Os caminhos sempre eram tortuosos. Não poderiam ser diferentes, afinal, seguia a formação natural da grande árvore. Poucas vezes a luz entrava, mas poucos aqui precisavam realmente de luz para enxergar.
Liam era um deles. Seus olhos se acostumavam tão surpreendentemente rápidos que as vezes nem sequer ele notava. Mas é claro que, a divisão do que era normal e do que não era, ficava cada vez mais confuso para o filhote... Garoto... Tanto faz.
Ele passava mais tempo como humano, junto de sua capa carmim, do que como um lobo prateado. Ainda não havia aprendido a se transformar, o que por alguma razão lhe enchia de pensamento depressivos.
Uma boa coisa era Scott, que decidiu que seria seu guarda pessoal. Ele vivia lhe dizendo que ele também demorou muito para aprender a transformação. Isaac, que vivia junto do outro veterano, ajudava com sua compreensão e sua calma, geralmente se transformando junto e lhe guiando mentalmente.
E aí tinha as meninas. Malia tinha todo aquele jeito não humano que as vezes Derek apresentava, ela geralmente não se importava com quase nada, apenas vivia perguntando quando alguém iria brigar com alguém porque estava entediada.
Cora, por outro lado, arranjava vários meios de se divertir durante o treinamento de Liam. Seja rindo dos fracassos do garoto, irritando Scott — que geralmente caía nas provocações da garota — ou brigando com Malia — que sempre parecia extremamente grata por conseguir a violência que tanto queria.
Por último tinha Lydia. Ela geralmente não prestava muito atenção. Estava sempre lendo ou sendo sarcástica sempre que respondia à alguém. E várias vezes ela saía de seu lugar e sumia por vários minutos apenas para voltar depois. Scott falou que ela era a guardiã da entrada da árvore e que a árvore em si facilitava o deslocamento da garota até a entrada, então lá ela era a pessoa mais rápida.
Liam gostaria de saber como a Árvore fazia para que Lydia se locomovesse como quiser, porque ele gostaria também. Assim ele conseguiria se esconder dos valentões que as vezes caçavam o garoto.
Agora olhe, Liam estava gostando de viver ali. Em nenhum outro lugar ele teve tantos amigos assim. Talvez em Arbre, era difícil saber afinal sua memória como humano era nublada, mas tinha quase certeza de que tinha amigos em seu reino natal. Ele lembrava de sinos, danças, e risadas em altas torres. Mas nada que faça tudo ser mais do que um sonho.
Sons de pasos ecoavam pelos corredores. Liam se escondeu e tentou tirar sua capa de vista. Vermelho brilhante na era algo fácil de esconder, principalmente de seres da noite com seus olhos poderosos. Umas três lobas passaram conversando e rindo. Liam já estava se acostumando com o cheiro de todos, cada um tinha um que referenciava a quem pertencia. Aquelas eram da alcatéia de Kali, ela geralmente escolhia lobas, era raro um lobo ser chamado por ela. Quando se afastaram Liam pode respirar normalmente.
Ele retomou seu caminho, descalço como sempre. Ele ainda não havia se acostumado com sapatos, não via motivos nenhum para usá-los, mas Derek vivia do dizendo que era para se misturar entre os humanos.
Derek vivia dizendo várias coisas, na verdade. "Use os talheres! Você tem mãos, não patas. Não neste exato momento". "Você é um lobo, não um porco. Banhe, pelo amor da Grande Mãe, faça esse favor a todos na alcatéia". "Apenas sopa não é uma refeição. Tá querendo o que, mirrado? Sumir?".
Liam sorriu. Derek era um saco, mas o garoto era grato. Pelo visto o homem tomou para si uma parte meio exagerada do que significa "sua responsabilidade".
— Ora, ora. — disse alguém, assustando Liam o tirando de seus devaneios. — não é que não foi tão difícil achar você? Era só seguir o cheiro de merda de cavalo.
O nariz de Liam avisou no momento em que o garoto notou a presença daqueles três homens. Eram do bando de Enis.
— E-eu só estou de passagem. — conseguiu dizer.
— Humn... Sabe, nos da alcatéia estivemos conversando. — disse o brutamentes que parecia ser o porta voz do grupo. Ele não era o mais alto, mas também não era o mais magro. — nos votamos e decidimos que você é um peso morto e precisa ser eliminado.
— Nos nos voluntariando. — disse outro, com um sorriso meio estupido, como se quisesse dizer aquilo há um bom tempo.
Todos os três tinham a cabeça raspada. Era o rito de passagem da alcatéia do Enis, já que ele abidicou da Caça ao Omega. Porém o porta-voz tinha as tatuagens, que diziam que ele era o mais forte deles.
— Mas pensando bem. — disse o porta voz. Seus olhos brilharam em azul. — vamos nos divertir antes disso.
Liam sentiu um tremor descendo sua espinha. Mais sua mente ficou em alerta. Fria e calculista. Ele pensou nas suas chances de tirar a capa e se transformar. Ele era possivelmente mais rápidos do que eles, principalmente agora que o velho mouro curou sua forma de lobo. Mas eles tinham a vantagem de se transformar quando queriam, e conheciam o lugar melhor que o garoto. Ele poderia gritar, mas era quase impossível alguém que se importava com ele aparecer à tempo. E tinha a opção menos provável, a de lutar. Mas eles eram de Enis, todos eles foram escolhidos porque eram os melhores lutadores.
— Eu pensei — disse outra voz em meio as sombras dos túneis da árvore. A voz familiar foi o maior alívio que o garoto já sentiu. — que já estivesse bem claro, que a estadia do garoto era vitalícia.
— O que é vitalícia? — deu pra ouvir um dos brutamentes perguntarem.
— A alcatéia votou, Derek. Nós queremos esse prateado fora daqui. — disse o porta voz.
— Uma pena — disse o homem, ficando atrás do garoto colocando suas mãos em seus ombros, protetoramente — que a alcatéia não é uma democracia. E eu tenho a permissão direta da grande alfa para aniquilar qualquer um que chegue ao menos perto de um dos pêlos prateados do meu filhote. Estamos entendidos?
— Você ainda não é alfa Derek. Não pode mandar em nós!
— Como você disse. Ainda. Mas no momento em que eu decidir virar um alfa, chame Enis pra mim. Irei adorar arrancar sua garganta... Com os meus dentes. — os brutamontes, principalmente os dois de trás pareciam receios demais para tentar qualquer coisa. — vão embora antes que eu decida me divertir.
Então, lentamente os três começaram a sair da frente de Liam e Derek.
Liam sempre ouviu de Scott ou Isaac sobre como Derek era respeitado e temido na alcatéia, mas era a primeira vez que ele via a parte do temor em primeira mão. Enis tinha os melhores lutadores, mas Derek era o melhor de todos e era um Hale, de acordo com as lendas, descendentes diretos do rei Lycaon. Derek tirou as mãos dos ombros do garoto e começou a andar.
— Não deveria está sozinho pelos corredores, mirrado.
— E-eu estava entediado. — disse, tentando acompanhar os passos do mais velho. — sempre fico preso no meu quarto o dia todo.
— Seus livros não são o bastante?
— Eu os re-li várias vezes. Acho que posso recitar alguns de cor.
— Ótimo. Vire ator e faça sua própria peça. — ele se virou e encarou o garoto. Só nessa hora Liam notou que ele também usava uma capa vermelha. — apenas não saia do seu quarto! Pelo menos, não se alguém do meu bando.
— Desculpe-me.
— Não. Tudo bem. Eu entendo. Só... Dê um jeito de me avisar quando quiser sair. Não temos muitas missões durante o inverno.
— Já é inverno? Eu quase não notei...
— É o vale. Aqui sempre é verão, mas dá para ver o inverno circulando... — ele olhou para o garoto por um tempo. — venha. Deixe eu te mostrar.
Ele pegou seu pulso, como um irmão irritado ou um pai apressado e começou a conduzir o caminho entre os corredores tortuosos. As vezes alguns dados de luz dos acessos de ventilação batiam na capa vermelha de Derek. Não parecia tão nova quanto a de Liam, mas tinha algo a mais. Algo de especial.
Depois de várias curvas e um pulso suado, eles chegaram a um beco sem saída. Liam já ia perguntar quando Derek deu três batidinhas na parede de madeira.
Ela se abriu.
— ... Como...?
— Eu vivo aqui a quase seis anos, mirrado. Eu conheço alguns truques e atalhos.
A luz súbita não machucou os olhos de Liam, apenas o fez trocar de visão. Derek foi na frente, dizendo "cuidado onde pisa", se equilibrando em vários galhos da grande árvore. Liam tentou imitar o maior e começou a pular entre os galhos até alcançar um que era perfeitamente reto, seguro e estável. Derek se sentou na beirada e apontou.
— Olhe lá. Estamos com sorte. A primeira nevasca do ano.
Liam, mesmo que tremendo um pouco, se sentou ao lado de seu mentor. Seus olhos seguiram pra frente, mirando a perfeita divisa do vale. Do lado de cá, as árvores sempre-verde, como o velho mouro falou, e do outro lado, os pinheiros estavam sendo pintados de branco, as árvores que um dia tiveram folhas carregavam o pó branco e gelado.
Era muito bonito e sinistro ao mesmo tempo. Liam conseguia apenas imaginar a comparação. Ali, no vale, tudo era aconchegante e quente como verão, mas depois dele tinha uma nevasca possivelmente mortal.
Um som, como centenas de flautas pode se ouvir. Seguindo o seu som, um pássaro branco e gigantesco circulava o perímetro do vale.
— Aquele é o Inverno. Ele sabe que não pode passar, então faz questão de estar presente quando chega sua hora de rodear o vale.
Suas asas eram tão alvas quanto os flocos raivoso de neve. Sua cabeça parecia decorada com jóias de gelo. Sua calda era longa e parecia se desfazer em neve. Ele piou, mas o som era de centenas de magníficas faltas doces, em tons diferentes, mas equilibrados.
— Por que ele sempre rodeia o vale, se sabe que não pode passar?
— Por que é a sua natureza. O inverno é o mais paciênte das estações, e ele sabe, que nem mesmo a magia do vale vai ganhar da força dos elementos.
Liam ficou mirando por mais tempo a ave magnífica até ela desaparecer dentre a nevasca. Ele voltou seu olhar para Derek, que não olhava para a bela vista, e sim parecia meditar.
Seu semblante parecia cansando. Pior que isso, ele parecia abatido, triste. Liam queria perguntar, mas n sabia como qualquer uma de suas perguntas seriam vistas.
— Você quer saber porque eu te mostrei isso? — perguntou ele, mesmo de olhos fechados. Para ser honesto essa era uma das perguntas que ele queria fazer, mas não era nem de longe a que mais lhe causava curiosidade.
— Sim.
— Eu venho aqui todo ano, nesse mesmo dia quando ouço o piar do Inverno. — ele parecia querer dizer mais. — hoje é um dia importante pra mim. É quando eu estou mais dado a fazer coisas impulsivas por... Por motivos pessoais. Mais ai eu vejo esta ave. Ela está aqui a mais tempo do que eu. É provável que um dos seus maiores objetivos é passar pelo vale, mas ela não tenta, pois ela sabe que não é a hora. Ao invez disso ela espera. Tem paciência. Então eu tento ter paciência junto com ela. Eu espero, assim como o Inverno.
— Há... Há quanto tempo você... Espera?
— Contando com hoje? Seis anos...
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