Shaoran arregalou os olhos, surpreso.
- Eu vou MATAR a Meiling! – gritou nervoso.
- Mas ela não teve culpa! Para ela, eu já estava sabendo dessa história toda! – bufei. – Por que eu não sabia dessa história toda, Li? – o chinês então suspirou e pegou minhas mãos me guiando para as enormes poltronas da sala.
- Sente-se. Já vi que o jantar vai ficar para depois. – assenti e sentei-me de frente para ele.
- Eu não sei porque você demorou tanto. Enrolou para me contar algo tão sério. Nós passamos por tantas coisas... A noite de ontem. – então peguei suas mãos. – Foi a mais tocante de toda a minha vida. Sabe como é estar aqui na sua frente hoje pra ouvir que você vai me deixar pra casar com Meiling e construir a família perfeita da China? - seus olhos então piscaram rapidamente, ele parecia confuso. – E Hiro? O coitado do meu primo começou a namorar ONTEM e você sabendo de tudo ainda o incentivou. Como você pôde? – minha voz estava baixa e triste. Shao apenas me encarava estático. Parecia estar congelado.
- Você pirou de vez? – ele disse por fim. – Ok. Vamos combinar uma coisa agora, eu falo e você só escuta.
- Mas eu...
- Shhhhhh. – e colocou o indicador sobre os meus lábios, me calando.
- Vou te contar agora a minha história e por favor, não se assuste ou me interrompa, está bem? – apertei mais meus dedos contra os seus e seus olhos me encararam firmemente.
Flashback On
Um. Dois. Três.
Soco. Esquiva. Chute.
Eu amo treinar. Meu pai sempre diz que como futuro governante do Clã, preciso aprender o equilíbrio. E a luta é o equilíbrio de um guerreiro.
Desde que nasci sou preparado para assumir tudo o que meu pai deixar de herança. As empresas, a chefia da casa Li e o mais importante, a liderança política do Clã mais influente da China. Meu pai diz que influência é uma palavra forte, significa fazer com que os outros façam o que a gente quer. E os “outros” na verdade é o governo chinês.
Um. Dois. Três.
Soco. Esquiva. Chute.
Ser um jovem príncipe não é fácil, tenho que fazer mil aulas: de línguas, etiqueta, política, administração, música, dança, fora as matérias escolares. Tudo em casa. Eu nunca fui à escola... Meu amigo Eriol diz que é legal. A gente se conhece desde que nasceu, já que nossos pais são amigos muito antigos. Ele é japonês, mas sempre que pode, passa uma temporada aqui na China.
Mas sabe de uma coisa? Todo esse estudo vale a pena, se no final do dia eu posso lutar. A luta está no meu sangue, eu sinto meu instinto fluir nas minhas veias. Meu pai diz que eu sou o lutador mais rápido que ele já viu! Ninguém consegue me acertar.
Eu quero ser o maior guerreiro da China.
- Xiaolang! – aquela voz chata e fina, sempre me atrapalhando. – Xiaolang! Estou falando com você!
Um. Dois. Três.
Soco. Esquiva. Chute.
- Não tá vendo que eu tô treinando Meiling? – ela chegou mais perto de mim, sorrindo.
- Então treina comigo.
- Tá doida? Você sabe que mulher não pode treinar. Meu pai me pegou te ensinando aquele dia e eu fiquei de castigo.
- Aposto que ele nem foi tão mau assim! Vai, por favor! - eu amo a Meiling, mas às vezes ela é muito chata.
- Um dia intenso de treinamento sem poder comer nenhuma refeição, é pouco castigo pra você? – ela então arregalou os olhos.
- Nossa Xiao. Não sei o que é mais esquisito. Seu pai ser malucamente exigente com um menino de oito anos... Ou você falar que nem adulto, mas só ter oito anos.
Um. Dois. Três.
Soco... Chute...
- Ahhh! – gritei nervoso – Você me atrapalhou! – sentei no chão cansado e senti meu peito subir e descer, ofegante.
- Promete uma coisa pra mim? – ela disse, sentando-se ao meu lado. Sua mãe ia brigar muito com ela por sentar no chão sujo com aquele vestido tradicional claro.
- O que você quiser. – ela então pegou minhas mãos.
- Promete que quando a gente casar, você vai ser um marido bom? Vai deixar eu lutar, estudar o que quiser e nunca, nunquinha vai me obrigar a fazer aquela coisa horrorosa pra ter filhos? O tal do marto.
- É parto.
- Isso, isso! Promete? – ela pediu manhosa, os olhinhos castanho-avermelhados quase transbordando em lágrimas.
Eu e Meiling somos prometidos em casamento desde que nascemos. Meu pai é o atual “rei” do Clã Li, o que faz de mim um “príncipe”. Mesmo sendo o filho mais novo, sou o único homem e como aqui no Clã, mulher não tem vez, quando eu crescer tudo isso será meu.
Mas a tradição diz que eu tenho que me casar e assim que meu tio ficou sabendo que estava esperando uma menina, se comprometeu a cria-la para ser a minha futura esposa... Só que eu não quero me casar com a Meiling e ela também não quer se casar comigo.
A gente sempre foi muito amigo, somos primos e crescemos juntos. Assim como eu tenho minhas obrigações, ela também tem todo dia mil aulas: de etiqueta, costura, cozinha e tudo o que uma mulher deve aprender para cuidar da casa, do marido e dos filhos. Filhos... Eca! Eu não quero ter filhos com a Meiling!
Só que a gente não tem escolha. É a vida que decidiram para nós. O que eu fico mais triste é que ela é tão sonhadora. Ela quer ser muitas coisas, menos a esposa dedicada do chefe do Clã Li. Ela quer estudar o que bem entender, conhecer o mundo, fazer as próprias escolhas, e não viver na minha sombra.
E ela tá certa.
- Claro que eu prometo. Eu já falei. Assim que a gente casar, eu vou ser o chefe, e vou inventar uma nova tradição: que qualquer um pode fazer o que quiser, sendo homem, ou mulher. – ela sorriu e me abraçou forte. Não retribuí. Não sou muito de abraços.
- E não esquece da tradição do divórcio também. – lembrou.
...
Um. Dois. Três.
Soco. Esquiva. Chute.
A luta é uma ótima fuga. Quando estou lutando tento esquecer dos meus problemas, das minhas obrigações chatas, até do meu cansaço. Cansado... É o que eu estava essa semana, de novo ouvindo as brigas do meu pai e do meu tio, o pai da Meiling.
De uns tempos pra cá, Mei está murchando, como uma flor sem vida. Não presta atenção nas aulas, mal come e está ficando muito doente, triste, abatida. Ela me disse que quer fugir daqui, ir embora, não quer viver uma vida que escolheram pra ela, quer fazer a própria vida... Mas ela não pode!
Ninguém nunca abandonou o Clã. Tudo aqui é muito eterno e sagrado.
O pai da Meiling está acompanhado o sofrimento dela e está tentando romper o compromisso dela comigo. Ele já conversou diversas vezes com o meu pai, que está muito bravo e não quer voltar atrás na decisão.
Eu não sei porque, mas tô com um pressentimento ruim em relação a tudo isso.
Quando acabei de treinar, desliguei todas as luzes e fechei a porta da academia, me colocando a caminhar pelo pequeno bosque, em direção a minha casa.
De repente ouvi um barulho esquisito. Alguma coisa estava se mexendo nos arbustos ao meu lado. Instintivamente, me coloquei na minha posição de luta.
- Saia. – ordenei firme. E para minha surpresa, Meiling saiu de lá.
- Tava esperando você acabar o treino. Eu vim me despedir. – ela estava chorando nervosa, apertando a alça da mochila que carregava nas costas. Não vestia as tradicionais roupas chinesas, mas calça jeans e moletom.
- Se despedir? Do que tá falando?
- Meus pais tão me esperando lá fora. A gente vai fugir. – arregalei os olhos.
- Tá doida? Ninguém nunca fugiu antes. – ela então passou os dedos pelas lágrimas grossas que escorriam pelas bochechas e assumiu uma expressão firme.
- Só que eu não sou ninguém, na verdade eu sou alguém muito importante para mim mesma para deixar que controlem a minha vida desse jeito. – ela então pegou as minhas mãos. – Você sabe que pode vir comigo se quiser. Você não precisa obedecer eles Xiaolang. Você pode ser livre.
Livre. Será que era isso o que eu queria ser? Sem regras, sem aulas, sem obrigações... Eu nunca tinha parado para pensar o que eu queria ser. As pessoas já me diziam todos os dias o que eu devia ser, mas nunca perguntaram o que eu queria.
- Eu... Eu não posso. – suspirei. – Mas prometo que não conto pra ninguém que te vi aqui. – e pela primeira vez, eu a puxei para um abraço.
Meiling soluçava de tanto chorar. Ela me apertava tão forte contra seu corpo, como se quisesse colar-me a ela, para nunca nos separarmos.
- Você é a única coisa que vai me fazer sentir falta daqui. – então ela se separou do abraço e se afastou. – Adeus, Xiaolang. – e curvou-se para frente, numa reverência.
- Espera! Pra onde você vai?
- Eu não sei. Meus pais não quiseram me contar, por segurança. Mas mesmo que eu soubesse... Eu não poderia contar.
- Espero te ver um dia. – ela acenou e virou-se para ir embora. – Meiling. – chamei sua atenção e ela me encarou novamente. – Continua lutando. Você é muito boa.
Flashback Off
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