Os cabelos de Jiang estavam sendo desfeitos por mãos fortes e ávidas que se emaranhavam pelos fios negros, puxando-a. Enquanto isso, os lábios da chinesa eram tomados por um beijo ávido e urgente que parecia ser desesperador.
Só de assistir a cena, eu estava sem fôlego. Então a doce e dedicada “futura senhora Li” estava se agarrando com outro? Sim, porque aquela cara definitivamente não era o meu príncipe, ainda bem.
Dei dois passos para o lado no intuito de me esconder e acompanhar a cena até o final, quem sabe ouvir algo que explicasse tudo aquilo? Mas é claro que deu errado. Esbarrei em uma pequena estátua e chamei a atenção dos dois pombinhos, que se separaram rapidamente e olharam na minha direção.
- Senhorita Sakura. – Jiang sussurrou com os lábios vermelhos.- E-eu posso explicar. – ela continuou num inglês cheio de sotaques.
- O que? Acha que vou de algum modo me opor ao que quer que seja isso? – disse apontando para os dois. – Só de estar longe do meu Shaoran já basta. – a chinesa então arregalou mais os olhos em surpresa. Eu nunca tinha falado daquela maneira com ela, meu desgosto em relação a ela nunca tinha saído da minha mente.
- Por favor, não conte nada. – o rapaz se pronunciou então, com um sotaque ainda mais forte que o de Jiang. – Eu aguento as punições, mas não me perdoaria se ela sofresse as consequências. – estreitei meus olhos, reconhecendo-o.
- Espera um pouco... Eu conheço você. Shang, não é? – ele assentiu com a cabeça e Jiang abraçou-o pela cintura, ainda com o olhar assustado. Ele era um dos escudeiros fiéis de Shao, os vi treinando juntos desde que chegamos aqui.
- Ming Shang, ao seu dispor senhorita. – Shang então se reverenciou para mim.
- Muito bem senhor Ming, me explique o que está acontecendo. – ele rapidamente encarou a chinesa.
- Se tem alguém que tem que explicar algo aqui, esse alguém sou eu. – a moça disse confiante pela primeira vez desde que os tinha encontrado no templo. Assenti para que ela continuasse. – Desde que a senhorita Meiling fugiu do Clã, a família Li prontamente começou a buscar novas candidatas para desposar o herdeiro. – nunca vou me conformar com a formalidade que eles tratam Shaoran. – Minha família sempre foi muito bem vista pelos Li, meu pai trabalhou diretamente com o falecido senhor Li durante anos e bem, eu era realmente a mais cotada para a posição. - ela disse abaixando a cabeça com o descontentamento estampado no rosto.
- Do jeito que você fala... Até parece que não quer ocupar o posto que é seu na família Li. – ela então levantou os olhos na altura dos meus e eu pude perceber o quão manejados eles estavam, cheios de dor e convicção.
- É porque não quero! – Jiang disse um pouco exaltada. – Desculpe se passei a impressão errada para a senhorita, mas acho que nunca tivemos a oportunidade de conversarmos sem outra pessoa presente, então eu tive que representar. Porque sim, tudo isso que eu transpareço, a calma, a alegria é tudo uma grande encenação. – a chinesa respirou fundo antes de continuar a despejar tudo o que estava sentindo em cima de mim. – Eu fui treinada a vida inteira a obedecer, aprender costumes, abaixar a cabeça e continuar, mas eu quero muito mais do que isso para a minha vida senhorita Sakura! Eu quero sair da China, conhecer o mundo, frequentar uma faculdade, de preferência de gastronomia, ser uma chef internacional... Ser dona do meu próprio destino, e principalmente... – ela então olhou para o rapaz Shang que encarava o seu discurso com os olhos brilhando de tanto orgulho. – Me unir a quem eu amo de verdade. – ela completou sorrindo.
- Jiang... – consegui dizer num suspiro. A verdade estava sendo estupidamente surpreendente para eu processá-la de uma vez.
- Me perdoe a honestidade, mas não sabe todos os sentimentos ruins que tenho nutrido pela senhorita desde que chegou. – arregalei meus olhos ainda mais surpresa. O ódio era mútuo então. – És uma mulher linda, independente, e acima de tudo livre. Tem a sorte de compartilhar a vida com o seu grande amor... Ah, como a invejo! – ela suspirou e então as lágrimas começaram a escorrer por sua bochecha macia e lisa. – Mas é tão egoísta, que me traz repulsa. – continuou ríspida. – Eu amo Shang, ele me ama. Somos namorados desde crianças e sempre sonhamos em construir um futuro juntos. Pretendíamos nos casar, afastarmos do Clã e podermos experimentar verdadeiramente o gosto da liberdade... Mesmo eu crescendo e sendo ensinada a ser a esposa perfeita para outro homem, Shang nunca desistiu de mim. – o rapaz então depositou um beijo cálido nos cabelos da chinesa. – Tudo mudou quando descobrimos que o herdeiro estava namorando e tudo mudou novamente, quando a notícia de que sua amada não seria a mãe dos seus filhos veio à tona. – ela então se aproximou e apontou o dedo à frente do meu rosto. – Como pode ser tão egoísta? Como pode pensar somente em si? Não vê que está estragando a vida de todos? COMO PODE VIVER SABENDO QUE SEU AMADO TERÁ UM FILHO COM OUTRA SÓ PORQUE NÃO TEM CORAGEM DE SE IMPOR A FRENTE DAS DIFICULDADES? – e então senti minha bochecha estalar de dor. Ela tinha me dado um tapa.
O tempo pareceu parar, e tudo estava em câmera lenta. Meu rosto, levemente direcionado pra a direita, devido à força do tapa foi voltando devagar para a posição original, e com ele todos os meus pensamentos também estavam tentando se reorganizar.
Mas o que estava acontecendo afinal? Como minha vida tinha saído do controle deste modo? Aqui neste templo, nós três, trocando mais verdades em minutos do que um Clã inteiro em eras. Uma família envolta em tradições estúpidas, machistas e destruidora de vidas. Estava me sentindo suja, compactuando com esta onda de destruição iniciada pela família Li.
- Jiang! – o rapaz gritou, fazendo com que a sua voz ecoasse por todo o local. Ele segurou a chinesa pelos ombros e a tirou de perto de mim. Os olhos de Shang estavam vidrados e transmitiam um grande transtorno. Parecia muito preocupado com as consequências das ações da amada.
- Oh não... Me perdoe! – a chinesa pareceu cair em si após ter despejado toda a sua raiva e conseguiu se conter. Ajoelhou-se no chão abaixando sua cabeça em um sinal claro de desculpas. – E-eu não quis... Digo... Me descontrolei por um segundo. Me-me perdoe senhorita, eu-
- Cale-se. – meus lábios proferiram as palavras num tom baixo e frio. Estava admirada que tinha conseguido realinhar o turbilhão de pensamentos para que se alinhassem em palavras. Passei as pontas dos dedos levemente pela bochecha que há pouco fora atingida pela mão de Jiang, estava sensível. Argh.
Dei dois passos para trás, e então virei meu corpo rumo à porta do templo. Precisava sair dali o mais rápido possível.
- Todas as consequências. – ouvi a voz de Shang pronunciar. – Desconte em mim.
Soltei um longo suspiro.
- Espero que aguente, porque eu não apanho de graça.
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