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História Primavera de Rulim - A tal festa.


Escrita por: yuriPsouza

Capítulo 11 - A tal festa.


A semana inteira havia passado, ontem só que Pedro – o cara de pau – havia me chamado e avisado sobre a festa da Bianca, a qual já tínhamos até arranhado o assunto, mas nunca realmente conversado sobre (em grande parte porque ele evitava o assunto).

Não sabia quem era pior, Pedro ou Bianca. Duas cobras com mais veneno que Elise, muito provavelmente. Pedro cheio de interesses na festa de Bianca, e Bianca cheia de interesses em David e no irmão, Miles. Como David era nosso amigo e apenas, ela convidou Pedro (o mais bonito do grupo) na esperança que ele levasse David. E como entre Dido, eu, Pedro e Gui, David é mais meu amigo que deles (ainda mais depois dessa semana discutindo avidamente sobre história do Brasil), Pedro, para não decepcionar Bianca e, provavelmente, não ser desconvidado, me chamou para que eu chamasse David. Ou seja, quem estava sendo convidado para a festa de aniversário de Bianca é David, não eu ou o Pedro… ganha respeito quem levar ele até lá. Simples assim! É como se fosse comissão. Se David aparecer por lá, arrastado por mim, por Guilherme ou por Dido, Pedro ainda sai ganhando por ter sido o responsável em nos convidar a convidar David. Então nós ganhamos um pouco de fama, e por fim David ganha toda a fama, afinal, ele é o prêmio máximo da nossa turma. É como se todas as garotas quisessem ficar com ele agora. Não só ele como todos os outros gringos também.

Infelizmente para Pedro, depois de tanta explicação e tanta insistência, eu informei que no dia da festa em questão estaríamos fazendo a primeira parte do trabalho de história e por isso não poderíamos ir, nem eu, nem Elise, nem David. Não saberia dizer se Pedro ficou bravo comigo, não esperei respostas.

Logo cedo no dia seguinte tinha uma mensagem dele: “Maior vacilo você não ir nessa festa! ”. Apenas. Então achei que seria melhor sequer responder.

Era 9 de agosto, sábado.

Eu arrumei minhas coisas logo cedo, organizei o guarda-roupa, peguei minha mochila e coloquei nela um caderno, estojo, livro de história, notebook, carregador, comprimido para dor de cabeça e um saco de bolacha, no caso de americanos não terem comida que eu goste (o que pelos filmes é algo impossível de acontecer, além do que eles morando aqui não têm muita escolha além de comprar comida brasileira)!

Liguei pelo whatsapp para Elise e ela confirmou que iria sim na casa de David, faríamos o trabalho e com isso teríamos adiantado boa parte da pesquisa para a próxima aula. Nem citei nada sobre a festa, se ela não souber – e não souber que eu sei –, e não souber que eu estou convidado para ir, não corre o risco de querer ir também! E se ela souber e não me falar nada é porque está disposta a não ir só para estudar conosco, o que é muito carinhoso da parte dela!

Almocei em casa junto da minha mãe (a Dona Marta), e meu pai (o Diácono Rogério). Aproveitei o almoço para contar que ia na casa de um amigo fazer o trabalho, eu, David e Elise.

— E ela está bem? — Meu pai perguntou subitamente enquanto cortava o frango. — Nem conversamos sobre ela depois da semana passada.

— Está. É só… coisa dela. — Eu respondi enquanto comia meu pedaço de carne assada com batatas, na verdade ocupei a boca para poder pensar no que falar já que “Agora tá, as feridas que o pai abusivo dela causou já sumiram” não era bem uma opção. — Não surgiu nenhuma fofoca pela igreja? — Perguntei com um sorrisinho, era uma boa vereda para seguir conversa.

— Deveria ter surgido? — Minha mãe perguntou como se insinuasse algo, aquele olhar que só mãe tem.

Você nem faz ideia. Eu pensei enquanto escolhia o que realmente responder novamente. Só não são rumores do tipo que vocês estão esperando ouvir.

— O que foi que aconteceu com a Elise? — Minha mãe questionou após eu não ter respondido nada.

— O pai não te falou? — Rebati comendo mais uma garfada.

— Falou, mas só o que eu já sabia pelo Padre Silviano. — Minha mãe estendeu o braço e pegou a jarra de suco servindo o copo do meu pai que estava vazio novamente. Era comum que ela fizesse isso, já uma coisa automática, mesmo se não quiséssemos, ela enchia nossos copos assim que eles esvaziavam. — Gosto dela. É uma boa menina, e te ajudou muito, não podemos esquecer...

— De qualquer forma, vou passar um bom tempo lá, eu acho… é muita coisa pra fazer, o professor passou um trabalho enorme, então queria saber se você pode ir me buscar mais tarde, se estiver muito tarde pra voltar de ônibus? — Olhei para meu pai. Nem percebi que minha mãe havia se chateado em ter sido interrompida como se aquilo fosse simplesmente desimportante, mas para mim não havia importância alguma debater sobre meu estado depressivo. Isso é passado, tenho que deixar lá. No passado!

— Se estiver tarde você me liga e eu vou sim. Mas e quanto aos parentes dele, estão de acordo com isso?

— David acha que vai ser bom para mostrar que ele conseguiu fazer amigos. E o irmão e a namorada estarão lá também.

Nossa conversa continuou por mais um tempo passando por assuntos cada vez menos interessantes. Minha mãe tentou novamente questionar sobre a depressão, de forma delicada ela sempre tentava, era o que o médico tinha mandado que ela fizesse regularmente para saber se eu estava bem. Eu estou bem!

As vezes quero apenas dizer isso, olhar para ela e falar; mãe, não precisa se preocupar. Eu estou bem agora! Está tudo bem!

Mas nunca parece ser o momento certo.

Depois disso fui para o meu quarto e me limitei a ler sobre a Guerra dos Farrapos já que ia fazer isso em breve. Decidi me adiantar, assim poderia bancar o sabido (não que eu realmente precisasse, qualquer um sabia mais sobre a história do Brasil que David, mas, mesmo assim, era uma sensação boa essa de superioridade).

E sim, eu sei que é errado esse pensamento, mas é algo que inegavelmente alimenta o ego.

Às dezesseis horas eu saí de casa com a mochila nas costas e tudo que tinha juntado mais algumas coisas por via das dúvidas. Tínhamos combinado de estarmos lá às dezesseis e trinta, e mesmo assim eu acreditava que chegaria adiantado. Claro, poderia ir andando, a casa do David ficava ridiculamente perto da escola, um quarteirão apenas. Minha casa ficava cinco quarteirões de distância da de David e a casa de Elise ficava a uns nove ou dez quarteirões de distância da minha… O que significa que ela já estava a caminho, portanto, impossível de contatar já que estava sem crédito no celular e eu não pretendo gastar os meus (nossas operadoras são concorrentes).

Esperava justamente chegar depois de Elise, assim evitaria o clima estranho que pressentia que rolaria se chegasse e só estivesse eu e David ali. Ao mesmo tempo temia chegar depois de Elise e ela ter falado demais.

O endereço ficava na parte mais nobre do nosso bairro, o que ainda era simples, mas as casas eram bem-feitas e mais novas, todas de dois andares, tinham quintais maiores e garagem para dois ou três carros… pode parecer o básico, mas não é! Na parte onde moro as casas são mais simples e menores, os terrenos são menores, as garagens cabem um carro só, e casa de dois andares são luxo. Mais para a frente, lá perto do ferro velho, as casas nem garagem tem, são feitas em tijolos sem acabamento, normalmente são dois andares, mas ambos alugados para famílias diferentes… alugados por famílias que moram onde David mora.

A casa do David ficava numa rua sem saída, era grande e murada, com outras duas casas igualmente grandes dos lados. Paredes em um marrom claro com detalhes em pedras de granito, a sacada do que deveria ser o quarto do casal tinha no lugar dos balaústres de cimento, placas de vidro encaixadas.

Apertei o interfone e esperei um pouco, mas ninguém atendeu.

Quando de repente o portão na minha frente estralou se abrindo. É um portão desses que impede a visão do interior da casa.

— Lucas, certo? — Uma mulher, a mesma que estava com os gringos no primeiro dia de aula deles na escola, me recepcionou.

Ela é alta, de pele clara e cabelos encaracolados até um pouco abaixo dos ombros, olhos fortes como os de David e lábios finos.

— Como… — Eu olhei em volta, confuso. Cadê o David? Senti que estava envergonhado, e que isso era perceptível, portanto comecei a corar.

— Ali. — Ela apontou para o telhado que protegia o portão da garagem, o de entrada, interfone e caixa de correio, da chuva. Nos alicerces das telhas havia um pequeno buraco onde uma bolinha precipitava-se para fora. — David está comendo, entra querido.

Eu acompanhei ela para dentro, tinha um Scalade e um March na garagem, o March é um carro barato, mas um Scalade é caro… bem caro!

— Eu sou a mãe do David. Ele disse que sua amiga, Elise também vinha.

— Elise ainda não chegou? — Perguntei com uma voz esganiçada. Era para ela ter chegado primeiro e minha surpresa afetou diretamente minhas expressões.

— David pensou que ela viria contigo. — A mulher disse sorrindo para mim, a mãe de David possuía esse português diferente do que usávamos, mas era agradável de ouvir. — Meu nome é Victoria, meu marido é Donald.

— Prazer… — Disse sem jeito, não sabia se beijava a bochecha, apertava as mãos, o que fazer, no final não fizemos nada e fiquei pensando se ela estava me achando mal-educado por isso. — Elise mora mais longe e em outra direção, então ela veio mais cedo, digo, saiu mais cedo de casa. Mais cedo, mas ainda não chegou… alguma coisa deve ter acontecido.

Então entramos na casa.

— Se quiser ligar para ela, ligaram o telefone ontem! — Ela respondeu, toda educada. A mãe de David é o tipo de pessoa com quem qualquer um consegue se relacionar, ela transmite confiança e segurança.

O Hall da entrada tinha visão para a sala e sala de jantar em um único e grande cômodo com a cozinha do outro lado, a escada em caracol no hall levava para o segundo andar, mas também tinha como ver uma escada menor em L na sala.

Na ilha da cozinha eu vi David sentado junto de um outro garoto, o irmão mais novo (ambos estavam na escola aquele primeiro dia) e uma menina (que também estava na escola). Na sala um homem usava fones com o notebook nas pernas enquanto a televisão passava algum programa que não era daqui com a logo CNN em baixo.

— Lucas. — David levantou a mão me chamando. — Elise não veio?

— Viemos separados… Ele deve estar chegando. — Eu falei e o outro menino que estava com eles me olhou, se levantando.

— Kyle Vermont. — Se apresentou. — Prazer.

Aquela prontidão toda me assustou, mas tentei não deixar transparecer.

— Lucas Rulim. — Repliquei omitindo o Jorge. Só então percebi que nem David sabia do “Jorge” no meu nome.

— Lucas, esse é o Miles, meu irmão mais novo. E Mariah, namorada dele. Kyle é do terceiro ano, amigo nosso.

— Então… estão gostando da escola? — Perguntei de forma casual, lembrei da velha no ponto de ônibus, da conversa chata. Lucas, não seja a velha! Disse para mim mesmo.

Enquanto isso analisava os três. Kyle é mais alto que eu e que David, negro e sorridente com uma barba que aparenta ser feita com barbeador eletrônico e não lâmina. Miles é branco e de cabelos pretos como David, mas os traços e feições são completamente distintas, eu jamais diria que eles são irmãos, também é menor que David e eu e têm um rosto ainda de criança, sem pelos, sem espinhas, sem marcas… Mariah é menor que Miles e todos nós, de cabelos longos, até a cintura, e negra, mas num tom mais claro que Kyle, ela tem olhos fortes e chamativos e um rosto igualmente infantil, mas uma beleza surreal.

— É interessante. Tem gente estúpida e gente legal. — Kyle era bem mais extrovertido que Miles, que estava visivelmente desconfortável, assim como eu. — Na verdade não mudou muito. Tirando o idioma dá para levar tranquilamente.

— Na nossa sala tem bastante gente estúpida! — Eu respondi rindo para Kyle.

— David falou de uns baderneiros, lá no terceiro é mais tranquilo. Menos alunos.

Mariah e ele não falavam nada, e só trocavam olhares.

David pegou uma garrafa de água na geladeira de duas portas e tomou um longo gole esvaziando a garrafa pela metade.

— Quer subir ou esperar Elise? — David perguntou, ficamos em silêncio, ele esperando eu responder, eu sem ter a cara de pau para falar “vamos subir sim” e soar rude aos donos da casa como se de alguma forma eu estivesse evitando-os.

— Dav, eu vou indo para casa. — Kyle disse em inglês cortando o silêncio. Será que ele sabe que eu entendo? Perguntei-me tentando bancar o desentendido e desinteressado, afinal, não era comigo a conversa. — Não esquece de me mandar as músicas.

— Se quiser espera um pouco aí eu…

— Para de ser preguiçoso e upa para o drive, me manda o link depois. — Kyle agarrou uma blusa da banqueta na ilha da cozinha, olhou para mim e mudou para o português. — Cara, pensei que o Brasil ia ser quente… nunca tirei e coloquei tanto o agasalho como aqui!

— Não é o Brasil. — Eu afirmei em um tom que não parecia uma reclamação, mas tive impressão que foi assim que soou. — É São Paulo só… aqui começa o dia com sol escaldante e termina com neve.

— Aqui neva? — Mariah perguntou, pareceu animada.

— Não… é só uma expressão pra dizer que esfria muito e muito rápido. Não neva onde vocês moravam? — Então eu quem perguntei.

— Muito difícil, só chove!

— Bem, aqui é a terra da garoa, ou chove ou caí granizo. — Eu disse em um tom triste com sorrisinho.

Rimos mesmo assim, e Kyle se foi em seguida após se despedir do Senhor e senhora McReid, tal como os americanos costumam se endereçar.

David avisou a mãe que chamasse ele quando Elise chegasse, pra ela não ficar deslocada no meio deles (embora eu duvidasse muito que tal coisa fosse possível). Enquanto isso eu troquei algumas palavras com Mariah e Miles, que estavam abraçados, sempre!

Nossa pequena discussão foi só sobre o clima mesmo.

— Vem. — David disse pra mim, no Hall, eu ainda na cozinha conversando com o irmão dele. — Miles, você empresta seu note…

— Eu… trouxe, o meu. — Disse todo travado apontando a mochila no ombro enquanto ia para o Hall. — Imaginei que a gente fosse usar e pra não dar trabalho.

— Se precisarem depois que a menina chegar podem pegar. — Miles respondeu mesmo assim.

Então eu fui com David para a escada, era toda branca e o corrimão tinha detalhes em um tom salmão. Subimos em silêncio e eu rangia os dentes pensando em onde Elise estava e porque eu e David estávamos indo para cima.

Peguei o celular e olhei as mensagens, nada de Elise, nem sei porque o fiz, ela não tinha como falar comigo mesmo, estava completamente off-line.

— Aqui. — Chegamos no quarto de David. Quando percebi tínhamos andado meio corredor. Enfiei o celular de novo no bolso e ajeitei a mochila no ombro.

— O escritório não é mais apropriado… — Ele abriu a porta enquanto eu apontava para o fim do corredor onde via um escritório cheio de caixas de mudança, uma mesa e um desktop.

— É? — David me olhou enquanto entrava no quarto, percebi um breve sorriso. — Aqui é mais confortável. Lá só tem uma cadeira!

— E você tem duas? — Eu perguntei fazendo uma cara de piada.

— Tenho uma cadeira. E uma cama! — Ele completou.

Lembrei das coisas que Elise falou e abaixei a cabeça para esconder a vergonha. Então após sorrir um pouco, o que me arrependi porque acredito que David viu, eu levantei a cabeça.

— Só levar a cadeira pra…

— Minha mãe não gosta de bagunça. Fecha a porta. — Ele disse em um tom piadista, enquanto pegava o notebook da mesa e colocava um fim na discussão. — Quer jogar videogame? Tipo, enquanto Elise não chegar.

— O trabalho é enorme… A gente devia pesquisar um pouco, não acha? Ir adiantando.

— Vamos jogar um pouco... vai ser legal! — Ele insistiu, mas de certa forma eu queria fazer o trabalho. Jogar criaria uma intimidade da qual eu estava tentando fugir até que entendesse melhor as coisas.

— É muita coisa pra pesquisar... depois vamos ficar...

David ficou parado me olhando um tempo, acho que ele percebeu que eu estava desconfortável, então fui parando de falar lentamente. Ele pegou o notebook dele de cima da mesa e foi para a cama, se deitou e apontou para a cadeira da mesa dele.

— Acho melhor sim! Senta e liga o seu. — A voz de David soava um tanto desapontada e um tanto zangada. — Vamos fazer o trabalho. — Ele pareceu um velho falando, um velho que não aceita ser contrariado. — Farrapos, né?

Eu abaixei a cabeça, peguei meu notebook na mochila e me sentei na mesa olhando para a parede enquanto ligava.

— É. — Respondi, tão seco quanto David nas últimas palavras. Será que ele está bravo por causa disso? Não olhei para ele.

Começamos a pesquisar, nós dois. Ele abriu um documento compartilhado no Word online e editamos juntos acrescentando todo conteúdo que podia servir, vários links e várias imagens.

Toda vez que tentava falar algo sobre o trabalho ele apontava documento e respondia com: “Só cola que eu vejo aqui”, isso começou a me deixar bravo e incomodado. Por que ele estava agindo feito um babaca?

O tempo foi passando e Elise não chegava de jeito nenhum. Paramos de pesquisar, descemos para comer um lanchinho que a Sra. McReid (embora toda hora eu a chamasse de Victoria) havia preparado.

Eu decidi falar em inglês com eles, já que por vezes Mariah e Miles falavam assim sem se importar muito, e a Sra. McReid respondia os filhos em inglês… pareceu-me que seria mais fácil para eu falar inglês do que forçar uma família toda falar português, mas ao fazê-lo eles riam.

— É que seu inglês é meio errado, com sotaque, sabe? — David explicou porque todos riam.

— Vocês não se escutam em português! É igualzinho. — Rimos mais.

Esse lanche fez com que conversássemos mais, e que David deixasse a cara de paisagem de lado. Mariah e Miles falaram sobre a cidade de onde vieram: Groove Valley.

— David não te contou? — Miles disse assim que Mariah terminou de falar. Ele, embora mais novo, parecia uma criatura perigosa. Ao falar lançou um olhar para David que fez todos na ilha da cozinha ficarem desconfortáveis.

— Não… acho. Ele mencionou que é do lado de Simi Valley.

— Simi Valley e Santa Clara. É… A gente ia pescar no Rio Santa Clara, lembra? — Miles olhou para a mãe e sorriu, mas Victoria não pareceu contente com aquele assunto.

— Lembro. — Ela respondeu seca. — Mas aqui, Lucas, tem muita coisa para ver? Rios para pescar só se for longe, não é mesmo?

— É… nossos rios são sujos. — Disse com certe vergonha do país. — Mas a gente tem o Ibirapuera, Villa-Lobos, Água Branca… vários parques incríveis, e uns pesqueiros se quiserem matar a saudade de casa. — Enrolei no inglês para desenvolver a frase toda.

A conversa continuou pela vereda do turismo por um tempo, então eu já não comia mais, só conversávamos, vez ou outra Miles cutucava alguém. O Sr. McReid não veio comer com a gente, ele estava ocupado trabalhando.

Victoria, porém, toda cortês, explicou-se:

— Na verdade quando deixamos Groove Valley a empresa decidiu quem ia ir para onde, uns para o Canadá, outros para o Brasil. É uma multinacional que atua na área de mineração e produção de joias. Groove Valley era uma grande mina na verdade, a beira do Rio Santa Clara, imagina de onde veio o nome! — Ela sorriu. — Nós, eu e Donald, morávamos em São Francisco quando ele começou a trabalhar para essa empresa. Então quando eu engravidei do David nos mudamos para Groove Valley, que ainda estava sendo construída. Mais de dez anos depois a mina se esgotou e a cidade foi vendida para o condado de Simi Valley, os mineradores foram levados para uma outra mina, no Canadá, o pessoal que cuidava da logística veio para cá, em uma subsidiária da divisão de confecção de joias, a fábrica fica em Manaus, mas os escritórios ficam no centro de São Paulo.

— Uau. Que sono. — David riu se levantando e se apoiou nos meus ombros.

Não sei como descrever como aquilo foi estranho. As duas mãos sobre meus ombros, não apertou ou mexeu, só se apoiou. Ninguém pareceu se importar, talvez fosse algo normal, mas me deixou estranhamente desconfortável.

— Já que você terminou de comer a gente pode voltar para o quarto? O trabalho não vai se pesquisar sozinho! — Você quer fazer o trabalho, ou só quer fugir da sua mãe e seu irmão? Eu entendia bem aquela fala de David.

— Não, não vai. — Eu respondi me levantando também, percebi que David era o mais desconfortável ali, só não sabia as razões. — Muito obrigado Sra. McReid.

— Por nada. — Ela respondeu.

Então voltávamos eu e David ao quarto. Agora estávamos mais eloquentes e mais exaustos também.

O que fizemos foi parar um pouco. Precisávamos espairecer a respeito do que lemos, as pesquisas todas eram exaustivas demais e só tínhamos chegado na declaração de independência da República Rio-Grandense.

— Nunca pensei que pudessem ter tanta história para contar. — David disse se jogando na cama.

— Isso é um tanto ofensivo! — Eu respondi rindo e me sentando na cadeira. Já escurecia lá fora e eu ainda esperava pela chegada de Elise, embora agora o desconforto já não fosse mais tão grande e não estivesse mais sentindo aquela tensão proveniente dos pensamentos mistos que Ela provocara.

— Pega o outro controle na mesa, vamos jogar…

— Acho que não. — Eu respondi encarando David. — A gente tem que fazer o trabalho…

— Eu sei que você está com medo de perder pra mim no COD, então a gente joga como aliado, que tal? — David riu. Se levantou e se aproximou de mim…

Ele se aproximou tanto que eu congelei na cadeira vendo o rosto cada vez mais próximo, o braço esticado do meu lado e o outro braço com o controle do Xbox na mão, o rosto me encarando, aqueles olhos claros e lábios finos entreabertos... então ele abaixou a tampa do meu notebook colocando-o em modo de suspensão e recuou, retornando para a cama, sem mais nem menos. Como eu sou besta! Pensei voltando a respirar. O que esperava que fosse acontecer? Aquelas ideias, aqueles pensamentos, eram tudo coisa minha, viagem minha, e culpa de Elise!

Então claro, David queria jogar, e era só isso. Jogar!

David é normal.

Peguei o outro controle ao lado de um copo cheio de canetas, lápis e afins e girei a cadeira para encarar a TV em cima da cômoda, o que foi um grande alívio, assim não tinha que encarar David, embora quisesse... queria poder olhar para ele sem que ele me visse fazer isto.

— Quer fechar a janela lá. — Ele pediu e se levantou, foi para a porta.

— Isso é necessário? — Meus pensamentos novamente me levavam a crer que tal ação era inapropriada, mas me fiz pensar pela mente de meu pai, e por meu pai seria apenas dois garotos jogando videogame… Talvez se Elise estivesse no lugar de David fosse inapropriado, mas então eu teria que ser… eu sou. Elise está errada (ou, pelo menos, é o que sempre falo para mim mesmo)!

Me levantei e fui fechar a janela.

— Por que não seria? — Ele deu de ombros enquanto o Xbox iniciava e ele deslizava pelos painéis voltando a se sentar na cama. — A luz faz reflexo na televisão, e a porta deixa o som ir pra baixo, minha mãe não gosta da barulheira.

Então quando ele iniciou o jogo eu entendi.

As caixas de som da televisão vibravam.

O quarto de repente escureceu.

Era um total breu com apenas a luz da TV e os estrondos das aberturas do jogo.

— Por isso sua mãe não gosta da barulheira. — Eu disse com a voz elevada. A televisão estava realmente alta.

— Que graça tem jogar sem barulho? — Ele perguntou enquanto escolhíamos nossas armas e material de apoio.

Eu nunca tinha jogado em um Xbox One antes, mas já tinha jogado aquele COD, então não deveria existir muitas diferenças do 360 para o One.

As duas primeiras rodadas eu morria sem matar ninguém. Quando David ativou o fogo amigo eu acabei conseguindo matar alguns… aliados.

— Acho melhor a gente jogar alguma coisa onde você não seja tão ruim! — Ele riu enquanto continuávamos a jogar, mas acontece que eu estava sem experiência, só isso.

Então pausei, mas como todo jogo online só minha tela que desfocou, David e todos online continuaram jogando.

— O que foi? — Ele perguntou me olhando. Nisso ele morreu e o contador para reaparecer surgiu.

— Celular. — Eu puxei o aparelho para fora do bolso, sempre deixo no vibra, assim não corro risco de incomodar ninguém, seja no ônibus, na sala de aula, na casa dos outros. — É Elise… vou atender ela aqui fora. — Apontei para a porta enquanto abria. A primeira coisa que cogitei foi a ideia horrível dela ter sido espancada novamente, por isso não ter vindo, então estava assustado de conversar com ela. O que eu falaria? O que fazer? Elise saberia como agir.

Ele fez que sim enquanto diminuía um pouco o volume da televisão. Fechei a porta atrás de mim e atendi ela.

— Elise, está tudo bem? — Mas o quê? Ouvia música no fundo da ligação.

— Dav… digo, Lucas. Cê tá bem? — A voz dela era um misto de tontura com felicidade.

No mesmo instante minha preocupação se desfez e eu voltei a focar no que importava: Ela não estar aqui e estar na festa de Bianca, provavelmente bêbada.

— Elise, você foi convidada para a festa da Bianca, não foi? — Eu já sabia agora, mas queria ouvir da boca dela!

— To nela, inclusive! — Elise berrou em resposta. — E fala mais alto, está muito barulhento aqui…

— Vai para fora…

— Eu to do lado de fora. Está muito louco, Lucas. — Se ela pudesse ver minha cara...

Eu tirei o telefone da orelha e olhei para tela, a foto de Elise ali… comecei a sentir raiva dela de novo. Pensei em desligar e ignorar que ela sequer existia, mas ao invés disso levei o celular à orelha de novo.

— Você já tinha sido convidada para a festa no dia do trabalho, né?

— Claro. Eu e Karla. A gente assinou a petição dela… — Ela deu risada. — E olha, não fica bravo. Você precisava desse tempo sozinho com o fofo do David. Vai que, né!

— Sua… fala baixo, para começar. — Eu repreendi ela, girava, nervoso, mordia o lábio inferior. Elise tinha armado tudo. De novo. Dessa vez não tinha como continuar a conversa — Se divirta, Elise!

— E você também…

Desliguei antes dela terminar de falar. Quanta ousadia. Que depravação dela fazer isso. Ridículo.

Como eu sequer conseguia ser amigo de Elise? O que ela acha que está fazendo, me ajudando? Porque não está!

Eu fiquei um bom tempo no corredor, bufando, andando em círculos, coçando a cabeça sem saber o que fazer, vermelho de raiva. E como entrar no quarto e explicar para David a situação? O que ele vai pensar? O que diabos Elise fez…

— Lucas?

Ótimo! Puxei o ar fundo nos pulmões!

Me virei olhando para David na porta, parado, me encarando de volta.

— Acho que você já desligou o telefone…

— Elise não vem, não que não soubéssemos disso algumas muitas horas atrás… — Minha voz foi levantando de tom quase que sem controle.

— Calma. — David disse me encarando confuso, ergueu um braço como se fosse tentar me acalmar como um treinador acalma um cão, mas eu queria gritar.

— Calma? Você tem noção de onde ela está? Em uma festa! Da Bianca, a maria gasolina da sala, a metida a feminista…

— Maria…

— Gold-digger! — Eu disse bravo, quase berrando. Então voltei para o quarto de David. — Maria gasolina… é a mesma coisa!

— Entendi. — Ele me abriu passagem e eu me joguei na cadeira ligando meu notebook novamente. — O que vai fazer?

— Xingar no facebook! É isso que eu vou fazer. — Disse bravo, mas ele abaixou a tampa do meu notebook e me encarou.

— Por que você não foi na festa? — Perguntou, ele estava estranhamente calmo, quase indiferente.

Porque eu planejei de eu você e Elise estudarmos, mas Elise planejou me trair e ir rebolar o traseiro! Poderia ter dito. Porque Bianca só ia deixar eu ir se você fosse, porque ela quer ficar com você! Contar a verdade também passou pela minha cabeça, mas então teria que incluir Pedro na história... uma situação difícil, sem dúvidas.

De todas as formas eu não fui convidado de verdade, e, sendo assim, escolhi vir estudar e não trair minhas amizades.

— Olha, a Bianca queria que você ou o Kyle, ou qualquer gringo fosse nessa festa. — Eu comecei a falar, não porque escolhi, mas porque a raiva foi maior. — E aí quem te levasse ganhava algum tipo de respeito com ela e aquele grupinho dela. Eu pensei em estudarmos, eu você e Elise, mas ela deu o fora…

— E se você tivesse sido convidado, teria ido?

— Não fui. Não existe suposições… — Aonde você quer chegar?

— Menos literal, tá! — David sorriu para mim se sentando na cama, cruzou as pernas e me encarou mordiscando o lábio com uma feição de arteiro. — Assim, no final das contas a gente tem dias pra fazer o trabalho, certo? Mas essa festa, a festa é só hoje!

— Você não tá…

— Você tá puto com a Elise… é assim que usa a palavra puto? — Ele perguntou confuso, aquela face de dúvida… Elise estava certa, ele é fofo. Fiz que sim com a cabeça. Eu estava com um bico de contrariado, cara feia e batendo o pé no chão. — Então ir na festa pode ser o jeito certo de revidar, o que acha?

— Acho que você quer ir na festa e está me usando, que nem a Bianca tentou fazer! — Eu respondi cruzando os braços e encarando David com seriedade, mas não durou.

— Minha mãe vai gostar de saber que eu fui numa festa ainda nos primeiros dias, ela vai pensar que eu tenho vários amigos…

— A escola inteira quer ser sua amiga! — Eu rebati. — E para de usar sua mãe como desculpa pra tudo, David. Isso é feio! — Eu virei a cara e David ficou esperando em silêncio. Olhei de canto, ele me encarava. — O que foi, David?

— Você quer ir. — A voz dele se tornou sutilmente infantil.

— Não. Você quer! Eu quero fazer essa merda desse trabalho que ninguém se importa…

Parei de falar e desviei os olhos, me virei encarando a televisão, personagens de jogo morrendo e voltando a vida… eu estava prestes a chorar. Se controla, Lucas. Não vá ser estúpido na frente dele.

Respirei fundo, como costumo fazer e a raiva voltou.

— Você pode ir, se quiser! — Ele me disse.

Só se você for. Pensei, mas não podia falar isso, ele tomaria como uma oferta, ou de forma indevida, quando na verdade era apenas parte do acordo de Pedro com Bianca.

— Não sou de festas.

— Lucas. — Ele apertou os olhos, as sobrancelhas se aproximaram e o rosto ficou extremamente amigável, era como se ele estivesse implorando. — Eu quero conhecer gente nova. — Dizia com bico. — E você é meu único amigo por aqui. Me ajuda, aí eu… te ajudo depois, se você precisar. — Ele inclinou um pouco a cabeça lado para o lado e eu me senti preso àquelas palavras. Era um sorriso realmente encantador nos lábios finos e só então eu percebi que estava sentindo a mesma coisa que senti quando Elise descreveu Igor…

PARA! Me levantei da cadeira num pulo e fiquei batucando na mesa com a ponta dos dedos, desviei meu olhar para todos os cantos, só não podia encarar David. Ele vai ficar com a Bianca se formos à festa. Tinha certeza disso. Seria, para David, um feito incrível digno de respeito com todos da escola.

— Não tenho roupas…

— A gente é quase do mesmo tamanho. Aposto que minhas roupas cabem em você! — Para! PARA DAVID! Tudo parecia de uma gentileza enorme e incabível e desnecessária. — Se quiser tomar um banho, ou só se troca mesmo. — Então David sorriu se levantando e indo para o guarda-roupa. — Eu vou tomar um banho, e então a gente já vai indo.

— Eu não disse que ia. — Repreendi, não devia tê-lo feito.

David lançou novamente aquele olhar de cachorro abandonado.

— Sério? — Perguntou em um tom mórbido.

Eu queria ir! Mas não queria que David fosse. Mas sem David eu não podia ir. No entanto, se ele for, ele vai beijar Bianca, e eu também não quero isso!

Em todos os cenários eu saio perdendo, então que eu saía perdendo na festa… E só então me ocorreu o pensamento final; amanhã é domingo!

— David, eu tenho que voltar cedo depois. Amanhã é dia de igreja…

Ele me olhou com uma feição de dúvida tão grande que eu parei de falar. Então a dúvida se transformou em algo parecido com graça.

— Igreja? Sério que você vai em igreja? — Ele jogou a troca de roupa que usaria em cima da cama. — Acho que nunca entrei em uma igreja. Não pra rezar pelo menos… de qualquer jeito. Você vai tomar banho?

— Só… Só me trocar. — Disse incerto. Não queria nenhuma das duas opções. Não daria tempo de voltar pra casa?

— Tá bom. Essas aqui. — Apontou as roupas na cama. — É o que eu vou usar. O resto você pode revirar o guarda-roupa todo. Quando eu sair do banho espero que já esteja pronto para a gente ir!

Rindo ele se virou e saiu do quarto.

Só então me deu o frio na barriga de estar sozinho no quarto de David, prestes a fuçar no guarda-roupa dele. Eu não quereria que bisbilhotassem meu guarda-roupa.

A igreja! Pensei, e nisso lembrei de meu pai e da minha mãe.

Tinha que avisá-los… E eles com toda certeza não gostariam nem um pouco de ouvir o que eu tinha para dizer, ao mesmo tempo eu sequer sabia o que dizer, e provavelmente minha mãe tentaria me impedir de ir.

David era pior que Elise. Ele fez minha cabeça tão rápido, e a pior parte é que eu tenho total conhecimento disso!

E então lembrei de Elise e da raiva que sentia dela naquele instante. Por quê? Porque de novo ela estava certa. Eu queria David… de alguma forma estranha que eu não entendia, que não queria aceitar… A ideia de Bianca ficar com ele me deixava frustrado porque não queria ele ficando com ela.

Abri o whatsapp e no contato da minha mãe gravei a mensagem de voz.

— Mãe, sei que já está tarde e eu disse que talvez o pai viesse me buscar, mas eu vou levar o David na festa de aniversário da Bianca, é uma menina da sala, a mãe dele acha que vai ser bom para ele conhecer novas pessoas, e eu acho que posso ajudar ele a se enturmar melhor, sou o único amigo… Além do que Elise não veio, ela preferiu ir à festa, então vou lá para brigar com ela também! Quando eu sair de lá ligo para você, não precisa se preocupar! E… te amo. — Então enviei.

Olhei a mensagem ser enviada e recebida. Está feito. Segurei o botão lateral do celular e desliguei. Assim ela não poderia me ligar, nem meu pai. E eu não havia informado o lugar da festa, então eles não poderiam me encontrar caso decidissem o fazer (ao menos não rapidamente, porque se meu pai quisesse ele me encontraria, essa coisa de igreja dá um tipo de autoridade para ele, sempre que pergunta algo e diz ser da igreja as pessoas instintivamente respondem com a verdade).

Fiquei mais alguns minutos, sentado na ponta da cama de David observando o guarda-roupa aberto e refletindo sobre o que eu estava prestes a fazer. Aquilo ia contra tudo que sempre acreditei… tudo aquilo!

Então me levantei e escolhi a roupa, o que me custou um bom tempo, pois David possuía muitas.

Vi, enquanto olhava as camisas na gaveta, a caixa de celular que estava aberta e com vários dólares lá dentro, tinha também uma folha de caderno dobrada, mas não mexi. Na outra gaveta, de baixo, tinha cuecas e meias. Eu não devia estar olhando... congelei, não sei porque, mas eu não tinha aquilo no meu guarda-roupa. É um item comum, ainda mais para meninos na nossa idade, não sei porque minha surpresa. Talvez seja pela quantidade. Ao menos dez camisinhas estavam no canto da gaveta, algumas tinham embalagem vermelha, outras tinham embalagem verde, mas a maioria era preta.

Fechei a gaveta e voltei para cima, terminar de escolher as roupas. Se não estivesse corado agora, com toda certeza eu ficaria assim que David voltasse!

De onde eu tirei aquela coragem, ou talvez porque não dizer audácia, eu não sei! Mas alguma coisa dentro de mim dizia que eu podia, devia e faria isso!

Fui na porta e olhei o corredor, David estava no banheiro, do outro lado uns dois metros a frente. A porta do quarto de Miles estava fechada. Tudo silencioso.

Tranco? Pensei enquanto fechava a porta. Como poderia me trocar ali? Não é meu quarto!

Por fim concluí que não tenho autoridade nenhuma para trancar a porta do quarto de David na casa de Donald McReid. Corri para a frente do guarda-roupa onde havia separado a calça a camiseta e a jaqueta (todas peças de roupa que eu nunca tive, mas sempre gostei) e rapidamente tirei meu tênis, a calça e coloquei a calça que escolhi. A ideia de me trocar por etapas era parte do plano de não estar seminu caso Victoria ou Miles ou até mesmo David entrassem.

Depois a parte de cima. E quando terminei de me vestir eu estava me sentindo incrível.

Só então olhei para a cama novamente. David, você deixou suas roupas aqui! Eu pensei. Mas eu também fazia isso, deixava as roupas no quarto e vinha de toalha do banheiro para o quarto…

Preciso sair daqui! Então a maçaneta da porta estalou e a mesma se abriu. Tarde demais!

Olhei para o chão enquanto David entrava. Ele fechou a porta e o baque fez meu coração saltar, subindo para a garganta.

— Ficaram boas?

— Como? — Respondi em um soluço.

— As roupas. — Ele questionou, em retorno e eu levantei a cabeça olhando para ele rapidamente. — Ficaram boas?

A toalha enrolada na cintura deixava-o seminu (ou completamente nu, apenas enrolado), e ainda meio molhado… eu senti meu queixo batendo e lembrei de Elise narrando Igor sem camisa.

David era completamente o oposto.

Era magro, tal como eu, mas tinha alguns pelos no centro do peito, pintas pela clavícula, não era como Pedro ou Dido, com tanquinho, mas sua barriga era lisa e sem pelos, e um pouco de cintura existia. Percebi então que deveria parar de olhar!

— Si… Sim. Você estava certo. — Eu gaguejei passando por ele enquanto David ia para o lado do guarda-roupa. — Eu acho que… vou… esperar no corredor. — Disse.

— Tá. — David respondeu. — É que lá em Groove Valley a gente tinha essas aulas de natação e lacrosse, então tomávamos banho todos juntos no vestiário… aqui não tem isso. Desculpa, devia ter sabido.

Ele gesticulou fazendo um taco imaginário de lacrosse, pensei que a toalha fosse cair e tentei não encarar, mas sabendo que o faria, eu concordei com um aceno de cabeça abri a porta e sai.

Sentia o corpo quente, percebia que começava a suar. O que está acontecendo? O que é que está acontecendo comigo?

Quando fechei a porta atrás de mim, Victoria McReid, mãe de David e Miles, surgiu no corredor com uma cesta cheia de roupas dobradas.

— Lucas… O que faz aí fora? — Ela perguntou, pois eu parecia um drogado, parado de cabeça baixa, coçando atrás da orelha, meio corcunda.

— Eu… — É pedir demais uns segundos para descobrir o que eu faço aqui ainda? Perguntei-me olhando para a Sra. McReid. — David tá se trocando e eu achei que seria mais… oportuno esperar aqui.

— E ele foi se trocar com você lá dentro… David é assim mesmo. Ele acha que o Lacrosse é desculpa para esquecer os bons modos. — Ela disse tentando ser gentil, e de fato conseguia! Então fez uma feição de dúvida. — Mas por que se trocando?

Porque aparentemente qualquer um consegue me convencer a fazer o que eu não quero!

— Eu… é, acho que é melhor David…

— Pode falar, querido. — Ela trocou a cesta de braços, sorria. Mesmo assim eu continuava sem jeito.

— David disse que a senhora ia gostar de saber que ele tem novos amigos, e uma menina da sala está fazendo aniversário e vai dar essa festa…

— A, é isso? Se divirtam, só… você sabe né! — Ela lançou o famoso olhar “três oitão”. — Usem proteção!

Se virou e saiu andando até a última porta do corredor, no que deveria ser a suíte do casal.

Eu fiquei congelado por alguns instantes… O que o Padre Silviano diria sobre isso? Sobre essa coisa toda, sobre a conversa, sobre David nunca ter ido à igreja, sobre o liberalismo da Sra. Victoria… sobre o que passava na minha cabeça, as coisas que eu queria fazer.

A porta de David se abriu e ele estava arrumado, cabelo penteado, barba feita (quando ele entrou no quarto eu sequer havia notado a barba, foquei em outras coisas), perfumado, vestido com uma camisa azul clara, e um colete azul-marinho por cima, calça lisa preta, mangas arregaçadas e o sorriso que eu não conseguia tirar da cabeça. Naquele momento eu decidi que não queria mais ir!

Não podia deixar que Bianca beijasse David! Não podia!

— Vamos? — Então ele perguntou, e eu, sem coragem para negar, fiz que sim!



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