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História Primavera de Rulim - Eu não preciso de você. Ou de qualquer um!


Escrita por: yuriPsouza

Capítulo 3 - Eu não preciso de você. Ou de qualquer um!


Fanfic / Fanfiction Primavera de Rulim - Eu não preciso de você. Ou de qualquer um!

Elise sempre teve poder sobre mim. Essa é uma verdade que aprendi a aceitar depois que nos reencontramos no Ensino Fundamental, mas no meu tempo de reclusão é algo que acredito ter esquecido. Ela é simplesmente mais forte que eu, e acho que por isso sempre acabo fazendo o que ela quer, antes talvez eu fizesse isso pela nossa amizade, mas depois de termos rompido todos os laços eu ainda aceitava seus pedidos sem pensar duas vezes e sequer imaginar o porquê. Acho que faz parte da personalidade dela se impor, de alguma forma ela tem essa força que eu desconheço e admiro tanto, força que eu queria ter um pouco.

Sendo assim eu acabei cedendo quando ela propôs irmos à sorveteria.

Estávamos eu e Elise na rua andando lado a lado, mas desta vez as mãos não estavam dadas, nem olhávamos um para o outro. Em silêncio percorremos toda minha rua até a esquina, onde o caminho levava para a rotatória e então à avenida principal do bairro que levava para o Centro de São Paulo, assim como à escola. E a sorveteria ficava um pouco antes da rotatória.

— Você vai mesmo bancar o difícil? — Ela perguntou, seu tom de voz parecia amigável, mas, ao mesmo tempo, decepcionada comigo.

Percebi só então que as ruas ainda estavam pintadas de verde e amarelo, e a rua ao lado da minha ainda tinha as bandeirinhas do Brasil presas de uma sacada para outra… Lembranças da Copa do Mundo, e do 7x1. Sequer vi esse jogo (ou qualquer outro), mas foi impossível não saber disso.

— O que você quer? Disse que precisava… — Eu falei tentando ser sútil, mas soou tão rude quando um coice.

— Agora eu quero um sorvete. — Ela respondeu prontamente me interrompendo e ignorando meu tom insolente. Lancei um olhar para Elise como quem diz “sério? ”. E ela sorriu em resposta.

Elise tinha esse sorriso pronto que vestia toda vez que era contrariada, podia ser um sorriso pequeno ou largo, no entanto sempre era cínico e malicioso, uma forma de responder sem dizer uma única palavra.

Eu tinha decidido sair com Elise porque era a única escolha lógica a ser feita. Minha mãe já tinha a chamado, eu já tinha me comportado como um idiota e causado um show, meu pai estava nervoso comigo… qual escolha melhor do que deixar os dois lá por um tempo para que eles refletissem sobre o que me forçaram fazer?

— Não vou entrar em uma sorveteria. Olha meu rosto. — Eu disse em um tom de voz que não admitia discussões. Que impressão eu passaria ao atendente? Inadmissível. Felizmente as marcas das unhas sumiriam em 20 horas ou menos.

Elise não perguntou sobre minha autoflagelação (deve saber, minha mãe deve ter contado, mas eu usava camisa de manga comprida), pareceu não querer saber, agradeci por isto.

— Tudo bem. — Ela deu um pulinho como que de alegria e isso me assustou por algum motivo, olhei para Elise procurando indícios de como ela se sentia. O sorriso jovial era desajeitado nela, mas, mesmo assim, bonito de se ver (diferente o sorriso cínico anterior). — Eu compro só pra mim. — O que via era apenas a menina feliz de sempre, sempre sorrindo.

Continuamos andando em silêncio por um tempo até chegarmos na sorveteria.

Elise não era de ficar calada, então pressentia a todo instante que ela fosse falar algo, mesmo que sem importância, uma notícia qualquer, uma informação irrelevante, ela só não gostava de ficar quieta. Esse pressentimento era impulsionado pelos constantes olhares, a todo instante ela me lançava um olhar e abria a boca como se fosse falar alguma coisa, então virava o rosto para frente de novo. Acho que até mesmo ela estava tendo dificuldade de puxar assunto comigo. A que ponto eu cheguei?

— Já volto… vamos sentar ali? — Apontou para a praça na ponta da rua, na rotatória. A sorveteria estava na calçada oposta à que estávamos sendo assim ela teria que atravessar a rua.

— Tá. Eu vou indo. — Disse para ela, estava de cabeça baixa para que as pessoas não me olhassem e não vissem meu rosto, o que pensariam? Que Elise me arranhou? Que apanhei de algum ladrão? Certamente cogitariam por último (se chegassem a cogitar tal hipótese) que eu mesmo me machuquei, e certamente que julgariam essa ação para me condenar sem entender os motivos que me lavaram a cometê-la.

— Tá. Eu vou indo também. — Ela imitou minha voz em um tom robótico e eu revirei os olhos em resposta.

Elise jogou os cabelos, que lhe desciam abaixo dos ombros e saiu andando como se fosse a ganhadora de um prêmio. Ela parecia feliz, mais feliz do que antes. Talvez fosse minha tristeza que fizesse as emoções alheias serem enaltecidas. Revirei minhas memórias e ela sempre foi alegre assim, só podia ser eu vendo as coisas mais coloridas do que eram antes.

Observei-a rumo à sorveteria, parado na calçada. Por que fiquei olhando? Questionei-me, então voltei a andar rumo a rotatória.

Fui para a praça.

Observar o mundo novamente era, de certa forma, reconfortante e intimidador. As férias estavam para acabar, esse era o último fim de semana e eu tinha passado todos os dias dentro do meu quarto, trancado, acordado até de madrugada e dormindo por boa parte da tarde, assim evitava ver meu pai e minha mãe, e evitava conversas desnecessárias, e evitava brigas, discussões, cansaço e desgaste. Eu também evitava os outros, e por consequência ninguém mais falava comigo, e a pior parte é que eu não achava isso ruim.

Sentei no banco de concreto frio da praça. Esta era redonda, ficava no meio de uma rotatória, acesso por faixas de pedestre (tal tipo de praça nem podia mais existir, essa é uma das últimas em São Paulo), tinha equipamentos de musculação e placas de Wi-Fi livre (mas esse não funciona direito). O chão é de brita, e grama nasce aqui e ali se esforçando para passar pela pedra. Uma mãe e gêmeos brincavam em uma gangorra, além disso tinha mais alguns pombos bicando o chão do outro lado.

Fiquei observando o movimento dos pombos enquanto esperava Elise. Animais nojentos, eu acho. Pedro os chama de ratos voadores.

— Voltei. — Elise disse, pulando o banco e sentando do meu lado, sequer havia visto ela chegar. Olhávamos para a avenida e os carros passando mais à frente, a movimentação no bairro era pouca, mais casas que comércio, então só se via movimentação de verdade lá na avenida, e só lá na frente dela. — Não comprei para você tá.

— Eu não quero. — Disse, monocórdico, só para falar algo, como a educação mandava.

— Sério que você tá assim agora? Tipo, nessa bad louca?

Eu dei de ombros enquanto ela rasgava o saco do picolé, era de uva.

— Eu estou bravo, Elise. Posso ficar bravo?

— Depende. Você tem motivos? — Ela questionou, enfiando o picolé na boca em seguida e fazendo sons de prazer.

Eu olhei para ela, enquanto ela balançava a cabeça e girava o palito na mão. Até que soltasse o picolé com um plóc, e lambesse os lábios.

— Isso é nojento. — Eu disse para ela, quase sorrindo, mas não o fiz, tinha que me manter sério.

— Hoje é um dia quente. — Ela disse em tom sexual apelativo brincalhão, como se isso tornasse razoável aquele ato extremamente sexual, Elise sempre foi uma pessoa altamente sexual, isso me divertia antes, mas agora era estranho pensar nela assim, ainda mais porque depois de estarmos juntos essa vontade toda pareceu sumir e todo o apelo sexual diminuiu, e agora, de repente, voltou. — E aí, tem motivos ou não?

Eu olhei para o outro lado, como escapar de um encontro de verdade? Não podia desligar o celular, apertar o botão de encerrar chamada do Skype, nem nada do gênero. Tinha que responder ela ali e agora.

— Minha mãe não devia ter te chamado. Não sei porque ela te chamou, está tudo bem.

— Sério?

Eu dei de ombros olhando para Elise enquanto ela arrancava um pedaço do picolé com os dentes.

— Sério! — Retorqui, convicto.

— Então você tenta se matar toda semana agora… É tipo um esporte novo, ou isso é “estar tudo bem” para você? — Ela me interpelou. Eu quis fugir. De verdade, eu quis levantar e sair correndo, ignorar ela e sumir, entrar no meu quarto e ignorar tudo. Senti minhas bochechas esquentando enquanto batia a ponta do pé no chão remoendo todas as palavras conhecidas buscando uma resposta digna e a altura. — As aulas vão voltar agora, você sabe…

Mas claro, em vez de conseguir formar uma resposta incrível eu só balbuciei feito um bebê.

— Por que se importa? — Eu perguntei sentindo a vontade de chorar.

— Você tá chato demais. Não era assim antes…

— Por que se importa? — Eu repeti acima da voz dela, talvez alto o bastante para que a mãe com os gêmeos nos notasse.

Ela enrugou a testa me olhando, percebi que tinha parado de mastigar o pedaço de picolé na boca, como estivesse perplexa com minha infantilidade, deveria estar, se fosse eu no lugar dela certamente estaria. Os olhos castanhos comuns me encarando, ainda inexpressivos, mas eu começava a perceber, não era ela, era eu. Eu não via mais expressões com a mesma facilidade de antes embora tudo parecesse mais colorido, era como se eu tivesse anulado meus próprios sentidos de percepção para poder me trancar no vazio, mas só quando isso tocava diretamente a mim, caso contrário via tudo com muita veracidade.

— Como? — Ela disse por fim, me analisando de baixo acima.

— Você quem terminou tudo. Você não se importou lá em fevereiro, por que agora…

E eu trouxe tudo de volta à tona, enfiei a faca na ferida cicatrizando, porque sou assim, adoro me machucar feito um bom babaca!

— Você está sendo um babaca, sabe disso né? — Era exatamente isso que eu estava sendo, e tinha total conhecimento disso, mas daria o braço a torcer? Claro que não. — Eu fiz aquilo porque era o melhor para nós dois. A gente não dá certo como casal, Lucas. Qual é, você não pode beijar ruim daquele jeito…

— Eu beijo bem… — Afirmei veementemente.

— Se isso é verdade então quem beija ruim sou eu? — Ela cruzou os braços e fez uma cara de “me poupe”, mas era a única saída que eu tinha.

— Pode ser. — Disse, me defendendo, sem perceber o quão idiota parecíamos, e por um momento pareceu natural, pareceu que eu estava conversando despudoradamente novamente, uma conversa casual que possivelmente teríamos se ainda fossemos amigos. Mas foi só por esse rápido momento, então me encolhi de novo e me controlei, ou seja, voltei a me trancar dentro dos meus pensamentos. — Mas você… ainda assim…

— Lucas, eu disse que não funcionamos como casal, mas nunca quis te perder como amigo, e se isso tudo foi culpa minha… cara, desculpa. Sério mesmo. — Ela se inclinou para frente para me olhar nos olhos enquanto eu tentava desviar do olhar dela, aquele olhar certeiro e cruel que me congelava e forçava a ouvir… aquela força, a força que só Elise tem sobre mim. — Mas eu realmente preciso do meu amigo, de você. Ainda está aí?

— Para com esses joguinhos, Elise. — Eu bradei, deslizando mais para longe dela no banco. — Eu sei o que você está fazendo. E olha, eu não preciso da sua ajuda. Pode ir embora se quiser, porque eu estou indo.

Me levantei, mas ela continuou sentada, cruzou as pernas e voltou a morder o picolé em total descaso com a discussão.

Olhei para ela por um instante, inconformado com a falta de ação dela.

— Vai ficar aí? — Perguntei, incrédulo.

Ela mastigou enquanto eu encarava.

Não parecia ter pressa alguma em responder, mas por alguma razão eu queria uma resposta. Ela terminou de mastigar e engoliu, pude ver o movimento na garganta. Então me olhou, despreocupada e desinteressada como uma senhora de idade olha para a rua.

— Até segunda na escola, Lucas. — Disse como se esperasse por tal desfecho, vestiu nos lábios aquele cínico sorriso uma vez mais e em mim ferveu a vontade de voltar a debater, mas sabia, era justamente isso que ela queria.

Balancei os braços pela teimosia de Elise, me virei e voltei para casa.

Ela estava certa. Até segunda-feira. Não tinha como escapar de Elise, não mais. As férias haviam acabado e Elise estava trabalhando com minha mãe para me cercar de dois lados… como escapar delas?

A primeira coisa que pensei foi passar uns dias na casa de algum amigo. Talvez Pedro ou Dido, mas não falava com Pedro fazia quase dois meses (mesmo ele tendo sido meu primeiro amigo no Primeiro Ano do Ensino Médio), e mais tempo ainda que não falava com Dido.

No final concluí que não tinha amigos para onde fugir, ou primos, ou familiares, ou conhecidos, mas isso não importava, eu não precisava de Elise ou de Pedro, ou ninguém. Não preciso de ninguém!


Notas Finais


A história tem todo um dreamcast. Vou ver se trago 1 por capítulo ou algo assim.
Também tem uma playlist. Vou trazer em breve também!!!
Espero que estejam gostando :)


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