Eu sei que não seria fácil sair assim de casa. Com uma mochila nas costas e sem rumo, mas era algo que eu precisava. Depois da conversa com minha mãe eu arrumei um emprego em uma loja do centro da cidade, trabalhei por longos cinco meses e guardei dinheiro suficiente para não passar necessidades nessa viagem sem rumo. Eu estava determinada disso. E nada tirava essa ideia da minha mente e nem apagava a luz que se acendia no meu coração quando pensava que meu antigo desejo estava prestes a realizar.
Não. Não foi nada fácil convencer meu pai, tanto que ele não estava falando comigo há semanas. Minha irmã não se conformava com minha ideia. Ninguém dá família concordava com o que eu estava para realizar, mas todos sabiam que de alguma forma, isso era a única forma de eu me sentir viva novamente.
-Eu prometo que vou manter contato. Ligarei sempre, mãe. Não se preocupe! - Disse abraçando-a com toda força que havia em mim. Eu iria sentir tanta falta dela, mas precisava fazer isso.
-Eu acho muito bom, Lauren. Senão eu vou caçar você! - Respondeu olhando em meus olhos e deixando uma lágrima rolar pela sua face. - Ah, meu Deus! Onde eu estava com a cabeça quando disse que você poderia ir? Onde eu estav... - Interrompi sua tristeza e disse:
-Pare com isso! É só uma viagem. Eu preciso me encontrar, mãe. Não é fácil para mim também, mas eu preciso fazer isso! Eu vou voltar, assim que eu me achar. Talvez eu perceba que tudo que eu preciso para me sentir completa esteja aqui, mas eu preciso fazer isso.
Ela concordou docemente e me liberou de seu abraço sufocado. Meu pai não tinha ido comigo até a rodoviária. Apenas meus irmãos e minha mãe. Me despedi de ambas e logo vi o ônibus para minha cidade destino se aproximando. Senti um gelo na barriga e pela primeira vez depois de meses me senti feliz, muito feliz. Poderia explodir de tanta felicidade. O ônibus parou na linha. Eu olhei para o céu e o dia não podia estar mais maravilhoso. O sol tomava posse de tudo e de companhia, o céu estava mais azul do que nunca. Minha alma dançava dentro de mim.
Olhei para minha família e sorri. Mandei um beijo no ar e entrei no transporte. Procurei pela minha cadeira. Número 23. Ótimo, era do lado da janela. Sentei e apoiei a mochila sob minhas pernas e conferi o que havia lá: cadernos, canetas, carregador do celular, já que havia prometido me comunicar com minha família, e tudo que eu precisava para seguir a viagem. Coloquei meus fones e viajei mentalmente também. Eddie Vedder invadiu minha mente.
Observei a minha volta assim que o ônibus deu partida e não haviam ninguém além de mim. Me senti desconfortável até me dar conta de que se ninguém estava fazendo aquilo, naquela hora, naquele dia, eu estava indo para o caminho certo. Passaria por outras cidades até chegar no destino, provavelmente outras pessoas entrariam ali. Me desapeguei dessas ideias e comecei a aproveitar cada quilometro e cada música. Minha alma pulava de felicidade. Eu sempre soube que a felicidade não estava em comprar coisas materiais, mas sim em um passagem para algum lugar na mão. Algo que de alguma forma você pudesse mais sentir do que ter. Sempre percebi que de alguma forma a felicidade estava no ser e não no ter. E infelizmente, as pessoas do século em que vivemos tentam preencher o infinito vazio que elas sentem com dinheiro e coisas que não farão se sentirem completas. Mas a maioria prefere fechar os olhos e fingir que está tudo bem em se sentir infeliz, insatisfeito e no clichê.
Durante a maior parte do percurso eu fui tendo uma retrospectiva da minha vida nesses 17 anos de existência. Tinha passado por tanta coisa. De alguma forma, eu me sentia egoísta por estar fazendo aquilo, pois estava pensando só em mim. Eu sempre tive tudo o que precisava. Casa, família, alguns amigos -que se afastaram após o término da escola, mas que por um tempo, foram meus amigos-. Tinha absolutamente tudo, mas havia um vazio imenso em mim. Antes achava que não sentia nada, mas sentir o nada já é uma forma de sentir.
Não me lembro quando esse vazio existencial começou. Mas sempre que paro para pensar na minha infância e adolescência me dou conta de que nunca fui exatamente normal. Sempre percebi que faltava algo. Eu poderia ser bem mais do que a rotina que eu vivia de escrever, tocar violão e às vezes sair de casa para encher a cara com os amigos. Até tentava fazer o que todos faziam às vezes, só para ver se aquilo poderia me fazer feliz de verdade, mas nunca adiantava.
Parei pra pensar no amor: nunca fui de me envolver com alguém. Isso era uma das coisas mais difíceis para mim. Me lembro das minhas amigas que se liberavam completamente Era tudo tão fácil para elas. Lógico que eu já tinha ficado com algumas pessoas, mulheres no caso, mas nunca havia sentido algo que me preenchesse como as pessoas diziam. Nunca realmente senti aquele amor que todos falam. Enfim, isso só era complicado para mim. E toda vez que alguém se aproximava, eu fugia. Com medo, insegurança, não sei, mas apenas fugia. Como se meu físico ou alma não pertencesse a ninguém.
Em relação a minha sexualidade: não me rotulava. De maneira alguma. Só tinha ficado com meninas pois apenas senti que deveria. Nenhum menino tinha chamado minha atenção até agora. Creio eu que quando você se apaixona ou se sente atraído por alguém isso vai bem além se a pessoa tem um pênis ou uma vagina. Isso realmente não é algo que importa quando a pessoa te faz se sentir completa e satisfeita com sua vida. Somos apenas seres humanos, e sendo assim, estamos propensos a nos apaixonarmos por qualquer ser humano que nos façam sentirmos vivos.
Senti um tranco no ônibus e sem me controlar bati a com cabeça no banco da frente. Aquilo me despertou de meus pensamentos. Tirei o fone assustada e olhei em volta: ele apenas havia freado. Segunda parada do dia. E se eu não me engano, havia mais umas três durante todo o percurso. A rodoviária daquela cidade parecia antiga, muito antiga. Os bancos de concreto estavam quebrados e não havia nada além de um toldo em cima deles, caso chovesse. E uma pequena cabine no canto direito, onde as passagens eram vendida.
Olhei para a frente e vi um senhor entrado. Tinha no máximo uns 59 anos. Uma barba comprida, olhos castanhos e um cabelo grisalho na altura do ombro, todo bagunçado. Vestia uma calça jeans rasgada, uma camisa azul clara e uma sandália de couro. Sorri e ele retribui, sentando na cadeira frente a minha. Havia apenas nós dois naquele ônibus. É, eu realmente estava fazendo algo correto. Não havia mais dúvidas. Coloquei o fone novamente, encostei a cabeça no banco e comecei a observar a visão que eu tinha da janela: estrada com morros e mais morros, havia muito verde. Não passava das 15hrs e o céu estava mais azul que nunca. Senti alguém me observando, tirei minha atenção da estrada e olhei para o senhor que me encarava com um sorriso.
-Você parece muito feliz por ter a oportunidade de estar viva hoje. - Ele disse, se apoiando nos joelhos para ficar de frente para mim.
-E você está certo. Nunca me senti tão feliz e completa. - Respondi, sentando em cima das minhas pernas para ficar mais a sua altura.
-Quando era jovem como você, fiz a mesma coisa. E vou te dizer algo, grave isso na sua cabeça: muita coisa vai mudar. Você deve estar aberta a tudo. Essa viagem vai mudar sua vida para sempre.
-É para isso mesmo que estou deixando tudo para trás. Preciso viver e conhecer novas coisas. - Disse sem tirar o sorriso do rosto, pois aquelas palavras... era aquilo que eu precisava ouvir!
Ele sorriu com minha resposta, estendeu sua mão para se apresentar: -Me chamo Christopher. É uma honra te conhecer.
-Lauren. A honra é toda minha. - Estendi a mão para alcançar a dele.
-Vou deixar a senhorita em paz agora para sentir a estrada, pois é a melhor parte de viajar. Ah, e outra coisa, nunca se esqueça que não podemos nos encontrarmos sem antes nos perdermos. Isso é uma lei.
O fitei curiosa. Era exatamente aquilo que eu sempre pensei. Sem me dar oportunidade de responde-lo, ele se virou e sentou novamente. Tirei meus pés que estavam dormindo já embaixo de mim e voltei minha atenção para a estrada. Realmente o percurso era a melhor coisa de uma viagem.
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