Se houve algo que eu aprendi nessa vida é que ninguém se vai importar com você de verdade.
Claro que sempre vão ter aqueles curiosos que passam na sua vida, fazem você acreditar que você não está sozinho, e depois, desaparecem com o vento, como se nunca tivessem sequer chegado.
Essa história é sobre o maior curioso que eu já conheci. Kwon Soonyoung.
Eu nunca fui um garoto de muitos amigos. Na verdade, nunca fui um garoto de amigos. Eu nunca tive amigos. Só aqueles que frequentavam o mesmo parquinho que eu e que brincavam comigo de Harry Potter, mas acho que esses não são válidos. Não que eu me isolasse, não propriamente, não ao início.
As pessoas pareciam sempre desprezar a minha presença, ou sequer a notavam. Eu nunca fui visível, ou relevante, ou importante. Eu sempre fui Boo Seungkwan, o menino invisível. E eu não me importava.
Quer dizer, antes da indiferença há sempre aquela fase em que você começa a se perguntar o porquê de ninguém dar bola para você. Você pensa o que há de e errado: se é a sua roupa, o modo de rir, ou até mesmo a voz. E depois você percebe que não é nada disso. Até porque, aliás, ninguém notou a sua voz, nem o modo que você se veste, muito menos a maneira como você se ri. Ninguém simplesmente se importa. E é nessa fase que você pensa que o problema é ter nascido assim, e se começa a culpar. E aí vem uma onda de solidão profunda, que leva ao isolamento social. E aí você começa a deixar de falar com a sua mãe (talvez seja também culpa dela e de ela se recusar a aceitar a sua opção sexual, porque vai contra os ensinamentos de Deus). E aí você começa a descer as notas, mesmo que fosse um ótimo aluno. E aí você entra em depressão profunda, e aí você se fode para valer.
E você fica sozinho de vez. Quase pode ser poeticamente comparado aqueles objetinhos de cartão na ponta de um pau. Qual o nome mesmo?
Ah.
Um catavento. Eu não era mais do que isso.
Um simples catavento que se deixa levar pela brisa. E sabe o que eu aprendi com esta minha solidão? Que sou só mais um.
Porque, veja, ninguém se importa. Você pode estar resfriado, pode estar feliz, pode estar em fase terminal até. Ninguém vai querer saber. Só irão se interessar minimamente quando você estiver a sete palmos. Mas não se iluda, ainda assim você desaparecerá dos pensamentos dos outros tão rápido quanto se nunca tivesse sequer existido.
A questão é: porque alguém se importaria com um menino depressivo, invisível com mommy issues? Todos nós sofremos. Todos nós temos problemas. Não seja arrogante em achar que só você conhece a dor que está a sentir. É algo comum. Portanto, facilmente esquecido no meio de tantos outros adolescentes problemáticos.
E é aí que você começa a não se importar também, a dar na mesma moeda. A deixar o posto de totalmente invisível para assumir o de invisível conhecido por alguns como o revoltado. Os cochichos apareciam de vez em quando falando do quão magro eu me estava a tornar, ou das minhas olheiras gigantescas. Mas nada que uma boa dose de Bring Me The Horizon não resolvessem.
Mas, claro, que a vida não iria me deixar daquela forma para sempre. E ela até podia me fazer passar por uma experiência traumática que me faria mudar a minha vida, mas não. Em vez disso, ela colocou Soonyoung no meu caminho.
É muito cliché, mas eu juro que, se soubesse que eu o iria conhecer naquele dia, eu nunca tinha saído da minha cama.
Soonyoung era um sonho de garoto. Era lindo, inteligente, atencioso e carinhoso. O típico crush do menino revoltado, certo?
Errado.
Eu não suportava Soonyoung. De verdade. O jeitinho dele me irritava. A forma como ele levava o mundo de forma leviana, e de como tratava os outros como se soubesse alguma coisa da vida deles me enervava profundamente. Eu o odiava, me recusava a olhar para a sua figura que envergava camisolas de bandas indie, revirava sempre os olhos quando ele falava, e quando ele ria só me apetecia esmagar a cabeça dele na parede.
Claro que a vida é uma puta sádica, e não avisou no manual de instruções que o ódio vem sempre junto a outros sentimentos. Porque, veja, se analisar bem, eu me importava com Soonyoung. Eu o odiava, mas eu me importava com ele. Eu reparava na maneira como ele ria. Na maneira como ele falava. No que ele vestia. Até criticava o modo de ele andar. Criticava, mas reparava. Me importava.
Soonyoung poderia ser só mais um colega de classe se aquele infeliz não tivesse decido que queria ser meu amigo. E aí foi o permanente adeus à invisibilidade. E eu juro por tudo, que atualmente a queria de volta, mais do que nunca.
Era bem melhor não ser notado a ser o coitado, do qual o colégio inteiro sente pena. Na verdade, hoje em dia eles me param sempre nos corredores, e perguntam se eu estou bem. Mas depois vão embora, não importa o que eu disser. Sem sequer se importarem com a minha resposta. O ser humano é tão ridículo.
Não há forma de contar a minha história e de Soonyoung se não rápida, tudo de uma vez. A gente virou amigo, se apaixonou e se fudeu. Porque foi tão simples quanto isso. Soonyoung passou a fazer parte da minha rotina. Eu passei a gostar disso. Depois a gente namorou. E terminou tão depressa quanto começou.
Não há necessidade de embelezar a história. Soonyoung não era totalmente um príncipe encantado, ele era humano e cometia erros tal como um. E eu também não era nenhuma princesa indefesa. Eu nem queria ser salvo para começo da conversa. A nossa história não foi um conto de fadas, principalmente porque não teve um final feliz. Por acaso acho isso de final feliz muito contraditório. Se é o fim, como poderá isso ser feliz?
Enfim.
Eu lembro uma vez, quando eu começava a não odiar tanto assim Soonyoung, em que eu lhe perguntei o porquê de ele ter tentado tanto ter uma amizade comigo. Eu lembro perfeitamente do que ele respondeu.
“ Ora, Seung” , Seung, já estávamos na fase dos apelidos íntimos. “ não é óbvio? Você era um catavento tão solitário… Parado sozinho a ser atingido pela brisa. Era como se esperasse alguém. E bom, eu quis ser esse alguém. ”
Dizer que eu me emocionei com as suas palavras seria blasfémia. Eu achei bem brega na época. E achei Soonyoung mais estranho ainda. Mas claro que hoje em dia essas palavras têm outro impacto em mim.
Não lembro exatamente quando eu comecei a gostar de Soonyoung propriamente. Mas lembro que nem dois dias se passaram depois de eu me aperceber dos meus sentimentos até ele me beijar pela primeira vez. Em público. Me fazendo ser conhecido pela escola inteira. Eu não queria reconhecimento, sinceramente, eu queria que alguém se importasse de verdade, embora nunca tivesse tido coragem de o admitir a mim próprio.
Bom, Soonyoung se importou.
Mas se foi mais depressa do que o cruel vento de uma tempestade, e deixou tantos estragos quanto um furacão. Hurricane era a sua alcunha por alguma razão, eu acho.
Na véspera do nosso aniversário de dois anos. Me ligaram do hospital. Soonyoung tinha sofrido um acidente. Fatal.
Ele morreu na hora, nem me dando tempo para me despedir. Isso foi cruel.
Eu amava ele, raios! Amava muito mesmo, mais do que achava que conseguiria. Eu chorei tanto quando soube. Não quando ouvi a notícia. Estava muito chocado para reagir. Mas quando foi o funeral dele. Não consegui me conter. E olha que eu sempre escondi bem os meus sentimentos.
Eu estava tão ansioso para ver Soonyoung naquela noite, mas ele se foi afastando de mim, afastando da vida. Era como aquelas brisas frias de inverno incómodas e ríspidas que batem na cara.
Morte era assim mesmo. Repentina. Fria. Áspera. Desagradável.
Claro que todo mundo ficou com pena de mim. O gay depressivo que perdeu o namorado num acidente de carro. Coitado. Ninguém merece.
No entanto, eles eram meros curiosos. Eles me perguntavam se o vento me atingia, e depois continuavam as suas vidas. Se é para me deixar aqui ao frio, ao vento, porque raios perguntou, então?
Eu gosto de pensar, por um lado, que Soonyoung não passou disso. Um curioso. Alguém que quis experimentar coisas novas (como beijar um cara e tirar alguém da solidão) e que acabou por ter um desfecho ruim. Acho que dói menos se pensar que o meu namorado era só mais um espectador. Porque era mais fácil superar assim; era só levantar a cabeça e continuar andando em frente.
Por outro lado, eu estava arrasado. Eu tinha perdido meu caminho. Eu dava voltas e voltas, esperando chegar a algum lado. Na verdade, esse é o meu destino: continuar a dar voltas e mais voltas assim como o vento faz. Com tanta volta espero, no final, encontrar Soonyoung. Num futuro distante. Ou nem tão distante.
A gente nunca pensa que catástrofes acontecerão connosco. É normal acontecerem aos outros, mas impensável passarmos por isso. E talvez seja essa a razão de doer tanto depois. Porque dói, oh se dói. Como os infernos, como se não existisse mais vida para além disso. Só dá vontade de chorar o dia inteiro porque dói. Dói demasiado. E a gente quase não consegue aguentar.
Sabe, a vida é assim mesmo. É o contrário daquilo que a gente pensa. Veja, eu nunca pensei que iria namorar o garoto irritante a aula de cálculo. Nem nunca pensei que hoje, quatro anos depois da partida dele, estaria tão melancólico quanto no início. Como se fosse o primeiro dia.
A vida fode a gente toda. Mas só temos de seguir o vento e ir com ela.
Todos temos problemas, daí ninguém se importar com os problemas dos outros. Essa é a verdade: ninguém se vai importar. Ninguém vai estar lá para você nos momentos críticos. Ninguém vai ouvir o teu choro.
Nós nascemos sozinhos, e morremos sozinhos. Uma triste vida, a nossa. Mas eu não choro. Eu tento não demonstrar tristeza, porque sei que Soonyoung odiaria me ver chorar. Eu preciso sorrir por ele, e encontrar o meu caminho de volta para onde eu pertenço. Pelo menos esse era o plano...
Você que está lendo. Faça o mesmo. Seja feliz. Ria. Divirta-se. Arrisque. Sem medos, sem se importar se alguém se vai importar.
Não faça como eu, não seja um mero catavento, esperando que o seu sol apareça de novo. Não vai fazer sol. Vai nevar, na verdade. A vida só vai piorar. Não espere por melhoras. Lute por superar as desavenças.
Não faça como eu, o catavento triste e sozinho esperando alguém. Aquele que anda em círculos até encontrar o amado. Porque isso é o caminho mais fácil. Ser aquele que espera que a tempestade pare para sair à rua ver o arco-íris.
A vida tem muito mais graça quando a gente se molha e pega uma gripe daquelas só para ter o prazer de assistir à formação do arco-íris.
Eu? Eu sou um perdedor e sempre o serei. Sempre irei ser aquele ora invisível, ora digno de pena.
Aquele com demasiados problemas.
Aquele muito complicado.
Aquele que se matou para poder voltar a ver Soonyoung.
Num futuro não tão distante.
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