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História Polaroid - Kenny - 03h16


Escrita por: caulaty

Capítulo 3 - Kenny - 03h16


Craig Tucker é o tipo de bêbado mais insuportável que existe. Acho que isso acontece por ele ser uma pessoa muito reprimida quando está sóbrio, fica guardando tudo o que sente o tempo inteiro, então quando ele bebe, começa a falar um monte de merda e fica excessivamente tátil, colocando todo mundo debaixo do braço. Token e eu ficamos ouvindo ele berrar para tentar se fazer ouvir sob a batida de The Strokes, mas eu honestamente não faço ideia do que ele está dizendo. É alguma coisa sobre imigrantes, ou sobre baleias. Não tenho palavras pra expressar o quanto eu tô pouco me fodendo pra isso agora, mas escuto balançando a cabeça porque Craig é meu amigo. Token e eu nos olhamos de vez em quando e damos um sorrisinho embriagado um pro outro.

-Ei. Vocês dois. - Token interrompe a fala de Craig e desenrosca do braço dele, erguendo essa câmera polaroid dele que deve valer mais do que o meu carro. Token estuda fotografia e gosta de tirar essas fotos hipsters toda vez que a gente sai. Eu tenho que admitir que já saíram umas imagens fodidamente lindas de todos nós em South Park, no lago, na neve, fumando maconha entre os pinheiros, enfim.

Ele leva a câmera ao rosto pra registrar o momento, porque aparentemente ele adora as fotos que saem nessa luz alucinógena de balada. Eu acho um efeito muito barato, mas o que eu entendo de fotografia?

Craig e eu temos o mesmo impulso de erguer o dedo do meio pra câmera, eu imito a cara feia que ele sempre faz pra tirar foto. Ele não percebe ou não reage. Token começa a gargalhar. Enquanto ele fica chacoalhando a foto, eu pergunto se Craig não quer ir lá fora fumar. Ele só recusa com a cabeça. Eu deixo os dois conversando e começo a tatear meus bolsos pelo meu isqueiro.

Eu não vi Kyle fumando muitas vezes na vida. A diferença de barulho quando eu saio do ambiente abafado é estrondosa. Você só percebe que tá quase ficando surdo quando vai pra outro lugar arejado e silencioso. Bom, “silencioso” não seria a palavra certa. Tem mais umas cinco ou seis pessoas fumando ali fora, em dois grupos, mas próximas o suficiente para você saber que alguém ali pediu fogo pra galera do outro grupo. Eles estão bem na porta. Eu avisto Kyle afastado, mais próximo de um beco onde tem latas de lixo, escondendo os olhos com as costas da mão, segurando um cigarro aceso na outra. Deu merda, eu sei que deu merda. Corro assim que o vejo, ansioso pra chegar logo perto dele porque é muito óbvio o quanto ele precisa de um abraço. Eu já aviso que Kyle não é uma pessoa exatamente fácil de confortar. Ele é orgulhoso pra cacete, ainda mais quando fica puto. E bêbado. Todas as emoções que ele retém começam a transbordar e ele fica frustrado. É uma vantagem de conhecer alguém desde que você usava fraldas.

-Ei. - Chamo com toda a gentileza que eu tenho no corpo, colocando a mão na parte debaixo das costas dele com cuidado. A chance de ele ficar na defensiva e querer apagar esse cigarro no meu olho é muito grande. - O que foi?

Ele abaixa a mão dos olhos e vira pra mim no susto, a cara inchada de chorar. Ele não diz nada, só me encara com a expressão de um menininho de quem arrancaram um doce. Tem quase um beicinho nos lábios dele, coisa que eu não estava preparado pra ver. Eu posso contar nos dedos de uma mão só quantas vezes eu vi o Kyle chorar durante a vida. Ele geralmente responde com raiva, exceto quando tem a ver com o Stan. Problemas no paraíso.

Mas logo ele se recompõe, pelo menos um pouco. Dá uma tragada longa e seca os olhos, balançando a cabeça como quem diz não. Ele não quer companhia. Bom, isso é problema dele. Eu estava procurando Stan e Kyle com os olhos há uma meia hora, não fazia ideia de onde eles tinham se enfiado. Quando me aproximo o suficiente para colocar a mão na parte debaixo das costas dele, vejo que seus olhos não estão vermelhos só de choro e ele está completamente chapado.

-Kyle. - Chamo com calma, subindo a mão quente até a nuca gelada dele. Está um frio da porra aqui fora. Ele treme de frio. - O que você tem? Tá passando mal?

-Não. - Ele me responde quase sem voz, virando o rosto para o outro lado como se tivesse vergonha. - Me deixa em paz, Kenny.

Eu levo alguns segundos para afastar a mão da nuca dele. Dou um passo para trás e balanço um pouco a cabeça, umedecendo os lábios, correndo a língua sobre os meus dentes da frente. Começou a procurar no bolso do meu jeans rasgado onde é que eu enfiei o meu maço. Ah, tá aqui. Sorrio aliviado ao perceber que o isqueiro está dentro, porque eu não tenho vontade nenhuma de falar com estranhos pra pedir fogo e imagino que Kyle não tenha. Coloco o meu cigarro na boca e acendo com calma, apoiando meu braço na parede gelada. Eu até tenho um casaco amarrado na cintura, e cogito a ideia de vestí-lo porque não devo voltar lá pra dentro tão cedo quanto eu imaginava, mas espero mais um pouco. Eu percebo que a minha presença o incomoda, mas ele deve ter esperança de que logo eu vou ser elegante o suficiente para deixá-lo chorando sozinho. Se é isso mesmo que ele pensa, deve estar mesmo muito chapado. Ou esqueceu que me conhece.

-O que você quer?! - Ele pergunta irritado quando percebe que eu não vou a lugar algum. - Eu já pedi pra você sair.

Eu não respondo imediatamente. Modéstia à parte, eu me considero fluente na língua de Kyle Broflovski. Eu o encaro com os olhos estreitos, tentando entender o que aconteceu aqui. É engraçado ver alguém como Kyle nesse estado deplorável em que a madrugada nos deixa, como os cachos dele estão desgranhados e a camisa dele amassada, mas principalmente, como ficar em pé parece difícil pra ele nesse momento. Dou uma tragada lenta no cigarro e ele me provoca com o olhar, de forma quase ameaçadora, pronto pra me mandar tomar no cu se for preciso. O meu silêncio o deixa visivelmente incomodado.

-Para com isso. - Ele me diz, fumando nervoso, sacudindo a cabeça. Os olhos dele se enchem de lágrimas de novo, mas isso o deixa ainda mais puto. Ele seca o rosto com raiva. - Eu só quero ficar sozinho.

-Por quê? - Pergunto tranquilamente antes de tragar, ajeitando o meu gorro preto na cabeça. Sopra um vento gelado que arde os meus olhos ressecados, então eu pisco algumas vezes para aliviar.

-Porque eu quero.

-Kyle… Você não tá legal, quer que eu chame o Stan? - Talvez seja sacanagem minha perguntar isso depois de já ter imaginado que só um problema com Stan seria capaz de deixá-lo desse jeito, mas eu não tenho certeza disso e pode ser algo mais grave. Talvez seja só o beck que o deixou desse jeito. Às vezes isso acontece, eu choro feito um desgraçado quando bate uma bad. - Ou…?

-Eu quero que o Stan vá tomar no cu dele.

Bom, pelo menos ele está falando.

-Vem aqui, vamos sentar. - Eu digo com alguma gentileza, passando a mão pela cintura dele para conduzí-lo até o meio fio, sem invadir demais o espaço dele porque Kyle tem nóia com esse tipo de coisa. Consigo fazer com que ele se sente na calçada, porque ele quase está naquele estado de embriaguez que se volta a ser uma criança, sabendo que outro sabe o que é melhor pra você.

Uma vez sentado, ele apaga o cigarro no concreto e deixa ali jogado, coisa que Kyle nunca faria sóbrio. Nem posso contar quantas broncas já levei dele por jogar bituca de cigarro no chão. O planeta terra parece um problema pequeno pra ele nesse momento. Ele afunda o rosto nas duas mãos e abaixa a cabeça para apoiá-la nos joelhos, suspirando fundo. Eu sorrio largo pelo quanto ele parece um filhotinho de cachorro agora, e digo isso da forma mais carinhosa possível. Kyle tem disso. Ele consegue ser tão adorável sem querer, mas pode te morder e arrancar seu dedo a qualquer segundo.

Arrisco minha vida passando o braço sobre os ombros dele, puxando-o contra a sua vontade para mais perto de mim.

-Conta pro tio Kenny o que te fizeram, vai. Quer que eu dê umas porradas no Stan pra você? - Eu digo em uma tentativa porca de arrancar pelo menos um sorrisinho dele. Não sei se funciona, porque ele não levanta a cabeça.

Então eu só fumo em silêncio, esperando que ele faça as coisas no tempo dele, protegendo-o embaixo da minha asa. Como se isso fosse possível, proteger Kyle Broflovski.

Depois de uns dois minutos, ele olha pra mim. Eu prendo o cigarro entre os começou a desamarrar o casaco da minha cintura, jogando-o por cima dos ombros de Kyle porque ele está gelado feito um cadáver. Ele quase se aninha ao meu abraço depois disso, ainda que relutante. Deita a cabeça pesada no meu ombro e fecha os olhos. Não duvido que ele durma aqui mesmo.

Pra minha surpresa, ele resmunga baixinho:

-Stan é um idiota.

-É mesmo? E por quê? - Eu pergunto no mesmo tom em que falo com qualquer criança, com um sorriso besta na cara, talvez pela bala que eu tomei. Ou porque Kyle me faz sorrir. Eu não posso entender direito como, mas ele… Ele me faz sorrir.

-Eu não quero falar sobre isso.

-Tudo bem. - Murmuro baixinho com o queixo apoiado na cabeça dele, fazendo carinho naqueles cachos, sentindo o cheiro gostoso de shampoo e colônia e amaciante, tudo misturado. Deixo um beijo no topo da cabeça de Kyle e fecho os olhos, grogue. Preciso parar de beber agora pra ter condição de voltar dirigindo.

Eu não faço ideia de quanto tempo nós passamos assim, meu corpo absorvendo o calor dele, não permitindo que eu sinta frio algum. É tão gostoso me sentir assim enroscado a ele. Encaixa tão bem. Não tenho pressa alguma de sair daqui. Fumo o cigarro até o fim, depois o jogo no chão e apago com o pé, voltando a deitar a cabeça sobre a dele, fechando os olhos.

Mas aí começa a tocar Champagne Supernova lá dentro, o que eu estranho pra caralho, porque não é uma música dançante. Acho que já chegou naquele ponto da noite em que tá todo mundo louco demais pra perceber. Até fico com vontade de dançar. Eu levanto a cabeça de repente, sentindo o ar gelado na minha bochecha e no meu pescoço ao desencostar dele assim bruscamente. Kyle também ergue a cabeça, a cara ainda inchada, os olhos pequenos.

-Olha só. - Ele diz bem sério. - Tá tocando coisa boa.

Eu solto uma gargalhada e fecho os olhos, já embalado na música abafada (não dá pra ouvir direito daqui), balançando um pouco o corpo, e consequentemente, levando o corpo de Kyle comigo.

-Eu amo essa música. - Digo sem perceber, ainda de olhos fechados. Na verdade, eu nunca tinha percebido o quanto eu a amava até ouvi-la chapado. Foi a primeira vez que eu entendi o que ela queria dizer, acho. Não chego a cantar, mas movimento os lábios em um mantra: why, why, why, why…

Meu braço continua em torno dos ombros dele. Subo a mão pela lateral da sua cabeça, enroscando nos meus dedos aqueles cachos absurdamente macios. Sorrio e viro para encará-lo, finalmente abrindo os olhos, encontrando o rosto de Kyle bem próximo. Puta merda, ele é tão bonito que é quase obsceno. Esse nariz que não nega a religião dele, esse cabelo tão vermelho que é desumano, essas sardas tão sutis que você só nota se estiver muito perto…

E esses olhos. É redundante falar desses olhos. Eles são a coisa mais verde que existe no planeta terra, deixam todas aquelas colinas irlandesas no chinelo. Não que eu já tenha ido à Irlanda. A íris dele parece mais fina agora, com as pupilas dilatadas pelo escuro e pela erva, talvez por alguma outra coisa… Tesão? Eu não sei. O que eu sei é que o brilho lascivo nesses olhos entregam que ele vai me beijar antes mesmo de ele se mexer.

É tiro e queda. Assim que eu me dou conta disso, Kyle traz a mão quentinha até o meu rosto frio e seus dedos tocam a minha bochecha, leves como uma pincelada, as pontinhas das unhas roçando delicadas pela minha pele. Ele aproxima o rosto quase hesitante, com aquela certeza estúpida que os bêbados têm, e eu sorrio antes que os lábios dele toquem os meus, acabando com a distância que existe entre a gente. Eu já beijei essa boca outras vezes, mas era novo demais pra saber como beijar. Dessa vez, eu faço direito. Uso o braço em torno do pescoço dele para mantê-lo o mais próximo possível, deslizo a língua entre esses lábios deliciosos que parecem ter sido cuidadosamente desenhados por Deus. É brega, eu sei, mas é isso que eu sinto quando olho pra ele.

Minha cara parece um pouco anestesiada. Tudo o que eu sinto é calor e saliva, até enroscar direito a minha língua na dele e me acabar naquela textura macia e molhada, chupando o lábio inferior dele por instinto, por querer o gosto de toda carne, de tudo que vem desse corpo. Ele segura a minha cabeça com as duas mãos e controla como eu posso virar o rosto, o que me dá um tesão desgraçado, porque isso sempre me deixou louco nele: as coisas são do jeito que ele quiser, mas ele não conquista isso usando força brusca. Ele faz com a cautela de um felino, seduzindo e instigando até você se perceber completamente entregue à rede dele. É esse gosto que o beijo dele tem. Gosto de que você não faz ideia de onde está se enfiando e só quer mais.

O rosto dele ainda está um pouco molhado pelas lágrimas quentes. Eu corro o polegar pela sua bochecha, entrabrindo os olhos um segundo, então desencaixo os lábios dos seus e beijo o canto da boca dele de forma carinhosa, levando a palma à parte detrás da sua cabeça para oferecer algum conforto, todo o afeto que eu tenho pra dar nesse momento. Sorrio fraco para ele quando nossos olhos se encontram.

-Você tá bem? - Pergunto, me referindo mais ao estado físico dele do que o emocional agora.

As pálpebras de Kyle pesam devagar. Ele balança a cabeça sutilmente, mas não é bem uma resposta. Passa a língua pelos lábios como se ainda sentisse o gosto, o que alarga mais o meu sorriso. Eu quase deixo escapar uma risada, na verdade.

-Não sei.

-Você tá enjoado?

Ele não usa palavras. Só solta um grunhido.

-Vem. - Digo, pigarreando um pouco. Levanto da calçada e esfrego as mãos no tecido grosso do jeans, tentando aquecê-las. - Eu te levo no banheiro. 



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