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História Our Sin (EM PAUSA) - Fairly local.


Escrita por: poetyeeun

Notas do Autor


Hallo!
Este é um capítulo bem extenso, mas como eu disse, a história é bem completa, e agora sim estamos entrando no caminho dos motoqueiros, para desvendar seus segredos. Espero, de coração, que gostem. Boa leitura! MWAH!

➡ Capítulo sem uma revisão mais profunda, perdoem-me se tiver erros.

Capítulo 4 - Fairly local.


Fanfic / Fanfiction Our Sin (EM PAUSA) - Fairly local.

 Estava entrando em guerra com Camile apenas em nossa terceira semana de convivência. Adorava o seu jeito divertido, suportava suas bagunças e não me importava de ouvi-la tagarelar e falar sobre os seus paqueras toda noite antes de dormir. Ela me lembrava Kristen, e sabia que as duas se dariam bem quando se conhecessem. No entanto, sua mania de querer me fazer vestir suas roupas apenas para experimentar me deixava quase enlouquecendo.

— Já falei que não vou usar isso. — era a décima vez em menos de dois minutos que lhe dizia isso.

Um som ruidoso de frustração escapa de seus lábios.

— Por favor, Faith. É apenas um vestido, assim os caras do campus irão saber que você possui um par de pernas lisas debaixo dessas coisas... — arregala seus olhos esverdeados ao encarar as barras da minha saia. — Em que século você comprou essa saia? Antes dos homens das cavernas aprenderem a bater no peito e urrar?

Olho para a minha saia, e depois para ela. Faço beicinho.

— Foi um presente de Natal, da minha avó Katrina. — dou um pequeno sorriso, lembrando-me do dia em que ela me deu a saia bordada por ela. Eu adorei, e a agradeci muito pelo presente e a caixa de chocolates entregues após a meia noite.

— Sua avó deve odiá-la ou não assiste televisão, porque isso é gritante! — ela puxa outra peça de seu lado do nosso roupeiro compartilhado. — Que tal esta blusa com... Esta calça?

— Não, não e não! — olho pela janela. — Porque quer que eu me vista diferente? Iremos a uma feira de carros, não é nada especial.

Ela torce o seu nariz pequeno e arrebitado.

— É uma feira de carros que terá vários membros de fraternidades de campus vizinhos, outros distantes. Costuma ser um dos maiores eventos comunitários de Londres, muitas pessoas vem para assistir a feira. — ela me explica. — Você devia estar empolgada, terá vários carros velhos que precisam de conserto por lá.

Solto uma risada ao vê-la fazer uma careta.

— Estou empolgada, Cami, mas não irei mudar minha maneira de vestir. Estou bem assim.

Eu não me incomodava com minhas roupas. Nem mesmo um pouco. Desde o colégio me visto com roupas bordadas por minha avó, ou minha mãe. Eram poucas as vezes que saiamos de casa para fazer compras. Quando eu ganhava roupas novas, minha mãe e meu pai as compravam, e eu sabia que muitas eram simples e livres de decotes ou quaisquer pedaços abertos que pudessem mostrar mais que o necessário. Então, adaptei-me a isso. Não consigo me imaginar em um vestido justo e saltos altos. Estou confortável o suficiente em minhas botas, saias e suéteres quentinhos.

— Você está indo ao lugar em que poderá escolher a dedo o seu namorado universitário e não dá a mínima para isso? — Camile parecia horrorizada.

Olho-a um pouco confusa.

— Eu não estou indo procurar um namorado universitário. – dou ênfase na última frase. — Estou indo ao evento porque minha turma inteira estará lá. Meu professor falou que será importante para nosso relatório no final do mês. Apenas isso.

A garota impaciente rola os olhos.

— Mas aquele garoto bonito estará lá, então... — ergue as sobrancelhas e mexe-as, sugestivamente.

— O que? Michael? – arregalo os olhos e cubro minha boca com as mãos. — Nós somos apenas amigos. — seu olhar não muda, torna-se ainda mais maldoso. — O que?

— Você está deixando-o na zona do amigo, ou seja na friendzone. — ela joga as peças de roupa em sua cama e gesticula com as mãos. — Eu vejo a maneira que ele olha para você, e os sorrisinhos que trocam sempre que se esbarram pelos corredores.

— Meu Deus, não! — nego freneticamente com a cabeça. — Somos mesmo só amigos. Ele é meu parceiro, não posso deixar de cumprimentá-lo. E... — continuo balançando a cabeça, sentindo-me nervosa. — Não existe nenhum tipo de interesse além de peças e motores. Falo sério.

Seu olhar continua firme sobre o meu, como se esperasse por um mínimo vacilo.

— Não há interesse, uh? Espero que ele saiba disso então. — faz um biquinho. — Havia me esquecido que o seu tipo são os motoqueiros perigosos e gostosos.

— Você nunca irá se esquecer disso? — abaixo minha cabeça. Podia sentir meu sangue ser drenado em temperatura máxima para meu rosto, orelhas e pescoço. — Motoqueiros não são meu tipo. Eu nem mesmo tenho um tipo!

Ela solta uma risada alta, e se aproxima.

— Iremos mudar isso, garota. — fala como se estivesse garantindo isso antes de ir para o banheiro. — Quando meus pais me obrigaram a fazer faculdade, pensei que seria um completo tédio de quatro anos, mas você deixará tudo divertido.

Não sabia o que ela queria dizer com isso, mas torcia para que não estivesse inventando nada. Se Camile fosse o motor de um carro, seria um sem reparos e prestes a explodir. As vezes ela me dava um pouco de medo.

Começo a fazer uma trança na lateral esquerda da cabeça, enquanto espero Camile terminar de se arrumar. Estava entardecendo, e o evento já havia começado. Eu não pensei que iria ao meu primeiro grande passeio em Londres tão cedo, mas minha amiga não me deu escolha a não ser concordar com o fato de que teríamos que ir e nos enturmar com os veteranos e calouros. Ela falou disso por toda a semana, mais empolgada que todos os meus colegas de classe.

Assisti sua agitação por pouco mais de meia hora. Ela se trocou, no mínimo, cinco vezes. Mesmo pedindo minha opinião, e eu lhe dizendo que tudo estava bonito, porque realmente tudo ficava bem nela. A última troca a agradou, era um simples jeans justo, uma camiseta pouco decotada nas costas e um par de sapatos com um salto médio. Seu cabelo estava solto e ondulado, sua maquiagem era suave, mas seu batom vermelho poderia ser visto a distância. Camile era linda, e todas as cabeças dos rapazes do campus se viravam para olhá-la quando ela passava.

— Não quer mesmo passar ao menos um pouco de batom? — sugere quando passamos pela porta.

Ajeito minha bolsa e seguro a alça de couro, apertando-a.

— Eu estou bem assim. Vamos. — respondo e ela faz uma careta, estava derrotada.

Tinha conseguido escapar, mas não sabia se isso seria possível outras vezes. Camile conseguia ser bem insistente quando queria.

O campus estava agitado. O nosso corredor dos dormitórios estava calmo, mas o gramado estava rodeado por alunos, alguns entrando em carros, outros subindo em motos e os demais conversando. Por todo o caminho, observo-os com curiosidade. Pareciam tão despreocupados e agitados. Ao pararmos na beira da calçada, Camile acena para um táxi que acabara de dobrar uma esquina, e quando ele para, nós entramos. Ela olha no panfleto de anuncio do evento e dita o endereço ao motorista.

Com o carro em movimento, encosto minha cabeça contra a janela e espio as ruas da cidade passar diante dos meus olhos, era relaxante olhá-las. Tudo era diferente e novo para mim. Eu não conhecia nada além do meu caminho até a lanchonete e algumas outras ruas. Ainda tinha tanto para conhecer, mas sabia que em quatro anos muito iria acontecer e em breve iria conseguir explorar cada canto.

Quando o carro estaciona em frente ao local do evento, não deixo de notar que havia algo como uma pista de corrida e entre ela havia barracas de comida, algumas e veículos, peças e outras variedades. O lugar estava movimentado, tinha pessoas por todos os lados, havia música e pessoas falando em megafones também. Mas, a magia parecia acontecer de verdade atrás dos grandes muros e portões.

Saímos do carro após dividirmos o valor para pagarmos ao taxista que arranca na direção oposta a que nos trouxe. Camile ajeita o seu cabelo e olha para ambos os lados, deixo que ela nos guie, mesmo sabendo que ela não estava nem um pouco interessada na feira, e sim nas pessoas.

Asseguramos-nos de desviar de um grupo de crianças que corriam com algodões doces em suas mãos. Uma vez dentro da feira, minha garganta secou. Carros estavam espalhados por todos os lados, modelos novos e mais antigos. Algumas barracas montadas com uma pequena tenda estendida tinham algumas debaixo e mais a frente motores e peças. Muitos eu sabia os nomes, e suas melhores funcionalidades, outros tinha apenas apreço por estar tendo, pela primeira vez, um contato visual. Queria tocar em cada uma das peças, e perguntar sobre elas, estava tão empolgada.

Enquanto caminhamos olho com admiração para cada uma das barracas. Camile parecia entediada, enquanto digitava algo em seu celular. Já as pessoas presentes pareciam estar se divertindo com a quantidade de veículos presentes, havia tantos modelos, alguns que existiam apenas para exposições em feiras e eventos. Mais a frente havia mesmo uma pista de corrida. Pouco mais de seis carros estavam dando voltas. Um deles era pura sucata, mas era potente, se destacando entre todos os outros modelos mais novos.

Cessei meus passos, e Camile fez o mesmo ao perceber minha súbita parada. Lembro-me perfeitamente da primeira vez que entrei em um carro. Tinha apenas doze anos e Owen me levou para dar uma volta no carro do nosso tio Elvis, escondido de nossos pais. Eu me diverti como nunca antes, mas a culpa me perseguia por estar mentindo para nossos pais. Aquele era mais um dos nossos segredos. Aos quatorze anos, meu irmão me colocou atrás do volante, dentro do carro que gastou todas suas economias para comprar. Ainda era o modelo simples de um Impala 1967. Juntos, nós o deixamos com o seu estilo, e sempre que ele passava pelas ruas da cidade, se destacava. Eu adorava vê-lo dirigir, e gostava ainda mais de ser a única pessoa que podia tocar em sua preciosa Darcy.

Depois do acidente, meu pai começou a evitar qualquer tipo de veículo com quatro rodas. Eu me encorajei a lhe pedir as chaves do carro de Owen, mas ele gritou comigo e bateu sua mão contra a mesa durante o jantar, dizendo que eu nunca deveria entrar em um carro, e nem mesmo ousar tocar no carro que está há anos dentro da nossa garagem, sem uso, debaixo de uma capa. Meu pai nunca ergueu o portão da garagem, mas em algumas noites, eu o vi entrar pela porta dos fundos. Podia ouvi-lo chorar e perguntar a Deus o porque de ter levado seu filho tão cedo. Então, compreendia o seu medo. Ele temia que o mesmo acontecesse comigo se um dia entrasse em um carro.

Minha paixão por automóveis nunca diminuiu. Ainda era a mesma, completamente avassaladora. Assistir carros mostrarem suas potencias me inspiravam, eu me sentia leve. Como algumas pessoas se sentem melhores ao ouvir suas músicas preferidas, eu me sentia da mesma maneira ao ouvir o ronco dos motores. Sabia que um dia poderia ter a minha própria oficina, e faria carros velhos e quase sem utilidade voltarem a ganhar o brilho que um dia já tiveram.

— Você se destaca em meio a esta multidão. — a voz de Michael ao meu lado me faz sobressaltar.

Analiso suas palavras e mordisco o lado inferior da minha bochecha.

Olho para o que estava vestindo, e depois para Camile que ainda tinha sua atenção voltada para a tela do seu celular. Minhas roupas podiam ser estranhas o bastante para se destacar em meio a outras pessoas.

— Você é a única que está olhando com admiração para essas velharias. — ele conclui sua fala, e não consigo evitar olhá-lo com surpresa. — O que?

Ele não me ofendeu falando das minhas roupas. Na verdade, Michael nunca havia me analisado ou sequer parecia se importar com o que eu vestia. Desde o primeiro dia ele foi gentil e fez de tudo para me fazer sorrir.

— Não são velharias, são bons carros. Só estão um pouco descuidados. — defendo os veículos mais velhos que entravam na pista de terra solta e fazia esvoaçar os grãos para o alto quando raspavam os pneus.

— Você compraria algum desses? — pergunta casualmente, colocando as mãos dentro dos bolsos de sua calça jeans.

— Se eu tivesse dinheiro, claro. — dou de ombros, olhando para o carro vermelho que consegue completar duas voltas rápidas em segundos. — O vermelho é rápido, mas eu escolheria o amarelo.

— Ele tem apenas potência para acelerar. — diz, olhando para o carro amarelo soltando fumaça pelo escapamento traseiro. — Eu ficaria com o cinza.

Olho para o carro cinza, dando voltas tranquilas.

— O amarelo tem um motor potente, mesmo sendo um carro antigo. O vermelho é apenas mais charmoso por ser um modelo dos anos dois mil, e estar apenas um pouco amassado, podendo impressionar alguns homens de até quarenta anos por acharem ter suportado maus bocados. Mas, o cinza... — torço os lábios. — Ele te deixaria na mão na primeira tentativa de impressionar uma garota com a potência que possuí. O motor fundiria em menos de duas semanas. Talvez as marchas dele sejam pesadas, e isso não é algo bom para um amante de carros e estudante de Engenharia Mecânica.

Michael pisca algumas vezes, e um sorriso minucioso surge em seus lábios. Ele tinha o mesmo olhar que eu, possivelmente, tinha sobre os carros.

Desvio o meu olhar e toco a ponta da minha trança, olhando para os meus pés.

— O que foi? — pergunto, sem ter coragem de voltar a olhá-lo.

— Você é fascinante, novata. — ele diz, e eu me arrisco olhá-lo de canto, em busca de encontrar qualquer sinal de divertimento em sua expressão. Mas ele ainda estava como antes, apenas sorrindo um pouco mais. Com sinceridade. — Tive sorte em ter sido bloqueado por você na passagem para a sala no primeiro dia.

Solto uma risada, tímida.

Sinto olhos curiosos em nós, e ao olhar para o lado, noto que Camile está nos olhando da mesma maneira que me olhou quando falou dele antes de deixarmos os dormitórios.

— Não irá me apresentar o seu amigo, Faith?

Respiro fundo.

Ela jamais me deixaria em paz depois disso.

— Michael esta é Camile. Camile este é Michael. — aponto para ambos, os apresentando.

Camile sorri e aproxima-se, estendendo sua mão para ele.

— É um prazer conhecer o famoso parceiro da minha amiga. — Michael olha-me com as sobrancelhas arqueadas, mas logo segura a mão da tagarela garota e forma um cumprimento amistoso entre eles.

Eu queria correr e me trancar no banheiro mais próximo.

— É bom conhecê-la também. Faith não fala muito nas aulas, mas já as vi juntas pela universidade. — seu sorriso não se desfaz, nem mesmo vacila.

— Tenho certeza que sim. — ela recolhe sua mão e balança os cachos em seu cabelo.

Fecho meus olhos.

— Estão com fome? Há uma barraca que serve ótimas fritas. — Michael muda de assunto. — A feira será longa, e teremos muitas atrações automobilísticas ainda.

— Estou faminta. Faith também deve estar, ela mal tocou em seu almoço hoje.

Olha incrédula para Camile. Eu sabia que ela estava encontrando maneiras de ficar próxima de Michael.

— É, acho que estou com fome. —  digo e a vejo tentar disfarçar um sorriso.

— Ótimo, então vamos.

Michael é o nosso guia. Camile segura minha mão e segue saltitante, vez ou outra me lançando olhares sugestivos, e não deixava de olhar para o garoto que cumprimentava alguns grupos de pessoas pelo caminho. Ao pararmos em frente a uma barraca, nos sentamos em uma das poucas mesas e logo degustamos algumas fritas e bebemos sucos naturais.

Ao fim de tudo, Michael insistiu em pagar a conta. Não adiantou lutar contra ele e tentar pagar ao menos minha parte, precisei ceder, pois a atendente não parecia estar em seu melhor dia. A noite caiu e nós estávamos passando em cada uma das barracas com peças. Em um momento, Camile desapareceu por mais de meia hora alegando que iria ao banheiro. Preocupei-me com ela, mas quando a encontramos, ela não parecia estar perdida. Seu batom estava borrado, o cabelo bagunçado e sua roupa não estava mais tão alinhada quanto antes. Michael me lançou um olhar discreto, e conteve um sorriso. Apenas arregalei os olhos, não querendo imaginar o que ela havia feito.

Eu realmente não queria saber.

Fiz um relatório mental sobre várias peças que nunca havia visto ou tocado antes, mas também anotei seus nomes na pequena caderneta que sempre estava na minha bolsa. Teria um bom trabalho para entregar ao professor quando o semestre chegasse ao fim. Encontrei alguns colegas de classe, mas assim como na universidade, eles nem mesmo me notaram. Continuei a olhar carros e peças, mas acabei perdendo o meu parceiro quando o seu celular tocou.

— Tenho que ir. Meus pais vão sair e minha irmã ficará sozinha em casa. — diz ao retornar, guardando o celular em um dos bolsos traseiros de sua calça.

— Oh. Tudo bem. — olho para os lados, avistando Camile duas barracas a frente, conversando com um garoto que sorria para ela. — Irei esperar Camile. Creio que já esteja quase no fim.

— Tem certeza? Posso deixá-la na universidade, e depois vou para casa.

— Não. Você precisa ficar com sua irmã. — mostro-lhe um sorriso, garantindo que iria ficar bem.

Michael parece analisar o que eu digo por um tempo, mas assente.

— Então, te vejo segunda?

— Segunda.

Ele sorri, da mesma maneira que sorriu por toda a tarde que passamos juntos.

Ao se afastar, ele acena para mim, antes de virar-se de costas e seguir, se esquivando de corpos pelo caminho. Solto um suspiro e dou espaço para um homem que queria alcançar as peças de uma Ferrari 1964 GTO. Torno a olhar para o lugar que Camile estava e não queria interrompê-la. Ela parecia muito entretida em sua conversa, e não seria justo lhe dizer que eu estava sozinha.

Memorizo a barraca que ela estava, para que, caso me perdesse, poderia tentar encontrar pela cor um pouco mais chamativa que as outras. Caminho até a entrada da feira, e algumas pessoas fazem o mesmo. A temperatura havia caído um pouco, como acontecia em todas as noites, e eu sentia falta do meu suéter.

Já fora da feira, olho para os lados e vejo alguns homens carregarem peças adquiridas, outros estavam levando os próprios carros. Estreito os olhos enquanto caminhava para o lado direito da extensão do ambiente em que dava molde a uma pista de corrida. Sentia o gostoso frescor da noite, mas os pelos em meu corpo se eriçavam com as rajadas mais intensas que encontravam a parte desnuda dos meus braços. Paro de andar quando avisto um homem tendo problemas com o carro em sua frente. Ele parecia irritado, pois disparou quatro chutes no pneu dianteiro.

Poderia ser uma situação cômica, mas ele estava mesmo lidando com algo bem problemático.

Mesmo sabendo que devia continuar o meu passeio e deixá-lo se entender com o seu carro, me aproximo no intuito de ajudar. Ele se debruça na parte aberta do capô e começa a puxar alguns fios, que deduzo serem da bateria. Eu queria gritar para que ele não fizesse isso, mas antes que eu tenha tempo, um som estrondoso se faz e muita fumaça começa a sair. Ele se afasta e começa a abanar o rosto com as mãos. Não sabia o que fazer, mas apresso-me, e, sem sua permissão, aproveito que a porta do motorista estava aberta e me inclino sobre os bancos alcançando, do outro lado, o extintor. Eu sabia que todo carro precisava ter um destes. Endireito meu corpo do lado de fora e aciono a mangueira, deixando a fumaça fria se dissipar com a mais escura.

Solto uma tosse pelo forte cheiro de queimado que invade minhas narinas. Meu coração estava um pouco acelerado. Não estava acostumada com situações como essa, mas não podia ficar apenas assistindo o carro pegar fogo. Quando a fumaça desaparece, paro de pressionar a mangueira e respiro fundo, um pouco aliviada por ter ajudado o homem que não parecia saber o que estava fazendo.

Olho para o lado e não acredito no que vejo.

Não era um homem qualquer, no entanto.

Era o motoqueiro. De novo.

— Falemos sério agora... Você está me perseguindo ou algo assim? — ele praticamente grita, e abaixa o capô do carro, com extrema força.

Solto o extintor, um pouco assustada demais para devolvê-lo devidamente.

— Não, eu... Eu só... —  olho para o carro. — Estava dando uma volta, e vi que estava tendo problemas com o carro. Não sabia que era você. Eu juro.

 Eu realmente não sabia.

Não conseguia olhar para ele.

Nosso último encontro não havia sido algo muito terno, por assim dizer.

— Inferno! —  pragueja, e dá mais um chute no pneu do carro.

Encolho meus ombros, sentindo-me assustada.

Ele parecia me odiar, por algum motivo que eu não compreendia.

— Desculpa.

Consigo olhá-lo de canto.

De longe, não consegui reparar em sua roupa. Mas lá estava a jaqueta de couro, as botas também de couro escuro e um pouco sujo de lama seca, e seu jeans surrado. Seu cabelo parecia estar um pouco mais baixo, pelo que conseguia me lembrar. Ele não estava sem cabelo, mas parecia ter feito um corte quase militar. Ainda estava com a barba meio que por fazer.

— Pelo que está se desculpando?

— Não sei. — sou sincera.

Apenas achava que devia me desculpar por irritá-lo.

Ele suspira, e impulsiona seu corpo para trás, girando seus calcanhares.

— Eu comprei essa lataria e não rodou nem um quilômetro. — ele diz, e eu o olho um pouco surpresa.

Era a primeira vez que conversávamos, realmente.

Não era um assunto que pessoas ao redor do mundo conversavam o tempo todo. Mas era algo que eu poderia conversar com ele e, talvez, compreendê-lo.

Olho para o veículo e o reconheço de imediato. Era o carro cinza, o mesmo que Michael disse que compraria.

— Ele não tem um bom motor, nem é capaz de ultrapassar cem por hora. —  estudo-o. — Ele poderia levá-lo ao seu destino se dirigisse a, no máximo, oitenta em pistas tranquilas. Se arriscasse em cascalhos e estradas com muitos buracos, acabaria sendo deixado na mão. Esse não é um modelo para corridas, e sim para o dia a dia.

Nem percebo quantas palavras digo em poucos segundos, mas elas simplesmente saem.

Encontro o seu olhar confuso sobre mim. Suas sobrancelhas grossas estavam curvadas enquanto me encarava, visivelmente surpreso.

— Como sabe sobre isso?

Ele não era o primeiro a me fazer esta pergunta.

— Sou estudante de Engenharia Mecânica, entendo um pouco de carros e motores. — dou de ombros.

Estava nervosa, e tentava disfarçar não olhando diretamente dentro de seus olhos.

A iluminação não era nada mais que alguns postes públicos do outro lado da rua e os holofotes ao redor da pista, ainda assim eu não conseguia vê-lo como o vi na lanchonete. Nunca tive a visão de seus olhos para saber a cor deles, mas apontaria para o castanho escuro. Muito escuro.

Combinaria bem com ele.

— Fascinante. —  balbucia, e parece desinteressado, de repente.

Sinto-me um pouco abalada.

Não sabia o que ainda estava fazendo parada em sua frente.

— Eu... Eu vou... — aponto para trás, com o polegar.

— Está acompanhada?

A resposta poderia ser sim e não.

Estava com Camile, mas ela não estava realmente comigo.

— Estou com uma amiga. — umedeço os lábios, e procuro pela resposta certa, rapidamente. — Quero dizer, ela ainda está lá dentro, conversando com um rapaz. Não sei quanto tempo eles vão ficar conversando, então... Eu só vim dar uma volta.

Ele solta uma risada breve, mas não há sorriso.

Eu queria saber como era o seu sorriso de verdade.

— Sua amiga está flertando com alguém e te deixou sozinha em uma feira deste tamanho? — balança a cabeça. — Parece que ela se esqueceu de que você é inocente e que poderia ser facilmente levada por qualquer cara que te mostrasse um sorriso.

Seu comentário me ofende.

Abaixo minha cabeça e começo a andar na direção oposta a que ele estava.

Meus olhos marejam. Mas eu não permito chorar.

Não posso chorar por qualquer pessoa que me diga algo duro. Owen também dizia coisas como aquela, me machucava, mas ele se desculpava depois. E eu o desculpava. Sempre.

— Ei! Espera aí... —  ouço seus passos atrás de mim. — Você tem como ir embora?

— Vou chamar um táxi. — digo e cruzo os braços, sendo a única maneira que estava encontrando de me proteger do frio.

Ele esfrega a palma de sua mão em sua testa.

— Vou levar você. Avise sua amiga que está indo embora.

— Desculpe-me?

— O que não entendeu?

— Você está dizendo que vai me levar?

— É... Costumam nomear isso como carona. — murmura e começa a andar, passando por mim. Viro-me para olhá-lo, e o vejo seguir até uma moto do outro lado da calçada. A sua moto. — Vai ficar parada aí?

— Porque vai me dar uma carona? — elevo minha voz em um tom, apenas para que ele me ouça enquanto se afasta.

— Porque tenho certeza que você não tem grande conhecimento sobre pessoas mal intencionadas. Está em seu rosto que é um alvo fácil.

Mais ofensa.

Desta vez, eu não me deixo abalar.

— Você é um desconhecido. — pontuo. Ele para de andar por um segundo e olha-me por cima dos ombros.

— Sim, eu sou. A diferença é que eu não fiz nada com você da primeira vez que te dei uma carona, e não farei agora também.

Eu não devia mesmo ir.

Eu pensei isso da primeira vez.

Estou pensando isso agora.

E minhas pernas estão me levando em sua direção.

— Porque não gosta de mim? — não posso apanhar as palavras e empurrá-las de volta para a minha garganta.

Elas simplesmente saíram.

Ele continua me olhando por cima dos ombros, mas eu estava andando até ele, então estávamos muito, muito próximos.

— Porque acha isso?

— Você não parece gostar de me encontrar, e... Parece mesmo não gostar da minha presença.

— Você... — ele balança a cabeça e volta a marchar até sua moto, me deixando para trás.

Ele não respondeu minha pergunta, e não discordou do fato que apontei.

Talvez ele apenas não goste de mim e não queira falar sobre isso. Não posso pressioná-lo.

Ele sobe na moto e empurra o pedal, endireitando-a. Fico o olhando, sem saber se devia subir ou fazer o meu caminho para dentro da feira.

— Vai ficar apenas me olhando?

— Eu não sei se...

Ele olha para os meus braços descobertos, sendo evidente o meu tremor que não acontecia apenas pela temperatura baixa.

Danger se desfaz de sua jaqueta em segundos e a estende para mim. Encaro o seu gesto sem compreender, mas quando percebo, sinto vontade de abraçá-lo. Apanho a jaqueta e visto-a. Era tão quentinha, pesada, e tinha cheiro de colônia masculina e cigarros.

Ele usava um colete com vários adesivos, mais conhecidos como patches, eu acho. Ao menos era o que dizia o Google. Eram exatamente como os dos motoqueiros na lanchonete, os daquela noite desastrosa no estacionamento e os das fotos que encontrei em minha busca sobre as origens de motoqueiros ao redor do mundo.

Seus braços eram completamente fechados por desenhos feitos em linhas escuras. Tatuagens de vários tamanhos e formas. Eu não conseguia enxergá-las bem, mas parecia ter tantas.

Queria poder tocá-las.

Oh, céus, o que estou pensando?

— Não irá avisar sua amiga? — pergunta, me trazendo de volta a realidade. — Mande uma mensagem para ela.

— Eu não tenho um celular.

Ele ergue as sobrancelhas e abaixa sua cabeça, praguejando baixinho, nem mesmo consigo compreender o que dizia.

— De onde você veio? — pergunta, ligando sua moto.

— Ames.

— Não estou surpreso. — me entrega o seu capacete. — Conhece algo de Londres?

— Apenas o caminho da universidade para o meu trabalho e mais algumas ruas.

Coloco o capacete.

Um suspiro pesado deixa seus lábios.

— Está com fome? — sua pergunta não soa tão gentil quanto a de Michael mais cedo.

Eu não estava com tanta fome, mas a ideia de passar um tempo com ele fazia cócegas em minha barriga.

— Acho que posso suportar até chegar ao dormitório.

Tudo o que eu teria era alguns pacotes de salgadinho, se tivesse a sorte de Camile não ter comido todos eles.

— Vou levá-la para comer e depois a deixarei no campus.

Ele não leva em consideração a minha resposta.

— Porque está fazendo isso?

— Considere como um agradecimento pelo carro. — continuo o olhando, incrédula demais para sorrir ou sentir-me bem com tudo isso. — Não irei dizer a palavra, se é isso que está esperando, morena.

Morena.

Já estava acostumada com esse apelido.

Estava gostando de ouvi-lo me chamar assim.

— Obrigada? —  balbucio, incerta.

Ele nega com sua cabeça.

Dou a volta e subo em sua moto, ajeitando-me da maneira que podia lidar com minha saia. Danger não dá partida, e eu não entendo o motivo até senti-lo alcançar meus braços e colocá-los ao redor de seu tronco, como da última vez. Receosa, aperto o material grosso de seu colete, e ele sente minha tensão, pois seus músculos também parecem tensos. Mantenho-me o mais longe possível, mas tornou-se uma tarefa difícil quando a moto entrou em movimento e a cada curva sentia o capacete bater contra sua cabeça. Nunca ouvi tantas palavras sujas em tão pouco tempo, se meu pai o ouvisse falar, iria deixá-lo pedindo perdão por um dia inteiro.

Não era mais como da primeira vez. Para mim, aquele dia, era um completo estranho me dando uma carona. Desta vez, ainda era um estranho, mas estava me dando uma segunda carona após ter trocado mais que apenas algumas palavras comigo.

Minha mente estava confusa.

Passamos por várias ruas, até que encontramos a agitação constante de Londres. Carros estavam por todos os lados, e todos os prédios eram bem iluminados. Pessoas caminhavam pelas calçadas, enquanto outras entravam em estabelecimentos ainda movimentados. Kristen havia me dito que não havia calma na cidade, e que eu teria que me adaptar com esse ritmo e segui-lo também.

A moto de Danger estaciona ao lado de uma calçada, de frente para uma pequena praça, e ao olhar para frente, erguendo um pouco o olhar, eu conseguia enxergar uma grande torre com um relógio. Havia visto em fotos e em cenas na televisão, mas nunca havia tido a oportunidade de vê-lo desde que chegara. Era tão bonito que me dava vontade de chorar.

— Não teve a chance de ir ao Big Ben? — ele pergunta, acompanhando o meu olhar deslumbrado. Olho-o e nego com a cabeça, enquanto tiro o capacete. — Todos os turistas escolhem conhecê-lo primeiro. É um clássico e um grande clichê.

— Não é um clichê. É lindo! — digo, verdadeiramente, deslumbrada com a vista.

— Então, vamos torná-la parte de Londres. — ele começa a andar até a barraca. — Apenas um.

O homem vira-se e começa a preparar algo.

— O que é isso? — pergunto, curiosa, apontando para algumas pessoas que estavam sentadas em mesas e comiam algo que eu nunca tinha visto antes.

— Fish’n Chips. — meu olhar confuso não muda. — Tecnicamente, são tiras de peixe e fritas.

Faço uma breve careta.

— Não parece muito atraente.

— Não há um turista que venha a Londres e não coma um desses. Todos eles comem um e querem mais.

— Não sou, tecnicamente, uma turista. — digo e abaixo a cabeça, ajeitando a alça da minha bolsa. — Você sempre viveu aqui?

Pergunto-lhe, sabendo que podia estar abusando de sua bondade repentina.

— Sou completamente daqui. — murmura, despreocupado.

Eu podia perceber os olhares sobre Danger. As pessoas pareciam ter medo, ou eram fascinadas por ele, pois seus olhares variavam, e ele percebeu isso, mas não parecia se importar. Na parte de trás de seu colete, em letras agressivamente vermelhas estava escrito Knights Of Hell MC. As pessoas pareciam se intimidar o suficiente apenas por estes dizeres, e eu não conseguia compreender o real motivo.

— Aqui está. — o homem lhe estende um pequeno suporte com os tais Fish’n Chips. O motoqueiro paga pelo lanche, mas não agradece.

Parece que ele não é um grande fã do agradecimento, então.

Começamos a andar para a praça. Danger se senta em um banco de madeira, faço o mesmo, ajeitando a jaqueta larga em meus ombros e braços. Ele me estende o suporte com o alimento que comprou. Não me agradou de imediato saber que era peixe empanado, mas o cheiro estava bom.

— Prove. — ele me olha, erguendo as sobrancelhas.

Com o guardanapo, apanho a tira de peixe e levo-a aos meus lábios. Mordisco um pequeno pedaço e me delicio com o sabor. Não era como um hot dog, nem mesmo se comparava a um, mas era incrivelmente gostoso. Era diferente, e estranhamente bom. Não me contenho com apenas um pedaço, e devoro um segundo, terceiro e um quarto.

— Não irá comer? — pergunto ao motoqueiro que me olhava comer.

— Este não é mais algo que eu goste de comer.

Dou de ombros e continuo comendo. Quando termino o meu lanche, como todas as batatas. Ao acabar tudo, me levanto e jogo o suporte plástico na lixeira. Volto a me sentar no banco e olho para ele, que matinha os cotovelos apoiados em seus joelhos.

Ele parece querer dizer alguma coisa, mas o seu telefone toca. Ele o retira rapidamente do seu bolso e desliza o dedo pela tela.

— O que foi agora, Spider?... Estou ocupado... Vocês não me afirmaram que cuidariam disso?... Cara, não pode segurar as pontas por mais vinte minutos?... Foda-se, eu vou direto até aí. Deixe-o como está, ele merece isso... Certo.

Ele encerra a ligação e volta a guardar o celular.

Danger se coloca de pé, faço o mesmo, um pouco assustada pela sua expressão fria, novamente.

— Irei levá-la para a universidade, mas antes tenho que parar em um lugar. —  ele diz, virando-se para mim. Eu conseguia ver bem o seu rosto, e estava com medo da escuridão ao redor dele. — Você tem que me prometer que irá me esperar, completamente quieta, no lugar em que vou deixá-la.

Concordo, um pouco incerta.

— Você promete?

— Sim.

Não sabia o que estava prometendo, mas estava prestes a conhecer mais do que poderia imaginar sobre Danger e sua vida caótica. 


Notas Finais




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