1. Spirit Fanfics >
  2. Polaroid >
  3. Cartman - 04h28

História Polaroid - Cartman - 04h28


Escrita por: caulaty

Capítulo 7 - Cartman - 04h28


Eu não gosto de bêbado. Não gosto de bêbado depressivo, especialmente se eu estiver bêbado também. Que é o caso. É verdade que, a essa altura da noite, a parte gostosa da embriaguez já foi pro saco e sobrou só a dor de cabeça e um gosto de merda na boca. Meus pés já incharam e parecem dois pães de cachorro quente. Eu só quero ir pra porra da minha casa, tirar meus tênis e relaxar.

Mas eu tenho um problema pra resolver. Kenny e Kyle geralmente tomam conta do Stan, que é o pior tipo de bêbado que existe. Sério, ele fica insuportável. Stan é o tipo de pessoa que tem muitos, mas muitos sentimentos guardados em um potinho do seu coração sensível e todos eles resolvem estourar quando ele bebe e vira essa bicha louca descontrolada. É um inferno. Eu não tô aqui pra tomar conta de homem adulto (oficialmente adulto, agora) que não consegue cuidar de si mesmo.

Obviamente, Kenny e Kyle não podem recolher esse farrapo do chão porque estão muito ocupados chupando a cara um do outro em algum lugar. Muito legal da parte deles. Kenny soca a cara do Stan e deixa ele aqui pra gente cuidar. Eu não tomaria a responsabilidade por vontade própria, mas Token me mandou buscá-lo. “Ele é seu amigo”, eles dizem. Saco.

Butters está sentado com Stan na calçada. A boate já está fechando, já tem gente desmaiada na rua, gente vomitando, todo mundo indo embora e eu aqui olhando essa cena patética, Stan sentado de cabeça baixa e escondendo a cara nas mãos, provavelmente contendo a vontade de esmurrar o Butters, que o alisa como se ele fosse um cãozinho. “Não fique triste, Stan, vai dar tudo certo, nhenhenhé, eu sou uma bichinha”. A voz de Butters fica mais difícil de aturar quando ele bebe. Ou quando eu bebo.

-Sai pra lá. - Eu digo ao Butters, que me olha como se não tivesse entendido, com cara de tonto. - Anda, sai!

Em um segundo ele está de pé. Muito bem. Não sai de perto, mas pelo menos me cede o lugar. Eu me sento na calçada, minhas pernas estralando com um som alto. Mantenho uma distância saudável de Stanley. Veja bem, é como lidar com uma criança birrenta ou um cachorro rebelde. Você não pode ficar dando corda pro drama deles. Tem que ter pulso firme. Eu tiro o meu maço amassado do bolso – merda, sentei em cima dele – e faço um sinal para que Butters me dê o isqueiro que ele tem no bolso. Ele continua de pé ali com aquela cara idiota de mãe preocupada. Me entrega o isqueiro e eu acendo o cigarro, que se faz mais do que necessário pra lidar com essa bosta.

-O que você quer, Cartman? - Stan me pergunta sem levantar a cabeça.

Dou uma tragada sem pressa de responder. Stan é um sujeito engraçado. Nem dá vontade de tira sarro dele, parece como chutar cachorro morto.

-Stan, a gente tem que ir embora. Acredite, eu não teria problema algum em largar a tua bunda lamentável aqui, mas o Token não aceitou muito bem a ideia e me mandou te buscar. Agora me fala: eu vou ter que te carregar daqui ou você já passou por humilhação suficiente por um dia?

Eu coloco a mão no braço dele de forma super amigável e, puta merda, ele parece um cachorrinho raivoso, eu tenho medo de que ele me morda. Stan empurra a minha mão e rosna, todo afetado:

-Cala essa boca, Cartman! Caralho, me deixa em paz!

Ah, vai ser assim, é? Tá bom, então. Eu tentei ser legal, mas tem alguém precisando ouvir umas verdades.

Só agora eu consigo dar uma boa olhada na cara dele, mesmo com essa luz tosca do poste em cima da gente. O roxo no olho dele me dá um arrepio de agonia, porque isso deve estar doendo pra caralho. Minha expressão deve mostrar isso, porque ele me fuzila com os olhos.

-Sabe porque ninguém tá com pena de você? - Pergunto.

Ele aperta uma das mechas do cabelo nas mãos e fecha os olhos com força, balança a cabeça e respira fundo. Tão dramático. A cara dele vai ficar toda inchada amanhã. Kenny fez um estrago lindo aí. Será que eu deveria comentar isso?

-Eu não quero que ninguém sinta pena, eu quero que você cale a boca. Eu não aguento mais a tua voz nos meus ouvidos.

Acho que não.

-Dá pra você parar de ser cuzão?! Não é culpa minha que você implorou pro Kenny quebrar os teus dentes.

-Eu implorei?!

-Cara. Você disse que ele tava assediando o Kyle. - Levo o cigarro aos lábios e trago com gosto, mas logo solto uma gargalhada e escapa toda a fumaça. Meus olhos chegam a lacrimejar. - Assediando. Você nem pensa isso de verdade, você só ficou putinho porque se sentiu excluído. Porque eles tão fazendo algo que não inclui você.

-O quê?! Isso é ridículo, quantos anos você acha que eu tenho?

Encolho os ombros, ainda com um sorriso que não quer sair do meu rosto. Stan revira os olhos e ri também, só que amargurado. Coitadinho. Pobre Stanny-boy, pobre menino bonito. Ele sempre foi a estrela, aquele que era forte e bom em esportes, que tinha os dentes retos e todas as meninas queriam pegar. Aquele que tinha uma namorada gostosa. Tudo isso deve ser bem difícil pra ele, não ser o centro de alguma coisa. O Stan parece tão centrado e quietão, quase tímido, como se ele não tivesse um ego do tamanho da minha bunda. Quem não conhece que compre.

-Stan, deixa eu te perguntar uma coisa. Você gosta de pênis?

Ele franze a testa. Butters solta uma risadinha, cobrindo a boca como se ainda tivesse oito anos, mas eu continuo perfeitamente sério porque estamos tratando de coisas importantes. Não é hora de risadinhas.

-De que merda você está falando?

Eu apoio meu cotovelo na minha coxa e deito o queixo na palma da minha mão, pensativo.

-Eu não acho que você goste de pênis. Mas sabe quem gosta? O Kenny. E sabe quem tem pênis? O Kyle. Entende onde eu quero chegar com isso?

-De jeito nenhum.

-Eu também não. - Butters interrompe, soando muito confuso.

-Ninguém te perguntou, Butters. - Eu digo, e então, chego mais perto de Stanley e, muito bravamente, correndo o risco de perder minha mão, eu encosto no ombro dele. - Stan, se você fosse apaixonado pelo Kyle, talvez as pessoas até conseguissem sentir dó. Eu mesmo super ficaria do seu lado, eu adoro um vira-lata sem chance. Mas você gosta de buceta meu amigo. Broflovski passou anos suspirando atrás de você como uma garotinha colegial, abanando o rabinho pra tudo que você fizesse. Agora que ele parou, você acha que tá afim dele. Você não queria a bola, o Kenny pegou a bola pra brincar, agora você quer a bola.

Ninguém falou nada durante um tempo. Nem sei como descrever a cara desiludida de Stan; parece que eu acabei de contar pra ele que Papai Noel não existe. Mas ele balança a cabeça negativamente e pisca devagar como o bêbado idiota que é.

-Uau. - Butters solta.

-Kyle é a bola, você entendeu, né? - Eu explico por bondade.

-Claro que entendi, eu não sou idiota. - Stan me responde com rancor, me empurrando de lado para que eu tire minha mão nele. Parece até sóbrio por um momento. - Só que eu não sei, cara. Eu não sei se gosto de pênis, eu só sei que gosto de como o Kyle… Eu gosto de como ele me faz sentir.

Meu caralho, ele quer se abrir comigo. Era só o que me faltava. Eu dou uma tragada longa no cigarro e massageio as minhas têmporas com a outra mão, respirando fundo.

-Porque ele é seu melhor amigo e ele puxa o seu saco pra caralho! Vocês sempre foram gays um pelo outro, mas não gays de… Fazer coisas gays juntos. - Eu estico o braço para envolver os ombros dele, dando dois tapas em suas costas. Ele continua todo encolhido, olhando pro asfalto. O que eu posso fazer? Eu tenho um coração mole. - Olha, eu entendo. O Kyle é todo bonitinho, se você olhar pelo ângulo certo e sob uma certa luz, ele já confundiu um pouco a sexualidade de todos nós. Não é, Butters?

-Ahn… - Butters pisca algumas vezes. Eu estreito os olhos e ele imediatamente começa a ajeitar o cabelo, todo nervosinho. - Sim, claro!

Mas nem isso é suficiente pra fazer esse maníaco depressivo rir. Eu reviro os olhos e tiro meu braço dele. Apago o meu cigarro pela metade na calçada.

-Stan. - Chamo, respirando fundo. Com muita hesitação, ele me olha com essa cara de Bambi que acabou de assistir à mãe levar um tiro. - Kenny é um depravado sim, ninguém nega, mas ele não se aproveitou de ninguém. Você sabe disso, porra. Aqueles dois já se pegam há anos.

-Quê?! Não inventa, Cartman. Eles são meus melhores amigos, eu saberia se…

-Aí que tá! Aí que tá, eles são seus melhores amigos, eles sabiam que você ia virar numa bicha chorona. Todo mundo sabia que eles se pegavam, menos você. Eles tavam tentando te proteger porque sabiam que você ia surtar sem motivo.

Eu devia ganhar um troféu e uma massagem no pé pela minha paciência com essa desgraça. Stan desvia o olhar e coça a cabeça, mordendo o lábio, pensando com tanta força que logo vai sair fumacinha do couro cabeludo dele.

-Eles falaram isso?

-Não precisavam falar. - É o Butters que responde, agora de braços cruzados, chegando mais perto. Fala com uma voz melosamente gentil, sorrindo quando Stan vira pra ele. - É só ver o jeito que eles se olham.

Meu Deus, Butters. Meu Deus.

Eu aperto a ponte do nariz e fecho os olhos, bufando. Não consigo entender como uma pessoa pode ser tão cheia de frescura. O que torna essa frase mais ridícula é esse olhar distante e apaixonado na cara dele, porque Butters ainda está completamente chapado e achando tudo muito bonito, muito profundo. Eu sinto vontade de dar um tapa atrás da cabeça dele, mas é trabalho demais me levantar só pra isso, então eu deixo pra lá.

Até porque, no final das contas, esse veado nem está tão errado assim. Já faz uma cara que a gente pega esses olhares ridículos entre Kenny e Kyle, como se eles tivessem vontade de lamber a cara um do outro ou coisa do tipo. Eu não sabia até que ponto eles faziam isso ou não. Foda-se, também. O barraco nem tinha sido tão bom quanto eu esperava. Achei que os dois fossem se pegar no pau de verdade, não que Stan fosse cair feito uma marica no primeiro soco.

Falando nisso, Butters me deve dez dólares por ter apostado que o Stan dava conta. Mas como um cavalheiro, eu vou esperar pra cobrar quando o perdedor não estiver presente.

E depois dizem que eu não sou delicado.

-Eu não teria dito de forma tão afrescalhada, mas sim, ninguém precisou me dizer nada. - Respondo finalmente.

Stan fecha os punhos e pressiona os lábios um no outro. Eu quase consigo ver a bigorna animada que acabou de cair na cabeça dele. Metaforicamente, é claro. Ele levanta a cabeça de repente e solta todo o ar dos pulmões, passando a mão pelos cabelos.

-Eu fui um imbecil. - Ele fala em voz baixa. Não pra mim, não pro Butters, mas pra si mesmo.

Eu odeio interromper a epifania de um cara, mas isso já deu no meu saco e tem uma lasanha congelada no meu freezer que está me esperando, então tento me levantar da calçada. Não é uma tarefa exatamente fácil, mas eu xingo Butters quando ele chega perto pra tentar me ajudar. Onde já se viu. Não preciso da ajuda de um franguinho mirrado desses. As pernas de Butters parecem dois cabos de vassoura. Apoio as duas mãos nas coxas e me reergo com um gemido cansado, me espreguiçando.

-É, você foi. Mas vocês três são um clubinho fechado, eles vão te desculpar. Anda, Stan, o Token e o Craig tão esperando no estacionamento.

Butters e eu começamos a andar. Eu soco as mãos nos bolsos do casaco, vendo o vapor da minha respiração encontrando o ar gelado. Tá um frio da porra agora, que isso? Eu consigo sentir as minhas bochechas vermelhas. Finalmente entrego o isqueiro de volta pro Butters, mas ele para de repente, olhando pra trás. Quando eu me viro, vejo que Stan continua ali sentado feito um autista, as pernas abertas, olhando a rua deserta.

-Stan! Ficou surdo, desgraçado?

-Eu acho que ele não tá bem. - Butters me fala.

Não me diga.

Eu volto marchando pra perto dele, ajeitando o meu gorro na cabeça enquanto isso. Estou 100% pronto pra berrar na cara dele, porque a minha paciência já esticou até o limite. Eu já sentei na porra do frio, a minha bunda na calçada congelada, lidando com esse sentimentalismo, num início de ressaca. É demais pra mim. Ele não tem noção de onde tá se metendo.

Mas antes que eu consiga abrir a boca, Stan se levanta.

Eu franzo a testa e viro o rosto um pouco de lado, desconfiado com essa cara apática que ele tá fazendo. Chego a cogitar que ele vá enlouquecer de vez e tentar entortar o ferro da placa de sinalização com as próprias mãos ou alguma coisa assim.

Encarando de frente o rosto triste dele, com esse hematoma roxo que vai ficar muito mais feio em algumas horas, eu sinto dó de verdade. Saco. Não consigo ficar com raiva se ele continuar me olhando com essa cara de derrota. Agora, ele parece mais culpado do que qualquer outra coisa.

-O Kenny não vai me desculpar. - Ele fala.

Eu suspiro fundo e boto a mão nas costas dele.

-Se ele não te desculpar, ele é um otário. Cara, vai pra casa. Para de pensar nessa merda, você já vomitou e já levou uma porrada hoje. Vai dormir. Amanhã vocês conversam.

Ele assente com a cabeça, graças a Deus, porque eu não sei por quanto tempo mais eu conseguiria continuar tendo essa conversa absurda. Sem reclamar, sem fazer mais nenhum comentário emo, ele concorda em ir pro carro com a gente. Butters pega no braço dele e os dois se ajudam a caminhar. Eu ando um pouco atrás.

Tiro o celular do bolso do casaco e filmo esses dois bêbados se apoiando um no outro durante dez segundos. Pego a hora perfeita em que Butters escorrega e quase quebra a cara no chão, mas Stan o segura a tempo e eu solto uma gargalhada escandalosa, porque é a porra mais engraçada que eu já vi na minha vida. Vou postar essa preciosidade no instagram assim que eu chegar em casa.



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...