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História Perigosas Lembranças - Seu marido


Escrita por: jord73

Notas do Autor


Mais um capítulo! Espero que gostem

Capítulo 3 - Seu marido


Fanfic / Fanfiction Perigosas Lembranças - Seu marido

Ela ficou sozinha, mas permaneceu sentada já que não havia risco. O aparelho de medir seus batimentos cardíacos foi retirado, assim como a agulha de sua mão e algumas bandagens de seu corpo.

Rafael e Solange haviam acabado de sair: a enfermeira para lhe buscar um espelho a seu pedido para contemplar o próprio rosto; o médico a fim de dar a notícia de sua aparente perda de memória ao marido.

Marido. Estremeceu com a palavra. Qual era o nome do homem mesmo? Ricardo... Ricardo alguma coisa, nem guardou o sobrenome tamanho foi seu espanto. Não que não houvesse passado pela sua cabeça a possibilidade do tal ser um namorado ou até noivo. Mas marido? Era demais.

Por reflexo, levantou a mão esquerda e aí reparou na aliança. Nem muito grossa, nem muito fina, mas dava para contemplar seu brilho. Ouro? Talvez. Ou então apenas banhada.

A mente voltou a se concentrar na figura de Ricardo. Embora não houvesse prestado muita atenção em sua aparência, lembrava-se que ele vestia terno; talvez um executivo importante; não era um tipo de vestimenta para um visitante usar num hospital. Ou não tinha nada a ver; o trabalho dele talvez o exigisse e não teve tempo de se trocar para estar com ela.

Mas... e o sobrenome? Não parecia de alguém comum, sugeria certa importância, tanto que o médico foi capaz de lhe dizer. Seria Ricardo um homem rico?

E daí? Rico ou pobre, ainda era um estranho para ela.

Tentou se recordar de outras particularidades no pouco que o viu, como suas feições; mal havia reparado, tão aflita e confusa. Lembrava vagamente do cavanhaque e barba. Bonito? Não tinha processado. Que importava? Ela não estava pronta para aceitar o tipo de relação entre eles. Queria um pai, uma mãe, irmão, irmã, primo ou até amigo. Mas não marido.

Um marido implicava intimidade e a ideia não lhe agradava no momento. Era como uma adolescente, quase uma criança que estava começando a conhecer o mundo... e sexo não era uma das suas prioridades.

Quantos anos tinha? Embora se sentisse como uma adolescente, não o era se estava casada com um homem que devia ter trinta anos, no máximo.

Não se animou a fazer mais perguntas ao médico depois de se descobrir casada. Ele pediu que se acalmasse, que ela ainda precisava se recuperar e poderia obter maiores informações sobre a própria vida com “o marido.”

A palavra fê-la estremecer de novo.

- Oi. Posso entrar?

Sobressaltou-se ao escutar a voz e ao vê-lo no umbral da porta aberta. Não lhe respondeu; ao invés disso, apenas o observou. Ele estava com uma aparência mais cuidada; havia lavado o rosto, se penteado, ajeitado as roupas enquanto ela era examinada pelo médico.

- Posso entrar? – ele repetiu a pergunta com expressão meio constrangida, talvez pela demora da resposta

Ela apenas assentiu, ainda processando os detalhes na aparência dele. Ricardo se aproximou com passos vagarosos, talvez para ser cuidadoso por seu estado. Procurou captar cada detalhe dele enquanto caminhava em sua direção até se sentar na cadeira ao seu lado. Ele pousou as mãos sobre os joelhos e permaneceu silencioso.

O porte alto e másculo, os ombros e o peito largos; trajava um terno cinza e elegante, camisa azul clara por baixo, gravata também azul, mas num tom mais escuro, sapatos pretos e lustrosos. Depois observou a fisionomia: um rosto quadrado, um nariz grosso, mas perfeito, os lábios finos, a boca grande, o cavanhaque, a barba rala, um todo harmonioso.

O que mais lhe chamava a atenção eram os olhos: escuros e penetrantes como se quisessem lhe sondar a alma; com uma intensidade neles, a mesma que havia captado desde a primeira vez. E algo mais.  Não sabia precisar exatamente. Parecia... uma profunda tristeza.

Deu-se conta que fitava Ricardo tempo demais quando notou certo brilho em seu olhar e uma leve tensão no maxilar. Abaixou o rosto e o desviou, as bochechas queimavam.

- Desculpe. – disse sem voltar

- Pelo quê? – indagou ele em tom suave. A voz era firme, mas a cadência era melodiosa.

- Eu estava olhando para você... olhando muito.

- E qual o problema nisso? – pelo canto dos olhos, notou um insinuante sorriso em seus lábios – Marido e mulher se olham – ela se retesou, mas tentou disfarçar o incômodo com suas palavras. Ele percebeu e engoliu em seco – Desculpe. Eu... não quis ser inconveniente.

- Não, tudo bem – ergueu a cabeça e encarou-o, embora não o fizesse por muito tempo – Eu estava te olhando pra tentar te reconhecer... me lembrar de você.

- Eu sei – ele assentiu – O doutor Rafael me contou o que aconteceu. – fitou-a intrigado – Você realmente não se lembra de nada? Nada mesmo? Nem de mim?

- Não... e me desculpe por isso... por não me lembrar de você.

- Não, tudo bem... talvez...

- Talvez o quê?

- Talvez... seja temporário – completou, mas ela teve a ligeira impressão de que não era o que quis dizer – O médico disse que sua memória pode voltar a qualquer momento. Até hoje.

- E se não voltar? E se for permanente?

- Se for permanente... será como uma chance para um novo começo. – quase sussurrou, como se dissesse mais para si próprio

Ela o fitou intrigada, não era o que esperava escutar. Talvez uma resposta mais positiva do tipo “Não pense o pior. Sua memória com certeza voltará”. Observou com mais coragem seu semblante, não havia preocupação nele. Havia até uma espécie de alívio.

Que tolice a sua! Claro que não! Que homem fica aliviado de sua esposa perder a memória? Provavelmente ele apenas se mantinha calmo para não a deixar à beira do pânico, uma maneira diferente de abordar a situação no pior dos quadros.

- Mas não se preocupe... é claro que você vai voltar a se lembrar de quem é... e de mim – ele se apressou a dizer como se lesse seus pensamentos – Apenas... quero que saiba que estarei a seu lado para o que der e vier.

E ela leu um sentimento forte e intenso naqueles olhos. Arrebatador. Seu coração deu um solavanco. Aquele homem... seu marido gostava muito dela, talvez mais do que pudesse imaginar. Não precisava de sua memória para ter certeza disso.

E outra vez, desviou o olhar, trêmula. O dele ainda permanecia sobre ela.

- Er... o médico me falou o seu nome – começou a dizer para quebrar o momento de silêncio incômodo que se instalou. Voltou a encará-lo – Ricardo, né? Só não me lembro o sobrenome.

- Ricardo Fontes Guerra – ele esboçou um leve sorriso.

Um sorriso encantador, em sua opinião. Seu íntimo começou a se agitar, mas ela ignorou, sua mente estava tomada por pensamentos mais urgentes, precisava colher mais informações.

- Eu tenho pais? Eles estão vivos?

- Sim. Estão. Eles revezaram comigo as horas em que você esteve internada. Vou telefonar para os dois e avisar que você recobrou a consciência.

- Como eles se chamam?

- Seu pai se chama Marcos e sua mãe Luciana.

- Tenho irmãos?

- Você tinha um, ele era mais velho, mas... – ele pareceu meio hesitante em dizer.

- Mas o quê?

- Ele morreu... há onze anos.

Letícia sentiu uma leve tristeza, apesar de não se lembrar do irmão.

- O nome dele era Sérgio – continuou Ricardo. Suspirou – Ele foi meu melhor amigo.

- Você... e eu... estamos casados há quanto tempo?

- Um ano.

- Então... não temos filhos? – olhou-o alarmada. Já era complicado saber que era casada, mas saber que era mãe mesmo que fosse de um bebê era apavorante.

- Não – ele esboçou um sorriso mais aberto, como se achasse graça na reação dela à própria pergunta formulada – Não chegamos falar muito a respeito.

- Há quanto tempo namoramos? – a fisionomia dele se fechou, ela estranhou – Nós namoramos, não é? Antes de casar?

- Claro... – ele se apressou na resposta – Não foi por muito tempo... foram três meses.

- Nossa! Então devíamos estar muito apaixonados para ter nos casado tão depressa... – ela disse mais para si mesma, embora o fitasse; ele engoliu em seco. O gesto a intrigou, mas outro pensamento lhe ocorreu – Espere... se você foi amigo desse meu irmão e ele morreu há onze anos, então significa que nos conhecemos há muito tempo. Mas como...?

- Eu fui embora do país e quando voltei fiquei anos sem vê-los pessoalmente – Ricardo completou como se entendesse a linha de raciocínio dela – Muito tempo depois da morte dele... que você e eu tornamos a nos encontrar.

- Ahm, certo – ela assentiu – Er... e a propósito... quantos anos você tem? Se não for indelicado lhe perguntar.

Ele riu, dissipando uma atmosfera de tensão com o qual parecia estar revestido. E ela descobriu que gostava do som de sua risada.

- Desculpe.... – ele cessou os risos – Mas é que é estranho você se dirigir com tanta cerimônia comigo. Sei que não se lembra de mim, mas não precisa ser formal demais.

- Vou tentar. – sorriu também e não mais se sentia tão constrangida ao conversar com Ricardo.

- Respondendo à sua pergunta, tenho trinta e seis anos.

- Então... tenho mais ou menos sua idade?

- Não, você tem vinte e seis.

- Ah... – ela olhou para baixo. Era jovem como supunha, embora se sentisse com menos idade

- Com licença. – a voz de Solange interrompeu suas reflexões.

- Toda – assentiu Ricardo, voltando a cabeça para a enfermeira.

- Trouxe o que você me pediu – ela entrou no quarto com um espelho de rosto na mão. Dirigia-se a Letícia – Demorei um pouco porque tive que atender outra paciente. Aqui está – entregou o objeto para ela. - Eu já volto, porque tenho que terminar com essa paciente. Com licença.

Ricardo assentiu.

- Muito obrigada, Solange. - agradeceu Letícia

- De nada. Sempre às ordens.

E saiu.

Letícia segurava o espelho ressabiada, temia ver o próprio rosto, embora ansiasse por saber como eram seus traços.

- Quer que eu segure para você se ver? – indagou Ricardo como se soubesse o que se passava em seu íntimo.

- Não... pode deixar – ela lhe agradeceu com um tímido sorriso e voltou a atenção para o objeto.

Suspirou e levantou-o diante de seu rosto. Surpreendeu-se com a imagem refletida.

A cabeça antes coberta com uma bandagem que a rodeava  - que foi retirada pelo médico - mostrava uma cabeleira  com fios anelados, num tom castanho escuro. Seu rosto era oval, fino e delicado, de proporções harmoniosas. A boca era pequena, os lábios meio carnudos e os olhos amendoados eram verdes como os de um felino. Era... um rosto bonito; ela o tocou.

Não que se importasse tanto com beleza, mas não podia negar que era um alívio constatar que possuía um belo rosto, mesmo que fosse comum, normal, que se vê por aí. Poderia não se lembrar de muitos rostos, mas algum dado em seu cérebro lhe dava uma noção de estética.

- Gosta do que vê? – perguntou-lhe Ricardo num tom insinuante

- Acho que sim… até que… que sou bonita – deixou escapar sem se conter, mas logo se arrependeu do que disse ao vê-lo soltar um riso curto. Ela corou – Eu… isso soou meio convencido da minha parte.

- De maneira nenhuma, soou bastante modesto. E sou obrigado a discordar do que você disse. – ele ficou sério por um segundo, ela o fitou confusa. Logo outro sorriso insinuante brotou nos lábios de seu marido – Você não é bonita. Você é linda... por fora e por dentro.  E é maravilhosa.

Se antes estava corada, o vermelho em seu rosto se acentuou, principalmente com a intensidade nos olhos de Ricardo e o tom sedutor que empregou ao proferir a última sentença. Dessa vez, não conseguiu desviar o olhar e se viu presa na imensidão do dele.

Ricardo era um homem lindo, concluiu. Não só lindo; era também atraente, charmoso e elegante.

E estou casada com ele.

O pensamento repentino fê-la sentir o estômago se revirar. Ela engoliu em seco, desviou o rosto, mas não conseguiu de todo; era como se fosse presa de uma força magnética que emanava daquele homem.

- Com licença – Rafael foi quem se anunciou. Letícia, por fim, conseguiu desviar os olhos, aliviada. Escutou um suspiro de enfado por parte de Ricardo por causa da interrupção – Lamento, senhor Ricardo, mas o senhor terá que ir embora. Letícia precisa descansar.

- Posso voltar mais tarde? - indagou ele com expressão resignada. E sofrida, reparou Letícia

- Claro, no horário de visitas. Agora estará liberado para mais pessoas, além do senhor e os pais dela.

- É verdade – Ricardo se voltou para ela – Seus pais… deve estar louca para vê-los… e também alguns amigos.

- Posso… posso vê-los?

- Certamente – respondeu o médico. Os dois homens sorriram – E também será importante para a recuperação de sua memória, aliás… vamos conversar mais sobre isso. Você deve estar cheia de dúvidas.

- E estou… É que… é estranho não me lembrar sobre mim, do Ricardo… - olhou para o marido que a fitava pensativo – … ou de outras pessoas do meu convívio. Mas consigo me lembrar perfeitamente de informações mais… como vou dizer?

- Genéricas.

- Isso. Por exemplo… sei o que é uma cadeira, uma cama, sei reconhecer um hospital, me lembro de que estamos no Brasil… me lembro até que foi Pedro Álvares Cabral quem descobriu o Brasil.

- Essas informações são retidas por uma parte do seu cérebro que não é afetada. Mas explicarei isso também, tenha calma. Agora convém você descansar.

- Doutor Rafael… - Letícia ia protestar, mas Ricardo a interrompeu ao se levantar e colocar a mão sobre um ombro dela com suavidade para tranquilizá-la. Ela o fitou com certa confusão; estremeceu por seu toque...  e não foi por lhe causar repulsa.

- Depois ele vai te explicar tudo, Letícia… tenha paciência – ele disse com suavidade, mas firmeza na voz. Retirou a mão de seu ombro como se notasse sua reação – É melhor você estar bem descansada para quando seus pais vierem. Sim?

Havia certa autoridade na postura de Ricardo, mas uma ternura e preocupação tão evidentes em seu rosto e voz que ela se viu o obedecendo e dizendo:

- Está bem. – deitou-se na cama se ajeitando com cuidado por causa das dores.

- Boa menina – tornou o médico – Vou lhes dar mais uns instantes a sós, mas só para se despedir. - Rafael lançou um olhar de advertência a Ricardo numa falsa expressão de reprimenda – Quero o senhor fora daqui imediatamente.

- Está certo, doutor – Ricardo riu – Obrigado. - assim que o médico saiu, ele se voltou para sua esposa – Bem, não quero abusar da gentileza do seu médico. É melhor eu ir.

- Você… vai voltar, né? - sem se conter, ela o indagou, mas quase mordeu os lábios; não queria parecer insegura e pegajosa. Embora soubesse que ele era seu marido, ainda não conseguia assimilar; era inevitável se comportar com certa formalidade – Quer dizer… se não for te atrapalhar.

- Claro que não vai me atrapalhar. O que mais quero é estar ao seu lado. – a fisionomia de Ricardo se abriu como se ela houvesse feito uma boa oferta. Ele parecia um adolescente entusiasmado – Quer mesmo que eu volte?

- Sim… porque eu não iria querer? Você é meu marido… e é natural que eu queira você por perto – estranhou a pergunta, e mais ainda sua reação.

- Pergunto… por você não se lembrar – o mesmo entusiasmo com que ele perguntou se desvaneceu num sorriso tímido – Eu… não quero forçar minha presença a você.

- Ah, sim… mas tudo bem, eu… me sinto um pouco mais à vontade com você depois de conversarmos – viu um brilho se acentuar naqueles olhos – E como você ou o doutor Rafael disseram, pode ser até que hoje mesmo minha memória volte.

Letícia notou certa tensão no marido quando pronunciou a última frase e ele até lhe sorriu, mas era um sorriso forçado que não lhe chegava nos olhos. Havia dito algo errado?

- É… pode ser. - ele não parecia nem um pouco entusiasmado com a possibilidade sugerida – Mas… tenha calma, não fique muito ansiosa caso… caso não se lembrar de nada por um bom tempo.

Ela o fitou intrigada, ele baixou o olhar.

- Já abusei do tempo que o médico estipulou – disse hesitante – É melhor eu ir.

Teve a ligeira impressão de que seu marido queria se abaixar e beijá-la, podia sentir o movimento, mas não estava pronta para esse tipo de intimidade, embora se sentisse um pouco mais à vontade com ele. E começasse a achá-lo irresistível.

- Até logo.

Um leve toque no ombro foi tudo o que Ricardo fez e, mesmo assim, ela tornou a estremecer. E mais ainda quando ele se demorou a fitá-la antes de sair do quarto.

Quando se viu sozinha, antes da mente mergulhar em mais especulações sobre a própria identidade e vida e em mais perguntas que queria fazer, a imagem de seu marido ainda permaneceu viva em sua mente.

E os seus olhos. Uns olhos misteriosos. E tristes. 


Notas Finais


Bem, gente, é isso aí! Não deixem de comentar.

Até a próxima.


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