1. Spirit Fanfics >
  2. Primavera de Rulim >
  3. Meu novo professor é um babaca.

História Primavera de Rulim - Meu novo professor é um babaca.


Escrita por: yuriPsouza

Notas do Autor


Esse capítulo ficou maior do que devia? Ficou! Desculpas :v
...
E consegui manter a rotina, terça feira, como prometido, capítulo novo!
Para esse aqui a música pode ser Sedated do Hozier, a música é, novamente, mais sobre a Elise e Lucas, como os dois funcionam, como os dois se entendem... O começo da história está sendo mais sobre os dois.
...
Sobre o nome da escola, e sobre o bairro... É tudo fictício. Se passa em São Paulo, vou usar parques de SP (como o Ibirapuera), museus, coisas assim, mas o bairro eu inventei, assim como a escola, que carrega o nome de um político, diplomata, revolucionário paulista.
...
E sobre este capítulo, os novos personagens e o professor, só tenho uma coisa a dizer: Boa leitura!

Capítulo 4 - Meu novo professor é um babaca.


Fanfic / Fanfiction Primavera de Rulim - Meu novo professor é um babaca.

Meu pai é um Diácono na Igreja do bairro, o que significa que ele trabalha perto de casa (apenas alguns quarteirões de distância), ou seja, não precisa se dar ao trabalho de me levar à escola de carro. Mesmo assim, vez ou outra, o faz. Ainda mais quando precisa passar no banco para fazer alguma transação em relação ao dinheiro da igreja. É tudo muito chato e técnico. O que importa é que, vez ou outra, ele me dá carona e eu não preciso pegar ônibus, e certas vezes (majoritariamente no final da semana) eu evito essa carona.

Ele, meu pai, é um homem gentil a maior parte das vezes. Rogério, é o nome, mas todos do convívio chamam ele de ajudante do padre… eu acho isso muito bosta, mas ele não reclama, então quem sou eu para me pronunciar? Meu pai tem 42 anos e só eu de filho, já que virou diácono e aí entrou nessa de não ter mais filhos, para sorte dele minha mãe também é bem religiosa, se não agora ele estava não tendo filhos estando solteiro.

A escola é perto de casa, na verdade daria para ir até mesmo a pé, mas eu estudo de manhã, e para ir a pé teria que acordar ainda mais cedo, o que não pretendo.

Meus olhos pesavam, dentro do carro. Tinha dormido apenas duas horas quando o despertador me acordou. Teria que me reajustar ao horário de acordar cedo. Quase não vi o caminho para a escola, mas conhecia exatamente o cenário, a rua da sorveteria, a rotatória, então a avenida, e, por fim, uma rua ao lado onde fica a escola. Só esse percurso já troca de bairro, moramos perto do limite do nosso bairro.

Quando o carro parou eu sequer notei e meu pai teve que me balançar pelo ombro.

— Jorge. Você tem que ir agora. — Ele disse com a voz branda, uma voz gostosa de se ouvir. Eu abri os olhos tentando me recompor, sentei direito no banco, mas só então vi o letreiro escrito “Escola Estadual Pedro Manuel de Toledo”. A gente chamava de PMT para facilitar.

Deslizai a mão pelo cinto até soltar enquanto com a outra coçava nariz e olhos. Uma das desvantagens de ir de carro é que eu não usava os fones em respeito ao meu pai… acho muito grosseiro ficar com fone de ouvido no carro, então acabo dormindo porque ele não fala nada, nem eu, não tem música…

Abri a porta e pulei para o chão do lado de fora, o corpo mole. Então olhei para dentro do carro, era um Kia sorento de 2009.

— Obrigado pai. — Agradeci como costumava fazer por praticamente tudo.

— Qualquer coisa liga pra sua mãe. — Ele me disse com um sorriso de pai preocupado. Eu fiz que sim e fechei a porta em seguida. Eles tinham discutido no final de semana sobre minha volta à escola, sobre como me comportaria, se tentaria algo, etc.

A mochila pendurada no ombro pesava pouco, não tinha trazido nenhum livro, não sabia que matérias teriam, provavelmente mudariam o horário das aulas. Então só trouxe caderno e lápis e caneta jogados no bolso da frente junto do lanche.

O carro acelerou com um ronco baixo e sufocado de um motor velho e saiu. Então era hora. Olhei para frente, a entrada da escola, puxei ar até o fundo dos pulmões. Vamos lá!

28 de julho de 2014, segunda-feira, volta às aulas… poderiam muito bem ter arrastado mais uma semana e começar só em 4 de agosto. Esse foi meu primeiro pensamento sobre estar ali no final do mês.

A escola é circundada com muros altos, e a entrada principal é em um portão de ferro grande que fechava completamente a visão do interior. Quando atravessei o portão vi as dezenas de alunos, todos adolescentes, a escola só tinha Ensino Médio, reunidos no pátio central.

Atrás de mim uma perua chegava lá fora.

O “tio do portão” me empurrou pelo ombro para dentro, para que saísse da passagem.

Olhei para os grupinhos se formando enquanto atravessava o portão, o que notei primeiro foi o grupo de Bianca Amorim, basicamente a patricinha da turma, mas se ela conhecesse as patricinhas da época em que estudei no Colégio Entente veria que ela não passa de uma pé rapada que se acha por ter um gosto um pouco melhor que os outros.

Em seguida vi o professor de produção de textos e redação, mas ele não me viu, lembrei das minhas notas, só com ele tive notas azuis no bimestre anterior, precisava melhorar isso.

Nessa hora que notei Pedro, Guilherme e Dionísio (ou Dido, como todos chamavam, inclusive eu). Eles eram meus três e únicos amigos antes de tudo de errado ter acontecido. Eles, Elise e Karla. E não fui apenas eu quem notou eles, Pedro também me viu e acenou. Guilherme e Dionísio viraram a cabeça e acenaram também. Eu forcei um sorriso para os três, mas não queria ter que conversar e falar como haviam sido as férias.

“O que você fez? ” Eles perguntariam. “Fui na praia”, “Fui no Beto Carreiro”, “Tentei me matar”… Acho que não é bem o clima que eles esperam, então segui meu rumo ignorando os três, que me olharam com estranhamento enquanto o fazia.

Tinha outras coisas a fazer que poderia usar como desculpa mais tarde.

No corredor principal o quadro de avisos tinha a nova organização das salas, estávamos no segundo andar uma sala mais perto da escada que antes, a lista de alunos mostrava um total de trinta alunos por sala, o que era menos do que no ano anterior quando o limite era de 45. E minha sala estava praticamente lotada, mas as outras duas turmas do Segundo Ano não estavam no limite, embora próximas, e agora nos primeiros dias sempre tinha um pessoal mudando de sala, pessoal chegando.

Fui direto para a sala. A escada ainda vazia por ser cedo, estava limpa e cheirando produtos de limpeza genéricos de escola pública, assim como o corredor, e a sala. A lousa estava limpa e uma caneta de lousa nova havia sido colocada na mesa do professor.

Fui para meu lugar, onde ficava antes, na esquerda da sala, junto às janelas, nem no fundo nem na frente. Percebi que lá embaixo dizia 30 alunos, mas a sala tinha 35 cadeiras.

Abaixei a cabeça e entrei no meu estado de ausência (fingir que não existo e torcer para não ser notado), mas o sono maior logo me pegou e dormi.

Quando o sinal tocou eu pensei que a aula fosse começar, mas quando levantei a cabeça, torcendo para não ter babado (como já tinha acontecido certas vezes), vi a professora de literatura, Florentina Medeiros, juntar as coisas para ir embora deixando uma sala cheia para trás. Essa professora é uma mulher velha, eu diria uns 65 ou 70 anos, os cabelos sempre presos em coque e um olhar que parecia ser atento e preciso, mas raramente captava algo.

Enquanto ela juntava suas coisas os alunos atrasados começaram a entrar na sala. Começava o segundo período e eu tinha dormido uma aula inteira.

Elise chegou.

Eu virei o rosto, mas apenas o bastante para não dar na cara que olhava para ela. Minha antiga amiga usava uma camisa cheia de pequenos polígonos pretos espaçados no fundo branco por cima de uma camiseta regata cinza comum de mangas finas. Os fones na orelha balançavam a cada passo e sua mochila Jansport de dois bolsos com um macaquinho Kipling vermelho vinho preso nas argolas do zíper.

Olhei em volta, primeiro dia, muita gente não tinha vindo, o que havia deixado lugares vazios, mesmo assim tinha mais gente do que eu esperava que fosse ter. E Elise veio se sentar na fileira ao lado da minha, nem na frente nem no fundo, assim como eu, sendo assim ela ficou exatamente do meu lado. (Aonde ficava antes das férias).

— Quase que eu não entro, eles iam fechando o portão…

Eu sorri para ela, como havia feito para Pedro mais cedo (quase o mesmo sorriso que Elise havia me dado na praça da rotatória), e virei o rosto abaixando a cabeça, mas a voz dela me fez bem, queria que ela continuasse falando sem que eu tivesse a necessidade de responder.

— Alguém está de mau humor. — Ela sorriu enquanto enrolava os fones (ouvi o som do auricular batendo na mesa conforme ela girava na mão).

Então eu peguei os meus fones. Ia ouvir um pouco de Adele ou talvez Lana.

Enfiei a mão na minha mochila e puxei o fone do fundo enquanto Roberta Carta entrava na sala, nunca entendi o sobrenome dela, a professora da química.

Roberta Carta era alta e magra, e por isso os piores alunos zoavam da professora vez ou outra, mas ela levava na brincadeira a maior parte das vezes. Além disso ela gostava de respeito no que tocava suas aulas. Então quando me viu com fone estremeceu arregalando olhos expressivos de incredulidade.

— Jorge, fones? Sério? Primeiro dia e já está com os fones?

Eu olhei para a professora respirando fundo, puxei o fio e os fones caíram batendo na mesa, empurrei para a mochila no chão, suspirei. Alguns risinhos, crianças infantis… como podem ter a mesma idade que eu e serem idiotas assim?

Elise me olhou e moveu os lábios, pude ler a palavra “calma” em sua boca. Então abaixei a cabeça e fechei os olhos por um momento. Não vou chorar. Por que tanta vontade de chorar?

De toda forma deu certo, e consegui sobreviver à aula de química sem chorar ou gritar ou correr, o que foi um grande esforço porque foi dobradinha, ou seja, duas aulas.

Quando o sinal do intervalo bateu, Karla chamava Elise para ir com ela na cantina. Ela me olhou e eu olhei para todos, procurando quem ia ficar na sala, para decidir se eu sairia dali ou não. José, Igor e João saíram, então decidi ficar.

Elise então me jogou uma bolinha de papel, sem força. Eu peguei de cima da mesa e sorri em retorno, desta vez um sorriso normal. Ela deu o braço para Karla e as duas saíram andando. Cadê o Pedro e os outros? A sala tinha ficado vazia de uma hora para a outra, a não ser Pâmela, a menina autista da primeira cadeira na fileira da mesa da professora.

José, Igor e João são os três valentões da turma, só perdendo para o Bruno do terceiro ano, aquele é o valentão da escola, e infelizmente em 2015 eu muito provavelmente estudarei na mesma sala que ele, já que é certeza que o gênio não passará de ano.

Como não tinha ninguém perto de mim, eu desdobrei a bolinha de papel que Elise tinha jogado.

Olha, seu babaca egocêntrico, eu realmente gosto de você, e cê sabe disso. Então tá na hora de você deixar de ser essa criançona mimada e sair dessa fossa da Samanta. Vamos falar que nem gente grande, firmeza? A gente vai fingir que nada aconteceu e se ignorar ou vamos conversar que nem amigos fazem? Me conte que caralhos aconteceu, e aí eu te conto uma coisa minha, que nunca falei pra ninguém [nem pra vc]! Que tal, babaca?

Amassei a folha e dispensei-a na minha mochila, de onde peguei um saco de bolacha passatempo, meu lanche, e comi inteiro.

 

O intervalo terminou e os alunos retornaram à sala, mas a professora de biologia não apareceu, deveria ser aula de biologia a partir do horário que a professora da primeira aula deixou anotado no quadro branco.

— E aí? Decidiu?

— Decidi. — Disse para Elise, que se inclinava para falarmos mais baixo sem que os outros ouvissem. — E é Samara, não Samanta.

Ela abriu um sorriso e os cabelos caíram pela orelha esquerda, Elise ajeitou a mecha no lugar e continuou.

— É sério…

— Bom dia, alunos! — Então a voz da diretora invadiu a sala, Elise retornou para seu lugar se endireitando, assim como a maioria dos alunos.

Marcela Cavalcante, a atual diretora, não vinha sozinha, com ela vinha um homem de jaleco branco, cabelos negros penteados, barba rente, rosto rechonchudo e olhos verdes, ele não devia ter mais de 40 anos, e não era gordo ou sequer possuía “barriga de chope”, embora fosse um tanto corpulento.

— Esse será o novo professor de biologia de vocês. Professor Sérgio Sanver, essa é a turma do Segundo Ano A da manhã. — Ela esticou o braço, palma da mão aberta como se nos entregasse de refeição para ele. Um sorrisinho e então ela foi até a porta. — Boa aula para todos!

Se virou e saiu. O novo professor parou no meio da sala, deixou sua mochila em cima da mesa e de lá tirou um projetor e um notebook, ambos com cabos presos, então uma extensão e ligou tudo na tomada. Quando terminou ele juntou as mãos na frente do corpo e olhou para a sala em contemplação.

— Meu nome é Sérgio Sanver, doutor em biologia formado na USP com foco em ecossistemas, mas isso só vamos ver no próximo ano. Vocês trataram com a professora anterior sobre genética, correto?

Concordamos, um ou outro aluno disse que sim. Elise olhava para o professor sem desviar o olhar. Percebi que ele era o tipo de homem que chamava a atenção das alunas pela beleza, mesmo não sendo o tipo que se pode considerar “bonito”.

— Bem, então vamos rever as leis de Mendel? — Ele perguntou e se inclinou mexendo no notebook, em seguida imagens foram projetadas no quadro branco.

Nesse momento eu parei de escutar e comecei a desenhar pequenas estrelas no topo da folha do caderno. Enquanto fazia isso a aula foi passando, e o desenho foi se estendendo para um aglomerado de planetoides com uma estrela da morte explodindo uma lua qualquer. Já tínhamos passado pelas leis de Mendel, AA, aa, Aa… combinação genética, nada demais. Então não queria devotar minha atenção para isso novamente.

Eu só voltei a notar o que acontecia na aula quando Bruna, uma das amigas de Bianca, começou a falar e todos pareceram parar para ouvir.

— A lei de Mendel influência diretamente no que uma pessoa será?

— Isso depende. — O professor respondeu. Ele parecia uma pessoa incrível até abrir a boca, quando o fazia para falar de si mesmo era adorável, mas era só ter que responder algo que se tornava insuportável, o que me fez pôr em questão os motivos dele virar professor. Ouvi alguns trechos soltos de questões anteriores e ele parecia sempre um tanto quanto rude, seco. — Tem muito a considerar.

Mesmo sem prestar atenção eu tinha notado que ele era grosso vez ou outra nas respostas, em especial para as garotas.

— Esses gametas… O que elas fazem no corpo? — Bruna perguntou de novo, ela sempre se interessou por biologia, sendo que eu mesmo já tinha colado dela no ano anterior.

— Gametas são células sexuais, — A sala toda soltou risinhos devido a palavra “sexuais” como se tivesse algo de incrível nisso. Novamente: bando de crianças. — Masculina e feminina, criam espermatozoide e óvulo, então juntos criam a vida.

— E os genes recessivos… se no caso a mulher tiver recessivos então as chances de o filho ser homem são maiores? — Bruna pareceu realmente curiosa, tinha até se inclinado para frente na sua mesa, mesmo com Sérgio respondendo como se fosse apenas obrigação e não um prazer ensinar.

— Isso é depois da gravides quando o feto começa a se formar, no entanto a informação genética já está lá, só precisa ser… peneirada e escolhida. E essa escolha se dará após a fusão e soma de conteúdo genético que veio do óvulo e do espermatozoide… sendo o óvulo XX e o espermatozoide XY. Então sim, eu diria que sim. Isso influência um pouco, afinal, se for mulher são três X, se for homem é apenas um Y. — Então abriu um pequeno sorriso de lado e disse em um tom irônico olhando para os meninos (a parte da sala onde mais tinha meninos). — Como podem ver garotos, desde a fecundação do óvulo as mulheres já têm vantagens, e ainda falam de igualdade. — Riu.

Eu larguei meu lápis em cima da mesa e olhei para Bruna, que não tinha mais o que falar. João, lá no fundo, não pareceu se importar, nem algumas das meninas, no entanto Bianca, a patricinha, ficou de queixo caído. Elise me olhou com uma risadinha de quem diz “vai dar briga”.

— Pensei que fossem só células, professor. Não existe homem ou mulher nessa hora, quão menos vantagens ou benefícios, como os homens têm. — Ela parecia zangada.

— Foi apenas uma piada sobre um fato, moça. Não precisa começar com o chilique — Sérgio disse já começando a soar arrogante ao extremo.

Era como se ele gostasse de se impor, e os conceitos pré-definidos me assustavam, ainda mais por ser um professor de biologia… esperava isso de outras pessoas, não de alguém que estudou sobre o funcionamento do corpo humano.

— Fato é que todo machão tem um X de mulher! — Bianca reclinou na cadeira e cruzou os braços com um sorriso de quem venceu, aquele olhar provocante de quem estava pronta para começar uma discussão longa e não ceder até que forçada a fazê-lo.

Sérgio a princípio torceu o nariz, acho que surpreso pelo comportamento de Bianca, penso que ele não estivesse contando com uma aluna feminista no meio da turma. Mas essa estupefação passou rapidamente e ele voltou a abrir aquele sorriso de canto que já beirava o exagero da falsidade. Naquele instante notei que seria necessário mais para iniciar uma discussão real com o professor machista.

E por isso pensei, de verdade, que ele fosse se calar, mas claro, não foi isso que aconteceu.

— E nem por isso fazemos protesto toda vez que ouvimos uma piada que não gostamos. — O fundo da sala rugiu um “UUUUU, Vai Deixar”, coordenados pela voz de Igor com risos de João no fundo. — Agora vamos voltar à matéria. Isso aqui não é sociologia.

Então eu comecei a prestar atenção, mas por pura raiva e interesse em como aquele professor podia ser tão ignorante… ainda bem que Bianca falou, se não quem falaria?

Talvez fosse Elise. Ela também era ligada a essas causas, embora não como Bianca… talvez eu deva falar?

 

Quando as aulas acabaram e o último sinal bateu, Pedro veio até minha mesa.

— Quer ir com a gente na praça? Dido comprou um skate novo e Guilherme trouxe o dele, vamos cair um pouco antes de ir no Ibira. — Guilherme na verdade não tinha um skate, era de Pedro, mas ele perdeu em uma aposta besta para Gui, que sequer usava o skate.

Eu sorri, involuntariamente, e foi bom, eu até poderia ter dito sim, mas não tinha vontade alguma de me exercitar, ou apenas de ficar em sociedade e jogar conversa fora, embora quisesse conversar com alguém, só não no meio de um monte de outras pessoas, era uma sensação estranha de querer e não querer ao mesmo tempo. Encarei Pedro nos olhos, através dos óculos por um momento enquanto tentava escolher a resposta certa. Ele tem olhos entre o castanho e o verde realmente bonitos.

— Não… eu, eu vou falar com a Elise. Quem sabe outro dia!

— Quem sabe. — Pedro anuiu, ele sempre me entendeu e nunca foi do tipo que insisti até irritar, bateu no meu ombro com um tapa leve e saiu da sala acompanhado de Guilherme e Dionísio.

Pedro é alguns centímetros mais baixo que eu, mas mais encorpado justamente devido aos esportes e a academia, jogava vôlei e gostava de surfar mais que o resto, até arriscava o skate porque dizia ser igual surfar, só que sem a água. O cabelo liso e castanho criava uma franja que caia sobre seus óculos, e por isso ele mantinha o cabelo controlado com a tesoura em um penteado comum para garotos.

Guilherme era nosso nerd privado enquanto Dido era… bem, era Dido, ele andava de skate, se drogava, sumia nos fins de semana e aparecia com marcas roxas, havia repetido e vivia bebendo, mesmo assim não era um babaca como os meninos do fundo (que faziam as mesmas coisas, mas eram idiotas).

Fazia meses que não saímos todos juntos, só os garotos… ou melhor, fazia meses que eu não saia com eles.

De novo a sala estava se esvaziando, eu normalmente (depois do término com Elise) esperava a maioria ir embora, o que levava uns quinze minutos, sentado sem fazer nada, e então ia embora sem que ninguém me incomodasse. E desta vez Elise decidiu esperar também.

A menina altista foi a última a sair, então estávamos só eu e ela ali, de novo. Péssimas lembranças. Queria que a professora tivesse ficado.

— Precisamos conversar de novo? — Eu me levantei e sentei em cima da mesa olhando para Elise, cruzei um pé sobre o outro enquanto respirava… Sempre focava na respiração para me controlar, ou ao menos tentar.

— Você gosta mesmo de ficar cutucando a ferida, né?

— Adoro. — Eu respondi, parecendo tão normal quanto poderia… talvez até sendo normal de novo.

— Vamos indo? — Ela balançou a cabeça apontando à porta da sala.

— Para onde você vai indo? — Eu perguntei temendo que ela respondesse algo que não queria ouvir.

Elise deu de ombros enquanto jogava a mochila nas costas.

— Para casa, e você?

Não respondi, só peguei minha mochila também, joguei nas costas e apontei para a porta, saímos ambos.

Lá fora uma barulheira incomum só fazia aumentar.

Descemos as escadas e fomos nós dois para o pátio.

— Não vai perguntar como foi minhas férias? — Ela disse balançando a cabeça como se fosse uma menininha comum, entendi a brincadeira.

— A, não… não é como se me importasse, sabe? — Ela fez um carão de ofendida e magoada, então riu, se segurando no meu ombro, mas quando ia falar algo ela e eu paramos, olhando para a saída, algo estava errado.

— O que está acontecendo?

Fora da escola, o portão tinha começado a ser fechado, o que era estranho já que era horário de saída, e os gritos lá fora…

— É uma briga? — Eu perguntei para Elise enquanto apressávamos o passo, ela estava na minha frente.

— Parece. — Ela respondeu, o cabelo balançando enquanto passava na minha frente, quase correndo para xeretar pelo portão.

Quando atravessamos eu vi que não tinha ninguém responsável ali, só alunos fazendo um círculo em volta de um grupo menor de alunos espancando um único aluno caído no chão.

— São do terceiro ano. — Elise disse do meu lado.

Eram quatro contra um, e este estava jogado no chão, encolhido, sendo chutado ao som dos gritos de “briga, briga, briga”. Um deles era Bruno, o valentão, reconheci assim que o vi.

Então um dos “tios do portão”, que também era o tio que corta a grama, e o tio que abre a porta, e o tio que quebra galhos de todo mundo, surgiu.

— A polícia vem vindo. — Ele disse quase aos berros, parecendo de saco cheio daquelas brigas, que não eram assim tão incomuns.

Eu ouvia os gritos de alguns mandando parar, outros dizendo para bater mais, era uma completa confusão e empurra-empurra. Eu só queria chegar mais perto e ver melhor.

Então a vítima sendo chutada, engatinhou para a calçada. Um dos agressores chutou-o na cabeça e eu arregalei os olhos ao ver o outro pular e cair em pé em cima da canela do que estava no chão e o osso se quebrando. O berro foi tão alto que sobrepôs todos os gritos de agitação e agonia, e o pessoal inteiro pareceu se pasmar com aquilo.

Elise tapou a boca para não gritar de horror, eu fiquei em dúvida se deveria ou não abraçar ela como forma de protegê-la, mas percebi: Elise nunca precisaria de proteção.

Então a viatura da Ronda Escola chegou, a sirene alta foi ligada no alarme.

Todos correram. Fui derrubado de joelhos, mas me levantei depressa, os ombros se chocavam contra mim.

Elise agarrou meu braço enquanto corpos se batiam na correria, e os gritos policiais para pararmos surgiam.

— A gente tem que ir agora. — Elise me disse, puxando, mas não pensei nisso em nem um instante.

Corri até o menino com o rosto sujo de sangue e a perna quebrada, deitado na sarjeta, gemendo de dor. Como a polícia havia chegado e todos corriam, o menino havia sido simplesmente largado pelos agressores.

— Calma, você… não, não se mexe. — Ele tentou fugir de mim enquanto eu me aproximava e falava, e eu senti o terror dele, me evitando, com medo, parecia um animal de rua. — Não se mexe, você precisa de ajuda…

— Lucas, a gente tem que sair daqui… — Elise repetiu, parecia alarmada.

— E ir para onde?

Olhei para trás, e Elise também virava o pescoço para olhar quem tinha dito aquilo.

Um policial nos encarava com o cassetete na mão e ódio nos olhos. Naquele momento percebi porque Elise disse para irmos andando, porque agora provavelmente iríamos apanhar da polícia, não que fosse incomum… Só mais um dia de aula em São Paulo!

 

Dentro da viatura, algemados, estavam eu, Elise e um menino do terceiro ano (um dos que espancava o garoto da perna quebrada, este por sua vez ficou lá esperando a chegada da ambulância junto de um oficial).

Viaturas de polícia, mesmo as da Ronda Escolar, tem o porta-malas estendido para servir de jaula para gente como o agressor, mas não para gente como eu ou Elise. Fiquei até surpreso quando ouvi “vamos pra delegacia”, o que esperava era que nos levassem para a diretoria e chamassem nossos pais, ou então que nos espancassem e depois mandassem que sumíssemos dali, mas isso não aconteceria, estavam nos levando para a delegacia onde nos jogariam em uma cela… E depois? Um telefonema?

Tentei entender o motivo que levou os policiais a me prender e prender Elise, e só consegui chegar em uma conclusão; eles haviam fracassado em conseguir prender todos os agressores, o resto tinha corrido, eu e Elise fomos os únicos idiotas que ficaram, então era certo que os guardinhas precisariam “provar serviço”, logo estávamos algemados. Ao menos não apanhamos como temi fortemente que fosse acontecer.

Enquanto estava ali, encolhido, com os pulsos doloridos em volta do metal apertado da algema, eu evitei olhar para o agressor, afinal, ele havia quebrado a perna de um garoto por pura vontade e descaso com a dor alheia, Elise pareceu fazer o mesmo… E como não estávamos exatamente sozinhos nós dois não trocamos nenhuma palavra, embora trocássemos olhares constantemente. Mas o agressor não pensou da mesma forma.

— Ajudando o X-9, vacilão? — Ele perguntou, o rosto já tinha barba, mas falha e aqui ou ali, típico que um maloqueiro, o braço tinha marcas vermelhas e o ombro sangrava, ralado, ele havia apanhado.

Elise me olhou, e eu olhei para o agressor, senti o corpo tremendo, era medo.

— Só fui ajudar alguém machucado… — Tentei me explicar.

— É amigo do X-9 então? Pode i pá, mano. Já saquei a tua, cagueta do caraio. Fica no aguardo só…

— Aí Atrás. Chega! — O guarda ao lado do motorista, no carona, bateu na divisória de metal, eu e Elise pulamos no chão do carro, assustados, mas o agressor só nos encarava, frio e cruel.

Então senti nas minhas mãos presas nas costas os dedos dela. Elise recuou um pouco e eu também, e nossas costas se encostaram, e nossos dedos se entrelaçaram uma vez mais depois de tanto tempo. E dessa vez eu não senti raiva, ódio… não fiquei confuso, não tive dúvidas, eu simplesmente não me incomodei. Dessa vez eu agradeci. Agradeci por ter minha melhor amiga ali, comigo.


Notas Finais


Esses delinquentes de hoje em dia... Como fica? Surra neles?
Sim, coloquei várias indiretas pra situação de SP, o medo de Lucas em apanhar da polícia por exemplo, é algo muito comum!
Mas não se preocupem, tudo acabará bem! (? Será ?)
Sobre estereótipos: Foi proposital! Dionísio é um "skatista maconheiro" branco da classe média, mas é de proposito ok, não estou "reforçando os estereótipos preconceituosos da sociedade", na verdade, mais pra frente tem até piadinha justamente sobre isso!
Sobre o dreamcast: Dionísio é Rafael Vitti. Guilherme é Vincent Martella e Pedro é Blake Mitchell. (Breve observação sobre o dreamcast (esse e futuros): Nem todos os atores são "atores", um deles será um cantor francês, outra é cantora, o Blake Mitchell por exemplo é ator, mas é ator de filmes +18, então cuidado quando forem pesquisar no google :v (e né, a fic é +18, então pode, nem tem nada explicito)).


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...