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História Ondas de uma vida roubada - Fruto Vermelho


Escrita por: Maresia92

Capítulo 74 - Fruto Vermelho


- Fracassos, fugas, arrependimentos, vacilos, transparecem através da penumbra azulada das minhas palavras cruelmente torturadas pela decadência do passado e da caótica misericórdia do presente. Sentado sobre um manto de espigões arrepiados pela raiva e pela frustração, percorro as mil marés frias e envenenadas dos meus pensamentos, decrépitos, angustiados e enevoados, forjados pela cobardia das sombras, desaguam num oceano coberto de estilhaços cortantes e ardentes que dilaceram a paisagem fresca e linda de uma inocente íris azul, assolada e vitimada pela minha excessiva protecção e pela minha falta de fé, porém a vida justamente encarregou-se de me castigar, a mim e a ela, o anjo mais belo e puro que o mar colocou sobre a terra, a flor mais fresca que paira sobre a bondade dos homens, a pedra mais preciosa e polida que navega através das correntes verdes da esperança. As palavras estão cansadas, gastas pelo passar das escuras e deprimentes Primaveras, assoladas e maltratadas pelas minhas angustiadas lágrimas, fatigadas pelos meus sonhadores lamentos de perdão, contudo tenho consciência que nem o demónio fecharia os seus flamejantes olhos a tal miserável cobardia, resta-me sobreviver com este peso insuportável que as minhas ignorantes lembranças exercem sobre o meu lúgubre passeio, aniquilado e fustigado pelos gelados ventos da traiçoeira miséria, desfeito e aprisionado pelas aguçadas rochas da desilusão, sufocado pelo choro aflito e paralisante daquela estrela que iluminou o firmamento manchado e arrebatado pelo fumo carmesim do oceano, o choro da minha querida filha. O sol já não reluz como reluzia antigamente, ensanguentado, ferido e triste, contudo reluzia, agora o avanço sibilado da noite evapora os pequenos raios de alegria que senti a quando do brotar daquela doce flor diante dos meus olhos, agora a palidez da madrugada somente se traduz por lembranças atrozes de uma realidade perfeita, próspera e angelical que estupidamente libertei sobre as ondas do mar, transformando o seu valor cristalino numa parede enegrecida pela mão do erro, uma parede que impediu a luz americana de percorrer os portos marinhos do meu coração. Princesa agarra-te à vida, sobrevive presa pela esperança de um mundo melhor, floresce de novo numa nova rebentação ondulante e espumosa, sorri através das asas azuis da madrugada, estou aqui, tão perto e tão longe como o céu está do mar. - Pensava o pai de Diana tristemente, absorvendo cada deliciosa e dura gota de maresia que floria do oceano. - Luta por mim.

A conceituada doutora Sophia corria apressada pelos corredores desertos do hospital, segurando entre os finos e dedicados dedos o nome do homem que arrancaria Diana dos portões patrulhados pela sombria morte. O seu rosto era iluminado por um sorriso genuíno, que descrevia o sentimento de dever cumprido, salvar vidas era a maior bênção que os céus lhe podiam dar, esperava sinceramente que assim fosse durante muitos anos, pois aquele hospital alimentava o seu coração e a sua bondade, preenchendo a sua vida com uma luz mais brilhante e reconfortante do que os reluzentes raios de sol, satisfazendo os seus mais íntimos pensamentos com as doces bagas da esperança e da solidariedade, tornando os seus dias mais negros e desoladores em noites cristalinas e cantantes.

- Desculpe, posso falar consigo? Tenho boas notícias...

- Doutora não me diga que sou eu que...

- Sim é mesmo, deve dar graças a deus por esta dádiva do destino. - Anunciou a dedicada Sophia em voz entusiasmada.

- Posso vê-la antes de procedermos à transfusão? - Perguntou o dador em tom emocionado, pegando no papel que Sophia segurava entre os dedos.

- Claro venha comigo. - Respondeu a doutora alegremente, começando a trepar o largo e deserto corredor até ao tranquilo quarto de Diana. - Só lhe peço que seja o mais breve possível, até já.

Clint Barton entrava silenciosamente pela porta entreaberta do quarto de Diana, arrastando na sola dos seus ténis a chegada serena da madrugada e com ela o brilho verde do horizonte distante, onde o seu grande amor pela morena ribombava como uma a poderosa tempestade de emoções e sentimentos.

- O teu corpo inerte e macio lembra-me a pureza incontestável de uma pérola marinha, uma pérola linda, fresca e tranquila, navegando ao sabor das correntes da gentileza e da harmonia. O teu rosto pálido e parado passeia-me sobre uma seara de trigo, puro, dourado e esvoaçante, cantando alegremente sobre o horizonte azul do meu coração. O teu doce e arrogante sorriso beija os meus lábios com a inconfundível delícia dos favos de mel, que guiam os meus sonhos até às tuas mãos. Os teus cabelos cor de chocolate alucinam a minha conturbada realidade transformando-a em milhares de quadros fantasiosos, reflectindo nas suas aguarelas coloridas o meu futuro a teu lado. A tua gentil voz encanta o brilho ilusório das estrelas, anulando a tristeza das noites escuras e chuvosas. - Pensava o Arqueiro tristemente, afagando os cabelos de seda da única mulher que alguma vez deu sentido à sua vida. - Talvez estas palavras de perdão e arrependimento nada simbolizem neste momento, talvez somente passem de meras divagações do vento e do mar, talvez sejam apenas lamentos de mil amoras vermelhas, talvez percorram o infinito como ecos tristes e amorosos, contudo é o que eu sinto, um fogo escarlate, forte e viciante, um fogo tão poderoso que nem a bravura do teu oceano consegue extinguir, um fogo que apenas é abafado pela enorme falta que me fazes. - Reflectia pensativo, recordando um dos livros favoritos daquela flor de carinho e amor. - Acredito que fomos duas marionetas do destino, duas almas apaixonadas colocadas à prova pelo exército celestial, dois corações subjugados pelas vicissitudes terrenas, dois amantes seduzidos pela linda luz do pecado e da luxúria. O meu sangue será a magnífica ponte que traçará a nossa união para todo o sempre, uma união inquebrável, linda e perfeita, bafejada pela harmonia dos sonhos e pela trepidante fantasia, o meu sangue será o fruto vermelho que rebentará através das ondas de algodão do nosso amor, conduzirá os nossos corações até à frescura açucarada da reconciliação. Perdoa-me princesa. - Pediu em voz sumida, beijando a doce Diana nos lábios, depositando neste suave gesto todos os seus desejos, medos e promessas, não era tarde para recomeçar. - Só agora que me foges como uma bela e perfeita gota de água pela fissura melancólica dos meus dedos é que me apercebo realmente da falta que me fazes, sem ti a meu lado a minha existência torna-se escura e triste, uma madrugada desfalcada de sentimentos, uma vereda campestre desprovida do teu sabor a cereja, uma praia sem rumo nem bagagens, uma avalanche vazia de sonhos e verdades, uma Primavera abandonada pelo teu doce perfume do oceano, uma estrela sem luz nem felicidade, volta para mim.

- Pai! - Sussurrou a voz trémula e distante de Diana, abrindo ligeiramente os seus lindos olhos azuis, segurando na mão do louro.

- Diana, sou eu, o Clint. - Respondeu o arqueiro em tom emocionado, era perfeitamente normal que a palavra que a jovem murmurasse após o seu despertar fosse o vocábulo pai, conhecia muito bem a importância do seu sonho de o reencontrar, era com essa finalidade que ela vivia, era essa finalidade que a fizera despertar. - Não te esforces, estás muito fraca, perdeste muito sangue, mas vai ficar tudo bem. - Tranquilizou-a, acariciando-lhe ternamente o rosto, optara por não lhe contar que era ele o seu dador, não suportaria escutar palavras de gratidão vindas daqueles lábios maravilhosos que enchiam a sua vida de aroma e sabor.

- Clint o que aconteceu? - Perguntou a Vingadora em voz baixa, tudo na sua mente era um mar de confusão e dor.

- Mais tarde terás tempo de perceber tudo, agora descansa mais um pouco, quando eu voltar quero ver o teu lindo sorriso de novo. - Afirmou o Gavião aliviado, saindo pela porta do quarto rumo à salvação de Diana.

A vida corre e não espera por nós, os sonhos florescem na nossa mente, contudo iludem-nos, a realidade caminha a nosso lado fazendo-nos tropeçar nas suas artimanhas, o coração bate tranquilamente ao sabor das nossas emoções e sentimentos, porém um dia pára o seu percurso, entrando nos dourados jardins da morte, contudo existe uma coisa neste mundo que sobrevive a todas estas assimetrias e contrastes, o amor incondicional.


Notas Finais


O livro a que Clint se refere nos seus pensamentos intitula-se, “Fazes-me Falta”, da autoria da escritora Portuguesa Inês Pedrosa, uma história fascinante que opõem os devaneios da morte e as peripécias da vida, contada na primeira pessoa em duas vozes que representam a força do amor que sobrevive até ao passar dos ventos da Rainha das Trevas, tornando-se algo imortal que anula as recordações da vida e as lembranças da morte, transformando-as num véu que une as duas almas pelas cordas da cumplicidade e do amor.


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