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História Our Sin (EM PAUSA) - I like your smile.


Escrita por: poetyeeun

Notas do Autor


Hallo!
Espero, de coração, que gostem. Boa leitura. MWAH!

➡ Capítulo betado pela minha esposa maravilhosa @winterrsoldier.

Capítulo 7 - I like your smile.


Fanfic / Fanfiction Our Sin (EM PAUSA) - I like your smile.

Meus olhos ainda estavam tão pesados que precisei forçá-los para abrir, fazendo uma careta pela claridade que batia em meu rosto. Pisco três vezes, soprando os fios do meu próprio cabelo. Esticando meus braços e pernas, sinto a maciez de lençóis embaixo de mim, enquanto tinha um cobertor grosso enroscado em minha cintura. Rolando os olhos pelo ambiente pouco iluminado, esbugalho os olhos por não encontrar a bagunça de Camile do outro lado do quarto, nem o nosso quarto. Sento-me tão depressa quanto consigo, procurando por qualquer vestígio do meu dormitório, mas não avisto nada além de alguns móveis envelhecidos.

A decoração era tão simples quanto o quarto. Havia um guarda roupas do outro lado, uma porta de madeira fechada, uma cômoda com frascos e embalagens no topo e gavetas fechadas. Ao lado da cama, havia uma mesa com um único cinzeiro em cima, mas sem nenhum cigarro. Uma janela aberta estava do outro lado, sem nenhuma cortina. Na verdade, não existia cor alguma, era tudo tão mórbido que me causava tristeza. Não poderia imaginar uma pessoa passando todas as suas noites em um lugar assim, ainda que tivesse o essencial para dormir e acordar. Faltava vida.

No entanto, é o fato de estar em um quarto que não é o meu que me preocupa. Afastando o cobertor e lençóis com os pés, procuro por meus sapatos, mas não os encontro. Ao me levantar, percebo que estou vestidas com as roupas do dia anterior, ainda que um pouco amarrotadas. Sentindo o assoalho frio, caminho até a porta que poderia me levar para fora daquele quarto que não era o meu.  Agarro a maçaneta com ambas as mãos, temendo que pudesse encontrar algo muito ruim do outro lado, mas ao girá-la, não é necessário mais que alguns segundos para me lembrar de tudo.

Estava no clube dos motoqueiros, mais especificamente no quarto e escritório de Danger.

Um latido alto me faz sobressaltar, encolhendo um pouco os ombros e procurando pelo animal peludo, deitado no mesmo lugar da noite passada.  O cão parecia um pouco melhor e mais esperto, sem choramingar ou gemer de dor. Isso era bom. Logo na ponta do sofá, havia uma tigela com duas repartições, em um lado tinha um pouco de ração e do outro, água.

— Ei, amigão. Acho que eu não devia estar aqui. — mordisco o lábio inferior, olhando para os lados.

No mesmo instante em que ouso dar mais alguns passos para frente, a porta de entrada para o escritório é aberta bruscamente e um corpo familiar passa por ela, carregando alguns sacos pardos em suas mãos. Seu olhar que, antes estava baixo, ergue-se e encontra meus olhos assustados. Ele não parecia abalado com minha presença, ainda que seu pomo de adão tenha vibrado conforme engolia em seco, enquanto minhas pernas estavam tão bambas que se não estivesse apoiando-me na porta, com certeza, perderia o equilíbrio.

— Olá? — não tinha certeza de como saudá-lo.

Danger desvia o olhar e limpa sua garganta.

— Você acordou. — murmura. — Pensei que fosse demorar um pouco mais.

Ignoro seu comentário um tanto quanto ácido. O seu mau humor parecia começar logo pela manhã.

— Eu... — bato meus cílios em uma piscada vagarosa, sendo incapaz de desviar meus olhos do seu traje e postura. — Por que dormi aqui?

— Demorei um pouco para voltar e quando retornei, você estava dormindo. — pressiona o seu maxilar. — Tentei acordá-la, mas não consegui. Seu sono é muito pesado.

Sinto-me começar a ficar vermelha.

Meu pai, provavelmente, me castigaria se soubesse que fiz algo assim.

— Sinto muito. — murmuro baixo. — Onde você dormiu?

— Eu tentei ficar por aqui, mas esse camarada... — aponta para o cachorro, que nem mesmo se incomoda com a citação acusatória. — Não quis sair. Então, dormi em um dos quartos do clube.

Belisco a ponta do meu nariz.

— Esse quarto...

— É meu. — meus olhos ganham um novo tamanho. — Não faça disso uma grande coisa. Apenas não iria deixá-la dormir sentada em um sofá ao lado desse pulguento.

Era como se significasse tudo e ao mesmo tempo nada.

Ele não queria a minha presença, tão pouco que me acomodasse em seu quarto, sua cama e invadisse seu espaço pessoal. No entanto, se preocupou comigo. Poderia ter gritado ou encontrado um jeito de me acordar, mas me carregou em seus braços e me deitou em seu colchão, cobriu meu corpo com seu cobertor e ainda retirou meus sapatos.

Podia não ser grande coisa para ele, mas era algo que fez as palmas das minhas mãos formigarem.

— Obrigada, Danger.

Mais uma vez, ele parece engolir em seco.

— Eu trouxe café. — ergue os sacos pardos que segurava. — Não sei o que gosta de comer, então, trouxe tudo o que a atendente sugeriu.

Não consigo conter o meu sorriso.

Isso era, sim, algo grande.

— Preciso voltar para o campus. Que horas são?

Danger deixa os sacos em cima da mesa, com as mãos livres, tateia os bolsos de seu jeans, puxando o seu aparelho celular, deslizando o polegar sobre a tela. Virando-a para mim, mostra-me as horas e meus olhos saltam. Eram nove e quinze. Havia perdido todo o meu primeiro período, e, com certeza, Michael e Camile tinham notado a minha ausência.

— Estou perdendo minhas aulas. — balbucio baixo, para mim mesma.

— Fala como se nunca tivesse sido uma pequena fugitiva no colégio. — Danger encara-me e bufa. — É claro que não fez algo assim.

— Nunca fiz, realmente. — asseguro-lhe. — Isso é errado.

— Pode ter certeza que sim. — balançando a cabeça, voltando a afundar o celular em um dos bolsos, mexe seus ombros. — Você precisa se alimentar antes de ir a qualquer lugar. Se quiser fazer algum tipo de higiene, o banheiro fica ai dentro.

— Posso tomar banho? — questiono, certamente com uma expressão confusa. — Serei rápida, eu prometo. Só preciso de um pouco de água morna e...

— Vá em frente. — seu olhar varre brevemente o meu corpo encolhido atrás da madeira da porta. — Vou deixar algumas roupas na porta do banheiro.

— Não é necessário.

Ele dá de ombros e puxa de dentro do bolso interno da jaqueta um maço de cigarros. Virando-se de costas, caminha até a janela e meus olhos curiosos observam seus movimentos rápidos, parando em seu ato másculo de pousar o filtro fino entre os lábios, enquanto um de seus polegares riscava o isqueiro para acendê-lo, dando-lhe a brecha para tragar a fumaça que é liberada para a abertura da janela. Seu cabelo estava despenteado e ponta de uma de suas tatuagens, em suas costas, escapava pela gola do couro escuro.Esse era um momento seu.

Me apresso para encontrar o banheiro, e ao notar a única porta presente além da que permitia a entrada para o escritório, empurro-a, espiando o cômodo, noto que a simplicidade também existia ali, não tinha nada além de um chuveiro, uma pia e um vaso sanitário. Entrando, toco no granito do balcão da pia e alcanço um frasco de perfume. Curiosa, levo-o próximo as minhas narinas, inspirando o cheiro forte e amadeirado. Não se parecia com o seu perfume. Era um pouco mais forte e artificial. O seu era natural e combinava com sua aparência. Não saberia detalhar o seu aroma, mas sabia que era seu se o sentisse a distância.

Devolvendo o frasco para o seu lugar, entro, completamente, no banheiro, ainda correndo os olhos por cada canto, observando os azulejos e até mesmo as rachaduras nas paredes. Um pequeno espelho em formato de gota se estendia um pouco acima da pia, ao lado, havia um armário pequeno. Meus dedos coçam para abrir a porta, puxando-a, encontro apenas produtos de higiene pessoal e um barbeador elétrico. Sua barba estava sempre aparada como seu cabelo que estava crescendo.

Suspirando, desfaço-me das minhas roupas, me despindo e dobrando as peças, deixando-as em cima da tampa do vaso sanitário. Esticando meu braço esquerdo, alcanço o registro de água e giro-o, salto para trás antes que as primeiras gotas de água comecem a cair. Após alguns segundos, ouso me molhar e delicio-me sob a água morna. Massageio meu cabelo, só abro meus olhos para apanhar os produtos que estavam em uma pequena cesta ao lado da janela fechada. Sinto-me um pouco mais suja por gostar da ideia de estar usando tudo o que o motoqueiro usava para lavar seu próprio cabelo e esfregar seu corpo.

O que há comigo?

Desligo o registro assim que me livro de toda a espuma em meu cabelo e corpo. Com os lábios trêmulos e dedos um pouco enrugados pelo tempo gasto debaixo da água, completamente alheia a todo o resto, enrolo-me em uma toalha que estava ali, apanho minhas roupas, coloco-as em meus braços, em seguida, nas pontas dos pés, caminho até a porta, abrindo-a e antes que pudesse dar passos para voltar ao quarto, noto peças de roupas dobradas em cima do tapete. Franzindo o cenho, abaixo-me e pego todas as peças, empilhando-as e soltando uma risada por ter certeza de que eram muito longas e largas. Despejando tudo sobre a cama, seco-me como consigo, deixando por último os fios encharcados do meu cabelo.

Arregalo os olhos ao segurar entre meus dedos, uma cueca branca. Não era como se nunca tivesse me deparado com uma peça íntima do sexo oposto. Em todas as vezes, eram apenas as do meu irmão e do meu pai que precisava colocar ou retirar da lavanderia. Vez ou outra, as dobrava e deixava em seus quartos, mas nunca dei importância. Neste caso, era algo que pertencia a um homem que não tinha o meu sangue, isso era assustador. Não questiono, de qualquer maneira. Inclino minha cabeça e toco na etiqueta que constava ser uma peça que nunca havia sido utilizada.

Talvez Danger soubesse que isso me deixaria aterrorizada e escolheu uma cueca nova para que me vestisse.

Sorrindo minimamente, me visto. Estico-me e desdobro uma calça larga. Jogo a barras para baixo, modelo-as em minhas pernas que não preenchem nem mesmo parte do moletom. A camisa é a última roupa, não consigo evitar levá-la ao meu nariz, aspirando o cheiro de roupa limpa. Olho para baixo e sinto-me uma criança nas roupas do irmão mais velho.

Caminhando pelo quarto, procuro por uma escova de cabelo e encontro atrás de algumas garrafas vazias de bebidas. Voltando ao banheiro, penteio os fios escuros e molhados, não sabendo o que fazer com eles. Por fim, deixo-os secar naturalmente. Deposito a escova no balcão e balanço a cabeça em negação, cambaleando para fora do banheiro e logo do quarto.

Erguendo o queixo, abro a porta, avistando Danger afagando o pelo arrepiado do cachorro no sofá. A sombra do que podia se comparar a um sorriso ludibria-me por alguns segundos em que sou silenciosa, mas não sei se faço algum ruído, impressionada com a possibilidade dele estar sorrindo ao acariciar o animal que parecia repudiar. Seu olhar passeia por minhas vestes, suas sobrancelhas grossas se unem, dando-me a impressão de estar reprovada em sua avaliação mental.

— Ficaram um pouco grandes. Mas... — olho para baixo. — Eu gosto.

Levantando-se como se tivesse sido pego cometendo um crime, dá dois passos para trás e enterra as mãos nos bolsos de seu jeans, limpando a garganta.

— Você pode comer. — ignora o meu comentário e olha para a mesa.

Eu assinto e caminho até ela, tocando no vidro fria da mesa, raspando os dedos por seus objetos, demorando um pouco mais no cinzeiro que possuía restos de cigarros. Arrasto a cadeira para trás e sento-me, arriscando olhar para Danger que me estuda com curiosidade.

Sentindo-me faminta, rasgo as proteções dos sacos pardos e não consigo conter meu anseio, devorando a primeira rosquinha com cobertura de chocolate que encontro. Fecho meus olhos e mastigo o pedaço de nuvem doce, sentindo cada gota de açúcar se desfazer em minha boca, agradando meu paladar como nunca antes. Sugo até os rastros do chocolate que sobra em meus dedos, abro meus olhos, não conseguindo olhar para o motoqueiro que devia estar pensando que não me alimentava há dias.

Após a segunda rosquinha e uma fatia de bolo de chocolate, ergo meu olhar para Danger que, fitava-me com as sobrancelhas erguidas, enquanto torcia os lábios. O rubor em meu rosto é imediato, mas antes que possa justificar minha fome desenfreada, a porta do escritório é aberta e um rosto familiar surge, acompanhado por um corpo forte.

— D, nós... — ele trava no lugar, assim que seu olhar vagueia por cima dos ombros do motoqueiro virado para a porta. — Devo perguntar sobre isso ou...?

— Nada. Não deve perguntar nada. — Danger intervém. — O que quer aqui, Spider?

Ainda olhando-me como se estivesse visualizando uma alucinação, Spider trabalha depressa para apagar o seu sorriso travesso e encara de volta o rosto do homem sério.

— Precisamos de você.

— Mais uma vez?

— Dessa vez, é extremamente pessoal. Encontramos algo, você precisa dar uma olhada nisso.

Abaixando a cabeça, Danger parece esfregar seu rosto antes de voltar a olhar para o amigo.

— Ela está envolvida?

— Sim. — Spider murmura. — Completamente.

O motoqueiro olha-me de soslaio.

— Eu vou...

— Terá que resolver um problema. — interrompo-o, balançando a cabeça. — E eu não devo ir a lugar algum.

— Isso. Não deve sair, Faith. — dá mais entonação na última frase. — Quando retornar, te levarei embora.

Ele parecia nervoso.

Empurrando Spider pelos ombros, caminham até a porta, mas antes de saírem, o motoqueiro mais baixo acena para mim, olha com gracejo para Danger que o força a sair, fechando a porta atrás de suas costas. Engolindo o último pedaço de um biscoito recheado com um doce desconhecido, mas muito saboroso, levanto-me e limpo minhas mãos em algumas folhas de guardanapos que encontrei em um dos sacos.

Devia lutar e assumir o controle do meu corpo, mas não sou capaz, quando me dou conta, estou passando pela mesma porta, olhando para os lados do corredor vazio e muito gélido. Seguindo meu instinto um pouco falho, marcho para a esquerda, olhando para as paredes mofadas. Em algumas delas encontro desenhos de grafite, pinturas brutas, até mesmo palavras em outros idiomas e símbolos sequenciais.

As pontas de meus dedos tocam em cada cor e contorno que alcanço, não compreendendo o que poderiam significar para homens como Danger e Spider. Assusto-me com as luzes piscando e ao olhar para o teto de madeira antiga, pisco uma única vez, é o suficiente para que meu corpo trombe em outro. Olhando para baixo, com os lábios entre abertos e a respiração presa na garganta, dou um passo para trás.

— Quem é você? — o questionamento simplesmente sai.

— Sou Rooster. — ele olha para minhas roupas. — E você é...?

— Faith. — balbucio baixo.

— Faith. — frisa meu nome e sorri. — Você é a garota de Danger?

— Eu sou o que?

— Os comentários correm por esse lugar, como se fosse o colegial. — faz uma careta. — E no momento, ‘’a garota do presidente’’ é o mais comentado.

— Não sou a garota dele. — não minto, mas minha voz vacila. — Você é um motoqueiro?

Abre os braços, como se mostrasse o óbvio, o seu colete. Era diferente dos outros, principalmente do couro pesado que Danger nunca tirava. Exceto pela vez que o encontrei, parcialmente, nu. E foi a primeira vez que tive a chance de notar todas as suas tatuagens. Seu colete parecia exclusivo, talvez, por ele ser a pessoa que comandava esses homens. Era como uma hierarquia, a diferença eram as motos e suas posturas intocáveis.

— Sou um prospecto.

— O que é isso?

Rooster olha-me com desdém e cruza os braços em seu peitoral.

— Sou como um aprendiz em preparação para ganhar os patches de um motoqueiro. — sibila com exaustão. — Você não se parece com uma lábios doces. O que a trouxe aqui?

Relaxo os ombros.

— Um cachorro que encontrei, Danger está cuidando dele. — seu olhar expressa sua incredibilidade. — E eu, provavelmente, não devia estar falando com você.

Faço menção de me virar para correr pelo corredor, mas ele segura o meu cotovelo esquerdo.

— Calma! — sua voz era mansa. — Sei que pode estar assustada, mas nem todos aqui são tão ruins quanto Danger.

— Ele não é ruim. — afirmo.

— Cada um conhece o lado que merece. — assopra. — Precisa estar em algum lugar? Porque os motoqueiros estão em uma reunião, tenho certeza de que se o presidente a escondeu, é por desejar que esses caras sujos não a toquem.

— Irei voltar para o escritório. — digo depressa e desfaço-me do aperto suave de Rooster.

Olho para trás, encontrando-o me encarando com suas órbitas azuladas e brilhantes.

Ele era magro, mais baixo e menos intimidador que os outros que conheci. O formato de seu rosto era juvenil, os poucos fios de barba que apontavam em seu queixo, era o único traço que poderia distanciá-lo de um garoto para um homem. Sua aparência era suave, algo me dizia que ele trabalhava duro para blindar-se sob uma postura inspirada nas dos motoqueiros verdadeiramente aterrorizantes.

— Porque está me seguindo? — chio, notando seus passos atrás dos meus.

— Se Danger souber que encontrei sua garota no corredor e não a devolvi em segurança, irei perder meu lugar no clube, e a minha vida também.

Não sou capaz de replicar, apenas continuo caminhando, rangendo os dentes pelo nervosismo de estar sendo seguida por um estranho, em um lugar desconhecido. Após alguns passos incertos, giro a maçaneta da porta e coloco-me para dentro. Rooster espia pela brecha e seus olhos arregalam ao avistar o cachorro deitado no sofá.

— Se eu contar isso para qualquer pessoa, serei colocado em uma camisa de força.

Afasto-me da porta e faço um sinal para fechá-la, assim que o prospecto se afasta, mas antes, assobio o seu nome, fazendo-o olhar para mim por um instante.

— Eu não sou a garota de Danger. — explico, não gostando de seu olhar pouco incrédulo diante minha confissão.

Dando de ombros, desaparece pelo corredor. Fecho a porta, encostando-me na madeira, olhando para o cachorro que salta do sofá, mas não caminha pelo assoalho de imediato, faz uma pausa e, ainda que mancando de uma única perna, se aproxima e fareja meus pés descalços.

— Está se recuperando bem, amigão. — sorrindo largamente, abaixo-me para acariciá-lo. — Temos que procurar um lar de verdade para você.

Quando pedi ao motoqueiro para que ficasse com o cão, não imaginei que fosse aceitar. Foi uma atitude impensada, embalada pelo pânico que sentia por estar diante a uma situação que não poderia ajudar. Ele não cobrou pelos gastos com o animal, há comida e água limpa, ele está sempre deitado em seu sofá, mesmo que possa ser contra sua vontade. E não o jogou de volta para as ruas. Por essa razão, eu queria acreditar que ele tinha algo bom em seu peito, bem do lado esquerdo.

Distraindo-me com meus pensamentos, arregalo os olhos apenas ao avistar o cachorro em um canto da sala, brincando com os meus sapatos do dia anterior. Avanço em sua direção, dando passos largos para alcançá-lo, mas ele corre para o outro lado, ainda mancando, mas muito ágil para um ser vivo tão magro e enfraquecido. Um dos meus sapatos estava em sua boca, cheia de dentes brancos e afiados.

— Você precisa ser um bom garoto e me devolver esse sapato. — paro atrás do sofá, observando-o recuar para trás, entre as pernas da pequena mesa. — Vamos lá, devolva para mim!

Dou um passo para frente e abaixo-me para pegá-lo, mas ele é rápido e corre para o outro lado, serpenteando por brechas muito estreitas que eu não poderia alcançá-lo.

E então, damos início a uma luta que eu não venceria. Não sabia como ele tinha tanto fôlego para correr e se esconder, aparecendo apenas para balançar o seu rabo longo e rosnar, como se zombasse de mim. E por mais que minhas estratégias parecessem boas o suficiente para apanhá-lo em meus braços, ele era mais rápido e esguio.

Faço uma última tentativa ao me aproximar, calmamente, da mesa de Danger. O meu amigo traidor estava de costas, entretido com o cadarço do sapato, puxando-o e erguendo suas orelhas. Evitando até mesmo respirar, estico os braços e abro minhas mãos. No instante em que devia pegá-lo, a porta é aberta e ele desaparece da minha visão, causando um pequeno acidente com sua agilidade. Meu corpo pesa para frente, tropeçando no carpete, desabo facilmente no chão, ao tentar me levantar depressa, ainda com intenção de tomar de volta o que me pertencia, bato a minha cabeça na lateral da mesa de madeira muito firme.

Uma risada baixa atrai minha atenção. Entre a porta aberta, estava Danger, em sua pose graciosamente perigosa. Dessa vez, havia mesmo um sorriso. Não tão largo, ou feliz. Era um sorriso ainda contido. Mas era um sorriso. O vislumbre que pensei ter capturado em seu rosto pela manhã, não se comparava a esse.

Um sorriso de menino no rosto de homem.

— Você está bem? — questiona em tom sério, caminhando em minha direção.

Balanço a cabeça.

— Estou um pouco zonza.

E muito envergonhada.

— Parecia estar tendo problemas com esse saco de pulgas. — murmura. — Vem cá.

Sua mão direita é estendida e com a minha trêmula, toco em sua palma e sinto seus dedos calejados contra minha pele macia.

Éramos opostos até mesmo nisso. Não devia ser algo que me surpreendesse, de qualquer maneira.

Puxando-me para me ajudar a ficar de pé, impulsiono-me o suficiente para me firmar devidamente, mas ainda com a vista levemente embaçada, um passo para trás faz com que Danger solte minha mão e agarre minha cintura, deixando-nos extremamente próximos. Como uma colisão de trens desgovernados. Peitoral com peitoral. E por alguns centímetros de diferença, sinto sua respiração soprar um pouco acima da minha cabeça, enquanto pisco algumas vezes, tendo a privilegiada visão de seu rosto um pouco mais perto, e sob a luz do dia. A escuridão natural que contornava seu rosto magro não me assustava, mas sua beleza dura, sim. E muito.

Seus olhos não eram pretos, duvidava até mesmo que fossem castanhos. Suas íris pintadas abraçavam seu tom único. Suas pupilas dilatadas entregavam sua mudança de humor, mas como de costume, era impossível decifrar o que se passava em sua cabeça. Admirá-lo era reconfortante. Em meio ao seu rosto rodeado por pelos escuros e pontiagudos, havia uma fina cicatriz. De longe, seria impossível notá-la, ainda que fosse esbranquiçada e um tanto quanto rígida. Alguém parecia tê-lo machucado, o ferido com algo que o marcou verdadeiramente fundo.

Sentia-me triste.

Não me dando tempo para pensar, toco o início da cicatriz com meu indicador direito, levando-o em direção aos seus lábios avermelhados e secos, cheios e bem desenhados. Encontro seus olhos depressa, captando a confusão evidente e o tom amendoado se tornando escuro feito o céu noturno. Seus braços apertam minha cintura, sinto dificuldade de respirar, porém, não me afasto.

Talvez essa fosse minha única chance de tentar calar minha curiosidade desenfreada sobre ele. Enquanto não atingisse seu ponto de reclusão, iria continuar descobrindo novidades sobre o motoqueiro que se escondia para o mundo atrás de suas roupas, veículo e título.

Seus lábios são macios e mais cheios do que aparentavam. Os seus contornos não se assemelhavam a delicadeza, eram brutos, mas tinham um formato bonito. A imagem borrada de seu pequeno sorriso diante a minha queda, jamais deixaria a minha mente. E se um dia deixasse, seria capaz de fazer qualquer coisa para voltar a ver os cantos de seus lábios se erguendo em um sorriso com emoções.

 Eu gosto do seu sorriso. — sussurro e pressiono o polegar direito em seu lábio inferior.

A conexão do olhar de Danger com o meu parece partir. Suas pupilas dilatam, seu semblante endurece e seu maxilar aperta assim que seus dentes rangem. O par de braços, que me mantinham de pé, soltam-me abruptamente, sinto meu corpo tombar para trás, onde minhas costas esbarram na prateleira de livros. Estava ofegante, nem mesmo tinha me dado conta disso.

Espasmos espalhavam-se por todo meu corpo, enquanto meu coração batia tão depressa que me causava dor.

O motoqueiro de olhar vazio e postura blindada estava de volta.

— Danger... — seu nome escapa por meus lábios em um sopro suplicante.

— Vou levá-la para o campus. — avisa, recuando em passos largos, distanciando-se tão depressa quanto alcança a maçaneta da porta. — Vista-se. Saímos em cinco minutos.

E então, ele desaparece e bate a porta que, toda vez que era aberta ou fechada, algo constrangedor acontecia e completamente fora da realidade que eu devia estar vivendo.

Suspirando, desencosto-me das repartições de madeira e aproximo-me do cachorro que não foge mais, sendo preguiçoso o suficiente para entregar-me o sapato, depois de ter causado um momento que me serviu apenas para armazenar em minha mente coisas que não deviam nem mesmo causar-me um estranho frio na barriga.

De volta ao quarto, pego minhas roupas e desfaço-me das peças confortáveis do motoqueiro, deixando-as dobradas, assim como o cobertor e lençóis, deixando sua cama arrumada, antes de partir. Jogo todos os fios, ainda úmidos, do meu cabelo para meu ombro esquerdo e saio do quarto, abraçando minha bolsa. Passando ao lado do sofá em que o cachorro estava, novamente, afago o seu pelo arrepiado.

Saindo da sala, não preciso olhar ao redor, pois Danger estava recostado, casualmente, na parede do estreito corredor. Sua presença era tanta que, ainda que fossemos apenas nós dois, o ar parecia pouco para meus pulmões, tornando o ambiente abafado. Ele tragava um cigarro, dessa vez, olhando para mim, com toda a sua frieza inabalável.

Sem dizer uma palavra, gira seu corpo e começa a andar pelo corredor. Não pela direção que segui mais cedo, mas para o lado da saída. Ou, o mesmo lugar pelo qual entrei em sua casa.

— A sua namorada não se sentiu incomodada que passei a noite aqui? — curiosa como era, faço a pergunta, enquanto desvio de um par de algumas garrafas vazias pelo caminho.

— Daisy não é minha namorada. —– murmura, sem olhar para trás. Parando em frente a mesma porta que me foi aberta, sopra a fumaça de seu cigarro e, com a mão livre, puxa-a para si, antes de pontuar. — Eu não tenho namoradas.

Namoradas.

O uso do plural era um ponto intrigante.

— O nome dela é Daphine. — não tenho certeza de que ele poderia me ouvir.

— Tanto faz. Não sou bom com nomes.

— Você não esqueceu o meu.

Devia manter-me quieta.

Com apenas um pé do lado de fora, Danger vira-se para me olhar, quase como em câmera lenta. Com o cigarro entre o indicador e dedo médio de sua mão esquerda, afasta-o, deixando cair no chão e apertando com seus sapatos. Seus lábios comprimem em uma linha reta e muito fina. Ele parecia pensar.

Eu daria qualquer coisa por seus pensamentos.

— Seu nome não é fácil de ser esquecido.

— Eu devia saber o seu.

— Você o tem.

— Ninguém se chama Danger.

— Bom, eu sim.

É tudo o que consigo, assistindo-o me dar as costas e marchar depressa para os arredores do seu clube que parecia conhecer bem. Sigo seus passos, sentindo o frescor da manhã. Ao lado de algumas outras motos, estava a do motoqueiro que, arrasta para os cascalhos e retira da parte de trás um único capacete, estendendo-o para mim. Aceito e, desajeitadamente, o encaixo em minha cabeça, afivelando-o em meu queixo.

Ignorando o fato de estar corando, aguardo Danger subir em sua moto e faço o mesmo, posicionando-me atrás de seu corpo. Não o espero agarrar meus pulsos para abraçá-lo, apenas o faço. Sinto sua respiração oscilar, seus músculos contraírem e os rastros de um arrepio no topo de sua nuca parece deixá-lo desconfortável. Fechando os olhos, ouço o roncar do motor se misturar com as rajadas de vento. E quando a moto segue pela estrada, sinto toda a minha liberdade lutar para desabrochar.

A cada manobra ousada, não tenho medo, mas meu corpo vibra em resposta. Correndo entre carros e intercalando entre as pistas me fazem ansiar por mais. Poderia passar o dia inteiro correndo, vagando pela cidade que parecia não ter um limite, era como se quanto mais a conhecesse, menos poderia me acostumar.

Estacionando ao lado de alguns carros modernos e muito caros, Danger desliga o motor e me espera descer. Me balançado para a calçada, firmo meus pés e retiro o capacete. Retiro o capacete para entregá-lo, no entanto, o seu olhar é incerto, como se não quisesse recebê-lo, mas ao encontrar meus olhos esperançosos, é como se, pela segunda vez, o que quer que estivesse enfraquecendo suas proteções, ativam um alerta em seu cérebro que o faz voltar a pensar, ele arranca o capacete das minhas mãos e observa para um grupo de rapazes que olhava-nos quase que aterrorizados.

— Sobre o cachorro...

— Não apareça novamente. — corta-me. — Encontre um celular para se comunicar comigo, ou, espere ser convidada, mas não faça como na última noite.

Meu queixo cai e a decepção me empurra para trás.

A fagulha que acendeu em meu peito foi dizimada por pura geleira.

— Eu... — sinto meus olhos marejarem. — Desculpe-me.  

É tudo o que posso lhe dizer.

Acanhada demais para olhá-lo antes de partir, apenas faço o meu caminho para o gramado do campus. Abraçando meus braços, como se para me proteger, continuo caminhando, sentindo um olhar pesado acompanhando cada passo meu.

Não olho para trás, mas sabia que ele estava me olhando, pois estava arrepiando por inteiro.

E apenas o seu olhar me causava essa sensação.

— Você irá me contar tudo. Agora. — um chiado de Camile me pega de surpresa, não posso contestá-la, pois seus braços magros puxam-me para um dos bancos. — Preciso de detalhes. Até mesmos se forem sujos, conte de uma vez.

 

Abrindo a boca para falar, procuro pela última vez o homem mais confuso que já conheci, mas, ele tinha desaparecido.


Notas Finais




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