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História Relicário - Corações de rubis e almas de topázios


Escrita por: choavevo

Notas do Autor


OI MENINAS DO BRASIL!! SEGUREM ESSE TEXTÃO!!

finalmente debutando no spirit com uma fic de svt, surpreendentemente (ou não? a preguiça é uma força maior) com uma história que eu especificamente escrevi em português e não traduzi do ao3, e que infelizmente não é o fluff que eu costumo fazer. shook. mas futuramente quem sabe eu não jogo os fluff meloso que eu amo? amém jicheol.

existem várias coisas que me inspiraram a escrever isso e eu nem sei por onde começar a explicar. será que eu deveria apenas dizer... descubra? ljdcnajd
em maior parte foi pensado na letra e mv de "good night like yesterday" das lovelyz, um hinário desses. acho que outras grandes inspirações foi acompanhar as fics de jeon miro (comprem cárcere AGORA a melhor fic meanie que vocês lerão em todas as suas vidas) e o impacto angst da presença de kwon clara (comprem também as fics de clara AGORA)!!!

antes de encerrar o textão, eu queria agradecer a todas as anjas que sempre me apoiam nas tentativas de gays sentimentais que eu escrevo, podem entrar miro, clara, vivi, lele e andreia!!

deixando o papo de lado: boa leitura!! espero que gostem!!

Capítulo 1 - Corações de rubis e almas de topázios


 

 

Boa noite assim como ontem

Como se nada estivesse errado

Ao invés de dizer adeus, boa noite

Talvez você mude de ideia amanhã

 

 

Cortava as esquinas e os céus noturnos na busca de encontrar algo de valor, qualquer coisa que despertasse adrenalina em seu sangue e que fizesse seus olhos brilharem em determinação e desejo.

Apesar de expressar corretamente o que fazia, Seungcheol não gostava da palavra “ladrão”. Achava que tinha uma sonoridade ruim, não gostava do modo que soava em seus ouvidos, não gostava da maneira que lhe era proferida a palavra de modo áspero e ácido. Gostava de expressões um tanto mais refinadas, com sonoridade diferente, que o fizesse se sentir menos baixo do que realmente era.

Não era um ladrão, desses que roubam comidas e trocados a fim de sobreviver mais um dia. Que não o entendesse mal, tinha respeito pelos mesmos. A vida não é igualmente justa e ver crianças pequenas entrarem na vida do crime por falta de opção era cruel. Entretanto, colocá-lo em tal categoria lhe era quase ofensivo. Tinha orgulho em cada linha que traçava seus planos. Acreditava que a presunção e cautela que tinha na elaboração e execução de seus roubos eram a única forma de reembolsar o objeto que não mais se encontraria na posse de seu dono original.

Seungcheol roubava joias. Era fascinado pelo modo em que a luz fazia as pedras, que antes eram apenas pedras, reluziam em todo seu esplendor. Gostava dos vários modos que encontravam para capturar a beleza das joias em moldes e adereços.

Não se contentava com pouco. Dizia que a adrenalina impulsionava seus passos, o fazia se sentir no controle do mundo. Corre o ditado que querer é poder, e Seungcheol certamente se utilizava da frase como se fosse um código de conduta. Não havia nada que não quisesse que estivesse fora de seu alcance. Bastava querer e feito.

Vivia clandestinamente - roubava joias maiores para guardar para seu fascínio pessoal e se apossava de outras com menor valor, para que pudesse a partir delas manter seu estilo de vida confortável. Era um farsante profissional. Havia perdido as contas de todas as vezes que havia mudado a cor de cabelo, a maneira de se vestir - sentia os cabelos já excessivamente ressecados pela mudança constante da aparência a fim de evitar o reconhecimento de terceiros.

Gostava do perigo.

Traçava maneiras de conquistar o que queria  em sua mente e as aplicava em papéis que logo fazia certeza de que seriam completamente e propriamente descartado. Corria riscos - isso era óbvio - mas no fim, sempre tudo corria da maneira mais perfeita possível. Por vezes, atrasava sua contagem em alguns valiosos segundos por puro capricho. Perseguições eram como uma brincadeira ao se ter o controle total da situação. Conquistara muitos inimigos em seu caminho, era odiado pelas forças policiais que eram incapazes alcançá-lo e capturá-lo. Entretanto, se divertia. Em seu jogo de gato e rato, sempre tinha a vantagem. No fim das noites, sempre saía vitorioso, adicionando mais um objeto à sua coleção.

 

Moralmente falando, não era a vida perfeita, mas para Seungcheol, era boa o suficiente.

 

--

 

Conhecer Lee Jihoon não estava em seus planos.

Ou talvez estivesse, em um futuro distante. Mas o que importava era o presente, o agora, e nesse exato momento, Lee Jihoon era a figura que observava a paisagem afora da grande janela em um canto recluso do salão e que ficava muito, muito bem de terno.

A sutileza era um método lento utilizado por Seungcheol para conseguir o que queria, que por mais vagaroso que fosse, não deixava de ser divertido. Seungcheol servia de acompanhante a uma jovem da qual mal se lembrava o nome - usava apelidos carinhosos quando precisasse se referir a mesma, que lhe devolvia sorrisos exageradamente doces. Ganhara sua simpatia com rapidez - como a de todas as outras.

Roubava corações. Dizia coisas bonitas, de arrancar suspiros, fazendo com que corações inocentes derretessem junto com suas barreiras emocionais. Era afetuoso, porém seu compromisso era passageiro e de curto prazo - assim como mágica, desaparecia com o badalar dos sinos, e pela manhã, já havia levado consigo um novo coração partido e uma nova peça brilhante.

 

Jihoon logo de início soube que Seungcheol não era o tipo que aparentava.

 

Bastou um olhar para que soubesse e Seungcheol sentiu-se gelar pelo modo como Jihoon parecia ler-lhe como um livro aberto, pontuando cada detalhe seu enquanto seus olhos passeavam sobre sua figura em modo de análise. O susto fora momentâneo - no minuto seguinte, Jihoon sorria para ele, estendendo-lhe a mão para cumprimentá-lo. No minuto seguinte, Seungcheol sentiu seu rosto aquecer rapidamente e esperava que seu coração não soasse tão alto como imaginava que estivesse.

“Sinto como ainda não tivéssemos sido apresentados.”

Jihoon tinha a voz agradável, doce e aerada, como se cada palavra fosse uma canção. Seungcheol se pegou desejando para ouvir mais da mesma.

Apertaram as mãos e durante os curtos segundos em que realizou tal movimento, Seungcheol jurou ter sentido faíscas ao toque.

“Choi Seungcheol.”

“Lee Jihoon.”

Enquanto sua acompanhante era levada pelo braço do pai para conhecer outras pessoas, Seungcheol conhecia Jihoon. Aprendera que Jihoon era um ano mais novo que ele, que gostava de todos os tipos de música e que era ourives. Essa última peça de informação fez com que Seungcheol sorrisse. Descobrira que Jihoon havia sido convidado para a cerimônia porque teria pessoalmente confeccionado a aliança do casal da noite. Seungcheol estava fascinado.

“Mas não pense que eu sou qualquer um,” Jihoon riu baixo e apontou para a acompanhante de Seungcheol, que acenava enquanto fazia seu caminho de volta, “Eu não me deixo levar por um tipo barato qualquer como você.”

Sentiu a adrenalina correr em seu sangue. Jihoon era o desafio e a emoção, e Seungcheol se perdia em seu olhar.

Observou Jihoon dar-lhe as costas e caminhar em outra direção, como se seu encontro nunca tivesse acontecido. Sentiu fracamente sua acompanhante enroscar o braço junto ao seu, cortando seu devaneio enquanto tagarelava sobre um assunto qualquer, sequer notando o olhar distante e entorpecido da figura ao seu lado.

Decidiu ali mesmo que precisava vê-lo novamente.

 

--

 

Tardou alguns dias para que se encontrassem novamente.

Bastou uma rápida pesquisa para que descobrisse o endereço da joalheria localizada em uma região nobre da zona sul da cidade. A construção em si era simples, relativamente pequena, porém, a loja tinha uma fachada bonita, completamente espelhada por grandes janelas com suportes de cor branca. Joias ficavam expostas nas laterais da vitrine, com focos de luz para ressaltar o brilho dos objetos.

Seungcheol se perdia olhando através do vidro. Não acreditava muito em convenções religiosas como céu ou inferno, mas se existisse, então diria que a exposição das peças era o paraíso em vida. Cada adereço era trabalhado com o mais puro esmero, enchiam os olhos com cada ângulo em que a luz refratava, tornando-os cintilantes, etéreos.

“Pode entrar se quiser,” ouviu um riso baixo e melodioso, “Eu não cobro pra entrar. Ainda.”

Sentiu-se envergonhado dos pés a cabeça, perdendo instantaneamente toda a pose confiante, timidez se manifestando em cada poro de seu ser. Jihoon não diz nada, voltando aos confins da loja, mas o jeito em que não esconde o riso deixa aparente de notou a mudança de comportamento do mais velho.

Observava todos os detalhes do estabelecimento como se estivesse fotografando para guardar em um canto especial em sua memória. Era como se cada traço de Jihoon estivesse, de alguma forma, presente na decoração. Seungcheol sentia-se absorvido por toda a construção, ao mesmo tempo que sentia o efeito de toda a riqueza material e sentimental de cada aspecto o absorver também.

“Você que faz tudo por aqui?”

“Dizer ‘tudo’ seria um exagero,” Jihoon comentou enquanto deixava os olhos passearem por seu próprio trabalho, “Mas sim, boa parte. As peças na frente, por exemplo.”

Seungcheol assobiou baixo, “É realmente incrível.”

“Eu ouço isso com frequência.”

“Modesto também.”

Jihoon riu, “Eu só gosto do que faço. Ainda dá pra melhorar bastante.”

Permitiram com que um silêncio confortável se instalasse entre eles. Seungcheol deixava se perder no brilho da pequena loja enquanto sentia Jihoon o observando, como se ele estivesse estudando seus movimentos.

Ouviram uma voz anasalada interromper o momento, “Ah, hyung, você pode vir aqui?”

O mais novo se virou para o atendente e acenou com a cabeça antes de se voltar para Seungcheol, “Bom, eu bem que gostaria de passar mais tempo aqui, mas--”

Sentiu os cantos dos lábios se curvarem em um sorriso, “Ah, gostaria?”

“...Mas eu tenho mais o que fazer. Fale com Minghao ou Joshua se precisar de alguma coisa. Fique a vontade. Na verdade, não tanto.”

Seungcheol franziu a testa.

“Que tipo de joalheiro confiaria completamente em um ladrão de joias dentro de sua própria loja?”

Quando se virou para responder, Jihoon já estava adentrando os fundos do estabelecimento, não lhe dando um segundo a mais de atenção. Viu os outros dois atendentes se entreolharem confusos, mas nada o disseram também.

Sorriu para si mesmo. Realmente, Jihoon era além das expectativas, uma força por si só. E Seungcheol passava a se sentir cada vez mais atraído pelo sorriso sarcástico do loiro.

 

Voltou a visitar a loja mais e mais vezes, até as visitas pararem deixarem de ser visitas e se tornarem rotina.

Fora bem acolhido pelos outros funcionários, Minghao e Joshua. Ambos o recebiam com um sorriso toda vez que entrava no estabelecimento, e às pressas iam procurar por Jihoon para que pudesse vê-lo, não que fosse necessário. Jihoon fazia questão de pessoalmente ocupar seu tempo com Seungcheol, ao menos que estivesse fazendo alguma coisa realmente importante.

Apesar da loja ser pequena, os pedidos de adereços sob medida eram frequentes. Alianças de noivado, casamento, colares, pulseiras, até relógios - Jihoon tinha talento e sabia fazer de tudo muito. Sempre que presenciava algum cliente na loja, Seungcheol nitidamente presenciava o olhar de satisfação de todos os que vinham buscar suas encomendas, de fazer os olhos até das pessoas mais esnobes brilhar com a intensidade do objeto desejado.

Por vezes, Seungcheol tinha o prestígio de acompanhar o trabalho de Jihoon.

Jihoon tinha mãos pequenas, delicadas, que ao mesmo tempo possuíam precisão e firmeza, o que o tornava apto para realizar seu trabalho com perfeição. As pedras se fundiam ao seu toque, dobravam-se a sua vontade e tornavam-se lindas peças que adornavam a vitrine da joalheria. Era como assistir um espetáculo circense, mas o envolvimento era mais sólido, palpável, e Seungcheol assistia com a atenção de uma criança maravilhada.

 

No fundo, acreditava que era. Uma criança fascinada pela descoberta do final do brilho e um homem fascinado pela descoberta do início do amor.

 

--

 

Aos poucos, sentiu que Jihoon se abria cada vez mais para ele.

 

Ganhar a confiança de Jihoon não era como ganhar a confiança de outra pessoa. Era um movimento calmo, que o agitava ao mesmo tempo. O único interesse em suas intenções era de conhecer ainda mais Jihoon, de se afogar na calmaria de seu mar.

Fora provavelmente o último a perceber o quão apaixonado estava. Só entendia de amor barato, de sedução por vantagem. Não sabia qualificar exatamente os sentimentos que aceleravam sua respiração e intensificavam as batidas de seu coração.

Perdia-se nos toques casuais em sua mão, perdia-se em seu olhar intenso, perdia-se em sua voz. Perdia-se em tudo que compunha Jihoon.

Não sabia explicar a mudança gradual de comportamento entre os dois e tampouco se esforçava para encontrar razão. Era tudo muito natural e sentia como se não precisasse colocar voz a seus sentimentos.

 

Ainda não sabia, mas era amor, claro e nítido como cristal.

 

O primeiro beijo que Seungcheol dera em Jihoon fora roubado.

Quando o fez, fechou os olhos. Segurou o queixo do mais novo com delicadeza, como se fosse um molde de fios de ouro, puro, de fácil desmanche. O beijou e sorriu. Não o sorriso vagabundo que atirava a torto e direito para qualquer um que quisesse seduzir. Fora um sorriso genuíno, maravilhado, como se o leve rubor nas bochechas de Jihoon fosse a coisa mais encantadora que já tivesse testemunhado. O sorriso tímido, embora momentâneo, que recebera após o singelo gesto fazia com que seu coração transbordasse felicidade.

Seungcheol queria ser o centro do universo de Jihoon. Queria ser seu sol, suas estrelas, a terra, a água, o fogo, o ar - queria ser seu mundo, queria estar em seu mundo.

Pela primeira vez em muito tempo, Seungcheol não quis roubar. Não quis tomar por força própria, não quis sentir a adrenalina do delito. Tudo que queria sentir era a leveza física e espiritual que apenas Jihoon poderia lhe proporcionar. Pela segunda vez, Seungcheol beijou Jihoon, com muito mais gentileza, com muito mais amor. E dessa vez, pediu permissão.

 

--

 

Jihoon dizia que Seungcheol era como um rubi.

Quando indagou a respeito, Jihoon riu para si mesmo. Rubis representam a energia e a paixão. Rubis representam a força e a segurança. Dizia que gostava de sua cor - um vermelho forte, vibrante, que chama atenção. Era o físico e o sentimental, era como Jihoon via Seungcheol. No mais puro vermelho.

Também dizia que, por trás do exterior forte, sua alma era feita de topázio. Era gentil, carinhoso, amável - seu interior era pintado de um amarelo brilhante, reluzia como se fosse o sol. Entretanto, precisava ser lidado com toda atenção e precisão: era resistente, mas um descuido e quebrava com facilidade.

Nem por um segundo Seungcheol duvidou que Jihoon seria capaz de quebrá-lo.

Diziam que Jihoon era capaz de lapidar os mais brutos diamantes nas joias mais finas. Seungcheol se perguntava se Jihoon poderia moldá-lo no formato para que se encaixasse perfeitamente em seu coração.

Seungcheol via-se buscando mais pelo afeto de Jihoon do que buscar qualquer outro objeto de valor. Não deixara de roubar - porém seus planos tornaram-se mais complexos, elaborados. Seus roubos eram calculados, pesquisados. Buscava por joias que realmente valessem seu tempo. Desenvolveu um olhar crítico, influência direta de Jihoon.

Durante as manhãs e tardes, Seungcheol observava Jihoon trabalhar em um canto recluso da loja. Era fascinante ver como colunas de metal, até então opacas, tornavam-se materiais da mais fina qualidade, reluzente e cintilante. Via as brasas queimarem o metal e o derreter rapidamente, via a maneira com que tratava das ligas de metal, via a delicadeza com que aplicava cada peça após lapidá-las.

Tudo o que Jihoon tocava se tornava arte. Seungcheol queria ser arte também.

As noites, Jihoon deixava as mãos caírem sobre Seungcheol. O fazia se sentir especial, o fazia se sentir como se fosse arte, como se fosse seu trabalho mais importante. Moldava-o nas brasas do calor de seu toque, encrustava seu pescoço com um colar de coralinas e ametistas, entrelaçava seus dedos com alianças de ouro, lapidava seu coração com um amor mais puro e resistente que qualquer diamante.

Era a felicidade que não se comprava ou se roubava. Simplesmente se tinha.

 

Jihoon era a joia mais preciosa no relicário que era o coração de Seungcheol.

 

--

 

Vivem durante meses sob a luz refratada da morganita do epítome da felicidade. Os dias se tornam coloridos, vívidos e a afeição de um para o outro tornou-se mais resistente. Representavam tal relacionamento por meio de uma aliança de compromisso. Por mais clichê que soasse, Seungcheol realmente gostava do peso próprio que vestia em seu dedo.

Havia uma série de coisas que Seungcheol não entendia antes de conhecer Jihoon. Não entendia o que era ter uma rotina, não entendia o que era ter opções, não entendia o que era ter amor. Um turbilhão de sentimentos novos, que começava a entender aos poucos o jogava de um lado para o outro sem rumo. Jihoon era capaz de abalar a mais sólida de suas barreiras interiores.

Progrediam com o relacionamento de uma forma natural. Seungcheol não estava acostumado a ter uma pessoa com quem genuinamente se importasse e Jihoon não era muito diferente. Aos poucos, foram aprendendo cada vez mais como um complementava a vida do outro, de uma maneira amorosa em sua simplicidade, um encontrando cada vez mais espaço no coração do outro.

Mas não só de flores era constituído esse amor.

Brigas são naturais, fazem parte. Não é sempre em que um casal (casal, a palavra ainda soava estranha para ambos, fazia borboletas se remexerem em seus estômagos) acaba por concordar em tudo, diferenças são importantes e necessárias. Entretanto, a raiz das brigas de Seungcheol e Jihoon era diferente da de um casal comum.

Jihoon nunca impediu Seungcheol, mas ele também nunca apoiou abertamente o que o mais velho fazia.

Expressou várias vezes que não gostava, não achava correto, mas não o parava. Tentava aconselhar Seungcheol a parar, porém, ao fim do dia, não conseguia dormir até que recebesse uma mensagem informando-lhe que o mais velho havia chegado em casa com segurança. Seungcheol não sabia disso, mas Jihoon tinha a preocupação de que algum dia desses o veria reportado no noticiário da madrugada. Tinha a preocupação de que algum dia desses não o veria mais.

Não gostava de reconhecer que Seungcheol tinha se infiltrado em seu coração tão facilmente assim, e preferiria morrer antes de deixar vazar seus sentimentos mais profundos em relação a ele, dar essa satisfação ao já exagerado ego de quem amava.

Era difícil, ambos sempre foram muito teimosos, algo que fazia parte da natureza própria de cada um. Seungcheol sempre soube que Jihoon tinha razão, eram poucas as vezes que o mais novo não estava correto. Ao mesmo tempo, o impulso falava mais rápido e mais alto do que a razão. Quando percebia, já estava caminhando em direção a saída, pronto para realizar mais um saque.

 

Seungcheol deveria ter escutado Jihoon mais. Ter seguido a voz que guiava seu coração.

Não o fez.

 

--

 

“A gente devia terminar.”

 

Seungcheol vê Jihoon escapando por entre seus dedos, caminhando para fora de sua vida com a suavidade do balanço das cortinas com o vento que bate na janela.

Em muito tempo se vê ansiando por uma coisa que não pode ter. Sente o calor do toque da mão de Jihoon desaparecendo aos poucos, deixando apenas uma sensação gélida e um vazio no peito.

Não podem ficar juntos. Não devem ficar juntos. São com esses fracos argumentos de ambas as partes que Seungcheol termina tudo que tinha com Jihoon. Os olhares discretos, as risadas abertas, os dias alegres e as noites amorosas - Seungcheol troca tudo isso por um nada, o vácuo em que se inunda seu orgulho. Diz que o que está fazendo é por Jihoon, que ele merecesse mais do que ele pode oferecer. Há um quê de verdade em tal afirmação - não poderia se comprometer com algo que não pudesse cumprir. Tudo o que Seungcheol poderia lhe oferecer era amor incondicional e noites mal dormidas assistindo ao noticiário.

Entretanto, sabe que no fundo é tudo obra de sua própria incapacidade de autocontrole. Seus hábitos imorais se manifestam como marcas de seu ser, impedem que ele seja diferente, que possa vir a mudar. O seu declínio vive em sua dificuldade de adaptação. Jihoon puxa de Seungcheol seu lado mais sincero e amável. Ainda assim, não é o suficiente. Não é e nunca seria.

Deixar-se levar pelo amor é difícil o suficiente. Deixar o amor se levar é mais difícil ainda.

Jihoon não diz nada. Seungcheol espera uma última confessa, mas tudo o que recebe é o silêncio, que em parte, sabe que lhe é merecido. Em parte, sabe que a frieza da reação é pouca perto do que deveria receber. Seungcheol gostaria de poder assaltar os cofres do tempo, tomar para si as areias que calculam os segundos, gostaria de se prender e se perder na felicidade que tinha com Jihoon ao seu lado.

Apenas observa de seu lado da cama Jihoon vestir suas roupas e caminhar para fora do apartamento com leves passos. Não consegue encontrar em si a voz para pedir o que o seu coração grita e implora em prantos:

 

"Não me deixa sozinho, por favor."

 

Despedidas nunca foram seu forte.

Remorso não é uma de suas emoções que se manifesta com frequência. Em seus primeiros crimes, a culpa vinha visitar-lhe durante seu sono. Soprava palavras de razão e verdade em seus ouvidos. Fazia com que sentisse vontade de logo ao primeiro raiar de sol no dia seguinte devolver tudo que havia tomado, deixar um bilhete e flores, para expressar seu mais sincero arrependimento. Com a prática, a culpa sumia aos poucos como as fugas sorrateiras que realizava e sem perceber, Seungcheol logo havia criado uma barreira própria contra qualquer indício de peso na consciência com o que fazia.

Com Jihoon, no entanto, era diferente. Sempre foi.

A culpa o devorava por inteiro, sua pele formigava no mais cortante desespero. Não era isso que queria, não queria deixar Jihoon ir, queria tê-lo para perto, só mais um pouco, por um segundo que fosse. Sabia que o culpado daquela situação era apenas ele. Sabia também que o único que poderia e deveria esboçar uma iniciativa para resolvê-la era ele.

Seungcheol se considerava rápido e ágil. Porém, não registrou a tempo ação alguma para impedir Jihoon. Não havia registrado ter levantado da cama e ter acompanhado Jihoon silenciosamente até a porta. Não havia registrado não ter dito uma única palavra para ao menos tentar mudar o que o futuro estava escrevendo em linhas tortas e letras turvas.

Quando caiu em si, já era tarde demais.

Sentiu apenas a rajada de vento proporcionada pelo estrondo da porta se fechando cortando seu rosto. Sentiu apenas seu coração se desmanchando em milhares de pedras, brutas, sem brilho, sem valor.

Perguntou-se antes de derramar lágrimas opacas se apenas se iludiu achando que era o diamante que Jihoon o fazia se sentir.

Respondeu a si mesmo como se sentisse seu peito ser atingido por um bloco de concreto que ele não só se iludira, mas havia inconscientemente enganado Jihoon também.

 

--

 

Pedras preciosas são encontradas em meio a ruínas, embaixo de outras pedras de menor valor comercial, enterradas e ofuscadas em escombros e terra.

Seungcheol gostava de imaginar que Jihoon era a joia mais brilhante que ele havia encontrado embaixo dos escombros que era sua vida.

Nas frias noites que sucederam seu adeus, Seungcheol acordava suado, sua roupa prendendo-se à pele, os lençóis molhados e o coração encharcado de rancor. Sonhava que estava caindo e que Jihoon assistia sua queda imóvel, com um olhar de desprezo em sua direção. O pesadelo se repetia a cada fechar de seus olhos vencidos pelo cansaço. Lutava para permanecer acordado, mas já não sabia mais o que era menos doloroso - se era o desespero inconsciente ou seu desalento consciente.

Não tinha o costume de beber. Por vezes acabava por bebericar copos de uísque, forjando elegância. O gosto era terrível, uma mistura de amarescente e ácida que encontrava apenas nos remédios que tomava quando era criança. Naquele tempo, franzia a testa em desgosto. Entretanto, com o tempo, aprendera a trabalhar melhor suas expressões. Era capaz de virar copos e mais copos do mais amargo líquido sem sentir-se girando ou esboçar alguma reação indesejada.

Antes mesmo que pudesse notar, já se via levantando da cama e pegando as chaves do apartamento. Colocava um moletom com o capuz cobrindo seu rosto e uma calça jeans qualquer e tomava o ônibus noturno, assistindo da janela as fracas luzes alaranjadas que iluminavam a cidade se distorcerem em frente a seus olhos. Cochilava em intervalos durante o trajeto e acordava com o cobrador do transporte o chacoalhando para que se levantasse.

Caminhava preguiçosamente em direção ao primeiro bar que encontrasse. Se misturava entre camisas suadas e colônia barata e pedia com uma voz rouca pela bebida mais forte que estivesse a seu alcance. Via com o canto dos olhos o garçom lhe lançar um olhar de pena - o garoto era jovem e não deveria saber muito sobre corações partidos, apesar de que trabalhar em um lugar como aquele deveria-lhe fornecer alguma ideia sobre o sentimento. Seungcheol desejava que ele nunca viesse a sofrer de tal sintoma.

Sentia o líquido queimar sua garganta em grossos goles. Em tempos como esses, em que só queria tropeçar em sua própria ebriedade, desejava ter uma tolerância alcoólica menor. Gostaria de arranjar algum motivo para culpar as lágrimas que trilhavam por seu rosto, gostaria de ter alguma desculpa para não admitir seu sofrimento. Não gostava do olhar de pena do pequeno garçom, não gostava do baixo “tsc” que ouvira à distância de um par de cinquentões debruçados sobre uma mesa de bilhar.

Virava mais um copo.

Deixava o bar forçadamente, com o sangue submergido em álcool e sem tropeçar vez alguma em seu caminho de volta. A bebida era capaz de corroer seu corpo de dentro afora em uma lenta decadência, mas não era capaz de fazer sua mente rodopiar em loucura. Acenava fracamente ao encontrar seus olhos com o do porteiro assim que abria o portão do prédio. Recebia mais uma vez a preocupação e a culpa embaladas em um olhar gentil e sentia-se culpado dos pés à cabeça. Chutava os sapatos para longe de seus pés e se arrastava até a cama com o sol fracamente iluminando o horizonte por trás de sua cortina.

Adormecia e acordava assustado.

Repetia o ciclo.

 

--

 

Rubis representam a invulnerabilidade.

Ainda que estivesse em seu ponto mais baixo já visto, Seungcheol acreditava ser inatingível. Tão inatingível e inalcançável que ele mal se dá conta quando as luzes brancas focam em seu rosto e ele é forçado a se render com um ferimento de bala no ombro direito e outro na coxa esquerda.

A situação o faz rir, ainda que seu sorriso esteja manchado com uma expressão de dor. Ri do seu próprio ego, ri das suas decisões. Ri com o contato do metal gelado das algemas contra seu pulso, a pele fervendo.

Continua a rir, ainda que os policiais que o renderam o chutassem e socassem para que ficasse quieto. Seungcheol ri, ri da grande ironia que lhe pune, a justiça divina feita em vida. De tudo o que já fez, Seungcheol é preso por um crime que não cometeu - nunca tinha visto o colar de quartzo, tampouco se interessava pelo mesmo. É rendido da mesma forma.

Seungcheol é um homem encarcerado em seu próprio desespero.

Empurrado com força para dentro da viatura, ele consegue ver os olhares incrédulos de sua audiência de curiosos. Não chora e tampouco se lamenta - acena pelo vidro e sorri torto, como se estivesse iluminado pelos holofotes da fama em seu palco distorcido, arrancando ainda mais surpresa. O roubo é um vício que não pode ser contido, nem sob a restrição de algemas.

 

Durante a viagem toda até a delegacia, Seungcheol cruzou os dedos e rezou para que Jihoon não visse seu rosto no noticiário.

 

--

 

O processo foi rápido.

 

O julgamento ocorreu logo no dia seguinte. Aparentemente a dona do colar de quartzo, uma milionária de nome complicado, puxou algumas linhas aqui e ali para acelerar o caso e ter a satisfação de ver Seungcheol em seu uniforme bege sendo empurrado pelos guardas até sua nova casa atrás de grades.

Pode ver com o canto dos olhos um dos oficiais que o escoltava também sorrir em satisfação com a cena.

Anos de conforto fácil enrolado nos mais finos lençóis e abraçado pelos mais confortáveis colchões não o prepararam para a realidade de dentro da cela. O chão era duro, gelado, fazia calafrios descerem e eletrocutarem suas costelas. Os olhos pesavam, mas não conseguia dormir. Os rápidos cochilos que tirava duravam um grande total de segundos, que apenas estendiam seu estado de cansaço.

Sentiu como se estivesse encarcerado por anos, décadas. Despertou com o ranger das grades e o vociferar de um dos guardas para que se levantasse. Seria transferido para sua cela definitiva, em meio a outros presos. Se misturaria a outros ladrões, bandidos, assassinos, a escória da escória. Se misturaria entre crimes de intenções que variavam dentre as maiores até as piores.

Não estava pronto. Não existe preparação para tal tipo de coisa.

Enquanto era jogado no banco de trás da viatura, fechou os olhos e pensou brevemente em Jihoon. Bastou um flash de memória para aceitar que a punição lhe parecia adequada.

Deixou o rosto gentil gravado em sua mente o tempo todo, como se fosse seu suporte imaginário para enfrentar tal situação. Passou por todos os procedimentos para oficializar seu status de farsante à presidiário sem uma reclamação sequer.

 

Seungcheol tinha agora plena consciência de a justiça se escrevia por linhas tortas. Esperava ter descoberto isso antes de se tornar o exemplo.

 

--

 

De todo, o ambiente era ruim. Porém, admitia que poderia ser pior.

 

Era exagero dizer que havia se “enturmado”, mas com certeza havia se afastado de problemas maiores. Durante o tempo que passou trancafiado, soube lidar bem com as mais adversas situações. O sistema carcerário era repleto de falhas, e como bom farsante que era, ainda que misturado a tantos outros, soube se virar como podia. Não ganhou nada admirável como respeito, mas ganhou um tesouro que considerava ainda mais valioso: uma parcial tranquilidade. Fazia o necessário para que prosseguisse sua pena mantendo maior neutralidade o possível.

Entretanto, a questionável paz que tinha não condizia com seu estado interior. Por dentro, estava miserável. Ou talvez sempre fora. De qualquer forma, sentia-se despedaçando a cada segundo que parecia interminável.

Não tinha como se afogar em algum veneno disfarçado de bebida que distorcesse seus pensamentos.

O sofrimento era realizado sobriamente, lenta e dolorosamente. A amargura na ponta de sua língua já lhe era familiar e mal sentia mais os olhos inchados. Continuava com dificuldade para dormir, os pesadelos tornando-se mais intensos e cruéis a cada noite. O peito já não doía mais de tão inchado - não havia consolo que se aplacasse em seu coração. Tomava doses invisíveis de culpa e ressentimento, deixava os olhos caírem com pensamentos que beiravam as linhas das possibilidades em um universo alternativo.

A melhor maneira que encontrou de extravasar sua dor era por meio de cartas redigidas com um interior pesado pelos sentimentos negativos acumulados. Abria as gavetas de seu íntimo quando organizava as palavras em letras ilegíveis e borradas com a caneta velha e medíocre que derramava sobre o papel amassado que conseguira em uma adaptação de escambo.

Escrevia todas as coisas que não era capaz de dizer. Forjava pedidos de desculpas e cartas de amor sempre endereçadas a mesma pessoa.

Nunca as enviava.

Tinha medo das consequências, tinha mais medo do que Jihoon pensaria ao ler a verdade em sua versão do que deixá-lo escondido em ignorância. Esperava que Jihoon estivesse feliz. Havia se separado da pessoa que amava justamente para que ele não se prendesse a Seungcheol. Quanto menos interferência, de acordo com seu raciocínio, melhor seria.

 

Em seus melhores sonhos, via Jihoon feliz ao lado de uma outra pessoa. O mesmo pensamento era o que manchava seus piores pesadelos.

 

--

 

“Levanta.”

Um pouco mais de um ano havia se passado desde que se encontrou perdido no chão frio atrás de barras de metal igualmente gélidas. Olhou confuso em direção ao oficial que o aguardava do lado de fora da cela. Viu seus companheiros de cela olharem em sua direção com o mesmo olhar curioso, uns arqueando as sobrancelhas e outros cerrando os punhos.

“Você mesmo, Choi. Levanta.”

Tropeçou em seus pés ao se levantar apressadamente, seguindo o guarda. Ignorou o sorriso de um de seus colegas de cela, ignorou os gritos ensurdecedores dos outros presos vociferando súplicas e se agarrando às celas como animais. Apenas seguia o oficial, confusão permanecendo estampada no rosto. Não sabia o que lhe aguardava e não sabia se poderia ser algo bom ou ruim.

Logo veio a entender o que estava se passando - iria ser liberado. Nem pôde acreditar quando ouviu o baixo tom da voz de outros dois oficiais comentando entre copos de café:

“Eu não acredito que pagaram mesmo a fiança desse aí.”

Mal imaginavam que nem Seungcheol acreditava.

O braço parecia adormecido quando assinou os documentos que precediam sua liberdade. O tempo todo permaneceu em um estado de dúvida, confusão, como se algo naquilo estivesse errado, como se houvesse algum detalhe derradeiro que o aguardava fora das celas. Não sabia o que esperar, entretanto seguiu o caminho que apontava para seu retorno ao mundo exterior.

Deparou-se com muros, mas não os via mais pela minúscula e claustrofóbica janela solitária de sua cela. Via as plantas de um verde escuro que se prendiam aos tijolos alaranjados, sentia a brisa úmida contra seu rosto. Não imaginava o quanto sentia falta da forte luz solar quase lhe cegando. Dizem que se percebe o quanto algo lhe faz falta no momento em que lhe é tirado. Seungcheol entendia perfeitamente o que queriam dizer com tal frase.

Deixou de sonhar alto quando ouviu uma voz lhe chamando a distância. Demorou para reconhecer - realmente o garoto era diferente agora que seu cabelo estava colorido em um tom pastel alaranjado - mas logo se deu conta que era Joshua quem corria em sua direção.

“O que você tá fazendo aqui?” perguntou, sentindo a voz rouca, raspando contra sua garganta.

“Não te disseram?”

“O que?”

“Jihoon,” sentiu o peito apertar com o nome, “Ele quem te tirou daí.”

Sentiu os dedos começarem a tremer. “Como…?”

“Isso ele já não quis dizer,” Joshua suspirou e mordeu o lábio inferior, “Acho que você deveria descobrir por si mesmo.”

 

A viagem a carro fora longa, longa o suficiente para manifestar indícios de ansiedade. Bastou colocar os pés no chão - Joshua o deixou na estação de trem mais próxima - para que Seungcheol partisse. Correu o mais rápido que pôde até a loja. Sentia suas pernas latejarem de dor e a mente atordoada por sensações confusas, mas o que sentia não importava mais.

Suspirou e sentiu todo o ar se esvair de seus pulmões.

“Jihoon.”

Durante o ano que os separou, Jihoon havia encontrado um jeito de burlar as leis do tempo e ter ficado mais encantador ainda. Permanecia tendo todas as linhas de dedicação e elegância condensadas em sua figura de baixa estatura. Agora tinha o cabelo tingido de castanho claro, que realçava os traços mais bonitos de seu rosto. Sentia como se estivesse presenciando o céu, o coração acelerado, como se fosse a primeira vez.

Sempre soube que era amor. Essa era apenas mais uma confirmação do sentimento.

Não conseguia decifrar a expressão de Jihoon. Era um olhar neutro, mascarando todo e qualquer traço de emoção que pudesse estar borbulhando em seu interior. Imaginava o que poderia estar sentindo. Raiva, ressentimento, dor. Talvez saber o que realmente passava em sua mente seria melhor do que permanecer na dúvida.

“Você pagou minha fiança.”

Você pagou a sua fiança,” apontou para seu dedo anelar nu.

Sentiu o resto de seu coração se partir em pedaços menores ainda ao não ver a aliança de compromisso no dedo de Jihoon. Esqueceu-se de que eles não tinham mais compromisso algum juntos. Esqueceu-se que Jihoon não lhe devia nada, nunca deveu. Se alguém estava em débito era Seungcheol, e ele já não sabia mais se havia como recompensá-lo.

Jihoon desviava seu olhar de Seungcheol, ocupando-se com qualquer outra coisa que não o fizesse olhar diretamente para o mais velho. O silêncio era pesado, e ironicamente, ensurdecedor. Se o coração de Seungcheol tivesse um som, seria esse.

“Obrigado,” disse por fim, pois não havia mais nada apropriado ao momento para dizer.

Ouviu Jihoon resmungar baixo um “não há de quê”, ironia domando o tom de sua voz.

Voltaram para uma relação de silêncio. Os únicos sons que ouvia era o ocasional tique do relógio e da baixa música que ressoava ao fundo. Sabia que esse era o momento em que deveria dizer tudo o que rabiscou sobre intermináveis cartas no último ano. Sabia que esse era o momento em que deveria despejar tudo o que guardou durante o último ano.

Mais uma vez, se viu sem voz.

Lentamente, Jihoon largou os papéis que organizava e caminhou até Seungcheol, como se seus passos fossem feitos de chumbo. Seungcheol se viu pressionado contra a parede, completamente rendido e intimidado pelo olhar de Jihoon.

“É claro que eu ainda te amo,” confessou sem ar e Seungcheol pôde notar a tristeza em seu olhar. “Você não entenderia o quanto me doi te amar. Você foi embora e me deixou sozinho. Mas ainda assim eu te amo.”

“Eu nunca quis te deixar, Jihoon, eu juro, eu--”

“De que adianta agora?” bufou com uma risada irônica, “O que você queria? Me proteger de você? Se proteger de si mesmo?”

Silêncio. A verdade rasgava seu peito como se fosse uma faca enferrujada.

“De boas intenções o inferno é cheio, Seungcheol,” esboçou um sorriso triste, “Imagina ser tão patético quanto você, tão patético quanto eu. Nós somos dois covardes. Fugindo um do outro. A verdade é que a gente se merece.”

“Não é bem verdade,” Seungcheol sentiu os olhos marejarem, “Você merece coisa bem melhor do que eu.”

“Nisso você tem razão,” suspirou, “Mas ainda assim, é você quem eu amo. Isso não era o suficiente pra você? Você não disse que me amaria até o fim dos tempos? Que seria eu e você sob qualquer circunstância?”

“E eu ainda te amo,” segurou as mãos do mais novo, “Com todo o meu coração, e não tem tempo que mude o que eu sinto.”

Viu Jihoon sorrir sinceramente por um milissegundo antes que virasse o rosto para outro lado.

“Será que isso ainda importa...?”

Lentamente, Jihoon largou as mãos de Seungcheol e voltou para sua estação de trabalho. O mais velho não ousou se aproximar, não mexeu um músculo que fosse, as costas ainda prensadas contra a parede.

O tique do relógio soou mais forte na eternidade em que ficou sozinho. Quando Jihoon voltou, trazia uma pedra de topázio. Lembrava-se em como Jihoon dizia com afeto que Seungcheol era uma preciosidade, resistência e fragilidade condensados em sua existência.

“Me prova,” Jihoon olhou fundo em seus olhos, “Me prova que você ainda vale alguma coisa. Me prova que eu ainda posso confiar em você e no seu amor. Me prova que você pode ser uma pessoa melhor, não só pra mim, mas pra você também.”

Ficou mudo por alguns instantes. Jihoon dizia que não acreditava em segundas chances, que uma decepção rende a desconfiança e ressentimento de uma vida inteira. Mas ali estava ele, depositando toda sua confiança e seu coração nas mãos de Seungcheol.

Jihoon estava lhe dando sua joia mais preciosa

Entrelaçou seus dedos trêmulos com os finos dedos de Jihoon, sentindo as mesmas faíscas de sempre.

“Eu não vou te desapontar de novo, eu prometo,” selou o acordo consigo mesmo encostando seus lábios levemente sobre as mãos de Jihoon.

 

Seungcheol não sabia se era capaz de cumprir com o que prometia. Mas por Jihoon, tentaria.

 

--

 

O processo de extração de minerais - entre eles, os que se tornam joias - é demorado, com várias etapas que devem ser seguidas à risca. Para obter um fragmento da natureza concentrado em pedras reluzentes das mais variadas cores, é necessário um trabalho árduo.

Seungcheol iludia-se acreditando que o mundo se resumia ao seu querer. Tinha uma forte síndrome de protagonismo, achava que era o universo se resumia a ele apenas. Achava-se capaz de entortar e moldar todas leis e regras a sua vontade, como se fossem feitas de areia.

Descobriu a verdade do mundo entre metáforas de mineração e preciosidades.

Era difícil reconquistar o que se era perdido, principalmente se o que perdera não fosse físico. O ouro transformado em pó durante a confecção de anéis poderia ser reaproveitado, não perdia seu valor independente de sua forma. Seungcheol não tinha certeza se seus sentimentos continuavam a ter algum valor para Jihoon também.

Entretanto, havia tentado da melhor maneira possível honrar sua promessa.

E ali estava ele, anos mais tarde. Aprendera a andar com confiança novamente - demorou alguns anos para aprender a executar tal ação sem que fosse esnobe. E naquele momento, deixou os pés o levarem em direção a um caminho familiar. Ainda que alterado em certos aspectos com o tempo, que apenas quem havia decorado as fachadas e construções poderia reparar, o trajeto ainda o fazia sentir as mesmas emoções de sempre, aquelas que o deixavam atordoado de felicidade.

 

Parou em frente a vitrine.

Respirou fundo.

 

As joias mais brilhantes levam tempo para atingirem seu esplendor. Sobrevivem escombros e são tratadas para que se deixem de ser pedras sem valor para se tornarem pedras preciosas.

 

Seungcheol esperava que seu coração de rubi e sua alma de topázio tivessem sido suficientemente trabalhadas pelo tempo para que pudesse entregá-las diretamente a Jihoon.

 

E esperava que Jihoon as aceitasse e colocasse-as de volta em seu relicário em formato de coração.

 

Certas coisas apenas o tempo pode dizer. O valor de um amor era uma delas.

 


Notas Finais


a maior entusiasta de jicheol fluff escrevendo isso. realmente eu não mereço esses ANJOS. espero que não tenham visto muitos erros!! enfim, aos que chegaram até aqui: uh and that's a long ass ride,,,,,,, muito obrigada mesmo!!

eirin ♡


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