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História Para Sempre - SETE


Escrita por: BearPS

Capítulo 8 - SETE



A caminho do restaurante, não consigo pensar em outro assunto que não seja Riley e o recadinho irônico que tão cruelmente ela deixou antes de desaparecer. Quer dizer, durante todo esse tempo venho suplicando a ela que me dê alguma informação sobre nossos pais, só me falta ajoelhar a seus pés para obter qualquer notícia, uma migalha que seja, sobre eles. No entanto, em vez de me colocar a par das novidades, de contar o que tanto quero saber, ela fica toda nervosinha e enigmática, recusando-se a explicar por que eles ainda não apareceram para mim.Era de esperar que a morte deixasse as pessoas um pouquinho mais gentis e generosas. Que nada! Riley ainda é a mesma pentelha mimada e cruel que sempre foi quando viva.

Sabine deixa o carro com os manobristas e entramos no hotel. Assim que vejo o enorme lobby de mármore, os gigantescos arranjos de flor e a extraordinária vista para o mar, arrependo-me de tudo o que acabei de pensar. Riley tinha razão. O lugar é realmente chique. Chique, não, chiquérrimo. Perfeito para um jantarzinho romântico com o namorado — e não com a sobrinha taciturna.

À porta do restaurante, a recepcionista nos conduz a nosso lugar: uma mesa linda, com toalha de linho branco, velas cintilantes e utensílios com sal e com pimenta que lembram duas joias de prata. Já sentada, corro os olhos pelo salão, mal acreditando que possa existir um lugar tão requintado assim, sobretudo se comparado aos restaurantes a que estou acostumada.

Mas logo caio na real. De que adianta ficar comparando minha vida nova a antiga, mentalmente examinando fotos do “antes” e do “depois”? De que adianta ficar revendo os filminhos arquivados em minha memória sobre como tudo costumava ser? Por outro lado, com a proximidade da Sabine, gêmea do papai, não é lá muito fácil evitar as comparações.

Ela pede um copo de vinho tinto para si e um refrigerante para mim, depois damos uma olhada rápida no cardápio. Assim que a garçonete se afasta, Sabine prende os cabelos louros e curtos atrás das orelhas, abre um sorriso cordial e diz:

— Então, como vão as coisas? Escola, amigos... Tudo em paz?

Não me levem a mal: adoro minha tia e tenho a maior gratidão por tudo o que ela fez por mim. Mas só porque tira de letra um júri de doze marmanjos não significa que seja boa de conversa fiada. Apesar disso, olho para ela e digo:

— Tudo em paz.

O.K. Conversa fiada também não é lá meu forte.

Em seguida, Sabine pousa uma das mãos em meu braço para dizer algo mais, porém ela nem sequer havia ainda encontrado as palavras certas quando me vejo de pé e arrastando a cadeira para trás.

— Volto já — falo baixinho e quase atropelo a cadeira ao voltar pelo mesmo caminho de antes, sem me dar o trabalho de perguntar à garçonete, quase atropelada também, onde fica o banheiro. Ela olha automaticamente para mim, convencida de que não vou chegar a tempo ao fim do longo corredor.

Seguindo na direção que ela involuntariamente indicou, passo por uma galeria de espelhos gigantes, com molduras folheadas a ouro e pendurados lado a lado numa parede.

Como é sexta-feira, o hotel fervilha com os convidados de um casamento que, a julgar pelo que vejo, não tem a menor chance de dar certo.

Um grupo de pessoas passa por mim, as auras espiralando com uma energia tão intensificada pelo álcool que chega a me afetar também, deixando-me enjoada, tontinha da silva, tão desorientada que vejo à minha frente uma longa fileira de Damens com o rosto virado para trás.

Aos trancos e barrancos, entro no banheiro, apoio as mãos na bancada de mármore e tento recuperar o fôlego. Concentrando o olhar nos vasos de orquídeas, nos frascos de perfume e na pilha de toalhas felpudas sobre a bandeja de porcelana, aos poucos vou me sentindo mais calma, mais lúcida e mais centrada.

Já habituada a toda essa energia que aleatoriamente encontro aonde vou, acho que não lembrava mais os efeitos devastadores que ela é capaz de produzir quando minhas defesas não estão ativadas, quando o iPod não está comigo. Mas quando a Sabine pousou a mão em mim, fiquei tão assustada com a solidão e a tristeza contidas naquele toque que tive a sensação de ter levado um soco no estômago.

Sobretudo ao lembrar que a culpa de tudo isso é minha.

Acho que sempre ignorei a solidão da minha tia. Moramos na mesma casa, mas raramente nos vemos. Sabine passa boa parte do tempo no trabalho, e eu, na escola. Nas noites e nos fins de semana, se não estou trancada no quarto, estou na rua com meus amigos. Acho que algumas vezes esqueço que não sou a única pessoa abandonada no mundo; embora tenha me recebido e tentado ajudar, a Sabine ainda se sente tão sozinha e vazia quanto no dia em que tudo aconteceu.

Por outro lado, por mais que eu queira me aproximar dela ou consolá-la de alguma forma, simplesmente não consigo. Sou uma pessoa machucada demais, esquisita demais.

Um E.T. que ouve pensamentos e conversa com mortos. Não posso correr o risco de dar bandeira ao me aproximar demais das pessoas, nem mesmo da minha tia. O melhor que tenho a fazer é terminar logo o ensino médio, ir embora para uma universidade qualquer e deixar que Sabine volte à vida normal dela. Talvez então ela possa se aproximar do tal cara que trabalha em seu prédio e que ela ainda nem conhece — o dono do rosto que vi quando a mão dela tocou meu braço.

Dou uma ajeitada nos cabelos, passo mais um pouquinho de gloss e volto à mesa, determinada a me esforçar um pouco e levantar a bola da minha tia, mas sem colocar em risco meus segredos. Depois de me acomodar novamente, dou um gole rápido no refrigerante e, sorrindo, tentando ser o mais convincente possível, digo:

— Estou ótima, juro. — E dali a pouco: — Então, algum caso interessante no trabalho? Algum gato trabalhando por lá?

Depois do jantar, fico esperando do lado de fora enquanto Sabine entra na fila para pagar o manobrista. Estou tão distraída com o drama que se desenrola à minha frente, entre a noiva e sua suposta dama de “honra”, que literalmente dou um pulo quando sinto alguém tocar meu braço.

— Oi, é você? — digo, o corpo esquentando e formigando assim que nossos olhares se cruzam.

— Você está linda — diz Damen, seus olhos passeando do vestido até as sandálias para depois voltar aos meus. — Quase não a reconheci sem o capuz. — Ele sorri. — Então, gostou do jantar?

Faço que sim com a cabeça, uma verdadeira proeza diante do estado de confusão mental em que me encontro.

— Vi você no corredor. Teria cumprimentado se você não estivesse com tanta pressa.

Olho para ele, imaginando o que poderia estar fazendo sozinho num lugar como este numa sexta-feira à noite. Estava todo de preto: blazer, camiseta sem gola, jeans e botas — uma produção talvez sofisticada demais para alguém da sua idade, mas que nele ficava totalmente natural.

— Vim me encontrar com uma pessoa de fora, que está hospedada aqui — ele diz, respondendo à pergunta que nem cheguei a fazer.

Ainda estou pensando no que poderia dizer quando Sabine aparece ao nosso lado. E eles já estão apertando as mãos quando, enfim, consigo explicar:

— Hmm... Damen é meu colega de escola.

Aquele que faz minhas mãos suarem, meu coração palpitar... e que não sai da minha cabeça de jeito nenhum!, penso.

— Acabou de se mudar do Novo México — acrescento, esperando que isso baste até o carro chegar.

— Onde no Novo México? — pergunta Sabine. Quando vejo o sorrisão estampado no rosto dela, fico pensando se minha tia também não está tomada pelo mesmo êxtase que eu.

— Santa Fé — ele responde sorrindo.

— Ah, dizem que lá é maravilhoso. Sempre tive vontade de conhecer.

— Sabine é advogada, trabalha pra caramba — digo, olhando na direção de que o carro virá daqui a dez, nove, oito, set...

— Estamos indo pra casa — diz Sabine —, mas se quiser uma carona...

Imediatamente entro em pânico, pensando em como pude não prever isso. Olho para Damen, rezando para que ele recuse o convite.

— Obrigado, mas preciso voltar pra lá — ele diz, apontando com o polegar por sobre os ombros.

Meus olhos seguem na direção apontada até que param numa ruiva incrivelmente deslumbrante, usando o pretinho básico mais lindo que já vi na vida, empoleirada em sandálias de salto alto.

Ela sorri para mim, mas sem qualquer entusiasmo. Apenas lábios rosados que se curvam ligeiramente e olhos distantes demais para serem lidos. Mas não posso deixar de notar certa ironia na expressão dela, como se a presença de Damen a meu lado fosse algo engraçado ou, no mínimo, improvável.

Olho de volta para ele, assustada ao vê-lo tão perto, seus lábios úmidos e entreabertos a poucos centímetros dos meus. Então ele ergue a mão e, roçando de leve em minha bochecha, tira uma tulipa vermelha de trás da minha orelha.

Quando dou por mim, estou sozinha novamente, e ele, caminhando de volta para a ruiva.

Fico ali, admirando a tulipa, acariciando as pétalas aveludadas, imaginando de onde uma flor tão linda poderia ter saído — sobretudo levando em conta que a primavera acabou faz tempo.

Só mais tarde, já sozinha em meu quarto, é que me dou conta de um detalhe: a tal ruiva também não tinha aura.

Eu devia estar num sono muito profundo, pois mesmo ao ouvir alguém andando pelo quarto, minha cabeça está tão cansada, tão confusa, que nem sequer abro os olhos.

— Riley? — resmungo. — É você? — Ela não responde, então deduzo que minha irmã está aprontando mais uma das suas. E como estou cansada demais para brincar, pego meu travesseiro e cubro a cabeça com ele.

Pouco depois escuto mais um barulho.

— Olha, Riley, estou exausta, O.K.? Desculpa se fui ríspida com você, se a deixei irritada comigo. Mas realmente não estou a fim de brincadeira. Afinal de contas, são... — Levanto o travesseiro e com apenas um dos olhos confiro a hora no despertador. — São três e quarenta e cinco. Melhor você voltar lá pra onde quer que você sempre volta e deixar essa história pra depois, certo? Pode até pegar aquele vestido que usei na formatura da oitava série que não vou falar nada, palavra de escoteiro.

Acontece que depois de falar tudo isso perco o sono. Então, jogo o travesseiro para o lado e, furiosa, olho para a forma embaçada que está sentada na cadeira da escrivaninha, imaginando o que haveria de tão importante assim que não podia esperar até a manhã.

— Já pedi desculpas, O.K.? Que mais você quer que eu diga?

— Você pode me ver? — ela pergunta, afastando-se da mesa.

— Claro que... — De repente fico muda. A voz não é de minha irmã.



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