Projeto Genesis
Registro Oficial de Evolução de Cobaia – Dra. Sally Marshall
REGISTRO 001
15 DE JULHO DE 2050
O Experimento 661 completou hoje sua maturidade fetal, às quinze e quarenta e cinco da manhã. Foi transferido cuidadosamente para um novo útero artificial, cujo componente líquido agora consiste-se apenas de um composto biológico de etanol modificado, que permite a longa permanência matéria biológica em submersão, sem que o material em si se degenere ou perca suas funções vitais. Foi instalado um aparelho respiratório adaptado, que permitirá sua oxigenação daqui em diante. A cobaia permanece em constante observação, e quaisquer modificações e evoluções relevantes serão consequentemente registradas na presente ata.
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REGISTRO 002
6 DE AGOSTO DE 2050
Menos de um mês após a conclusão de sua maturidade fetal, o Experimento 661 finalmente demonstra seus primeiros reflexos. Mãos e pés se agitam descoordenadamente dentro do ambiente imerso, sem quaisquer deficiências fora do comum. A nutrição do experimento continua sendo feita via intravenosa, através de acessos venosos adequadamente dispostos em seu tornozelo esquerdo. Pequenos espasmos, firmes e incomuns, puderam ser observados durante sua primeira quinzena no novo útero artificial. Não há sinais de qualquer tipo de patologia física externa ou interna na cobaia. Aguarda-se a avaliação neurológica.
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REGISTRO 003
14 DE DEZEMBRO DE 2050
A cobaia finalmente completou seu primeiro semestre de vida. Ativa e reativa, interage com o ambiente submerso, parecendo ter um tipo de consciência inesperada dentro de sua condição hibernante. Até onde pode-se perceber, aparenta ter uma plena consciência da presença externa – mesmo que, até o momento, ainda não tenha aberto as pálpebras. Acredita-se ser uma alteração completamente normal, devido à condição submersa em que se encontra. Fomos exortados pela Comissão à avaliar diariamente qualquer alteração no espécime.
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REGISTRO 004
17 DE OUTUBRO DE 2051
O espécime enfim atingiu uma longevidade até então inesperada: completou, anteontem, um ano e três meses de idade. Seu crescimento tornou-se relativamente acelerado desde seu segundo semestre – possui, relativamente, o tamanho e a coordenação motora próximos a de uma criança humana de dois anos. Até o momento, não houve quaisquer alterações físicas relevantes e visíveis no Experimento 661.
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Marshall quase derrubou a caneta quando um dos auxiliares exclamou, gesticulando animadamente pela parede vítrea de seu escritório.
- Inferno! - ralhou, fechando a cara para o jovem geneticista – o que é?
O rapaz mal pareceu registrar a exasperação de sua superiora. Estava absolutamente eufórico.
- Rápido, Dra. Marshall! O Experimento 661 acabou de acordar da primeira hibernação!
Não foi preciso dizer mais nada. Sally saltou imediatamente de sua cadeira, seguindo o jovem rapidamente pelos corredores da base, com sua prancheta e caneta em mãos.
Ramon já estava na dianteira, estudando atentamente o tubo, quando a doutora finalmente chegou ao local.
- Eles são…. extraordinários… - arquejou Salt.
A admiração do cientista não era supérflua nem leviana.
A pequena garota tinha as mãos espalmadas contra a superfície vítrea, analisando os presentes com uma ímpar curiosidade, resfolegando dentro da máscara de oxigênio em seu rosto.
Suas íris, antes ocultas, agora eram visivelmente perceptíveis – dois halos prateados e sagazes, quase inumanos, que encaravam fixamente o chefe da equipe de geneticistas.
Ramon inclinou a cabeça, estupefato.
Para maior perplexidade, a criança imitou o movimento, vincando levemente as sobrancelhas douradas, fazendo bolhas subirem dentro de seu berço aquático.
- Olhe isso… olhem isso! - a doutora deslizou febrilmente a caneta pelo registro na prancheta – imitação perfeita e sincronizada do movimento humano adulto.
- Era de se esperar, Dra. Marshall – Ramon a fitou, avesso – na idade em que ela se encontra…
- Desculpe, Salt – ela o interrompeu, dando uma risadinha – vale lembrar que este é um espécime único, que apenas possui uma forma hominídea… e não seus comportamentos natos. Como você disse, ela é única… então não temos quaisquer parâmetros definidos de crescimento e conduta dessa criatura. Não podemos nos dar ao luxo de comparar isso a uma criança humana.
Todos observaram Ramon resfolegar.
- Faça suas anotações de uma vez – grunhiu – antes que injetemos propofol outra vez no acesso intravenoso. Não vamos mantê-la acordada por muito tempo… graças à sua preciosa Comissão, querem que Arya permaneça em hibernação induzida.
Metade da equipe se entreolhou, enquanto Sally pigarreava, ainda escrevendo furiosamente em sua prancheta.
- Quando disse que daria um nome para ela… achei que fosse uma piada – sacudiu os ombros – bem… acho que não posso dissuadi-lo desta ideia… - fez questão de bater a caneta contra o papel ao terminar – pronto. Já pode colocar o filhote para dormir outra vez, Dr. Salt.
Enquanto outro auxiliar injetava o medicamento no tubo venoso, um dos rapazes mordeu o lábio, como se refreasse uma risada incrédula, assim que viu a mulher retirar-se da sala.
-Sabe, tio Ramon – comentou, humorado – um dos meus próximos estágios consiste em fazer uma eutanásia numa cobaia… será que a Dra. Marshall se voluntariaria?
- Andrew! - escandalizou-se Salt, enquanto o grupo de geneticistas sobre seu comando se contraía, segurando para não gargalhar.
- Foi só uma ideia, tio Ramon.
- Excelente ideia – acrescentou em voz baixa, também tentando não gracejar – mas tente não dizer isso na frente dos demais departamentos.
- Os demais departamentos – o sobrinho de Ramon fez aspas com as mãos – odeiam a Dra. Marshall tanto quanto você. Sério… nós faremos um favor à eles.
- Certo. Já chega – empurrou-o também na direção da saída, enquanto Andrew ria – vá categorizar todas as duas mil espécies de aves por nicho ecológico, Andrew. Faça algo de útil.
Logo a seguir, voltou a encarar a criança que flutuava serenamente no interior do útero. Viu as pequenas pálpebras se fecharem lentamente, sonolentas, até que a garotinha adormeceu, voltando rapidamente para sua hibernação anterior.
- Grande dia o de hoje – comentou uma das moças da equipe – não foi, Dr. Salt?
Ele deslizou a mão sobre o vidro por alguns segundos, olhando admirado o rostinho adormecido e brilhoso daquela extraordinária e pequena experiência.
- É, Medina… - suspirou, pensativo – grande dia… a nossa jornada apenas acabou de começar….
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