra pessoa – um criança da sociedade atual, em especial – essa frase teria sido um claro “compra pra mim?” mas se tratando daquele menino...eu realmente não teria certeza nunca do que ele queria.

Ele sabia o que queria?

Eu sabia o que queria?

Quem se importava?

Balancei a cabeça em negativa. Eu havia combinado comigo mesmo que deixaria de pensar tanto, anos atrás. Pensar nos faz cair nas profundezas de nossas próprias podridões. Pensar nos deixa loucos.

- É. Agora devolva pra senhora e vamos. – Falei, sem gentileza, mas creio que não tão ríspido quanto poderia ter sido se fosse, por exemplo, TaeHyung ali, a apelar-me com seu sorriso quadrado.

- Por quê? – Não soube bem se ele perguntava sobre ter que devolver o boneco ou sobre ter que ir embora, então respondi-lhe os dois:

- Porque isso custa dinheiro. E porque nós temos que ir.

- Dinheiro? Você quer dizer que tem que comprar?

- Óbvio.

- Por quê?

- Porque é assim que essa senhora ganha a vida, Jin. Deixe o boneco e vamos.

- Você não tem dinheiro, NamJoon? – Jin tombou a cabeça. Me mirando com aqueles olhos estranhos. As íris pareceram lampejar avermelhadamente, e imediatamente eu levei a mão à testa, cobrindo a visão do sol que me atingiu diretamente na visão, como se o astro rei tivesse se livrado da barragem de uma nuvem naquele exato momento.

- Tenho. Mas não vou gastar com isso.

- Por que não?

- Porque eu gasto com coisas que realmente preciso.

- Por quê?

- Porque dinheiro não cai do céu, Jin! – Me exaltei um tiquinho, sem afetar nem um pouco o olhar firme do garoto. Pela primeira vez, imaginei ver uma certa diversão por me deixar sem paciência naqueles orbes. Ele olhou para cima, curioso, logo mirando-me de novo.

- Por que não?

Bufei, erguendo os braços em rendição, e me virei, desistindo de discutir aquilo com o garoto. Coloquei as mãos nos bolsos, sentindo aquele sol súbito ficar mais fraco, imaginando que outra nuvem tomara a frente sobre o cara de novo.

Tirei o maço de cigarros do bolso esquerdo, pescando um cilindro e colocando-o entre os lábios, acendendo-o em seguida.

Ignorei ter notado com clareza o garoto se despedindo da mulher com uma reverência e corrido em minha direção em seguida, caminhando ao meu lado sem dificuldades para acompanhar minha passada grande.

- Onde estamos indo? – O garoto perguntou após alguns segundos. Olhei de canto para si, continuando a andar.

- Não sei. Saímos de casa porque você queria sair.

- Então por que está com tanta pressa? – Franzi o cenho, sem esperar por aquela. Olhei para si, que sustentou meu olhar sem problemas, com a expressão desentendida marcando-lhe a face. – Você fica me apressando e não me deixa parar, mas sequer sabe pra onde está indo. Por quê?

- Você saiu pra ficar conversando com cachorros? – Perguntei, meio desarmado com seu questionamento.

- Quem sabe. – O garoto deu de ombros, fazendo uma ótima reprodução de minha expressão descasada. – Para onde está indo com tanta pressa?

Não lhe respondi, e pela primeira vez sustentei seu olhar não como se olhasse para uma criança ingênua e sim para uma figura ladinamente petulante. Provavelmente era coisa de minha cabeça, porque ele falava com a mesma voz macia e avoada de sempre, mas algo ali me fez armar mais minha postura. O garoto continuou ao não receber resposta minha:

- Se sequer sabe onde quer ir, como vai saber como continuar? Essas pessoas... – Gesticulou para todos os civis que passavam por nós, movidos pelo ritmo acelerado que orientava o fluxo sem fim daquela metrópole. – Elas sabem onde estão indo? Sabem pelo que buscam?

Enquanto olhava-o fixamente, vi uma faísca arroxeada em seus olhos. Cara, eu estava ficando completamente biruta. O silêncio foi nosso companheiro enquanto eu o encarava agora quase como se fosse ele uma ameaça; e ele apenas me mirava, relaxado. O sol pareceu escurecer ainda mais, e eu inspirei profundamente antes de lhe dirigir a palavra novamente.

- Acho que ninguém sabe.

- Boa resposta. – A expressão que estava me incomodando em seu rosto sumiu, dando lugar a um sorriso. Uma brisa quente soprou, e a estrela central atingiu-nos novamente com força naquela manhã que caminhava com calma apressada. – Você é bom em fugir de perguntas difíceis, NamJoon. Foi algo que aprendeu enquanto começava a abominar as pessoas?

E sem me dar espaço para lhe responder a pergunta profunda – e ferina – o garoto voltou a andar, quase saltitante, passando por mim.

Olhei-o por cima do ombro, beirando o assombrado, e me perguntei seriamente onde estava com a cabeça quando acolhi e cuidei daquele garoto excêntrico. Eu definitivamente não estava em meu juízo perfeito.

Confirmei isso quando, ao invés de dar meia volta e voltar para minha cama, meu gato e minha muito bem vinda solidão, segui o garoto pela rua irritantemente bem iluminada pelo sol.

 

Jin tinha quase tanta ideia quanto eu de onde ir. Ele apenas me dissera que queria “aproveitar ao máximo”, e, baseando no fato que meu inconsciente havia constado de que eu estava praticamente apresentando o mundo para o garoto, concluí que não havia a menor necessidade de buscar algo magnânimo para impressioná-lo ou satisfazê-lo.

Jin era animado e serelepe, e em noventa por cento do tempo, quase podíamos esquecer-nos que era ele o mesmo dono das palavras certeiras que pareciam colocar para fora uma análise que qualquer um conseguiria fazer, mas estava cegado por sua própria necessidade de supervivência. Jin não tinha nada disso, e seus súbitos comentários me pegavam de surpresa, mas me deixavam pensativo por horas depois.

Os outros dez por cento do tempo eram a quebra que ocorria quando eu cometia o erro – ? – de olhá-lo fixamente. Seus olhos me davam quase uma vertigem, e eu sentia-me fraco e exposto. Acuado.

Por volta de duas horas depois de termos saído de meu apartamento, eu já aprendera duas coisas muito importantes sobre aquele garoto. Primeiramente: sua energia não acabava nunca, nem fisicamente nem verbalmente, se é que me entende. Acho que eu não ouvia tantos “por quê?” pra lá “por quê?” pra cá desde a última reunião familiar em que eu tive que cuidar de minha prima de seis anos. Eu estava começando a achar que Jin conseguiria bater o recorde de questionamentos da garota antes do fim do dia.

A segunda coisa era que aparentemente, para aquele garoto que gostava de tudo o que via – ou quase isso – os doces tinham um lugar reservado em seu coração. Eu já gastara mais do que consideraria seguro gastar comprando-lhe docinhos de todas as cores e tamanhos.

Aquela história que açúcar atiça mais que café provavelmente era verdade, porque eu estava sentindo com muita clareza os efeitos de ser sedentário nas articulações, músculos, ossos e o que estivesse ao alcance do meu maldito sistema nervoso.

Isso enquanto o moleque pirilampava por aí, socializando com deus e o mundo. Eu não sei...ele parecia tão brilhante andando por aí, arrancando sorrisos de todos enquanto ele mesmo não perdia o seu... Quase parecia como se o sol estivesse de folga, enquanto aquele menino estranho saíra pintando a paisagem por ele, mais gentil e brilhante que o resto dos dias.

Ah...eu acho que estou recebendo muito sol na cabeça.

- NamJoon! – Jin me chamou, e eu olhei-o no ato de fazer descer pela garganta a água que comprara em uma das paradas de Jin para conversar com um tiozinho dono de uma banca de revistas. – Olha isso!

Andei até si, já estranhamente acostumado a não ficar rebatendo aos pedidos de Jin. Ele sempre conseguia me convencer mesmo, e eu era preguiçoso o suficiente para notar que me desgastava menos atender seus chamados de primeira.

Me aproximei de si, inclinando levemente meu rosto para a frente a fim de ver o que ele me indicava, com a mão sobre os joelhos. No chão atrás de uma baixa cerca de arbustos, havia um pequeno passarinho que batia as asas desajeitadamente, em esforços inúteis de levantar voo dali.

 - Ele deve estar machucado. – Falei, vendo com o canto do olho Jin franzir o cenho em preocupação.

O garoto, sem nada falar, inclinou-se mais sobre a cerca, com as duas mãos estendidas pegando o animal e erguendo-o. O bicho protestou, batendo as asas, mas quase imediatamente acalmou-se, parecendo olhar para Jin diretamente enquanto o garoto o aproximava mais e mais de seu rosto.

Acolhendo o empenado em suas mãos em concha, Jin fechou os olhos, abrindo a boca ligeiramente. As árvores sobre nós balançaram, mudando os alvos dos feixes de luz que deixavam passar por entre seus galhos. O sol atingiu Jin como manchinhas de claridade, e ele abriu os olhos, mirando o passarinho.

Pisquei uma vez, vendo o bicho bater as asas novamente, e, após alguns esforços, levantar voo.

Mirei embasbacado o pássaro sumir na copa das árvores e olhei para Jin, que tardou em notar meu olhar. Baixou a visão que mirava o alto com um sorriso, vacilando no mesmo ao notar minha expressão, e logo fazendo-o voltar à sua face, dirigido à mim.

- Ele só precisava acreditar que conseguiria. – Justificou, com os olhos apertados no sorriso. – Eu lhe dei a esperança de que isso era possível.

Segui olhando-o sem compreender verdadeiramente. Eu só sabia de uma coisa naquele momento: o dia parecia estar abraçando-o; o sol gentil da manhã fazia-o cintilar aos meus olhos, e a brisa quente nada normal em dias de outono parecia circulá-lo como se ela fosse mais uma das que se encantara por aquele garoto, como fizeram todos os seres vivos pelos quais passamos naquela manhã.

Seu sorriso apertou-se, cúmplice e compreensivo para minha confusão, e eu não soube muito bem como reagir quando o garoto simplesmente agarrou minha mão e me puxou por entre os pedestres na calçada movimentada.

Era como se ele fosse uma ventania repentina de verão, que chegava de todo lugar e lugar nenhum, bagunçando tudo ao meu redor e me arrastando com ele.

Seu sorriso e sua mão eram tão quentes, acolhedores e convidativos quanto.

 

- Sua boca está toda suja. – Falei, com a mão nos bolsos enquanto andava lado a lado do garoto, que carregava o algodão doce que me obrigara a comprar mais cedo.

- É grudento. – Disse, sem contradizer minha fala, ou fazer algo a respeito daquilo. Pegou mais um punhado daquele bolo de açúcar rosado e colocou na boca, sorrindo em satisfação ao sentir aquilo derreter em sua língua.

Sorri contido com o canto da boca, voltando a olhar para o caminho que trilhávamos. Ainda era cedo, mas não o suficiente para que a cidade estivesse tranquila. Não havia estudantes nas ruas, mas em compensação, todas as outras classes de pessoas recheavam o pavimento, indo pra lá e pra cá, num fluxo sem fim.

- Com licença. – Uma moça com um boné de anunciante nos interrompeu de nossa caminhada. Eu já estava preparado para ignorá-la, afinal, desviar dos vendedores era rotina na vida urbana, mas Jin não sabia disso. Claro. Parei, irritado, ao notar que o garoto parara e dava atenção à mulher.

Me mantive no canto, tentando não fazê-las notar-me para não sair matando ninguém, mas, ao notar que outras três anunciantes se aglomeravam como abutres em volta do garoto ingênuo desconhecedor das ameaças da cidade grande – que envolvem ladrões, vendedores de órgãos e aqueles panfletadores infernais com os quais lidávamos no momento – tive que agir.

- Jin, temos que ir.

O garoto me olhou, interrompido de sua tentativa de dar atenção à quatro mulheres que falavam consigo. Assentiu sem contestar-me – ao que agradeci mentalmente, se ele viesse com aquela história de “por que a pressa?” de novo, eu ia ficar zangado – e desviou das mulheres para me seguir.

- Não fale com estranhos. Em especial com esses. Eles não te deixam ir embora nunca mais. – Era inútil dar aquele conselho ao garoto que socializara com cada alma viva pela qual passamos desde sair de minha casa, mas não custava tentar fazer ele agir mais como alguém normal e menos com aquele ser amigável e bonzinho que estava sempre sorrindo.

Franzi o cenho minimamente. Aquelas eram consideradas qualidades, certo? Senti vontade de rir da sociedade hipócrita que não tem isso como algo cotidiano e sim como exceção. E eu estava incluído nessa merda.

- Hein, NamJoon, o que acha disso? – Ele colocou um folheto à frente de meu rosto, me arrancando de meus pensamentos. Pisquei, afastando um pouco o papel para poder lê-lo. Se tratava do anúncio de uma confeitaria; não me admirava que chamara a atenção do garoto, com as fotos de doces chamativos que portava. – Tem outros também. O que é “exposição de arte moderna”? É de comer?

Olhei-o, com a sobrancelha erguida em descrença e escárnio. Ele me devolveu o olhar inocentemente, suportando o meu por alguns segundos. A coroa de sua íris pareceu brilhar em verde, e eu desviei o olhar.

- Não é de comer, mas é bem ali. – Indiquei com o dedo a galeria onde estava acontecendo a dita cuja exposição. Estava do outro lado da rua, a uns quinze metros de nós. O garoto não disse nada, apenas dirigiu o passo para lá, sendo impedido de avançar por minha mão que lhe segurou o pulso. – Você nunca vai aprender a atravessar ruas?

Sem esperar resposta à minha pergunta retórica, mantive a mão firme em volta do pulso do garoto, olhando para os dois lados da rua movimentada e esperando que ela ficasse livre permitindo-nos a passagem.

Assim que os carros deram brecha, puxei Jin pelo pulso, atravessando a rua. Soltei-lhe do aperto ao chegar do outro lado são e salvo, e olhei para si sem dar-me conta de que o fazia. Ele me mirava com o olhar meio afobado, provavelmente pela rápida corrida. Seus olhos pareceram faiscar.

Antes que eu pudesse sequer processar aquilo, ele pareceu sair de seu transe, andando em direção à galeria. Pisquei uma vez, observando-o se afastar antes de segui-lo sem muito mais a fazer.

Eu estava com um pouco de fome, mas não era isso que estava incomodando em minha barriga. O farfalhar das árvores do outro lado da rua parecia alcançar as paredes de meu estômago, me deixando desconfortável com a sensação de estar invadido por aquela mesma brisa quente que varria tudo como uma mão carinhosa.

Olhei para Jin, que me esperava em frente à galeria, meio impaciente. Ele me olhou, e sorriu. O sol pareceu ofuscar minha visão por um momento, e junto das folhas levantadas pelo sopro quente do vento, uma borboleta subiu em direção ao céu.

Alcancei-o, sentindo meu corpo se impulsionar para perto, estranhamente querendo ficar por próximo daquele sorriso sem a autorização de minha cabeça. Jin não perdeu tempo em ficar me encarando como eu queria fazer inconscientemente, e adentrou a galeria, logo olhando para trás ao me notar parado no mesmo lugar. Franziu o cenho, voltando até mim com cuidado. Me mirou, os olhos fixos nos meus, que pareciam não me obedecer, e continuavam a almejá-lo.

Jin não modificou sua expressão, não disse nada; só senti superficialmente sua mão segurando a minha e me puxando para dentro do arco ladeado por duas colunas coríntias de mármore branco. Seus cabelos balançavam na frequência que seus passos castigavam o chão, e eu me vi apenas seguindo-o, não sabendo muito bem como sair de meu torpor.

A galeria estava relativamente vazia; além de nós dois, havia ali um grupo de visitação escolar e mais uns seis ou sete civis que milagrosamente tinham tempo livre às nove da manhã de um dia útil.

Jin, mais que para as obras, dirigia sua atenção à estrutura do lugar; o teto abobado alto, em parceira com as paredes colunatas e o piso liso sendo o único elemento escuro da arquitetura pareciam fascinar o garoto que por infelicidade do destino, ainda não soltara minha mão, e seguia me puxando pra lá e pra cá, emitindo barulhinhos de deslumbramento enquanto mirava a magnitude da construção inspirada na antiguidade clássica.

A verdade era que a galeria não era tão fascinante assim – era apenas uma galeria de bairro, espremida entre uma grife de roupas e um restaurante popular –, mas eu estava certo de que aquela quantidade grande de paredes alvas e elevadas, além do belo efeito que a luz solar fazia dentro da galeria, tudo, serviam para animar o garoto que parecia ter vindo ao mundo naquele mesmo dia.

- Preste atenção. – Alertei-o quando o garoto por um triz não esbarrou-se contra uma jovem adulta que observava uma obra na parede esquerda da galeria, concentrada. – Não olhe tanto para cima, garotinho. A atração está ao nível dos olhos, se não sabe.

Brinquei, lhe dando um leve alarme na fronte com os nódulos dos dedos. Jin colocou a mão sobre a testa, numa reclamação silenciosa, mas, sem conter sua enorme criatividade, baixou os olhos como eu havia sugerido.

Seu olhar vagou pelo espaço, mirando sem aprofundamento para as pessoas e os demais elementos da paisagem. Estávamos ainda no início do local, ultrapassados por um casal jovem e um senhor de idade que parecia falar sozinho (ou com a estátua que admirava, sabe-se lá).

Jin franziu o cenho, logo me mirando, com a expressão que eu sabia que significava que começaria a ser questionado sobre deus e o mundo.

- Esses pedaços de pedra são interessantes? – Segurei um riso soprado com sua pergunta, e Jin pareceu ficar ainda mais confuso. – Eles sabem falar? Ou algo assim? Eu achei que pedras só serviam pra me fazer tropeçar no chão.

Ri baixinho, lembrando do quase tombo que o garoto levara ao ir atrás de um cachorro que, como exceção à regra, não parecera gostar do garoto a princípio – claro que depois de um segundo o bicho já queria levar Jin para casa, mas isso não vem ao caso.

- Que eu saiba, elas não falam. – Respondi-lhe, movendo em meu bolso com a mão livre, buscando pela carteira de cigarros, logo desistindo, sem saber ao certo por quê. – Mas algumas são interessantes, vem.

E puxei-lhe pela mão que eu mesmo já havia desistido de me importar por estar junta da dele. Esbarrei na mesma moça que eu evitara ter sido atingida por Jin mais cedo, me desculpando em voz baixa, e recebendo uma gargalhada do garoto que me acompanhava, que apontava para mim e ria sem malicia, apenas como uma criança que se divertia honestamente.

A exposição daquele dia era (como constei no folheto de Jin depois) do grupo de escultura dos estudantes da Universidade de Artes que havia ali perto, em seu projeto com reproduções de esculturas clássicas. Eu conhecia algumas, mas num geral, concordava com Jin sobre não entender por que uma exposição de pedaços de pedra ser tão interessante.

- Por que aquela mulher não tem braços? – Jin me perguntou, apontando para Vênus de Milo, ignorando as três obras que havia antes da dita cuja, sem demonstrar interesse por elas.

Puxando Jin pela mão com naturalidade, me acerquei mais à obra que com certeza era uma reprodução minimizada da original, visto que ela sequer tinha minha altura se fosse retirada de seu pedestal.

- Aqui diz que ela perdeu os braços e o pé em alguma das transições que sofreu desde sua criação até chegar às mãos dos franceses. – Falei, elevando o olhar para Jin minimamente, vendo que, ao não ver significativa importância para minha explicação, já perdera todo seu interesse pela pobre aleijada, e olhava para a obra ao lado desta.

- Ele está matando esse pato? – A voz do garoto soou espontaneamente, e um senhor de meia idade ao nosso lado tossiu para disfarçar sua graça. Olhei para o homem, mas Jin sequer deu-lhe atenção, ainda olhando fixamente para o garoto que estava de fato, ou machucando o animal que tinha quase todo o seu tamanho ou fazendo uma brincadeira bastante estranha com ele.

Andei com Jin até a frente da escultura, tendo o cuidado de passar longe do senhor que nos mirava sem disfarce.

- “Menino estrangulando um ganso”. – Li, olhando melhor para a estrutura de pedra acima de meus olhos. – É, eles está matando o pato. – Soltei uma risadinha rouca com isso, tossindo de leve, e Jin fez uma careta.

- Essas pedras são estranhas.

- Se acha isso, olha aquela ali. – Indiquei a escultura que seria a próxima após a que nos esperava depois do menino assassino. Aquela eu reconhecia também. – Laocoonte e seus filhos. – Lembrei-me antes de precisar ler, parando em frente à estátua duas vezes maior que as outras que havíamos observado.

- As cobras estão matando eles? – Jin perguntou, com a voz surpreendentemente neutra. Seus olhos brilhavam de forma estranha enquanto ele mirava a escultura em pedra. Acenei com a cabeça, sem saber se ele via meus movimentos.

- Elas foram enviadas para matá-los. – Falei, lembrando-me do mito por trás daquela representação da representação romana da obra grega.

Jin franziu o cenho, parecendo meio aflito, mas logo acenando com a cabeça, aceitando minha explicação e desviando o olhar definitivamente da pedra entalhada. Sua mão puxou a minha com leveza, e eu observei com quase assombro sua expressão conformada. Era quase angustiante observar aquilo; lembrava-me do crescimento de uma criança, quando aprendia que o mundo tinha mais que apenas coisas boas, e que tínhamos que aceitar as tragédias de cabeça baixa, pois elas sempre viriam.

Passamos por representações de O Bronze de Artemísio – o que foi cômico, visto que a cópia coreana era feita de gesso – e de Apolo Belvedere. Jin não lhes deu mais que alguns segundos de atenção. A expressão no rosto do garoto estava me incomodando. Fazia quantos minutos que não sorria?

Ele parou para admirar A velha bêbada, e seus olhos ficaram quase opacos com o olhar de dor que emitiu ao fixar seus orbes cheios de vida aos vazios da mulher que mirava o alto quase em imploro. Me mantive em silêncio enquanto ele observava-a, analisando com gestos certeiros de olhos cada detalhe da cópia da obra clássica. Seus olhos se demoraram no lagynos que jazia nos braços da mulher, e, num suspiro pequeno, ele fechou os olhos, me puxando sem mais para a próxima escultura.

Quando deteve-se em frente a Cupido e Psique, a revolta do garoto finalmente o fez quebrar sua curta – mas incômoda – greve de silêncio:

- Por que as pessoas estão sempre sofrendo? – Jin perguntou, olhando fixamente para as expressões das estátuas frias. Seu tom era de indignação, e mais que isso, de chateação. Seus olhos se semicerraram ao mirar Psique agarrando-se ao pescoço de Cupido, e eu soltei um riso leve antes de acariciar a mão que segurava com o polegar, na intenção de acalmá-lo.

- Calma, olha com atenção. – Falei, aproximando um pouco o rosto do seu lateralmente, como forma de indicar-lhe onde devia olhar. – Ele salvou ela, viu? Ela ia morrer, mas ele a salvou. – Falei, fazendo Jin arregalar os olhos e virar o rosto para me mirar, me fazendo afastar-me enormemente para continuar explicando. Limpei a garganta, sorrindo fraco como forma de esconder meu leve constrangimento. – É uma história de amor.

- Mas você sabe por que ela ia morrer? – Virei o rosto para de onde viera a voz, assim como Jin. O senhor que antes havia nos mirado com quase repulsa nos observava com olhar ameno. Seus olhos cansados miraram a estrutura com quase nostalgia, antes que ele seguisse falando: – Psique ia pagar por seus erros com os deuses, ela temeu o amor. Mesmo que Cupido fosse belo e encantador, ela descobriu o quão monstruoso esse sentimento pode ser. – Seu olhar se fixou em nós dois de novo. – Esse mito é um ótimo aviso a jovens ingênuos, sabe?  - Mirou Jin, que retribuiu-lhe energeticamente, completamente centrado no que o senhor lhe contava. – O amor é belo e convidativo, mas ele destroça ao humano mais que qualquer guerra poderia fazer.

As vozes das crianças ecoando na galeria se sobrepuseram ao nosso silêncio até Jin encontrar o que queria dizer ao homem:

- Mas ele a salvou depois, certo? – A voz do garoto não era esperançosa, como se esperaria do adolescente sonhador que seu rosto passava a impressão de ser. Eu ainda viria a notar que nada mais importava relevantemente naquele garoto mais que sua curiosidade, sua sede por aprender e notar cada detalhe.

Conhecendo o tipo de gente que aquele senhor provavelmente era – os clássicos adultos que adoram pessimizar tudo o que alimentamos com a ingenuidade, até que não a tenhamos – eu já esperava aquele engravatado pisando na animação de Jin, e não sabia se gostava muito daquilo. Por mais que eu sempre fosse o negativo ali, o otimismo do garoto me parecia belo e autêntico, fazendo-o parecer distinto de qualquer outra pessoa que me passasse pela cabeça.

Mesmo Tae, cujo eu sempre chamara de “irmão alegre” não tinha tamanha fé na felicidade. Qualquer um que houvesse crescido naquela sociedade podre aprenderia que não se pode viver apenas de ilusões de felicidade. Não dá.

- Sim. – O senhor respondeu, porém, quebrando todas as minhas expectativas, e ao mesmo tempo, meus pensamentos amargos. – O amor a salvou. Ele é o maior monstro da existência humana, mas isso não o impede de ser nossa maior salvação também. – Seu sorriso foi gentil em resposta à expressão confusa de Jin, e ele me mirou com olhar mais firme antes de ir-se. – Amar não é uma dádiva em seu todo, mas não precisa se tornar uma maldição.

Foi minha vez de franzir o cenho, observando o senhor afastar-se de nós, com seus passos ecoando fracamente no piso de mármore escuro. Por que ele havia dito aquilo para mim? Quanta baboseira.

Jin se manteve olhando para a estátua com nova consideração. Seus olhos correram pelo corpo jogado de Psique, e seus braços ao redor do pescoço de Cupido.

- Ele a beijou? – Perguntou, com o mesmo tom que perguntaria qualquer outra coisa.

Olhei-o, logo analisando a estátua. Para mim, era claro que aquelas posições inspiravam a ideia de um possível beijo. Acabei confirmando com a cabeça, mesmo que não tivesse total certeza.

- O beijo é um gesto de amor. – Falei, simples. Era meio estranho falar aquilo. As vezes eu me perdia entre o que aquele garoto sabia e o que ele parecia ignorar, e frequentemente me sentia meio ridículo.

- Ei, NamJoon! – Jin chamou-me, e só naquele momento eu notei que minha mão fora soltada pela sua. Olhei para ele, colocando a mão no bolso como forma de fazê-la parecer menos fria.

O garoto estava a uns dez passos de distância de mim, e eu adoraria saber em que momento ele se afastara antes. Dei de ombros para mim mesmo, indo até si enquanto o garoto já seguia falando, enquanto apontava animado para cima.

- Olha aquilo! – Falou alto, e eu ergui o olhar, ainda andando em sua direção, para encontrar, na abóbada da galeria, o que alegrava tanto o garoto. Olhei para ele de novo, vendo que a luz soltar filtrada pelo vitral colorido sombreava não apenas a estátua que se encontrava acima de Jin, como também ao mesmo, com seus reflexos realçados em cor.

Analisei seu rosto, vendo seu sorriso avivado no verde que refletia do vitral. O topo de seus cabelos brilhava em laranja, como ditava o padrão do vidro, e eu olhei de novo para cima, seguindo o olhar para a estátua que era banhada pela maior parte das cores.

Era outra das estátuas que eu sabia reconhecer: Vitória de Samotrácia. Jin olhou para a figura feminina decapitada ao me notar mirando-a, e, ao contrário do desconforto que demonstrara com Vênus, sorriu.

- Ela tem sorte. – O garoto falou, me fazendo mirá-lo curiosamente. A estátua havia perdido sua cabeça e seus braços, e visto sua revolta com o aleijamento da estátua anterior, me vi aguardando pelo excêntrico raciocínio daquele garoto esquisito.

- Por quê?

- Ela perdeu suas mãos e sua cabeça, mas não perdeu suas asas. – Apontou o garoto, me fazendo prestar atenção nas frondosas penosas que se portavam às costas da mulher ali representada. – As pessoas normalmente entregam suas asas primeiro. Perdem a capacidade de voar, mas continuam vendo, pensando e modificando as coisas ao seu redor. Só notam depois o quanto as asas valiam mais que qualquer coisa que poderiam ter tido. – O garoto suspirou, olhando para a estátua em carinho cúmplice. – Ela não deixou que suas asas fossem amputadas, porque só com elas seria verdadeiramente livre.

Analisei a estátua novamente. A luz vinha diretamente em meu rosto, e eu sabia que eu provavelmente também portava uma cor fantasia na face, mas consegui ver os contornos realistas e belos que aquele corpo de pedra possuía.

- E aos que querem ser livres de liberdade? – Perguntei, quase sem notar o que fazia.

Senti Jin me mirar, e quase prontamente lhe correspondi.

- Estes perderam cabeça, braços, asas e pernas. Não são mais que uma caixa torácica onde um coração bate sem motivos. – Sua resposta foi firme de certeza, e macia de ausência total de algo como pena. Ele me mirava sem expressão significativa.

- Não, mas... – Comecei. Não ia contradizê-lo, mas senti que podia me explicar melhor. – Essa ideia de liberdade. Essa almejada liberdade que nos faria felizes e realizados, ela não é demasiado fantasiosa? Em todos os sentidos? Tipo, se você for livre de tudo, não vai ser ainda mais vazio que uma caixa torácica cumprindo sua função cardiológica?

- Será que você não tem amigos porque gosta de falar difícil ou porque é rabugento demais para manter pessoas ao seu lado? – Jin me perguntou num sorriso, me pegando meio desprevenido e cortando o clima quase pesado que havia se instalado ali.

- O quê? Você também fala estranho. E eu tenho amigos. – Contestei, notando tardiamente o quanto aquilo havia soado como um adolescente revoltado. Qual é, eu já tinha saído dessa fase orgulhosa, não?

Jin sorriu de novo, parecendo se divertir. Seu rosto moveu-se, e uma ponta de azul podia ver-se colorindo sua bochecha direita, contrastando com todo o verde que lhe pintava a pele.

- Liberdade é o que você quiser que ela seja. – Ele falou, ganhando minha curiosidade novamente, mas ele já não me olhava. Mirava a estátua acima de si com a expressão pacífica. – Você só tem que recosturar as asas que foram arrancadas de você.

 

Quando saímos da galeria, cerca de uma hora havia se passado do lado de fora. Jin olhou para os lados, parecendo ansioso em continuar seu tour informal, e em seguida me mirou, livre de qualquer sentimento sério em suas feições bonitas.

- Eu estou com fome. – Disse, piscando os cílios compridos, claramente me usando.

Suspirei baixinho, acenando com a cabeça, e, com as mãos nos bolsos, comecei a caminhar na direção oposta à que tínhamos chegado ali.

Jin começou a me seguir, e eu sabia que o faria, por isso não foi realmente necessário voltar a cabeça para trás e confirmar que ele acompanhavam-me. Jin baixou os olhos, que miravam com um sorriso o céu azul que parecera ter esquecido que era outono, e seu sorriso foi oferecido a mim. Gentil, quente, como um sopro de verão.

- O que foi? – Perguntou, e sua voz me fez estremecer. Pisquei com força ao voltar minha cabeça à frente. O que diabos?

- O que quer comer? – Perguntei, sem arriscar-me de novo a olhá-lo. Jin deu uma curta corrida, para andar ao meu lado.

- Comida!

Olhei-o, entre o descrente e o irônico. Ele continuava a sorrir, sem me olhar, sem dar indícios de que estava zoando com a minha cara.

- Já que é assim... – Limpei a garganta, olhando-o de canto. – Se importa em demorar um pouco até chegar à comida? Eu conheço um lugar legal, mas é meio longe.

Jin deu de ombros, mas seu sorriso me deu a afirmação que eu precisava. Ele possivelmente ia reclamar ou me dar alguma dor de cabeça, me fazendo me arrepender de não ter parado na primeira barraquinha de cachorro quente que encontrasse, mas provavelmente valeria a pena – e o distrairia um pouco.

Com isso, andamos mais alguns quarteirões em direção à estação do metrô. No caminho, constei o que já havia notado sobre Jin enquanto o mesmo caminhava na calçada movimentada: quando encontrava olhares alheios, ele sorria singelamente, e, não importando o tamanho da carranca de seu alvo, esta se desfazia e ele recebia um sorriso tão caloroso quanto o que oferecera de volta.

- Você é muito estranho. – Falei, quando já avistávamos a entrada dos túneis subterrâneos.

- Hm? Por quê? – Jin virou para mim após negar educadamente a um senhor que lhe ofereceu cupons para almoçar no restaurante para o qual trabalhava. Ainda eram pouco mais das dez horas, mas aquilo era normal; as pessoas não perdiam tempo. Se bobear te ofereciam cupom de almoço até as seis da tarde.

Sem oferecer-lhe resposta, segui andando até a escada do metrô, e Jin apressou o passo para me alcançar novamente.

- Hein? NamJoon! – Chamou ao notar que eu lhe ignorava. Seguiu-me desatentamente pela escada, descendo-a comigo enquanto tentava chamar-me a atenção. Aquele fora um comentário avulso, e eu nãopretendia empenhar-me em explicá-lo, mas não era segredo que eu estava me divertindo, como delatava meu sorriso pequeno. – Por que está me ignorando? – O garoto perguntou frustrado ao fim da escada, logo soltando um grito assustado ao ser empurrado pela multidão que chegara no carro ferroviário ali presente e subia à superfície.

Agarrei-lhe o braço, puxando-o rapidamente para fora do alcance dos corpos apressados. Aquela era uma estação pequena, pequena demais para o local no qual estava situada, sempre resultando na sobrecarga de civis ali embaixo.

- Cuidado. – Falei-lhe pelo que não foi a primeira e nem seria a última vez naquele dia.

Ouvi Jin soltar a respiração pesadamente, e olhei para seu rosto, que estava apoiado em meu peito, visto que eu o fizera praticamente se espatifar contra mim ao puxá-lo. Seus olhos se uniram aos meus, e apenas quando eu vi brilhar ali uma coroa de reflexo anil, segurei seus ombros, afastando-o de mim.

- Vem. – Chamei, soltando-o por completo e passando a mão atrás da nuca. – O nosso já vai chegar.

Me virei, logo pensando melhor e segurando o pulso de Jin para voltar a caminhar. Não ia me arriscar a perdê-lo naquela bagunça, por maior que fosse minha falta de jeito.

Jin não mais falou, apenas se deixou levar por mim, subindo no vagão sem se manifestar tampouco. Me embrenhei pelo vagão cheio, segurando-me numa das barras acima de nossas cabeças. Jin não o fez, e sua única fonte de apoio era meu aperto em seu pulso.

Ele mirava o chão de forma calada, e eu já começava a me preocupar com seu silêncio. Olhei-o com mais atenção, mandando para o inferno aquela hesitação que sempre se apossava de mim antes de mirá-lo. Aqueles olhos me deixavam apavorado.

Apavorado, porque eu não conseguia lembrar de antes ter visto algo mais bonito que aquilo.

Seus ditos olhos estavam escondidos sob a franja, que balançava minimamente enquanto o garoto mirava o chão metálico sem dar sinais vitais. Aproximei-me mais de si, sussurrando próximo de seu ouvido.

- Jin? Está tudo bem? – Perguntei, mas já sabia que não importando o que ele respondesse, bem ele não estava.

Olhei para sua nuca exposta, e ele suava frio. Eu começava a sentir o tremor de seu corpo por conta disso no pulso que segurava. Apesar disso, o garoto afirmou fracamente com a cabeça, me fazendo erguer levemente a cabeça, em descrença quase indignada.

- ...Quem diria. – Me manifestei, porém, após alguns minutos, com o tom risonho. Aquilo deve ter parecido bem estranho, porque mesmo o cabisbaixo Jin ergueu o olhar para me mirar em confusão. – Você sabe mentir como gente normal também.

O garoto sustentou febrilmente meu olhar, logo baixando a cabeça de novo, negando levemente com a cabeça.

- Nem sempre as mentiras são ruins, certo? – Ele soprou. Sua voz estava mais fraca, mesmo que no fundo ele portasse aquele tom brincalhão e desafiante que sempre tinha. – Às vezes temos que contá-las pra amenizar as coisas.

Logo após essa frase, ele inspirou fortemente, temblando para o lado. Puxei-o pelo pulso para minha frente, deixando-o apoiar-se em meu tronco. Cara, eu estava nervoso; mais que isso: aflito. Seus olhos...estavam opacos.

- Não. – Respondi com firmeza, fazendo o garoto me olhar com dificuldade ao erguer a cabeça. Eu estava inquieto com aquilo tudo, mas aquela era uma das poucas quase certezas de minha vida. – Desde pequenos somos ensinados a mentir. Mentir quando nos perguntam como estamos passando e temos que responder “estou ótimo, obrigado” enquanto tudo o que queremos é que um carro se desgoverne e nos atropele na calçada. – Apesar de claramente estar mais fraco a cada segundo, o garoto seguia me oferecendo toda a sua atenção. Engoli em seco, negando ao impulso de desviar o olhar do seu. – Mentiras nunca vão ser boas. Nem pra você nem pra ninguém.

Assim que concluí isso, o garoto sorriu com fraqueza, fechando os olhos com o queixo apoiado em meu peito. Eu só tinha duas mãos, uma estava nos mantendo de pé no carro cheio. A outra...a outra havia sido segurada pela semelhante enfraquecida dele.

- Sinceridade é uma característica positiva, não? – O garoto me perguntou, ofegando levemente em meu peito. Seus olhos fechados já não eram tão pacíficos; sua expressão se torcia numa demonstração de desconforto.

Eu não entendia o porquê de ele continuar conversando comigo naquele estado, mas se havia aprendido uma coisa, era que não podia esperar atitudes muito normais daquele garoto.

Não era como se ele fosse uma aberração; longe disso, mas sua forma de pensar era, como posso dizer, delicadamente inclinada para um lado meio errado em relação às do resto do mundo.

Assim como a minha.

A diferença era que a de Jin provavelmente se curvava para o lado oposto ao da minha. Para o lado colorido e alegre, longe daquele pessimismo ermitão que parecia ser meu principal elemento.

- Nem todos pensam assim . – Respondi, com um sorriso irônico ao lembrar-me de certos episódios em minha vida. Eu havia perdido tantas companhias por aquela característica positiva...

Olhei para baixo para constar se o garoto me ouvira. De certa forma, aquela era minha única alternativa no momento: distraí-lo até chegarmos ao nosso destino. Jin não era pequeno a ponto de manter-se em meu peito de forma confortável por tempo suficiente. Ele arrumou sua cabeça, tombando-a em meu ombro com um murmúrio quase manhoso.

Estremeci, e ele murmurou outra vez, me fazendo imaginar se ele não estava pegando no sono. Soltei sua mão da minha, preocupado, e enlacei sua cintura, tentando dar-lhe um pouco mais de estabilidade. Sua respiração chegava fracamente à pele de meu pescoço, me fazendo ficar mais tenso do que devia.

- Eu gosto da sua sinceridade. – Ele murmurou mais audivelmente para mim, e eu me sobressaltei levianamente ao constar que o garoto ainda estava consciente o suficiente.

- Por quê? – Eu não sabia se devia continuar fazendo-o falar, mas nunca fui muito de segurar impulsos, de qualquer forma. Nisso Jin era idêntico a mim; uma das poucas semelhanças visíveis.

- Porque as pessoas temem a sinceridade. – Ele respondeu-me, com os olhos cerrados. Interrompeu-se para respirar profundamente, como se não encontrasse oxigênio suficiente para seus pulmões. – E você a usa como espada e escudo. – Eu esforçava-me para manter-me vendo suas expressões, apesar de isso não ser de meu feitio; Jin era o que não permitia o olhar desviado durante conversas, eu odiava esse contato. – Você afasta a tudo e a todos, mas é exatamente por isso que é especial. E por isso só vai ter ao seu lado quem realmente se importa com você.

Travei com o final de sua fala, não apenas por suas palavras, mas por seus olhos que foram abertos, olhando-me como se já soubessem que meu olhar estaria ali para recebê-lo. Ele manteve o contato ainda enfraquecido, mas surpreendentemente intenso. Apesar da opacidade de seus olhos, eu via a coroa colorida de seus olhos negros se esforçando para seguir brilhando.

Pensei curtamente sobre sua fala, sentindo-me meio aturdido por não ser capaz de pensar direito ao manter o contato visual com o garoto, e por tampouco me considerar capaz de fugir dele; aquela profundidade assustava, mas eu não mentiria sobre ela me atrair mais que qualquer coisa que me viesse à cabeça no momento.

E por fim, acenei com a cabeça; ele tinha razão. Pensei em Tae, em minha mãe e nos poucos amigos que eu mantivera ao meu lado sem necessidade de qualquer fingimento; amizades que, na linguagem de meu irmão mais novo, poderiam ser consideradas “valiosas e verdadeiras”.

Ele sorriu, logo fazendo uma careta novamente. Vi-me apertando sua cintura para assegurar-lhe mais, e observei-o ofegar enquanto suava frio em meu ombro. Olhei para os indicadores dentro do vagão; logo chegaríamos. Droga, vá mais rápido, sua lata velha.

Sacolejamos em silencio por mais alguns poucos mas longos segundos. Meus olhos estavam fixos no placar que indicava os segundos para chegarmos à próxima estação – nosso destino. Jin estava frio, e seu pele branca me parecia ainda mais pálida quando intervalava minha visão para analisá-lo.

Meus lábios estavam mordidos nervosamente, quando eu senti sua cabeça se mover de novo em meu ombro. Imediatamente olhei para si, que abriu os olhos minimamente, me encarando com a boca levemente aberta.

- Você tem vontade de morrer, NamJoon? – Sussurrou, mais fraco impossível.

- O quê? – Perguntei. Aquilo estava beirando o ridículo; ele mal conseguia falar!

- Você disse que...que queria que um carro te atropelasse... – Ele suspirou longamente. Seu corpo estava tremendo contra o meu. Eu só queria que ele parasse de gastar energia falando. – Tem vontade de morrer?

Olhei-o longamente, e ele decididamente sustentou meu olhar, mesmo que seus olhos estivessem quase se fechando. Por fim, suspirei curtamente.

- Por que nossas conversas sempre tomam um rumo filosófico? – Perguntei. Concluí que era melhor responder daquela forma, ou ele não pararia de me perguntar coisas, e no momento eu queria que ele apenas se mantivesse desperto para que eu pudesse no mínimo tirá-lo do subsolo.

Ele riu baixinho comigo, e, por ajuda divina ou um pouco de bom senso de sua parte – o que era quase tão impossível quanto algo como Deus existir, na minha humilde opinião – ele fechou os olhos, deixando-se descansar, respirando aceleradamente pela febre reversa que parecia atingi-lo.

Ele estava a cada momento mais gelado. Quase como se fosse sumir a qualquer segundo.

Olhei para o placar novamente, suspirando em alívio ao notar que já estávamos chegando. A máquina parou alguns segundos depois, e as pessoas começaram a descer.

Soltei-me da barra de segurança, pensando rapidamente em como seria mais cômodo levar aquele garoto problemático para a superfície.

- Francamente, só me dá dor de cabeça. – Resmunguei baixinho, tendo alguma dificuldade em colocá-lo sobre as costas, o que considerei melhor que sair arrastando-o semimorto por aí ou carregando-o nos braços.

Saí do veículo, andando com calma apesar de minha pressa em sair ao sol novamente, ironicamente. Não sabia bem por que, mas tinha um pressentimento quanto ao motivo do mal estar de Jin.

Você está ficando doido de vez, NamJoon. Murmurei-me mentalmente.

Subi as escadas sem me importar com a atenção que ganhava. Jin ressonava, quase adormecido sobre mim.

Quando me vi completamente exposto à luz solar de novo, era como se ele nos estivesse dando boas vindas com todas as suas forças – o que não exatamente me agradou.

Um pé de vento varreu o chão em minha direção, refrescando o interior de minhas roupas. Como se houvesse pegado emprestado um pouco da atmosfera daquela brisa, Jin respirou pesadamente em meu ombro, e no instante seguinte senti-o erguer o rosto de meu apoio.

- NamJoon...? – Sua voz soou fraquinha, mas já não entoava o enfermo de antes. – Saímos daquele lugar escuro?

- Saímos. – Confirmei-lhe com voz macia, quase no mesmo tom que ele me questionara. Não sabia em que momento me preocupara o suficiente para tratar-lhe com cuidado.

O garoto inspirou com vontade o ar ali de fora, e eu sabia que ele estava sorrindo mesmo sem olhar para suas feições.

- Mesmo que tenha sido você a me colocar lá, obrigado por ter me tirado. – Falou, já voltando ao seu modo criança petulante. – Eu não ia aguentar por muito mais tempo.

- Algum dia você me explica como funciona esse seu metabolismo movido à luz solar, seu garoto estranho. – Falei, irônico, já aliviado por ele ter brincado, mesmo que houvesse um peso de seriedade em sua ultima fala. Voltei a andar.

Jin não me respondeu, apenas apoiou seu queixo em meu ombro, olhando para o caminho enquanto eu ainda o carregava.

Aquele bairro era mais movimentado que o meu, mas eu o conhecia tão bem quanto o outro. Parei num sinal fechado, arrumando o corpo do garoto sobre minhas costas. Jin cantarolava alguma musica que eu desconhecia, balançando minimamente as pernas compridas, periodicamente me fazendo desequilibrar e bronquear-lhe. Ele ria baixinho, se desculpando, mas logo já estava se mexendo de novo.

- Caralho, Jin! – Enfezei-me um pouco ao perder o equilíbrio ali, ao lado da via em que os carros passavam sem parar. – Você quer nos matar?

- Não seja exagerado. – Disse, fazendo-se de sentido. – Ah! Falando nisso, você não me respondeu lá embaixo... Respondeu?

Eu ainda estava tentando me recuperar do grito que ele soltara ao lado de meu ouvido, então tardei um pouquinho em buscar a que o garoto se referia.

- Ah... – Retomei a caminhada ao ter a passagem liberada, lembrando da pergunta que não lhe respondera. – Não. Eu não quero morrer. – Falei, notando o silencio de Jin como um pedido de especificação.  – Enquanto eu tiver que viver, eu vou viver. Não quero morrer, só estou de saco cheio de viver. – Eu tinha noção do quanto aquilo soava contraditório aos ouvidos alheios; ninguém nunca entendia. – Mas isso não quer dizer que eu vá me matar.

- Depois você diz que eu sou estranho. – O garoto comentou após poucos segundos de quietude em que eu apenas segui caminhando nas calçadas movimentadas pelas pessoas no início de seu horário de almoço. Apesar de sua acusação, ele soou risonho, enterrando sua nariz em meu pescoço, me fazendo estremecer internamente.

- É, você é. – Confirmei, com voz meio dura. – Estranho e pesado. Já pode descer, não pode? Você parece melhor.

O garoto reclamou baixinho, fazendo bico ao descer de minhas costas, porém, sem contestar significativamente. Ele começou a andar na direção que eu ia antes, sem notar a principio que eu me mantivera parado no mesmo lugar.

Pisquei pequeno, olhando para o garoto de costas para mim, que andava graciosamente. Uma dupla de amigas passou por si, soltando risadinhas ao cochichar uma com a outra. Passaram por mim, que ainda estava empacado no mesmo lugar.

Caralhos voadores, eu tinha que parar com aquelas reações de virgem. Até parecia que nunca tinham chegado perto do meu pescoço.

Mas eu sabia que não fora apenas aquilo. Jin sorria de novo, e as pessoas que eram sortudas o suficiente para receber sua atenção, sorriam também, contagiadas. Por que eu estava querendo sorrir também? E sair correndo para abraçá-lo e pegá-lo no colo de novo? Eu não era de sorrir, e muito menos de abraçar.

- Ei! NamJoon! Olha! – Pisquei outra vez, encontrando Jin agachado na calçada, a uns dez passos de mim, acenando-me para que me aproximasse, animadamente. Saindo de meu torpor, forcei minhas pernas a ir até si, parando acima de si, que sorria abertamente. Senti o peito apertar, mas não era ruim. – Caiu do céu! – Ergueu-me uma pequena moeda, radiante.

Minha primeira reação foi franzir o cenho, em seguida olhar para cima, encontrando uma passarela de pedestres acima de nós dois. As grades faziam a luz solar chegar até nós em intervalos listrados, e eu me peguei imaginando que efeito aquilo teria sobre Jin. Bipolaridade? Se bem que aquilo ele já tinha.

Ri soprado de sua animação, e me agachei ao seu lado, com os cotovelos apoiados nas coxas.

- Caiu mesmo. – Meu riso não estava escondido, e Jin não pareceu se importar com isso; ainda sorria radiante. Me levantei num impulso, oferecendo a mão ao garoto, que se deixou erguer.

Voltamos a andar, e Jin me olhou, sorridente, fazendo-me erguer a sobrancelha, num questionamento silencioso.

- Viu? Dinheiro cai do céu. Nada é impossível. – Sua risada era divertida, me fazia questionar se ele realmente acreditava que aquele pedaço de metal havia chovido de alguma nuvem, ou algo assim.

- É sim. – Falei, depositando meus nódulos dos dedos em sua cabeça, fazendo-o a encolher um pouco. – Você é.

Sua careta por minha “violência” sumiu ao escutar-me, e ele voltou a rir. Dessa vez sua risada ecoou, mais forte que das outras vezes. Um vento quente bagunçou seus cabelos, e eu segui com o olhar as folhas que foram levantadas e levadas em direção ao sol brilhando lá em cima.

- Não seja idiota. – Ele falou, sem nunca abalar seu bom humor. Seguimos andando, e ele ergueu os braços, animado, como se acolhesse as nuvens branquinhas em seu peito. Fechei um dos olhos pela luz solar que me castigava a visão. – Podemos fazer qualquer coisa. Qualquer um pode. A diferença é que eu não tenho as limitações racionais que vocês insistem em enterrar nas próprias cabeças. – Ele indicou o firmamento com um gesto abrangente de sua mão comprida. – Não é ótimo pensar que podemos navegar pelo céu? Voar pelos mares? Ir para onde quisermos?

Olhei-o com veemência que eu não estava habituado a atribuir a terceiros. Era um interesse afetuoso, mais que curioso. A maneira sonhadora com que as palavras soavam ao desprender-se de seus lábios...aquilo era verdadeiramente belo.

Ele num todo era belo. Não apenas uma beleza estética, mas toda a aura, o caráter e o espírito que aquele garoto portava até no menor de seus sorrisos, inspiravam uma beleza até então para mim desconhecida.

- É ótimo. – Falei, concordado. – Mas não é doloroso notar que não podemos fazê-lo? O mundo é mais que palavras bonitas, Jin. – Por mais que me desagradasse cortar-lhe com aquilo, otimismo desenfreado, como qualquer outro extremo, poderia ser extremamente danoso.

- Você sente medo de sentir dor, NamJoon? – Ele me olhou, sorrindo com os olhos quase sumidos de sua face. Seus braços já se encontravam balançando ao lado de seu corpo. E, sem deixar que eu respondesse, emendou: – E que graça tem o mundo sem palavras bonitas? Eu estou com fome.

Ergui as sobrancelhas com seu jeito, mas soprei um riso fraco, acenando com a cabeça.

- É logo ali. – Apontei para o quarteirão seguinte, onde estava nosso destino. Jin pareceu alegrar-se mais, e eu resolvi deixar de lado suas questões incômodas, mesmo que estas fossem seguir me atormentando pelo resto do dia, ou até mais que isso.

Subimos a escada baixa que havia na entrada do local, com Jin saltitando os degraus um tiquinho à minha frente. Abri a porta, olhando em volta. Como esperado, o local estava bastante movimentado, recheado de pessoas fazendo sua pausa do almoço, inclusive...

- Ei! Kim! – Meu olhar já estava sobre a dupla, aquele chamado foi apenas fruto da animação escandalosa de HoSeok. Ele acenou para mim, sentado ao lado do baixinho que eles não decidiam ser seu namorado ou não. – Vem cá!

Suspirando sem discrição, tomei curso para a mesa em que os dois se encontravam, num dos extremos do estabelecimento.

- Uou! Quem diria. Kim NamJoon está acompanhado? – Hope brincou assim que chegamos perto de si. Fiz minha melhor expressão de tédio e me sentei, correndo-me no banco para que Jin me imitasse e sentasse ao meu lado. No centro da mesa, ao lado das bebidas dos dois, havia um vaso comprido e pequeno com uma flor murcha. – E que bela companhia.

O moreno sorriu para Jin, que acenou com a cabeça, subitamente tímido. O que diabos?

- Ele não é fofinho, Gi? – Hope virou-se para o namorado-sei-lá-o-que-meu-amigo-barra-sócio, que sugou seu suco com o canudinho colorido antes de responder.

- É mesmo. Quanto te pagaram pra aguentar esse chato? Ele não tem coração, sabe. – YoonGi provocou, causando uma risada do moreno ao seu lado, mesmo que tivesse sido repreendido pelo mesmo.

Jin tombou a cabeça como um gatinho confuso, analisando meus dois amigos com precisão. Isso fez com que eles parassem momentaneamente com as gracinhas.

- Qual o nome dele, NamJoon? – YoonGi me perguntou, após limpar levemente a garganta. – E por que você saiu da toca na sua folga? Foi por ele?

- Ele sabe falar, sabe. – Respondi, fazendo sinal para o garçom. – Pode perguntar para ele essas coisas. Inclusive o motivo de eu ter saído.

Olhei para o cardápio – gesto vão, visto que eu conhecia de cor aquele menu – enquanto o Min dava sua atenção para o garoto ao meu lado.

- Eu sou Jin. – O garoto respondeu ao platinado à sua frente. – NamJoon saiu porque eu pedi que saísse comigo.

Quase engasguei com o ar ao notar que meus amigos muito provavelmente iriam entender aquilo meio errado, e, ao dar-lhes atenção, de fato os dois me miravam com caras estranhas e maliciosas de quem acha que entendeu tudo.

- Bom, de qualquer forma, é bom que estejam aqui. – Hope sorriu, graças aos deuses segurando qualquer abobrinha que fosse soltar. – Estávamos meio entediados.

Ao ouvir isso, franzi o cenho, principalmente notando YoonGi desviar o olhar, meio chateado. Se tinha uma coisa que eu não queria aguentar também na minha folga eram as briguinhas daqueles dois.

Depois de pedir a comida, eu me engatei numa conversa com os dois; na realidade, eu apenas lhes respondia. Minha atenção estava em grande parte no garoto calado ao meu lado. HoSeok de quando em vez lhe incluía na conversação, mas  o garoto estava avoado demais para se manter ali por muito tempo.

Periodicamente eu mirava o sol lá fora que parecia menos gentil com as pessoas do que estava sendo quando estávamos sob si diretamente. O vento não estava travesso como antes, e tirando o fato de que ainda parecia com um dia de verão e não de outono, o tempo parecia normal, bastante menos fantástico que como parecia lá fora, ao lado de Jin.

- Amanhã você vai abrir a loja, né? – YoonGi perguntou-me, me tirando de meus devaneios pela quinquagésima vez aquele dia. Olhei-o, logo acenando com a cabeça. Éramos os dois donos de uma loja de “bujigangas musicais”, que oferecia desde instrumentos e CDs a camisetas e artigos decorativos. Éramos bastante populares naquele bairro, e esse era o motivo de eu frequentá-lo mais que minha própria casa. – Eu tenho que resolver uma coisinhas, vou chegar só umas dez ou onze da manhã.

Acenei com a cabeça novamente.

- Ei, Gi. – Hope chamou o loiro, parecendo meio alfito. – Não tínhamos combinado que você ia deixar quieto? Por que você faz isso?

- Eu não vou ficar parado. Se você não vai fazer nada, eu vou.

O Jung abriu e fechou a boca, tentando responder ao meu amigo, mas acabou por fechar a mandíbula fortemente, se levantando bruscamente, e, sem mais, se dirigindo a passos duros para fora do local.

Acompanhei o rapaz com o olhar, assim como YoonGi. Assim que o mesmo baixou o olhar, suspirando, olhei-o, desconfiado. Não ia perguntar, não me interessava, mas era raro o Min não estar indo atrás do moreno agora.

- O que aconteceu com ele? – Jin perguntou, sempre com sua ingênua falta de tato nos momentos em que ele precisava ser o garoto espertinho que falava sobre as profundezas da mente humana comigo.

YoonGi suspirou pesadamente, apoiado desleixadamente no banco. Pescou um cigarro do bolso e o acendeu com calma fria. Conhecendo-o, ele era bem capaz de ignorar Jin.

- Seok está com alguns problemas em casa. – Começou, porém, o loiro, dando uma longa tragada, soltando-a com lentidão em seguida, cobrindo seu rosto da fumaça que subiu com calma para se dissipar no ar. – Ele ainda mora com os pais, você sabe. Desde que descobriram da escolha amorosa dele...bom, está difícil.

A voz de meu amigo era amarga. Não me surpreendia que estivesse irritado com aquilo. Eu sabia que apenas estava preocupado com Hope, mas sua forma de demonstrar isso não era a melhor.

- Escolha amorosa? – Jin tombou a cabeça, confuso, outra vez.

- Gostar de garotos, e não de garotas. – YoonGi justificou, sem parecer estranhar o quão leigo o garoto parecia em relação a tudo. Outra nuvem cinzenta escapou por seus lábios, assim como um suspiro.

- Senhor! Não pode fumar aqui dentro! – Uma garçonete alertou YoonGi, já se direcionando à nossa mesa. Meu amigo deu uma tragada curta, já se levantando.

- Eu vou procurar por ele. – Falou, colocando o tabaco na boca. – Boa sorte aí, espero que tenham um dia melhor que o meu.

 E se virou, sinalizando para a garçonete que já estava saindo.

- YoonGi! – Jin chamou, fazendo meu amigo se virar para si, já quase na porta. – Seu dia vai melhorar, pode ter certeza!

E o sorriso de Jin fez surgir um semelhante na expressão sempre séria de YoonGi. Olhei para aquilo quase assombrado. Eu havia estranhado que Jin não havia contagiado os dois com sua alegria antes, mas ele não estava sorrindo antes. Que bruxaria era aquela? Um sorriso sempre tivera aquele poder?

O Min acenou mais uma vez, e nos deixou. Jin olhava para a porta com um sorriso fino, e eu olhava para si. Sua euforia pareceu baixar um pouquinho, e ele voltou a dar atenção ao seu redor.

- O amor é bom ou ruim, afinal? – Perguntou, sonhador, mexendo seu suco de morango com o canudinho azul que recebera junto do mesmo.

- É indefinido. – Respondi, após refletir por um momento, ganhando a atenção de Jin. – Pode ser bom ou ruim. Pode ser longo como uma vida ou curto como uma noite. Pode ser entre quaisquer seres vivos...ou pode não existir. Mas a necessidade dos seres humanos em padronizar tudo acaba mutilando as asas até do amor.

O garoto não me respondeu, e eu o mirei. Seus olhos estavam completamente focados na flor à sua frente. Ele parecia em outra galáxia.

E então, acenou com a cabeça, como se tivesse absorvido o que eu havia dito.

- Vem, vamos sair daqui. – Me levantei. Jin também. A flor na mesa nos deu adeus silenciosamente linda, aberta e viva como provavelmente nunca estivera.

 

Suspirei, colocando a mão em concha para proteger a chama que acendeu o cigarro em meus lábios. Logo após sair do restaurante, eu cedera à vontade da nicotina. Ver YoonGi fumar me fizera lembrar que eu queria fazê-lo, ou assim meu cérebro me fez acreditar.

Soltei a fumaça, que se ergueu em direção ao céu. Uma nuvem grande e fofa cobria o sol gentilmente.

- Por que você fuma isso? – Jin me perguntou, e ao olhá-lo, me deparei não com o nariz torcido comumente presente na face de Tae ao me ver fumando, mas a expressão intrigada de quem realmente não entende o sentido de algo. – Tem um cheiro ruim. O gosto é bom?

Olhei-o curtamente. Havíamos parado de andar. Jin me encarava com os olhos grandes em interesse curioso.

Dei de ombros.

- Não, não é bom. – Falei, por fim, voltando a andar. Jin me acompanhou, parecendo ainda mais perdido.

- Então por que-

- Porque as pessoas às vezes precisam de fugas, Jin. – Falei, já sabendo onde aquilo ia dar. – Às vezes somos muito fracos e cansamos de pensar nos problemas. Às vezes precisamos só nos acalmar um pouco. Essa merda aqui me ajuda nisso.

Jin se manteve em silêncio após minha explicação. Eu havia sido um pouco rude, admitia, mas não me arrependia. Não muito.

- Se te faz bem, não tem problema, então. – Disse, por fim. Olhei-o, quase mencionando que não era exatamente bem que aquele tubinho assassino fazia. Que minhas células pulmonares perderiam todos os seus flagelos protetores e eu foderia com meus órgãos para sempre. Que aquilo me mataria aos poucos.

Porém, o garoto foi mais rápido, em sua incrível habilidade de esquecer dos assuntos num piscar de olhos, como uma criança. E num segundo ele estava correndo  com leveza em direção à praça do outro lado da rua, onde ele parou a uns quatro metros do chafariz mediano que ali havia.

- Ei Ji-! – Parei bruscamente ao quase ir de encontro com um carro na rua. Esperei que passasse e atravessei-a correndo. – Não saia correndo assim! O que eu te falei sobre atravessar ruas?

- Shh! – Jin literalmente me calou, colocando a mão sobre minha boca. – Ouça.

Com sua mão ainda sobre meus lábios, olhei para o chafariz, onde a atenção do garoto estava fixa. Ali, de pé à frente da borda da fonte, havia uma mulher, jovem, beirando os trinta, no máximo. Seus olhos estavam fechados e sua expressão possuía uma leve carranca de concentração. Suas mãos manuseavam um violino de madeira escura, que soltava seu som como canto de sereias, circulando as águas do chafariz, rodopiando no ar e passeando por todos os ouvintes, para então subir em direção ao céu.

Me vi olhando-a com apreço. Sua cabeça e corpo se moviam, conduzidos pelo instrumento mais que o contrário. A música era alegre, mas tinha um certo grau de melancolia. Era como se pudesse te levar para o mais belo dos paraísos, e em seguida te dar uma facada nas costas. A mais bela das atrações, a liberdade fingida, a tristeza prazerosa de uma noite solitária, as notas soltas pelas mãos habilidosas nos arcos inspiraram tudo isso em mim em questão de segundos.

Como se a melodia fossem faixas de pano leve que borboleteavam e faziam com os ouvintes o que desejassem, vi-me olhando para Jin quase como se uma brisa leve me empurrasse a fazê-lo. Ele olhava para a mulher com atenção serena, e mesmo que sua boca não sorrisse como se costume, seus olhos o faziam.

Olhos que viraram para encontrar os meus, e pararam ali. As íris de seus globos oculares pigmentavam ouro derretido. Seu olhar brilhava tanto que eu não me surpreenderia se a lua se confundisse e passasse a seguir suas pupilas em sua caminhada pelo céu noturno.

- Os sonhos podem ser reais. Você só tem que sonhar acordado. – Ele disse, simples, e, como se eu estivesse antes erguido por uma corrente de ar acima do chão, senti-me voltando à terra. A música se encerrou, e a garota curvou-se diante dos aplausos.

Olhamos para ela de longe, que agradecia a cada reconhecimento que ganhava de seus periodicamente ouvintes que logo seguiriam seus caminhos. Logo as pessoas começaram a se dispersar, e a garota abaixou-se para recolher os trocados deixados na capa do violino. O que ela provavelmente não esperava, provavelmente, era o homem jovem que surgiu por trás de si.

De cara ele não seria confiável; provavelmente não estava muito sóbrio tampouco. Ele abordou a moça com brutalidade, que empalideceu ao vê-lo.

Antes que eu sequer pensasse em agir, Jin já estava andando até lá. Francamente, e me chamavam de irresponsável impulsivo.

Bufei, seguindo-o sem muito mais a fazer. Eu tinha que evitar que aquilo virasse uma merda muito grande.

Mas palavras não foram necessárias, assim como minha interferência. Assim que o homem apertou o pulso da garota, a mão de Jin já estava sobre seu punho.

Os dois olharam-no com surpresa, mas Jin, com a expressão limpa, manteve-se quieto, apenas encarando o homem sem sequer piscar.

O cara soltou a garota, cambaleando para longe, claramente aturdido e sem entender por que havia recuado diante daquele garoto de feições delicadas.

O desconhecido engoliu em seco, e num instante baixou o olhar, incapaz de sustentar o de Jin. Ele parecia estar colocando o rabo entre as pernas, mas Jin não tirou o olhar de cima de si até que ele se afastasse, com um aceno tímido de cabeça; um pedido de desculpas.

Seu corpo se perdeu em meio a todos os outros que circulavam o calçadão, e só então Jin olhou para a garota, que abriu a boca para lhe falar algo, recebendo apenas um sorriso sincero de Jin, que correu até mim, sem deixá-la agradecer.

- Vamos? – Perguntou, sorridente, como se ter espantado o namorado zangado ou o que quer que fosse aquele cara não fosse mais difícil que desenhar flores na calçada. – Eu quero comer nuvem doce!

Olhei-o, assumindo ar de graça em seguida. Acenei com a cabeça, iria comprar-lhe o algodão doce. Olhei mais uma vez para a garota antes de me deixar ser puxado por Jin, e encontrei-me com o sorriso largo em sua feição.

Ela acenou com a cabeça em agradecimento, e eu virei para frente, olhando os cabelos castanhos do garoto balançarem à luz do sol enquanto ele me puxava com sua sempre presente animação. Animação bela como um amanhecer.

 

- Sinto que vou falir se continuar te comprando comida. – Brinquei com leveza. Jin me olhou curiosamente, logo sorrindo para seu copo de raspadinha rosada.

- Não tem problema. – Seu sorriso enfraqueceu, quase tristonho; nostálgico. – Você não vai ter que me alimentar por muito mais tempo.

Franzi o cenho, quase perguntando-lhe o significado daquilo, mas o garoto parou subitamente de andar, me fazendo imitá-lo um pouco tardiamente, me virando para olhá-lo.

Seu olhar estava fixo no muro de tijolos vermelhos à sua esquerda. A raspadinha esquecida em sua mão cintilava sob a luz do sol.

Voltei até si com passos silenciosos, olhando consigo para a planta bonita que se erguia sobre o muro, arcando-se para a rua, cobrindo grande parte da parede.

O aroma das pequeninas flores brancas me invadiu as narinas, e eu dei atenção a elas, bonitas crescendo em cachos alvos de cheiro doce.

O olhar de Jin estava fixo, e eu olhei-o, com as mãos nos bolsos.

- Tudo bem? – Perguntei, por fim. Seu olhar estava se modificando; sua expressão delatava-lhe quase um futuro choro.

Ele baixou a cabeça, balançando-a após soltar a respiração, acalmando-se. Seu rosto virou para mim, com um sorriso estampando-o.

- Foi apenas um momento de empatia. – Ele justificou, justificando-me nada, que continuava sem entender, apenas temeroso que ele começasse a chorar do nada sem eu sequer saber o motivo. – Elas partilham da mesma falha que eu, e eu me perguntei se ficam tristes por isso também.

- Falha? – Perguntei, olhando-o, seguindo para mirar as flores, e então olhando-o de novo.

- Você vai entender. – Ele sorriu triste. – Mas por agora, podemos continuar o passeio? Ainda temos algumas horas, e eu quero ver mais coisas.

Sua fala foi de teor infantil, mas seus olhos carregavam um peso, assim como seu sorriso. Após considerar se valia a pena tentar entender ou se era melhor apenas atendê-lo, acenei com a cabeça, voltando a andar.

Não demos sequer cinco passos: aquele muro vermelho era o protetor de uma floricultura caseira, e as cores das flores fizeram Jin parar imediatamente.

Ele aspirou o ar, parecendo ficar mais leve, e eu me permiti relaxar ao menos um pouco; se havia algo que tinha aprendido naquele dia, era que nem sempre precisamos apenas passar rápido por coisas belas. Elas foram feitas para ser admiradas, por mais simples que sejam.

Talvez por isso eu olhasse mais para Jin que para as flores.

Não sabia bem ao certo, mas algo que vinha me incomodando desde o inicio do dia estava ganhando proporções maiores dentro de meu peito que apertava, fraco, mas presente. Aquela sensação de que aquilo tudo não passava de um sonho, e eu iria acordar, perdendo tudo o que tinha vivido e aprendido naquele dia.

Aquilo, por mais aflito que me deixasse, não tinha outro efeito em mim além do de me deixar sem mais nada importar com o resto das coisas além do garoto que eu tinha como companhia. Quase como se ele fosse um sol radiante, e eu o seguisse como uma lua que não se lembrava de como brilhar até tê-lo ali.

Era estranho, mas eu me sentia otimista. Isso Não acontecia há muito tempo.

O garoto se abaixava a levantava, andando por entre as flores, adentrando mais o local que cheirava a terra e flores. Era úmido, fazendo a temperatura baixar um pouco ali dentro. Jin olhava para cada flor com afeto, como se elas lhe fossem tão importantes quanto sua família; eu notara que era isso o que seu olhar passava, para todos os seres possíveis: carinho. Carinho sem restrições em relação a cor, tamanho ou espécie. Carinhoso como brisas frescas de verão, que bagunçam cabelos num carinho gentil.

- NamJoon. – Olhei para si ao ter meu nome chamado, tardando um pouco em achá-lo, visto que ele se encontrava agachado, em frente a um vaso grande e raso de plantas.

Andei os poucos passos que nos separavam, e me agachei ao seu lado, olhando para as flores como ele fazia.

Sobre a terra escura, havia brotinhos cor carmim, pequenos como uma moeda. Os projetos de flor pareciam resplandecer, e eu atribuiria a culpa disso a Jin, naquele lugar escuro onde os pequenos se encontravam quase escondidos.

- São botões. – Ele não perguntara, mas não me contive em confirmar o óbvio. Olhei-o com tranquilidade, e ele seguiu mirando os brotos após acenar com a cabeça fracamente.

- São Rosas do Amor*. Novinhos assim, eu os chamo de Pequeno Amor. – Eu e Jin viramos as cabeças para olhar a senhora que aparecera sabe-se lá de onde no meio daquela selva delicada. – Gosta deles, querido?

- São bonitos. – Jin concordou com a cabeça, respondendo à pergunta que provavelmente fora para si. A senhora imitou nosso gesto, se abaixando ao nosso lado. Ela não devia ter mais que cinquenta anos, e apesar das marcas de expressão, tinha um rosto bonito.

- Realmente são. – Ela sorriu, gentil. Sua voz era suave, como as flores de cor clara que cresciam no recipiente atrás de si. O leve sotaque quase não seria notado se ela não fosse claramente estrangeira. – Sabe por que eu as chamo assim?

Jin negou com a cabeça, infantilmente. Eu o imitei, mais discreto e desinteressado.

- Porque se você cuidar com todo o carinho e zelo que tiver, eles viverão por anos ao seu lado, cada vez maiores e mais fortes, como um amor verdadeiro.

Diferentemente de mim, que me segurei para não rir daquilo, Jin tombou a cabeça, confuso, franzindo a expressão bonita com leveza.

- Não entendi. – Ele mirou a mulher. – O que essas flores tem a ver com amor?

De certa forma, eu me compadecia pelo garoto. Ele vinha ironicamente recebendo tantas definições de amor distintas naquele dia, que eu não me surpreenderia se estivesse bastante confuso.

A senhora pareceu um tiquinho admirada com a ingenuidade do garoto, mas terminou por sorrir.

- Porque quando você planta sementes de amor no seu coração. – Ela tocou com leveza o peito de Jin com as mãos gastas pelo trabalho na terra. Jin deixou-a agir. – Elas só vão crescer se você cuidar delas com muito cuidado, e carinho.

A mulher deixou de tocar Jin, que abriu a boca levemente, acenando com a cabeça. Seus olhos continham o brilho animado de ter aprendido algo novo.

- E como eu sei se fiz direito? – Ele perguntou logo após se avivar ao lhe ocorrer isso. Se inclinou um pouco para ela, beirando o ansioso. Achei graça em sua animação, por ele tratar de “cuidar de um amor” como algo cotidiano, sem sequer considerar...bem, sem sequer considerar o que quer que fosse.

- Oya. – O costume coreano saiu pelos lábios finos da mulher, que sorriram, um pouco aturdidos, sem ligar para a mão que Jin segurava com exasperação infantil. – Na verdade tem um meio bem simples, querido.

Ela se inclinou, segredando no ouvido de Jin, que acenou com a cabeça, confirmando seu entendimento. No ato de afastar-se do garoto de novo, vi os olhos da florista me mirarem de forma gentil, mas com uma espécie de diversão subentendida. Foi muito rápido, sequer tive tempo de pensar nisso, mas me aturdiu por um curto espaço de tempo.

- Entendi. – Jin meneou a cabeça positivamente, sorrindo. – Obrigado! NamJoon não ia conseguir me explicar isso.

Olhou para as flores pequenas com novo afeto, e eu franzi o cenho.

- Como você sabe? – Perguntei, um pouco chateado por não estar entendendo nada. Aquela conversa parecia baboseira, mas eu me sentia aborrecido por não estar incluído nela.

- Porque você não tem coração. Como ia saber sobre ele? – Ele me mostrou a língua, e após um momento perdido, lembrei da brincadeira de YoonGi no café. “Ele não tem coração, sabe”. Vou matar aquele loiro falso.

A senhora riu fraquinho, se levantando enquanto o fazíamos. Jin ainda me olhava daquele jeito travesso, e eu estalei a língua.

Depois aquilo, devemos ter ficado quase uma hora, ou mais, dentro daquele lugar com cheiro de flor. A mistura de aromas era quase enjoativa em certos pontos, mas o cheiro pesado da terra úmida me agradava mais que qualquer um.

Jin andava pra lá e pra cá com a senhora, animado e bonito. Em certos momentos, pequenos raios de sol adentravam no local soterrado de plantas, quase como bracinhos finos que tentavam alcançar o garoto. Por coincidência ou loucura da minha cabeça, o local parecia bem mais iluminado do que quando chegáramos.

Jin acenou animadamente, andando de costas enquanto nos afastávamos da floricultura. A estrangeira acenou-nos, sorrindo, ao nos observar afastar.

- Cuidado, idiota. – Falei, puxando o garoto para evitar que ele caísse ao trombar num homem que conversava com uma mulher na janela. Andando de costas daquele jeito ele era ainda mais desastrado que o normal.

A florista soltou uma risadinha, acenando mais uma vez antes de entrar, nos observando ir embora. Eu segurava Jin pelo tronco, enquanto o garoto gargalhava sem motivo aparente. Uma brisa forte e quente cortou-se entre nossos corpos, balançando minhas roupas. Apertei meus dedos em sua cintura, logo o soltando.

Jin me olhou, radiante, e sem mais nem menos, segurou minha mão , me puxando ao começar a correr.

- O qu- Jin! – Chamei, evitando tropeçar feio por pouco. O garoto seguia rindo, eufórico e leve, como um vento rápido. Me puxava por entre as pessoas sem se importar; as árvores do outro lado da rua farfalhavam como se nos cumprimentassem, com as folhas amareladas de outono parecendo avivadas sob o sol de verão fugido para os meados de outubro.

- Ainda temos um mundo inteiro para ver, NamJoon! – Ele apenas me respondeu, correndo. Nossos passos ecoavam, sendo abafados pelo som da cidade. O céu azul no acompanhava, bonito e brilhante, como se abrisse passagem para os dois jovens inconsequentes que riam sem motivos naquele mundo de desespero onde todos se subjugam a viver.

 Porque sim, eu abri um sorriso, rindo com ele, seguindo-o como uma sombra que o mirava com maravilha. Os cabelos eram soprados para trás, meus pés se aqueciam na corrida, quase sem tocar o chão tamanha nossa velocidade. Assim, eu quase sentia como se pudesse levantar voo, segurando aquela mão até estar mais alto que o próprio céu.

 Olhei para as mãos juntas. As suas me passavam energia, calorosas, e me levantavam para o primeiro voo de minhas asas machucadas. Meus pés não estavam mais gelados, eles eram acolhidos pela brisa quente enquanto eu tentava desajeitadamente acompanhar o voo daquele garoto que me puxava e empurrava com o som leve de seu riso, como um pássaro que sobe em direção ao azul infinito.

Se eu pudesse apenas voar para longe de tudo, eu não me importaria.

Não sei se corremos por horas ou por segundos, mas mesmo após pararmos, nos apoiando ofegantes num muro grafitado em cores vivas, recheado de mosaicos eitos de vidro, eu ainda me sentia metros acima do chão.

Jin me olhou, ofegando fortemente, e eu sorri-lhe quando ele o fez. Meu coração pulava como um louco, cada poro de minha pele formigava, completamente atento ao mundo ao redor.

Eu notava o vento fraco em minha pele, o suor em minha nuca e costas, deixando minhas roupas e cabelos pegajosos; as bicicletas que passavam pela ciclovia, os carros circulando em velocidade contida, as pessoas passeando no pequeno parque arborizado do outro lado da rua; as árvores derrubando suas folhas com suavidade na calçada, o sol lá em cima, sorrindo-nos ao lado das nuvens, parecendo pinceladas de amarelo e branco no céu azul.

 E, mais que qualquer coisa, meus olhos enquadravam o garoto levemente encurvado á minha frente, ainda esforçando-se para recuperar o fôlego.

Ele passou a mão sobre a testa, que cintilava em um pouco de suor, olhando para cima com um sorriso implícito na expressão. Sua mão cobriu-lhe os olhos ao mirar diretamente a estrela central, engolindo em seco e voltando a sorrir.

Observei-o, sentindo uma paz imensa apesar de adrenalina que ainda se acalmava dentro de meu organismo. Ele fechou os olhos, respirando fundo, ainda um pouco ofegoso.

Senti os raios de sol me acariciando a pele, e notei que provavelmente tinha compensado toda a minha falta de luz solar na vida apenas naquele dia.

- Isso é tão bom. – Ele comentou, aparentemente sem motivo. Seus olhos ainda estavam fechados, apreciando a luz que lhe banhava.

- Surpreendentemente, o sol está me fazendo bem hoje. – Tampouco tive um motivo certo para falar isso, mas Jin me olhou com diversão confusa após ouvir minha voz.

- O sol sempre fez bem para as pessoas. – Contestou, em estranhamento divertido.

- Ah é? Diz isso pra minha cabeça quando ela frita no sol do meio dia.

Minha fala fez uma risada brotar da garganta de Jin, que ria enquanto balançava a cabeça em negativa, apoiado no muro colorido.

- Estou com sede. – Comentou, logo antes de um garoto aparecer da tenda ao nosso lado, que agora eu via ser cheia de bujigangas coloridas penduradas, de filtros dos sonhos a vitrais decorativos.

- Ah! – O garoto colocou as mãos sobre os cabelos. – Droga, o muro! – Jin imediatamente se afastou do muro, meio assustado. – Eu ainda estou terminando...aish.

Olhei para o muro, notando que a tinta parecia fresca em certos pontos daquela bagunça de cores. Imediatamente olhei para as costas de Jin, que haviam se escorado na parede. Ri baixinho.

- Virou um arco-íris-Jin. – Comentei, risonho, olhando para as manchas coloridas em sua blusa branca.

O garoto olhou para trás, dando voltas no mesmo lugar ao tentar avistar o estrago, logo se cansando ao notar que não conseguiria fazê-lo. Bufou baixinho, me olhando com o nariz torcido por meu riso pequeno.

- Ah... – O garoto desconhecido havia se agachado um pouco para olhar seu trabalho, que não havia se danificado tanto assim. A orelhas do garoto tinham inúmeros furos, e sua camiseta tingida em tie-die azul lhe dava um ar daqueles carinhas que dizem viver de luz solar.

- Desculpe. – Jin pediu, com certo peso na expressão desenhada. O loiro abaixo de si se levantou, olhando-o.

- Não tem problema. – Forçou um sorriso. – Eu só fiquei um pouco frustrado. Mas posso concertar. – Analisou-nos mais um pouco, vendo nossos peitos ofegantes e o pouco suor escorrendo em nossos pescoços. – Estavam fugindo de alguém? Está quente hoje, não? Querem tomar alguma coisa?

E sem nos deixar responder qualquer uma das perguntas, se virou e entrou pelas portas de vidro da pequena loja de onde tinha saído. Ali dentro cheirava a incenso, e tinha sua iluminação feita pelas inúmeras luminárias coloridas e criativas que se espalhavam por teto e paredes.

Abaixando-me um pouco para não bater num lustre de pano vermelho cheio de pedaços de vidro transparente, segui Jin e o garoto baixinho para dentro da loja.

Atrás do caixa de madeira escura cheio de penduricalhos coloridos e com pequenos potes de vidro com pedras coloridas, o garoto se abaixou, pegando uma garrafa d’água dali. Ou ao menos eu pensei ser água. Antes de notar que aquela coisa era cor de rosa.

O garoto serviu três copos daquele rosado transparente em silêncio. Em seus pulsos havia pulseiras coloridas, nos dedos, anéis, e no antebraço, uma mandala tatuada e colorida em tons de aquarela.

 - O que é isso? – Perguntei antes de beber, ao contrário de Jin, que já enfiava tudo goela abaixo. Ele que fizesse o que quisesse, mas eu havia vivido o suficiente para aprender a não aceitar de primeira tudo o que hippies estranhos te ofereciam.

- É água de quartzo rosa. – O garoto me explicou, com aquele arzinho meio superior que eu notei ser fixo em sua voz. – A de quartzo azul inspira tranquilidade, mas o Chan terminou com todo o meu estoque. – Deu de ombros. É, não tinha jeito: não importasse o quão doce sua voz soasse, ele pareceria petulante. – Tem de ágata , que é de cura, mas as pessoas não costumam gostar dela. Essa aqui é para inspirar amor.

Jin pareceu acender como eu ao ouvir aquele assunto trazido à tona novamente. Fiz uma careta.

- De novo? Isso já está ficando ridículo. – Reclamei, e Jin sorriu sem graça, pousando a mão em meu braço ao me pedir calma. O garoto baixinho que nos recebera me olhou interrogativo, logo mirando Jin, como se considerasse preferível conversar com ele que comigo.

Eu não me surpreendi.

- Essa não é a primeira vez que estão nos falando de amor hoje. – Jin justificou sob o olhar ávido do garoto de cabelos cor de mel.

- Está parecendo campanha hippie. – Falei, baixinho, mas o garoto me olhou, com ar cético.

- Algum problema com hippies?

- Não. – Falei, olhando-o com tédio. Não gostava da atitude daquele garoto. – Mas nossa situação já está ficando cômica.

- NamJoon. – Jin me falou quase em alerta. – Seja gentil. Estamos aqui como convidados.

Calei-me imediatamente, e nosso anfitrião baixinho sorriu, satisfeito.

- Não é pra menos. – Pegou o copo que eu não tocara, bebendo o líquido rosado. – Amor é a maior virtude da humanidade. É nossa base de funcionamento. É esperado que as pessoas lhe deem crédito a mais.

Colocou o copo sobre o balcão, circulando o mesmo e indo até a parede oposta na loja. Arrumou uma luminária de papel arroxeado, continuando, de costas para nós dois enquanto seguia cuidando de detalhes invisíveis para mi naquela bagunça de cores e luzes:

- Amor é a fonte da maioria das fantasias humanas, porque nos atrai mais que tudo. – Virou-se para nós, focando o olhar em Jin, mas logo migrando-o para mim. – Esse é o nosso mundo; fazemos de tudo para alcançar coisas invisíveis e inalcançáveis, enquanto nosso maior presente está presente em cada ato gentil. As pessoas não notam isso.

O garoto suspirou, quase tristonho, abaixando-se e pegando pétalas brancas do chão, colocando-as num vaso raso de pedra branca, cheio de água. As pétalas flutuaram ali, pacíficas.

- O que temos em excesso nunca é o bastante. – O loiro fixou seu olhar em nós dois novamente. Sua voz ficou mais dura. Ele parecia carregar o peso delas em seus lábios finos. – Fazemos da primeira vez ser uma única chance. Temos pressa em crescer e em amar, pressa em viver. Esse é sempre nosso maior erro. – Ficou em silêncio por um momento, enquanto eu engolia aquelas ideias ditas de forma frustrada e revoltadas. E então subiu os olhos baixos de novo. – A necessidade em nos afirmar nos faz cometer erros, e mentir. Em meio a tudo isso, esquecemos do que realmente é o amor.

Franzi o cenho. Aquilo fazia sentido para mim, mesmo que eu não gastasse muito tempo pensando naquele tópico como o pequeno loiro parecia fazer.

Olhei para Jin, que mirava a parece oposta de forma oca; não, havia algo ali. Parecia frustração. Não entendi nem o começo de por que esse sentimento estava refletido em olhos que pareciam sempre carregar emoções positivas.

Seus lábios estavam levemente separados, e assim que ele soltou a respiração, sonoramente, por aquela pequena abertura, um vento repentino entrou na loja, fazendo soar guizos indianos e dançarem as inúmeras sombras coloridas causadas pelas luminárias. As pétalas grandes esbranquiçadas na água foram levantadas pela ventania, rodopiando e fugindo para todos os lados, quase como penas fugindo por aí.

O hippie baixinho soltou uma exclamação surpresa, correndo para fazer parar de balançar as peças de vidro que ocupavam grande porcentagem da loja.

Olhei para Jin, assustado, quase reprovador. O garoto piscou, parecendo sair de um transe, e me pegou mirando-o. Seu olhar perdeu-se no meu por um momento, e eu pude ver com clareza as cores brincalhonas voltarem às suas íris aos poucos, na mesma medida que sua expressão suavizava-se para o leve e inocente novamente.

O sorriso retornou aos seus olhos, mas eu me mantive sério, tentando entender o que havia acontecido ali.

Junto com seu sorriso, uma luz fraquinha ofuscou minha visão. Olhei para trás de si, para a vitrine da frente da loja. Algo cintilava ali, refletindo a luz solar lá de fora.

Olhei para a face de Jin, que tinha um feixe de arco íris cobrindo-lhe a bochecha esquerda, e outro na blusa, na altura do abdômen. Jin sorriu bonito ao notar o mesmo que eu, mas em meu rosto. Ele tocou meu queixo, que provavelmente estava colorido pela ilusão luminosa, uma risadinha fraca sua preenchendo o ar curtamente.

Andei até mais perto do prisma arco íris, vendo vários outros, de diferentes tamanhos e formas, balançando ao seu lado, fazendo uma enorme corrente até a porta.

- Olha! É igual àquele da galeria. – Jin indicou com o dedo, após passar os dígitos com leveza pelos cristais, fazendo-os tilintar ao tocarem uns nos outros. Olhei para cima da porta, onde um vitral colorido se sobrepunha, bonito e vivo em cores. Era uma meia mandala, detalhada em mosaico de vidro.

- É mesmo. – Acenei com a cabeça. – A diferença é que aqui eles fazem sentido. Na galeria não faziam nem um pingo. – Era uma construção inspirada na Grécia antiga, por que diabos tinha vitrais góticos?

- Deixa de ser reclamão, NamJoon. – O garoto reclamou, risonho. – Não seja tão sistemático, sim? Deixe isso para amanhã.

- Por quê? Amanhã você vai me deixar ser sistemático e não vai sair me arrastando pela cidade pra fazer amizade até com o poste da esquina? – O garoto não me respondeu. Eu segui mirando o vitral. A luz solar mudara seu ângulo ao atingi-lo, deixando as cores inesperadamente chamejantes. Observei as cores, com o olhar fixo, inspirando silenciosamente antes de continuar: – Eu não me importaria de fazer isso mais vezes. Nunca achei que fosse dizer isso, mas hoje eu me senti realmente vivo, como nunca tinha me sentido. Obrigado por isso, eu acho.

Não recebi resposta sua, e isso me fez olhar para si. Eu estava me sentindo meio estranho. Aquela declaração não era algo com que eu já tivesse sequer imaginado fazer algum dia.

Seus olhos haviam se perdido outra vez. Observei àquilo com quase aflição. Era como se ele fugisse de meus dedos e eu perdesse qualquer forma de mantê-lo ali, como eu, num estalo naquele momento fatídico, notei ser minha vontade.

O garoto piscou, me olhando. Não ficou confuso por muito tempo, mas seu sorriso não voltou imediatamente; ele me encarou, quase pesaroso. E então sorriu; um arco Iris pequeno cintilou em seus lábios, e ele se virou, cortando nosso contato visual, abrindo a porta e andando para fora do estabelecimento.

Meio aturdido, soltei um “tchau” para o loiro que ainda secava a bagunça causada pelo vento repentino anterior, que resmungou algo incompreensível enquanto eu já saía da loja, seguindo Jin.

Olhei para os dois lados da rua, num ato de desespero, logo notando que o garoto estava apoiado na vitrine da loja colorida, com um sorriso meio abatido.

Olhei para si, quase apelando com os orbes que ele me explicasse o que era tudo aquilo. Ele sorriu cúmplice, negando com a cabeça e se desencostando da parede, para seguir o caminho que fazíamos antes de nossa parada.

Aquilo fora uma claro sinal para que eu não perguntasse mais, mas aquilo não ia de acordo com meus princípios. Claramente havia algo incomodando-o, e eu não queria me manter em silêncio.

Me mantive, porém, nessa exata quietude enquanto andava ao seu lado pela calçada. Já deviam ser quase as cinco da tarde, então seria natural o astro rei estar mais fraco, mas eu sentia a luz solar quase como se ela espelhasse o mesmo estado pensativo do garoto ao meu lado: quieto, enfraquecido e beirando o melancólico.

Olhei-o pelo canto do olho pela milésima vez, voltando os olhos para o caminho que percorríamos. Paramos na entrada da faixa de pedestres, esperando que a passagem nos ficasse livre. Os segundos passaram pesados antes da voz que eu mais queria ouvir naquele silêncio deprimido soasse:

- Ele tinha razão, sabe. – Sua voz estava estranhamente vazia da costumeira alegria. Ele sorria, mas o sorriso não inspirava a vivacidade de sempre. – Sobre as primeiras vezes. E as últimas chances. Às vezes eu só queria que o dia durasse para sempre. Queria que minhas chances não fossem tão pequenas.

Olhei-o curiosamente, esperando-o seguir falando. Mesmo que não entendesse a historia por trás daquele desabafo, era palpável a sinceridade de cada palavra, me fazendo sentir na pele a tristeza do garoto que eu rapidamente havia aprendido a considerar mais que o normal.

Ele ergueu o olhar, pescando o meu com facilidade. Senti um calafrio subir-me pela espinha, sem saber ao certo por que. Meu peito apertou, e meu abdômen pareceu contrair-se.

Seu olhar parecia refletir o azul do céu, carregando com ele todos os sopros de dúvidas que as pessoas jogam ao ar todos os dias.

- Antes você disse que não era capaz de amar... – Ele retomou a palavra. Estranhamente senti como se ele quisesse falar àquilo há tempos, mas também parecia que aquilo lhe ocorrera naquele segundo. Eu não consegui ler aquele garoto. – Não acha que na verdade você não ama a si mesmo?

E ali estava o garoto estranho com perguntas afiadas como lâminas. Antes que eu sequer pensasse no que responder-lhe, notei o sinal se abrindo, e roboticamente coordenei meus passos para atravessar a rua. Jin me seguiu, um pouco atrás, em silêncio.

Andamos assim, percorrendo os perímetros do parque arborizado que ali havia. Jin tinha a cabeça meio baixa, e eu olhava para frente, pensativo. Uma nuvem cobrira o sol, deixando tudo com um ar nublado. Olhei para Jin após alguns minutos serenos. Havíamos entrado nos caminhos por entre as arvores que farfalhavam e inclinavam-se conforme ditava o vento fraco por cima das cabeças dos passantes.

Jin chutou uma folha grande e alaranjada. Eu olhei para as copas avermelhadas em contraste com o céu azul. Meu peito estava doendo. Eu lera uma vez que existem diversas emoções que te fazem apertar o miocárdio, em resposta ao estímulo emocional do cérebro. Entre elas estavam a ansiedade, a tristeza, a saudade, a preocupação e a paixão. Eu não fazia ideia do que estava sentindo no momento, mas não apenas meu peito, como também meu abdômen pareciam se contorcer num vazio doloroso.

O garoto parou sua caminhada, com os tênis escuros escondidos sob algumas folhas que seriam imitadas em sua queda lenta por todas as outras que se erguiam sobre nossas cabeças.

Parei dois passos à sua frente, me virando para mirá-lo. Seus olhos repousaram sobre os próprios pés por um longo tempo, para então erguerem-se e me encararem.

- Você tem certeza de que não consegue amar? Para mim, parece algo que o ser humano precisa para se chamar ‘humano’. – Perguntou. Olhei-o, sem entender racionalmente sua fixação naquela dúvida. Mas com Jin as coisas dificilmente funcionariam se pensasse racionalmente. Ele era um coração ambulante; um poço de emoções.

As nuvens sobre o sol ainda estavam cobrindo-o como um manto de algodão. Uma brisa fresca cortou o espaço entre nós dois, subindo um pouco as folhas do chão, e bagunçando os cabelos de Jin, que ainda me olhava fixamente.

Analisei-o, correndo meus olhos pelos quatro cantos de seu rosto, antes de folgar o corpo sobre uma das pernas. Havia me dado uma vontade repentina meio absurda de ascender um cigarro, e meus lábios formigavam, parecendo pedir por isso. Segurei o impulso.

- Eu sou capaz de amar. – Comecei, com tom controlado. Meus olhos não desgrudavam dos de Jin, e os dele faziam o mesmo. – Não com facilidade, mas sim. Eu tenho alguns amores. Os humanos de fato não conseguem viver sem um pouco de amor. – Molhei os lábios, pensando. Tae, minha mãe, a música, e até mesmo YoonGi e HoSeok; eram o que me vinha à mente quando eu pensava naquele sentimento que para mim sempre se manteve um pouco nas sombras, sem nunca me deixar compreendê-lo por completo. – Acho que quem não tem amor a nada não pode continuar vivendo. Aquele hippie irritante estava certo sobre essa ser nossa base como seres humanos, na sua forma mais pura. Apesar de toda a ganância, inveja e sentimentos ruins, o amor está ali. Eu acho.

Um silêncio curto se fez assim que concluí minha fala. Movi o peso do corpo de um pé para o outro, meio desconfortável.

A expressão sintética de Jin vagarosamente foi substituída por seu sorriso fraco. Ele me olhou, compadecido.

- Falar disso te custa um monte, não é? Me desculpe. – Pediu. Olhei-o, com quase cautela. Sim, eu me sentia meio retardado falando aquelas coisas. Quando as pessoas começaram a ter vergonha de falar sobre amor? Pensando puramente na coisa, não fazia sentido.

O garoto voltou a andar, parando ao meu lado por um instante, segurando minha mão com gentileza e voltando a caminhar, me conduzindo pelo caminho cor de fogo, que se iluminava, refletindo aqui e ali feixes da luz do sol que saíra de trás da nuvens, sorrindo novamente.

 

- Isso é uma missão suicida disfarçada de brincadeira ou algo assim? – Perguntei, ofegante, enquanto o seguia. Após caminhar mais um pouco pelos labirintos ladeados de arvores flamejantes, chegamos à área cercada que protegia um pequeno parque de diversões bairrista. O local ainda estava fechado, mas isso não impediu Jin de saltar a pequena cerca metálica e começar a aventurar-se no local quieto.

Eu, obviamente o segui, com menos má vontade do que seria esperado de mim. Não sabia ao certo o que o garoto buscava ali. O sol já estava na altura dos prédios; mais algumas horas, e a lua tomaria seu lugar no céu.

O garoto olhava para os lados de forma curiosa, quase como se buscasse algo, mas caminhava calmamente em meio às estruturas metálicas dos brinquedos parados.

Após andar por um tempo por ali, ele parou ao lado da roda gigante – que não era tão gigante assim – olhando-a com expressão quase determinada. Olhei-o em estranhamento quando este se dirigiu à base do brinquedo, parando em frente à escada de manutenção no pé da grande suspensão de metal, e agarrando a primeira barra metalina.

E, mesmo que aquilo fosse a ultima coisa que eu queria estar fazendo naquele fim de tarde, lá estava eu, seguindo-o pela escada que me tirava cada vez para mais longe do meu seguro chão.

Olhei para baixo, ouvindo uma risadinha de Jin.

- Estamos quase chegando.

Ofeguei de novo, negando-me a olhar para baixo.

- Pelo amor dos deuses, Jin. – Reclamei, baixinho, com a voz falha. Meus dedos estavam brancos ao segurar as barras de metal que me auxiliavam na subida.

- Tem medo de altura, NamJoon? – Jin perguntou, com voz risonha. Ele ofegava minimamente, pelo esforço, não pelo nervosismo como eu.

- Não medo. – Contestei, soltando a respiração fortemente. Fixei meus olhos nas barras de metal para tentar esquecer a altura em que me encontrava. – Só gosto de me sentir seguro nela, sabe. Sem ter a possibilidade de eu cair de metros de altura e virar uma mancha de gordura no chão. – Soltei, irônico, ouvindo outra risada de Jin.

- Segure seus nervos mais um pouquinho. Já estamos chegando. – Ele disse mais uma vez, e eu o segui em silêncio.

Eu sabia que a subida durara poucos minutos, mas para mim uma eternidade havia se passado quando Jin saiu da escada, sentando-se no suporte do eixo da roda, arrastando-se para o lado para me permitir acompanhá-lo. O local era grande o suficiente para nos suportar sem incômodo; uma plataforma de metal ao fim da escada.

Fechei os olhos, sentando com as costas apoiadas na grade de segurança, sentindo meu peito subir e descer mais rapidamente que o normal.

Senti a mão de Jin em meu braço, chamando-me a atenção com amabilidade.

Abri os olhos, mirando-o, e senti com a visão periférica, a forte luz alaranjada do sol de fim de dia acertar-me com toda a força.

O rosto de Jin coloria-se de laranja, e seu sorriso brilhava discretamente enquanto ele apertava os olhos ao me devolver o olhar.

- Se acalme. – Ele pediu. Sua voz tinha sabor de uma brisa quente de verão; sua beleza tinha cheiro de amanhecer. – A altura não é a vilã. Suas inseguranças que são. Se livre delas, e você vai amar ficar aqui em cima. Vai deixar de querer pisar a terra.

Falou, quase sonhadoramente, olhando para o horizonte. Seu olhar brilhou, como se fosse liberar lágrimas, mas assim que ele me mirou, o ânimo pareceu nunca ter deixado sua expressão.

Ele se levantou, segurando com uma mão na grade, e com a outra, ofereceu-me apoio.

Olhei para sua mão, e então para si, que me mirava corajosamente.

Segurei sua mão, levantando-me com um pouco de dificuldade. Apoiei-me com as duas mãos fortemente na barra, cambaleando ao sentir minha visão rodar assim que pousei-a no mundo abaixo de nós.

- Não olhe para baixo. – Ele disse, firme, erguendo meu queixo com a mão, me fazendo mirar o horizonte alaranjado. – Sempre em frente ou mais acima. Só assim evitamos cair.

O duplo sentido em suas palavras ecoava em minha mente, e assim que senti sua mão sobre a minha, com presença gentil, respirei uma, duas, três vezes antes de olhar diretamente para o sol que descia com lentidão pelo seu final de céu disponível. Cerrei a mandíbula, ignorando a luminosidade machucando-me os olhos, e apertei com força o metal que me assegurava. Relaxei as mãos, respirando mais uma vez.

Perdi-me observando a linha do horizonte, logo mirando as árvores altas no parque abaixo de nós, e então as pessoas que passeavam pelos caminhos por entre elas. Meu coração batia com força contra as minhas costelas, mas o medo já não era o mais significativo motivo disso.

Olhei para Jin, que me aguardava pacientemente. Seus olhos sorriram para mim, e eu arrumei um pouco a postura tensa, tentando relaxar. O medo não passara, eu sabia, mas naquele momento ele era menos importante.

Menos importante que o vento fino que batia contra meu rosto, que o sol cintilante que banhava a cidade em tons flamejantes, que o garoto cuja mãos e sorriso pareciam me prender àquele lugar mais que meus pés e mãos fixos no metal.

E então de súbito seus olhos arregalaram-se minimamente. Seus lábios se abriram um pouco, antes que ele soltasse, fracamente, a frase que quebrou nosso silêncio contemplativo:

- Você...você disse antes que o amor não tem definição. – Começou. Suas palavras soavam nervosas, quase afobadas, mas carregavam o tom maravilhado que lhe era usual. Acenei com a cabeça, esperando-o continuar. – Que ele pode durar uma vida, ou uma noite. – Confirmei-lhe de novo. O garoto mordeu os lábios, com os olhos agitados. Sua mão sobre a minha começou a tremer levemente. – E um dia? É possivel sentir amor em um dia?

Olhei-o, a um pé de começar a entender o que se passava nas emoções bagunçadas pelo garoto eufórico. Mirei-o com calma que ele não portava no momento. Meu coração martelava em meu peito, fazendo doer. Minha barriga dava voltas, como se tivesse esquecido de como funcionar e os órgãos estivessem brigando uns com os outros.

- Juliet, ela... – Tardei um instante em lembrar que aquele era o nome da florista de meia idade que conhecêramos naquele dia. Os olhos ainda tempestuosos e confusos me miraram, maiores que o normal. Ele estava assustado. – Ela disse que se cultivarmos as flores, saberemos que elas estão prontas quando as borboletas se atraírem por elas. Que elas bagunçavam dentro de nosso estômago. – Arregalei os olhos levemente, lembrando do cochicho que Jin e a senhora haviam compartilhado quando o garoto perguntou como se reconhecia um amor maduro. – Está doendo. Devia doer?

Os lábios trêmulos do garoto refletiam-se em laranja do sol quase poente. Suas mãos também estremeciam; seu corpo estava completamente ocupado pelas borboletas.

Vi seus olhos tremeluzentes, parecendo prestes a chorar. Lembrei de ter ouvido alguma vez, que não importava o quão belo fosse o amor, ele era grande demais para não assustar a qualquer um. Principalmente a pacientes de primeira viagem.

Meu coração, supostamente “de pedra”, supostamente inexistente, apertou. As borboletas me ocupavam como um todo, como uma enxurrada que me tomaria por completo antes de jorrar para fora de mim, tamanha sua força.

Sua mão estava sobre a minha, mas logo foi segurada pela mesma, e sem mais, puxei o garoto de aparência subitamente frágil para perto de mim. Eu também estava frágil, e não deixaria ninguém além dele me ver daquela forma.

Meu corpo parecia mal aguentar-se sozinho, então eu o usei como apoio enquanto era também o seu. Seu ofego fraquinho foi ouvido por mim quando encaixei-o em meu corpo.

Apertei-o, com as marteladas de meu coração ressoando em minha audição, e as suas fazendo meu peito flamejar. As mãos trêmulas do garoto ergueram-se, abraçando-me desajeitadamente.

- NamJoon... – Soprou baixinho, contra meu ombro. – Se você não tem coração...o que está batendo aqui? – Sua voz tremulou ao fim da frase, e eu ri baixinho, quase tão nervoso quanto ele.

- Vai ver ele lembrou de bater. – Respondi, e Jin me mirou com olhos grandes. Sorriu após uns segundos, aceitando minha explicação, e levou uma mão ao meu peito, onde pousou os dedos com delicadeza.

- Dói?

- Dói. – Confirmei, sem desfazer o contato visual consigo. – Mas não é ruim. Eu sinto como se fosse explodir, mas não é ruim.

Um sorriso brotou em seus lábios como uma fonte de água surgindo da terra, e ele confirmou com a cabeça, baixando um pouco a mesma antes de voltar a me mirar com intensidade.

Um pouco aturdido, vi dançarem como cores e silhuetas, em seus olhos chamas esverdeadas e violetas. Elas brincavam com o amarelo, o vermelho e o anil, incendiando a imensidão escura. Aquele multicolor devia ter me assustado mais que qualquer coisa, mas eu não consegui desviar o olhar.

Fazer isso era um dos impossíveis que Jin alegou não existirem. Pequenos impossíveis que ele fora quebrando em minha rotina...eu não queria que aquele fosse superado. Não. Eu seguiria olhando aqueles olhos, por quanto tempo fosse necessário. Olhos que carregavam todas as cores e faces de um dia, todos os sentimentos e sensações, como se tivesse caminhado preguiçosamente pelo céu, observando cada detalhe e cada vida.

Olhos cor de sol.

Apertei meus lábios discretamente, num momento de hesitação antes de deixar que as borboletas raivosas tomassem controle de meu corpo e emoções.

Travei curtamente enquanto decidia se realmente era recomendável confiar-me completamente àquele impulso, mas eu sabia que estava apenas enrolando a mim mesmo; eu já estava entregue.

Assim que senti seus lábios sob os meus, foi como se todas as borboletas – as suas e as minhas – escapassem-nos pelos poros, subindo num redemoinho colorido, em direção ao céu infinito, que não precisava ser o limite.

Eu estava com ele, com cada célula de meu corpo completamente consciente do seu, segurando-o em meus braços enquanto meus olhos fechados admiravam-no sem o uso da visão; uma quase idolatria.

Ele estremeceu em meu abraço, e então suas mãos apertaram-me com força, quase desespero. O piso havia sumido sob nossos pés; estávamos sustentando um ao outro; nossas asas maltratadas que não conseguiam voar sozinhas se auxiliavam, mantendo-nos longe de tudo, mas perto um do outro.

Pressionei mais seus lábios, abrindo-os com os meus. Movi sua boca na minha, sentindo-a macia contra mim, me enviando ondas de energia que pareciam preencher-me por completo.

Os dedos de Jin me apertavam, meus braços o engoliam, e nossas bocas se encaixavam como as peças de um quebra cabeça que havia ficado tempo demais solto. Acariciei-lhe o inferior com a língua, e as costas com a mão. Jin estremeceu outra vez, levando as mãos para meus ombros, abraçando-me a nuca.

Ele ofegou, e eu apertei-lhe mais a cintura, erguendo-o um pouco do chão metálico. Naquele momento eu havia esquecido completamente que estava a mais de dez metros de altura, sem apoio algum além do garoto que tinha nos braços.

E eu não me importava.

Nossas línguas se encontraram timidamente, mas com intensidade. Eu só queria senti-lo, tê-lo contra mim de qualquer forma, odiando cada centímetro que nos separasse.

E eu sabia que ele sentia o mesmo.

Mesmo com os olhos fechados, eu percebia o sol nos observando, aquecendo-nos a pele com seus últimos minutos daquele dia. Sentia o vento nos envolver como milhares de camadas de calor, que nos bagunçavam os cabelos e acalmavam os nervos, fazendo a dor palpitante em nossos peitos ser mais suportável e leve.

Apenas quando senti as lágrimas quentes me molharem o rosto que despedi minha língua da sua, passando-a com carinho por seu lábio antes de separar o contato, observando-o. Ele apertou seus lábios um contra o outro, ainda de olhos fechados, como se temesse me encarar.

As lágrimas cintilavam, escorrendo pelos cantos de seus olhos e descendo para suas bochechas.

Meu coração apertou novamente, mais doloroso que antes. Eu sabia que a emoção da vez era a apreensão.

Levei uma mão para seu rosto, secando-lhe parte das lágrimas num gesto delicado. Ele abriu os olhos, me mirando, temeroso.

- Podiam ter me avisado que ia ser tão difícil. Que ia doer tanto. – Sua reclamação infantil escapou de seus lábios outra vez trêmulos, inchados pelo beijo recente.

- Quem? – Ergui a sobrancelha, me sentindo um pouco mal por ter achado um mínimo de graça em sua indignação ingênua.

- Alguém. – Ele reclamou, um pouco mais rude. Não levei para o pessoal, ele não estava tentando me atingir, isso era claro. – Ninguém. Eu não sei! – Me olhou, suplicante. – Foi o suficiente, eu tive muito mais do que esperava, mas...é egoísmo querer mais um pouquinho? Eu só queria mais tempo...

Fiquei em silêncio, sentindo-o com clareza em cada espaço que podia tocá-lo naquele abraço afrouxado. Eu sentia-o até onde não encostava. Ele era como um poço de energia, que não cabia em seu receptáculo, e acariciava-me a pele e a alma com delicadeza.

Ele olhou para o horizonte. O sol laranja ainda não tocava a linha que o esconderia até o dia seguinte por um triz. Seus lábios tremularam outra vez.

- Eu te disse, não disse? Que eu só tinha um dia. – Falou, sem me olhar. Assim que aquele sol descer completamente, eu vou ter ido embora também.

Meu mundo travou naquele momento, repassando parte daquele dia como um filme da vida que vemos ao morrer. “...um dia. Só um dia...”,Elas partilham da mesma falha que eu, e eu me perguntei se ficam tristes por isso também.”

- Aquelas flores...elas se fecham de noite. – Murmurei, ligando pontos. Sua fraqueza no metrô, falta de sol... Não. Não, não, não. – Jin, por favor me diz que eu entendi errado. Não pode... Você não pode...

Eu não sabia nem o que estava falando mais. Meu coração parecia querer escapar pela boca, e eu sentia que era a minha vez de reclamar que “doía”.

O olhar de Jin deixou o horizonte, onde a ponta do sol vermelho já encostava. Sorriu-me, melancólico. Seus orbes pareciam querer transbordar, partilhando da mesma angústia desesperada que eu.

- Eu só tinha um dia. E sabia disso. – Sua voz foi suave. Ele estava triste, estava sofrendo, mas, diferentemente de mim, parecia conformado.

- Mas... Isso é muito pouco! – Como se uma mão invisível apertasse meu coração, senti o peito dar um solavanco dolorido, recuando de leve a postura. Dói.

- Depende. – Ele sorriu. As lágrimas secas em suas bochechas eram visíveis pela luz forte lá longe, cedida pelo sol que contava regressivamente para arrancar aquele garoto de mim. Arrancar aquele amor de mim, como água escorrendo pelos dedos. – Existem dias que valem por uma vida inteira. Você fez com que esse dia fosse um desses, NamJoon.

Seu sorriso ganhou um brilho mais animado, mesmo que ainda estivesse mergulhado em nostalgia. Sua voz tremulou antes que ele continuasse:

- Eu fui capaz de conhecer o mundo num dia. Você foi capaz de amar num dia. Esse sempre vai ser o melhor dia de todos, e vai ficar comigo pra sempre. – Sua voz era triste, e mesmo choroso, ele sorria. Parecia esforçar-se para não desabar; eu mesmo me sentia ruindo. Aquilo era uma despedida?

- Não. – Ouvi-me falando. Estava perdido no limbo. Não sabia para onde olhar, ou o que fazer. Queria apertá-lo e impedi-lo de ir, mas meu corpo não me obedecia. Você não tem esse direito. Não pode me deixar assim. Não depois de tudo isso.

Uma lágrima escapou de seus olhos, e ele tremeu sua postura antes de voltar a erguer-se e me mirar, decidido em meio a toda aquela bagunça de melancolia.

- Não é como se eu tivesse escolha. – O pesar em sua voz aumentou o peso que eu carregava em meu peito, quase me fazendo ceder sob si. – Eu quero ficar. Eu quero tentar voar. Eu sei que posso tocar o céu se tiver ajuda, se estiver com você. – Sua fala pausou-se, e as lágrimas de novo escorriam livres por suas bochechas. – Mas minha condição para viver era que a noite me levaria embora. Eu...eu sinto muito.

Fiquei em silencio após ele se calar. Eu sabia que ele me olhava, ansioso e temeroso. Sabia que aquele pedido de desculpas queria dizer muitas coisas. E sabia que eu me deixara ir longe demais para perdê-lo desse jeito.

- Quem é você? – Perguntei. Sua silhueta estava marcada pelo sol laranja. Pôr do sol. Estava acontecendo. Uma sensação ruim se apossou de mim.

- Quem sabe... – Ele sorriu, olhando para o astro que já estava quase completamente escondido. Seu suspiro transformou-se em brisa, rodopiando, voando em direção ao mundo que era maior que minhas asas incapazes conseguiam sonhar em desvendar. Ao menos sozinhas. – Eu posso ser tudo... Ou nada. Eu posso estar sempre com você, mesmo que pareça estar em lugar nenhum.

Ele virou o rosto bonito para mim. Seu sorriso estava mais belo que nunca, mesmo que marcado pela tristeza. Suspirou antes de continuar:

- Isso não importa realmente. Quem somos, isso é algo que nós mesmos decidimos. Se você tiver um dia ou uma vida inteira, isso não importa; viva com todas as suas forças. – Ele molhou os lábios sorridentes com a língua. Olhei para o horizonte; apenas uma pontinha do sol era visível. Mirei o garoto novamente, de forma nervosa. Recebi seu sorriso novamente. Ele não se cansava de sorrir? Não se cansava de me fazer sentir maravilhoso e destruído ao mesmo tempo? – Esse é meu pedido para você, NamJoon. Sei que te fiz muitos hoje, mas por favor: ...Não esqueça de quem você é. Reaprenda a viver. Voe, mesmo que eu não esteja aqui. Porque as noites são escuras, mas o amanhecer sempre irá chegar.

E, como o último lampejo de sol, que me cegou por meio segundo, ele sumiu. Sumiu, como se nunca tivesse estado ali. Como se seu calor nunca tivesse existido. Como se seu sorriso tivesse se esvaído na brisa quente que se afastava de mim junto das últimas luzes deixadas para trás pelo sol.

E eu, que nunca vi valor em coisas induradouras, me vi implorando por mais um minuto, mais uma pequena faísca de sol, antes que ele sumisse, tão repentinamente quanto havia surgido em minha vida.

Porque ele acordou e virou de ponta cabeça meu universo. E eu não conseguia mais me imaginar como antes.

 

 

 

Meus passos eram lentos, ecoando nas ruas que começavam a esvaziar-se de pedestres. Olhei para trás, vendo uma pontinha da roda gigante ao longe. Voltei a mirar o chão à minha frente.

Parei minha caminhada por um instante. Busquei os cigarros e o isqueiro. A pequena faísca na noite acendeu o tubo de papel, e eu voltei a andar.

Os faróis de carro passavam por mim, junto dos postes de luz me iluminando fracamente. O sol se havia ido fazia tempo.

Senti o peito apertar.

Ele não deixara de fazê-lo em momento algum, mas as vezes lhe dava por incomodar de forma quase insuportável.

Me dando vontade de apenas nunca ter tido um coração, de fato.

Passei por todos os lugares que passara mais cedo. Mas dessa vez eu estava sozinho.

Lembrei-me das mãos quentes, do sorriso bonito, do riso doce e leve como vento, e do sol e calor que pareciam acompanhá-lo onde quer que fosse.

Ofeguei, sentindo o peito apertar, me sufocando. Traguei o cigarro. A nicotina sequer era percebida por meu cérebro. Eu não conseguia me acalmar. Não conseguia esquecer.

 Eu andava, mas não sentia meus passos. Tragava, mas não sentia sequer o cheiro da fumaça. Doía, mas eu apenas suportava.

Olhei para cima, parando minha caminhada melancólica mais uma vez. Cintilando com dificuldade em meio à luzes fortes da metrópole, estavam cintilando as estrelas.

Estrelas...elas teriam inveja da beleza de Jin.

Talvez por isso eles não possam conviver?

Sorri de lado, com pena de minha própria situação. Eu gostaria de me lamentar, de poder dizer que não queria que nada disso tivesse acontecido, de acordar no dia seguinte e seguir minha vida em sua normalidade.

Mas eu não conseguia. Eu não conseguia simplesmente abrir mão daquele sentimento.

Doía? Doía. Doía tanto que provavelmente me deixaria louco.

Mas eu queria aquilo ali. Queria Jin ali.

Mal notei quando cheguei à estação de metrô que me levaria de volta para casa. Parei, ao fim da escada, com o mundo da superfície ás minhas costas. A pouca luz noturna me banhava as costas.

Eu não queria ir para casa. Eu sentia que ir para casa e dormir seria colocar um ponto final naquilo.

E para isso eu não estava preparado ainda.

Na verdade, eu não estava preparado para nada: não estava preparado para acolher e conhecer aquele garoto; não estava preparado para ter meu mundo virado daquele jeito; não estava preparado para me apaixonar; e muito menos estava preparado para perdê-lo tão rápido.

Talvez por isso digam que não vale a pena planejar sua vida. Ela sempre vai vir e te passar uma rasteira, te deixando de lembrete cicatrizes ou presentes. Eu estava decidido a não deixar aquilo virar apenas uma cicatriz do passado.

Mas... Eu não sabia o que fazer. Se fosse apenas uma briga, eu poderia resolver, se fosse qualquer outra coisa, eu poderia resolver com um pouco de coragem estúpida, mas...

Ele simplesmente não estava em lugar nenhum.

“Eu posso estar sempre com você, mesmo que pareça estar em lugar nenhum.”

Aquilo me dava uma chama de esperança que eu não devia me dar o luxo de manter, mas o que eu podia fazer? No momento, eu era apenas um bobo apaixonado, que não tinha mais que a esperança frágil entre os dedos que deixaram seu amor escapar.

Por muitas horas, horas a fio, eu não me movi. Meus pés se fixaram ali, no pé da escada de entrada da estação, e ali ficaram.

Passaram por mim adolescentes bêbados, adultos bêbados, mendigos, universitários indo para seus programas noturnos. Passaram por mim trabalhadores e desempregados. Meu celular vibrou em meu bolso diversas vezes; provavelmente Tae estava tentando descobrir onde eu estava. O metrô passou periodicamente, diversas e diversas vezes completando sua rotação no subsolo da cidade, como a terra o faz em volta de si mesma todos os dias.

Nesse dia inteiro, eu senti que amei viver. Amei a mim mesmo. Te amar por um dia me fez amar toda uma vida.

Mas a noite me fez literalmente odiar tudo isso.

Odiar a mim mesmo, odiar quem sabe até mesmo você, mesmo que isso nunca fosse se comparar ao amor que sinto.

Porque eu não posso ficar perto, porque você é a coisa mais bonita na minha vida de trevas, e você não está comigo para iluminar minhas noites escuras.

As pessoas estão felizes aqui na escuridão. Aqui elas podem ser o que quiserem. Elas se sentem em casa. Sentem que tem seu lugar no mundo, porque é muito mais fácil viver nas sombras, onde você pode esconder parte de si e agradar a todos; agradar a si mesmo.

Mas eu não sei se consigo me atrair por esse mundo sombreado, uma vez que vi alguém tão nitidamente sob a luz do sol.

Eu... Eu estou cansado. Mas ao mesmo tempo, sinto que acabei de nascer. Você me proporcionou um renascimento, e eu tenho muito a fazer por aqui.

Só vou ficar mais um pouco nessa escuridão cômoda, e quando o dia raiar... Eu quero você ao meu lado.

Eu fumei toda a minha carteira de cigarros naquela madrugada de outono. Todinha. Era o único movimento que meu corpo inerte provavelmente fez durante toda a estadia da lua no céu coreano.

Eu nem sabia o que estava fazendo. A nicotina não aliviava nada, como costumava fazer antes. Talvez essa seja a última carteira que eu tenha comprado em minha vida.

E, quando as pessoas na estação começaram a ficar escassas e eu senti cheiro de amanhecer, eu sorri.

O sol havia acordado.

Olhei para trás, e vi a silhueta magra no topo da escada, completamente escurecida pela luz do amanhecer atrás de si.

Ele soltou a respiração pesadamente, e correu os degraus, saltando-os sem o menor cuidado. Virei meu corpo, e acolhi-o em meus braços.

Seu rosto se enterrou em meu pescoço, seu corpo se chocou contra o meu, e seu cheiro ainda parecia ao das brisas quentes de verão.

E naquele momento eu soube; soube que ele tentaria mais uma vez e mais outra, até o fim de nossos dias, que poderia ser amanhã ou depois, ou poderia ser daqui a um bocado de décadas. Ele continuaria tentando, porque eu precisava dele para voar, e ele também.

Eu não conseguiria sequer me manter de pé sem você. Porque você é parte de mim, e eu sou parte sua.

Você é dia e eu sou noite. Somos apenas duas asas machucadas e remendadas, mas que, unidas, quem sabe consigam voar.

E eu sabia. Sabia que você sempre estava comigo. Desde o início. Eu só precisava te acolher em meus braços como fazia naquele exato momento.

Acolhendo-te porque até o calor dos dias felizes precisam de aconchego nas noites frias.

 

 

A vida é de todo feita de deliciosas metáforas.

 

 


Notas Finais


Eeeentão: eu me esforcei pra deixar isso bonitinho, e não tão...crítico? Não sei se deu certo. kkkkkk
Além disso, eu sei que a coisa toda ficou meio "poluída" até porque eu tentei colocar muitos pedacinhos de experiências ali. Mas espero de verdade que tenha ficado agradável. Eu fiz com muito carinho (e pressa. Quatro dias cara ~desculpa por ser tão desnaturada uahsuadu).

Sobre os protagonistas, em parte, eles representam a nós duas; em parte representam duas faces de mim mesma. Cara, essa fic é basicamente meu sol em áries conversando com o meu ascendente em libra. Sério.
E essa shot é, como a vida, recheada de metáforas e pequenas loucuras de uma adolescente que provavelmente passou tempo demais perdida em sua própria podridão e jé enlouqueceu um pouquinho.
Mas quem não está louco, não é?

A música que originou esse plot foi essa aqui: https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwiItPfNkOjPAhVFh5AKHZ6oCzAQtwIIJTAB&url=https%3A%2F%2Fvimeo.com%2F103565579&usg=AFQjCNF0IV9ExSXN4-_5zX_D5k5PXiR7iQ&sig2=1gv5Wb4wTgfGCqUDtgc0dw
(e que deu o nome pra fic tmb)
Mas você vão encontrar trechos de Awake, Wings, Reflection e até de Legião Urbana pelo meio da estória, se prestarem atenção.

PS.: ao contrário do Nam, eu amo arte clássica.

PS2.: Jin, me perdoa pelo atraso e pela hora. Você já está dormindo que eu sei. Feliz aniversário de novo. Ah, e desculpa por não fazer nada direito, faz parte do meu charme jashdlisukfhlaiskf

PS3.: pessoinhas que leram, obrigada de coração <3 Podem recomendar pra amiguinhos e comentar se quiserem :P


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...