Por Valentina Santoni Vitti ��
Sete meses, duas semanas, um dia e quinze horas. Esse era o tempo que o papai havia saído pela porta e não tinha mais voltado. Quer dizer, ele vinha às vezes, mas nunca passava pela porta. A mamãe não deixava. Por quê? Ah eu não sei, mas deve ser grave. A única coisa que eu sei é que depois do dia que a mamãe arrumou tudo do papai em uma mala grande ele não veio mais dormir em casa.
A mamãe diz que isso não muda em nada, que o papai foi embora de casa e não das nossas vidas. Isso quer dizer algo como... ele vai voltar e trazer doces, presentes e nos levar aos parques.
Mas isso está errado! O papai tem que ficar aqui por que ele e a mamãe se amam. Como eu sei? Bom... Vovó Ana diz que duas pessoas só fazem bebês quando se amam e bom o papai e a mamãe fizeram a mim e a Sophie então eles se amam. A vovó Valéria diz que quando se ama sempre se fica junto, pra sempre... igual ela e o vovô sabe? Resumindo a mamãe e o papai tem que ficar juntos por que se amam.
O papai concorda comigo e Sophie também, mas o problema todo é a “Dona Isabella”, como a vovó diz. A mamãe não concorda, pensa diferente e desde a ida do papai só pensa em nos dar um papai novo. Mas pra que um papai novo? Eu gosto de coisas velhas. Por exemplo... a bisa. Ela é velhinha e eu gosto dela.
E é por isso que ninguém passa pela nossa porta da frente. Pelo menos esse era o nosso único motivo até certo dia.
Aquele foi o grande dia. O papai e a mamãe fizeram um acordo e se a mamãe não conhecesse um tal de homem ideal dentro de um mês ela e o papai ficariam juntos para sempre, mas como nem eu e nem a Sophie sabíamos como era esse tal de homem ideal tínhamos que espantar todos eles.
Quem são eles? Ah eles são muitos e são diferentes e ás vezes são feios e gordos. Um até tentou me comprar com um pirulito! Olha só que burro. Todo mundo sabe que eu só gosto de chiclete!
Bom, eles são os “novos papais” que a mamãe traz. Ela diz que gosta deles e que eles gostam de mim e da Sophie e que vão ser tão bonzinhos quanto o nosso papai, mas que não vão roubar o lugar dele. Como se eu já não soubesse disso. Ninguém no mundo toma o lugar do meu papai!
Tem uns que são horríveis! Teve um que nos deu pirulito e depois brigou com a gente quando a mamãe não estava perto. Ele disse que ia ficar com a mamãe custando o que custasse e que não tinha medo de pirralha. Eu não entendi nada, mas sabia que era uma coisa feia então eu pisei no pé dele e contei tudo pra mamãe.
Às vezes não era fácil não. Tinham alguns que eram mesmo bonzinhos, mas eu sabia que eles não amavam a mamãe de verdade (só o papai amava) então eu com a ajuda da Sophie fazíamos pirraça soltávamos ameaças como morar junto com o Clifford (nosso cachorro) e até greves de fome. Mas se nada disso funcionasse a Sophie entrava em desespero. Eu não! Eu sabia o que tinha que fazer. Sabe o que? Armações! Eu tinha muitas ideias e a Sophie sabia esconder muita coisa embaixo da cama então nós íamos com tudo e BOOM! Mas um ia embora deixando a mamãe solteira novamente.
Foi como um dia desses que a mamãe se arrumou toda bonitona, igual uma princesa. Colocou até os brincos que o papai deu.
- Vai sair mamãe? –a Sophie que perguntou-
- Vou sim princesa. –ela respondeu arrumando os cabelos e olhando o reflexo no espelho-
- É com o papai? –eu perguntei sorrindo empolgada, mas ai ela virou pra mim e fez aquela cara. Sabe, aquela cara de quando vão te dar uma noticia ruim mas não te querem triste? Então... Foi assim que ela olhou pra mim. E ai meu sorriso caiu no chão.
- Não é com o seu pai amor. Eu já disse que seu pai...
- Não volta mais. –eu completei. Que frase velha e feia- Eu já sei mamãe.
- Então por que você insiste?
- Por que você insiste mamãe? Você e o papai se amam, ele é o seu príncipe e...
- Chega! –ela disse erguendo a mão- Não quero mais saber dessas bobeiras.
- Você não pode sair com outro moço.
- Eu posso sim.
- Pois então eu nunca mais vou comer!
- Azar o seu. Hoje tem pizza.
Ela falou e me deixou lá. Plantada igual aquela arvore grandona que dá aquela fruta feia que quase caiu na cabeça da Sophie. Qual é mesmo o nome? Acaba... Abacata... Acabate... Eu não sei.
- Eu disse que ela sabia que você tinha comido escondida aquela vez. Ela não acredita mais nisso Tina.
Quem é Tina? Sou eu. Valentina Santoni Vitti. Tenho dez anos e meio.
- Então nós vamos fazer outra coisa. –eu disse-
- Ainda bem, por que eu quero comer pizza. –minha irmã falou com os olhos brilhando. Seu nome é Sophie. Manuella Sophie, mas eu só chamo ela de Sophie. Foi o nome que eu escolhi pra ela. A minha irmãzinha tem sete anos. E é muuuito lenta.
- Ai Sophie você só pensa em comida. –resmunguei-
- Por que comida é bom e faz crescer. E eu quero ser grandona igual a arvore.
- Mas agora não dá pra comer, temos que entrar em ação.
- Em ação? –ela perguntou. Não falei que era lenta?
- É Soph. Temos que impedir que a mamãe de sair hoje. Você vai me ajudar?
- Sim senhora! –ela falou fingindo que era um soldado.
- Então vamos.
- Não podemos comer antes? –ela perguntou enquanto saia do quarto agarrando a minha mão e arrastando o Tuff, coelhinho de pelúcia dela.
~*~
- Pronta? –perguntei-
- Pronta.
Sophie respondeu e eu só conseguia ouvir mesmo. Nada de ver. Estávamos no nosso quarto, mas estava tudo escuro enquanto olhávamos pela janela e esperávamos o nosso alvo.
Logo ele chegou, usando um terno preto e todo engravatado. Ai meu Deus! Que peninha ia ser sujar aquela roupa toda, mas a mamãe dele que lavasse ué.
Ele deu o primeiro passo e eu disse:
- Água. Preparar.
Se passaram poucos segundos antes que a Soph me respondesse baixinho:
- Pronto.
E então contamos juntas.
- Um, dois, três... INUNDAÇÃO!
Assim que terminamos o irrigador foi ativado e não molhou só as plantas. Molhou o “novo papai” por inteiro! Ele corria de um lado pra o outro tentando fugir da água. Que bobão! Eu e Sophie apenas dávamos gargalhadas às escondidas, mas ele começou a se aproximar da porta.
- Está dando errado! –Sophie exclamou surpresa-
- Ação de emergência.
- Agora? De verdade?
- Vai logo Soph. Quer que ele saia com a mamãe?
Minha irmã negou rapidamente e saiu enquanto eu preparava o nosso estilingue. E não era qualquer estilingue não. Era enorme! Prendia de um lado da janela até o outro. Eu e a Sophie fizemos com a ajuda do papai.
Assim que eu consegui terminar Sophie chegou com o balde. Nós posicionamos as bolas de tinta e... BOOM!
- Tiroteio! –falamos juntas sorrindo-
Em pouco tempo o moço estava todo sujo de tinta jogado no chão. O rosto nem tinha recebido tinta, mas estava vermelho, acho que ele estava com raiva e ficou pior quando olhou para a nossa janela. Sophie se abaixou, mas eu disse:
- Saia de perto da nossa mamãe.
Ele me olhou de cara feia e ia falar alguma coisa, mas eu preparei outra bola de tinta então ele foi embora correndo. Até deixou o carro pra trás, mas algo me dizia que ele não ia voltar. Eles nunca voltavam e se dependesse de nós, só um homem passaria por aquela porta.
Eu me virei pra Sophie e abrimos um sorriso. Eu sabia o que ela estava pensando. Abri meus braços e então estávamos abraçadas e unidas pra qualquer coisa no mundo. Mas nosso momento não durou muito.
- Manuella Sophie e Valentina Santoni Vitti. Aqui na sala agora!
Mamãe gritou. Ah! Esse foi rápido pra fazer fofoca hein.
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